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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Nunca Antes na Diplomacia...: Apresentação Paulo Roberto de Almeida

Nunca Antes na Diplomacia...
ensaios sobre tempos não convencionais na política externa

Paulo Roberto de Almeida
Em publicação pela Editora Appris, Curitiba, 2014

Apresentação 
Paulo Roberto de Almeida

“Nunca antes neste país...” foi, provavelmente, o começo de frase mais repetido nos anos de dominância lulo-petista sobre a vida política brasileira. Aliás, não só na vida política, já que alcançando também a vida social, a cultural, a educacional, a futebolística (e como), além de muitos outros campos, alguns nem mesmo detectados adequadamente pelos cronistas da atualidade, ou por investigadores de fatos havidos e pouco sabidos, a serem revelados em toda a sua amplitude em algum futuro incerto.
Correta ou equivocada, verdadeira ou não (provavelmente há algum exagero na afirmação), a frase veio para ficar, convertendo-se numa espécie de marca registrada do personagem, a ponto de um brincalhão ter sugerido que ele a registrasse, ao menos para arrecadar alguns royalties, a partir do seu uso por terceiras pessoas. É evidente, que num ambiente de tal forma impregnado por essa rica e vistosa personalidade, que comandou soberanamente aos destinos do país nesses tempos do “nunca antes”, a  diplomacia não poderia ficar imune aos fluídos transformadores que, do Palácio do Planalto ou a partir de qualquer outro canto remoto do país, até mesmo em cima de algum palanque de ocasião, se disseminaram, com aquele estilo que lhe era peculiar, sobre tudo e sobre todos. Eles não pouparam nem mesmo o palácio de linhas severas e de curvas suaves, que leva o nome do barão que cedeu o original para uso da jovem república positivista, logo repassado aos cuidados de alguns saudosos do Ancien régime monárquico.
O Itamaraty era tido, nesses meios antigos, como o mais conservador dos (então poucos) ministérios brasileiros, e de fato ele sempre manteve um ar de distanciamento détaché em relação aos assuntos correntes do país, como aliás é também característica de outras diplomacias em outros lugares do mundo. Pois foi nesse ambiente tradicional, marcado, tanto quanto no Vaticano ou nas Forças Armadas, por normas rígidas de disciplina e de hierarquia, que as mudanças foram, justamente, as mais significativas nos tempos de “nunca antes”, bem mais, em todo caso, do que no terreno da economia ou no da política, onde as mesmas políticas econômicas do Ancien régime tucanês e as mesmas práticas políticas dos barões do Congresso continuaram a se desenvolver, como se nunca antes alguém tivesse cogitado mudá-las em profundidade. A diplomacia e a política externa foram, em qualquer hipótese, revolucionadas pelo presidente do povo e por seus assessores mais chegados, entre os quais alguns diplomatas, já ganhos ou convertidos ao novo estilo e às novas práticas que passaram a marcar doravante uma das diplomacias mais ativas (e altivas) do mundo, e soberana, claro, como era de se esperar.
Estes ensaios sobre tempos não convencionais na política externa, redigidos ao longo desses anos surpreendentes, tentam capturar o chamado look and feel – como diriam os profissionais do ramo – dessa diplomacia que ainda não cessou de produzir efeitos continuados, no continente certamente, e em algumas outras partes do mundo também. Ela foi transformadora, como queriam seus formuladores, seus promotores e praticantes, alcançando um sucesso inquestionável, não apenas entre os apparatchiks e militantes do partido da causa, mas também junto a 90% da academia (talvez mais) e muitos outros fellow travelers da causa mudancista. Como observador interessado desse ambiente febril, feito de inúmeras iniciativas inovadoras e de uma ou outra quebra do protocolo tradicional, tentei resumir em meus ensaios irreverentes o sentido da nova agenda e seus impactos, não apenas na diplomacia profissional, mas para o país como um todo, estudioso que sou das coisas do Brasil desde minha primeira adolescência.
Os ensaios aqui reunidos, feitos para revistas diferentes, em diversos momentos desses anos mudancistas, podem se repetir um pouco nos argumentos desenvolvidos sobre a diplomacia do nunca antes e, certamente, eles exibem o mesmo ceticismo fundamental em relação aos fundamentos, aos conceitos e, sobretudo, à implementação da política externa lulo-petista, nas condições em que foi concretizada, com os resultados que exibiu, em função das escolhas feitas (em relação às quais eu mantenho, repito, um ceticismo fundamental). Com tal tipo de atitude, certamente não terei o apoio de 90% dos acadêmicos, que discordarão em 100% de minhas posições, sem mencionar a desaprovação de alguns colegas, que costumam manter a habitual cautela, mesmo sob condições peculiares de trabalho e em face de opções políticas nunca antes surgidas.
Não que isso me preocupe sobremaneira. Durante a maior parte de minha vida pensante, tentei ser o que sou: basicamente, um contrarianista, ou seja, alguém que está sempre questionando os fundamentos de quaisquer propostas de políticas que possam ser apresentadas com as melhores das intenções possíveis. Meu espírito libertário, quase anarquista, não combina muito com grandes burocracias obedientes, e um ex-chefe já me chamou de accident prone diplomat, talvez porque eu tenha esse costume de contestar certas instruções, quando as considero pouco adequadas ao caso em questão, ou quando as encontro em contradição com a minha interpretação do que poderia ser chamado, com alguma latitude conceitual, de interesse nacional. Desse ponto de vista, podemos dizer que eu fui excepcionalmente bem servido pelos anos de diplomacia do nunca antes, de fato uma política externa que nunca antes tinha desabado sobre o Palácio do Itamaraty (mas reconheçamos que, algum dia, isso tinha de acontecer).
Espero que os leitores destas páginas tenham tanta satisfação em sua leitura, quanto eu tive em sua feitura, um período de intensas reflexões, mas não vinculadas a muitas ações, se alguma. Aprendi, ao longo do meu período de autoexílio voluntário, durante os anos de chumbo do regime militar brasileiro, que algum distanciamento crítico em relação ao objeto de estudo pode ser útil para abrir o espírito a outras visões e outras percepções da realidade analisada. Na Europa, nos primeiros sete anos da década de maiores transformações nunca antes vistas no Brasil até então, eu pude ver o país sob outros olhos, inclusive comparando-o com as economias emergentes – o termo ainda não estava na moda – da América Latina, ou com outros países em desenvolvimento (o termo já tinha substituído ao anterior, mais depreciativo, de países subdesenvolvidos). Pude, assim, avaliar nossa situação relativa, em face de tantos outros exemplos de fracasso e de alguns bem sucedidos. A Ásia Pacífico ainda não tinha decolado tão espetacularmente quanto o fez nos últimos anos da Guerra Fria, e depois, no auge da globalização triunfante, antecedendo às crises financeiras que abalaram a confiança dos novos dinâmicos nas virtudes das economias de mercado totalmente abertas. O Brasil, aliás, com suas taxas “milagrosas” de crescimento, atraía os asiáticos, que vinham ao Brasil tentar entender qual era a receita para crescer acima de 10% anuais no PIB.
É curioso, a esse respeito, que os novos companheiros da distribuição de renda e da inclusão social tenham demonstrado tanta apreciação pelo modelo “militar” de planejamento estatal e de crescimento econômico, tanto pela voz do seu guia máximo, quanto pela ação do seus economistas improvisados. Talvez eles gostem do capitalismo estatal e do stalinismo industrial praticado pelos militares, já que certamente desgostam da vertente mais liberal da economia de mercado, o que eu não deixo de registrar nestes ensaios críticos sobre a diplomacia do nunca antes. De fato, nunca antes na diplomacia tínhamos assistido a defesas tão consistentes de modelos autoritários, quando não de ditaduras longevas, o que justamente deveria causar certos sentimentos contraditórios em militantes que supostamente tanto sofreram sob a nossa tão desprezada ditadura.
Os ensaios aqui reunidos, alguns deles inéditos, representam apenas uma parte da minha reconhecidamente grande produção de livros e de artigos sobre as questões das relações econômicas internacionais, da diplomacia brasileira e do desenvolvimento econômico comparado, embora eles constituam a fração mais importante dos trabalhos produzidos sobre a diplomacia destes últimos dez anos. Ficaram de fora alguns outros ensaios importantes, seja porque foram escritos e publicados em inglês, francês ou espanhol, em revistas do Brasil e do exterior, seja porque já tinham sido incluídos em livros coletivos publicados sob a responsabilidade de colegas acadêmicos. Listei na bibliografia geral esses outros trabalhos que guardam pertinência para a temática aqui abordada, junto com todos os demais títulos citados nos ensaios compilados, e um ou outro título consultado, mas não expressamente referenciado em notas de rodapé.
São muitos os livros e artigos que manipulei ao longo dessa década voltada basicamente para os estudos, uma vez que não estive diretamente envolvido com nenhuma vertente da diplomacia companheira (o que talvez tenha vindo a calhar para o pleno exercício de minha liberdade de pensamento). Muitos desses livros e artigos, vários de colegas de carreira, estão resenhados num volume que intitulei Prata da Casa: os livros dos diplomatas, e que ainda aguarda edição impressa, para os interessados na bibliografia da área. Continuarei, como é natural, produzindo outros trabalhos, sobre os mesmos temas e outros correlatos, em torno dos quais mantenho laços afetivos muito especiais, como podem ser os da história econômica e do desenvolvimento brasileiro.
Recebo muitos comentários de leitores de meus livros e artigos através de meu site pessoal ou do blog que mantenho sobre temas afins: Diplomatizzando, que parece contar com alguma audiência fiel entre estudantes e alguns colegas (que, via de regra, me escrevem anonimamente para também relatar o que pensam a respeito da diplomacia do nunca antes ou sobre outros aspectos do governo companheiro). Espero continuar ativo na próxima década, assim como estive atento aos temas de minha predileção na década que acaba de se encerrar. Esta é uma forma de manter contato com leitores desconhecidos e de assim continuar apresentando minhas reflexões sobre os tempos não convencionais que estamos atravessando atualmente.
Não creio que venha a me surpreender outra vez com novos eventos bizarros, na diplomacia ou fora dela, tantas foram as surpresas desta década memorável, vários delas registradas nestas páginas. Justificam-se, assim, plenamente, tanto a frase símbolo deste período (que ainda não se encerrou), quanto o título do livro, plenamente adequados, ao que parece, à diplomacia companheira. De fato, nunca antes neste país de repetições involuntárias, palavras tão simples soaram tão adequadas e ajustaram-se tão bem aos tempos que correm. Boa leitura a todos...

Paulo Roberto de Almeida

Hartford, abril de 2014

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