Muito mais literatura do que política neste discurso. A recepção foi feita pelo romancista Josué Montello, um dos patronos de sua candidatura.
Ambos discursos figuram na página da ABL.
Discurso de posse de José Guilherme Merquior na Academia Brasileira de Letras (11/03/1983)
Senhores acadêmicos,
Nos 17 lustros de vida desta egrégia Companhia, a Cadeira que,
em vossa magna indulgência, houvestes por bem confiar-me só contou três
ocupantes: o Conde Afonso Celso (1897-1938), o Professor Clementino Fraga
(1939-1971), o Embaixador Paulo Carneiro (1971-1982). Um espírito irônico seria
tentado a dizer que, nesta Poltrona, assenta-se com demasiada convicção a
crença na quimera da nossa imortalidade... Todavia, a densidade moral e humana
da Cadeira 36 sempre andou na razão inversa da demográfica, e no modelo de meus
predecessores há muito mais a imitar do que a mera longevidade.
Pedia Pope que, no crítico, não se perdesse o homem: “[...] nor
in the critic let the man be lost!” Deixai-me seguir o preceito do poeta e,
antes mesmo de referir qualquer traço da obra desses autores, lembrar aqui que
eles foram não apenas três homens de bem, senão também de caráter – de caráter
posto à prova em momentos diversos –, mas igualmente decisivos, dessas três
vidas tão exemplares quão gloriosas. Já advertia o romancista que, em nossa
época, o que falta não são os homens de ação e sim as ações de homem. Pois bem:
essas ações, Afonso Celso, Clementino Fraga e Paulo Carneiro não se eximiram de
praticá-las, quando os tempos se tornaram desafio. Logo lhes recordaremos a
têmpera, ao evocar-lhes o temperamento intelectual.
Desta Cadeira de profícuos provectos, o Patrono, por contraste,
morreu bem jovem. Foi ele Teófilo Dias (1854-1889), o poeta das Fanfarras (1882),
livro em que o despudor antirromântico refletia o trato com a superfície
das Fleurs du Mal, e no qual figura um poema antológico, “A
Matilha”, assinalado pelo outro Teófilo, Teófilo Braga, e não desdenhado por
Manuel Bandeira na seleção – Poesia do Brasil (1963) – em que
me deu a honra, nos meus primeiros passos de Crítica, de secundá-lo. A Teófilo
Dias se aparentava, como protoparnasiano, o poeta Afonso Celso, embora com musa
de mais recato, mais afeita ao intimismo de Gonçalves Crespo que à sensualidade
de aparato. Daí a escolha do sobrinho de Gonçalves Dias, desaparecido com o
Império, para padroeiro desta Poltrona.
Sobrinho de Gonçalves Dias, encaminhado no ensino da Corte pela
mão de Benjamin Constant, e casado na grei dos Andradas, Teófilo Dias nos faz
pensar que a Cadeira 36, à força de resistir à Parca, como que buscou compensar
a pequena galeria de seus ocupantes por uma espécie de nexo simbólico, tecido
na biografia dos que a ela se associaram, com os próprios numes tutelares da
nacionalidade. Assim, se, na vida do Patrono, se entrelaçam os vultos do
Patriarca da Independência, do primeiro poeta central do Brasil soberano e do
fundador da República, o quadro se completa com as sombras de Oswaldo Cruz, a
cuja plêiade de diletos discípulos pertenceu o jovem Clementino Fraga, de
Caxias, em cuja estirpe se casou Paulo Carneiro, e de Rondon, que foi seu
padrinho na Igreja Positivista. Que secreta e harmônica magia, nesse pano de
fundo biográfico, verdadeiro compêndio de brasilidade!
“Brasilidade”, bem o sabeis, é vocábulo criado por Afonso Celso
(1860-1928). Polígrafo de valor, o futuro conde papal começou pela Lírica e a
Oratória parlamentar. Em 1881, mal completa a maioridade, sai deputado pela lei
Saraiva, que conjugava a eleição direta com o retorno ao sistema distrital, a
que só agora forcejamos por voltar. Filho de um dos maiores próceres liberais
do fim do Segundo Reinado, declara-se republicano e é, na Câmara de 1886, o
único abolicionista confesso. Mas eis que a queda do Império o torna
monarquista, em parte por fidelidade a seu pai, o visconde de Ouro Preto,
estadista dos mais vilipendiados no início do novo regime, e em parte por
altivo repúdio ao adesismo generalizado da classe política. Com sarcástica
dignidade, resume o sentido de sua conversão:
Manifestei-me outrora republicano e presentemente monarquista.
Modificaram-se-me as convicções. Deu-se comigo o mesmo que se deu com a quase
totalidade dos políticos ora figurantes. A diferença consiste em que o meu
republicanismo terminou no momento em que o deles emergiu, isto é, a 15 de Novembro.
A bravura de Afonso Celso recusava o conselho de Maquiavel: stà con chi
vince! Quixotescamente, decide, como Eduardo Prado e alguns poucos mais,
fustigar nossa vitoriosa fronda pretoriana (a expressão é de Sérgio Buarque de
Holanda) por meio de “guerrilhas” jornalísticas – título com que, efetivamente,
coligirá, em 1895, seus artigos antirrepublicanos.
Jornalístico é, de resto, todo o estilo de Afonso Celso,
inclusive nos períodos breves de seu gráfico memorialismo (Oito Anos de
Parlamento, Vultos e Fatos). A diferença entre o Jornalismo e a Literatura,
zombava Oscar Wilde, é que o primeiro é ilegível, e a segunda não se lê... Pois
Afonso Celso compôs artigos altamente legíveis que, hoje, se deixam percorrer
como Literatura da boa. Relede, por exemplo, o retrato de Nabuco em Oito
Anos de Parlamento: não cede, na sua precisão evocatória, a vinhetas que o
próprio modelo nos legou, no seu primoroso Um Estadista do
Império. Como seus dois sucessores nesta Casa, Afonso Celso possuía um estilo
eminentemente verbal que, longe de ser verboso, refletia da oralidade o hábito
da fluência elegante, acostumada ao adjetivo definidor e ao ritmo vivaz da
frase.
Muito haveria que falar sobre o homem, o escritor e o líder
cultural. Sobre o grande viajante, que palmilhou (coisa rara na época) nosso
hemisfério e não só a culta Europa e acabou sendo instado, em Salt Lake
City – belo homem que era – a render-se à prática da poligamia...
Sobre o ficcionista e o copioso poeta sentimental. Sobre o intelectual
católico, que, em suas próprias palavras, pertenceu apenas ao partido de
Cristo. Sobre o operoso presidente, por todo um quarto de século, do Instituto
Histórico, precursor operoso do descortino e dedicação de Pedro Calmon. Mas
prefiro despedir-me de meu Fundador, lembrando nele o promotor da Ação Social
Nacionalista e o criador do ufanismo. Numa época em que nacionalismo não era
xenofobia, nem arte de inventar bodes expiatórios para nossos erros e falhas, e
sim empenho de valorização do nosso passado e da nossa raça frente à descrença
na viabilidade do Brasil e nas virtualidades de seu povo, Afonso Celso, em
pleno quarto centenário do Descobrimento, lançou seu breviário patriótico
– Porque Me Ufano de Meu País. É impossível não aproximar esse
ufanismo de 1900 do brasileirismo de 22. Ao ensaísmo dos modernistas, coube
desenvolver numa dimensão analítica a mensagem animadora de Afonso Celso.
Mensagem na qual o Gilberto Freyre de Ordem e Progresso não vacila em
reconhecer um “corretivo” para o desprezo que outrora acometia os brasileiros,
ao refletir sobre as suas origens étnicas e históricas.
Clementino Fraga (1880-1971) inaugura na Cadeira 36 e reforça na
Academia uma valiosa tradição: a aliança de Ciência e Humanismo, que Paulo
Carneiro tão bem saberia prolongar. Filho de modestos agricultores do
Recôncavo, o moço Clementino viveu numa Salvador onde as aulas de Ernesto
Carneiro Ribeiro, o filólogo e contendor de Rui, se alternavam com a volúpia da
vida praiana, sem esquecer aquele gosto pelas festas populares a que só a Bahia
sabe dar uma aura simultaneamente cósmica e telúrica. Imaginai uma vocação de
“capitão de areia” que fosse ao mesmo tempo aluno brilhante, clara promessa
intelectual: aí tendes, em síntese, a infância feliz de Clementino, entre
livros e saveiros.
Na minha adolescência, conheci vários monumentos de Salvador
pela mão de seu irmão Artur Fraga, destacado comerciante daquela praça e pude
perceber que o amor ilustrado à decana das cidades brasileiras era, entre os
Fraga, uma virtude de família. Como o é no mais antigo de meus amigos e
mentores baianos: Luís Viana Filho.
Assessor de Oswaldo Cruz na epopeia sanitária do governo
Rodrigues Alves, amigo e admirador admirado de Carlos Chagas e Miguel Couto,
príncipe dos esculápios de sua terra na segunda década do século, douto e
querido lente das escolas médicas da Bahia e do Rio, Clementino enfrentou, com
a maior valentia, no crepúsculo da República Velha, o retorno da febre amarela
à capital do País, agora em forma insidiosamente epidêmica. Paulo Carneiro, em
seu discurso de posse, traçou com mão de mestre o dramático alcance dessa
batalha, conduzida por Clementino Fraga na qualidade de diretor do Departamento
Nacional de Saúde Pública, cerca de dez anos antes de ocupar a Secretaria de
Saúde do então Distrito Federal, na gestão do Prefeito Henrique Dodsworth.
Clementino Fraga foi um representante exponencial de uma espécie
ora julgada por muitos em vias de extinção: a raça dos médicos cultos, íntimos
do pensamento e das Letras. De Francisco de Melo Franco e Manuel de Macedo, o
médico que nunca clinicou, ao superclínio Luís Delfino e a Afrânio Peixoto; de
Jorge de Lima, José Geraldo Vieira e Peregrino Jr. a Guimarães Rosa e Pedro
Nava, vários foram os doutores que enriqueceram deveras, em todos os seus
períodos, a nossa Literatura. E, mesmo aqueles que não cultivaram o verso ou a
ficção, contribuíram em alto grau para a excelência da Crítica, do Ensaio e da
Oratória, ainda quando ilustrar esses gêneros lhes fosse uma projeção da
atividade científica: se o crítico Afrânio Coutinho trocou muito moço a
Medicina pela anatomia da forma literária, aí estão Deolindo Couto e Carlos
Chagas Filho para mostrar que o bem escrever e o comércio com as humanidades
não são apanágio dos literatos puros. A prosa tersa, frequentemente irônica, de
Clementino Fraga, repassada de humanismo experiente, pertence a essa linhagem,
que seus filhos Hélio e Clementino prolongaram entre a cultura médica do Rio de
Janeiro.
***
Conheci Paulo Carneiro na Paris pré-maio de 1968; pela mão de Guilherme
Figueiredo, ao tempo da marcante embaixada de Bilac Pinto. Logo fiquei cativo
da excepcional fidalguia do seu trato, sempre manifesta em ocasiões sociais na
embaixada, na UNESCO, ou na companhia de outros aristocratas do espírito de
frequente passagem por Paris – um deles, velho amigo de Paulo Carneiro e como
ele, veterano das lides da UNESCO: esse alto poeta e sábio pedagogo que se
chama Abgar Renault. Outro, o historiador e biógrafo Francisco de Assis
Barbosa, com quem muito conversei, desde esse tempo, sobre duas gerações: a de
Paulo Carneiro e a de seus pais, os positivistas da nossa Belle Époque.
Como resistir ao encanto do parisiense chevronné,
fino gourmet e consumado esteta, que se dava ao trabalho de
apresentar ao terceiro-secretário ainda nas fraldas da carrière alguns dos
templos da gastronomia da Rive Gauche? Como não sucumbir ao sortilégio de sua
conversa ao mesmo tempo amena e filosófica? O terceiro-secretário, na
instintiva petulância da juventude, pensava que sabia tudo, ou quase; o embaixador,
ainda vigoroso no limiar da velhice, sabia que saber é sobretudo conhecer
quanto se ignora. No entanto, quanta aceitação o primeiro encontrava no
segundo, ao sabor das tertúlias provocadas pela voga estruturalista, ou pelo
refluxo dos événements de Maio!
Por vezes, na Maison de l’Amérique Latine ou em outra sala de
prestígio, Paulo Carneiro nos brindava com uma palestra. Conferencista nato,
seu domínio do francês era um objeto legendário da admiração de sucessivas
gerações intelectuais e diplomáticas. Ouvi-lo, na sua perfeita elegância de
dicção e exposição, equivalia a concordar com o aforismo inglês: o bom poeta
põe um mundo em poucas palavras; o bom orador, de poucas palavras extrai um
mundo.
“Quem nada tem a dizer”, pensava Bernard Shaw “não tem nem pode
ter estilo”. Paulo Carneiro tinha sempre muito a dizer, conforme é fácil
concluir ao mero manuseio de seu livro-suma: Vers un Nouvel Humanisme,
editado por Pierre Seghers em 1970. Este orador, que tinha o gênio da
comemoração, jamais se perdia na palavra fútil. Assim punha ele no mais mundano
dos gêneros literários – a conferência extracurricular – uma constante
substancialidade de pensamento, sem qualquer laivo de oportunismo intelectual
e, em particular, sem a mínima veleidade de seguir as modas ideológicas
reinantes. Pouco ou nada lhe importavam os decretos da haute couture do
espírito, os ucasses dos gurus germanopratinos; e, quando se abalava a comentar
algum, era única e exclusivamente em função do que houvesse de autenticamente
relevante na sua obra, para além de todo modismo. Foi com esse discernimento
que se interessou, por exemplo, pela renovação da antropologia devida a meu
mestre Lévi-Strauss, sobre cujas afinidades com certos aspectos do Positivismo
Paulo Carneiro discreteava com especial sagacidade.
Pronunciei enfim a palavra: Positivismo. Paulo Carneiro foi,
todos o sabemos, o último grande apóstolo da fé comteana – no Brasil e na
França. Falar dele sem falar nela seria omitir o perfil mais próprio de sua
fisionomia intelectual e moral. Permiti, portanto, que vos diga duas ou três
coisas sobre o que foi – o que representou – o Positivismo entre nós.
Do Positivismo Brasileiro, já se disse que foi “a vocação
espiritual mais sincera e mais heroica” de nossa Cultura. Sabeis de quem são
esses superlativos? De algum idólatra, decerto, pensarão alguns. Engano – são
de um não positivista, cético à Renan na mocidade e católico convicto no outono
de seus anos: ninguém menos que Joaquim Nabuco. É que não escapou a Nabuco o
sentido genuinamente espiritual da mensagem de Comte e, sobretudo, da prática
de seus maiores discípulos tropicais – os positivistas brasileiros das três
primeiras gerações republicanas. Não lhe escapou a estatura moral dessa espiritualidade
sem transcendência, que foi sem vacilação abolicionista, republicana,
socialíssima sem ser socialista, profundamente humanista e visceralmente
pacifista, tudo isso em meio a um ambiente viciado pelas formas mais estéreis e
predatórias de individualismo e autoritarismo. Pois o Positivismo foi
principalmente um momento de vertebração ética de nossa consciência social. Daí
o acendrado ascetismo (logo notado por Nabuco) de seus fundadores, Miguel Lemos
e Teixeira Mendes. Daí, quem sabe, nossos comtistas terem sido mais ortodoxos
que os próprios epígonos franceses de Comte e terem dado tanta ênfase – exceto
entre os castilhistas – ao tema da “religião da humanidade”.
Não disponho de tempo, nem vós, certamente, de paciência que me
permita evocar aqui, em sua plenitude, a configuração ideológica do
Positivismo. Bastará, a rigor, esboçar uma distinção: a diferença entre o
Positivismo-clima e o Positivismo-seita. O primeiro foi uma atmosfera mental,
na verdade o substrato comum do que já se chamou com acerto de Ilustração
brasileira, e corresponde, na história de nossa Cultura, à época
parnasiano-positivista. Desse clima ideológico, andou impregnado, nos anos 80,
Rui Barbosa, e na dobra do século, Euclides da Cunha.
Já o Positivismo-seita foi algo mais específico: uma espécie de
teocracia leiga, caracterizada, no caso brasileiro, pela mais estrita
ortodoxia. Josué Montello, em página recente, exumou deliciosa anedota, que bem
retrata o purismo doutrinário dos positivistas do Apostolado, no Rio de Janeiro.
Naquele tempo, era corrente distinguir-se o ortodoxo do simpatizante. Só que
não se dizia simpatizante e sim “simpático”. Um belo dia, Teixeira Mendes,
santo homem proverbialmente distraído, demandando o templo positivista,
perdeu-se no dédalo das ruas pecaminosas da Lapa. Uma mulher-dama, debruçada de
uma sacada, põe-se a chamá-lo: “Vem cá, simpático...” Ao que nosso apóstolo,
indignado, prontamente replica: “Não sou simpático, minha senhora – sou
ortodoxo!”
Minha educação secundária ainda recolheria – no Instituto
Lafayette, criatura do positivista Lafayette Cortes – os últimos clarões desse
ethos altruísta e generoso, que unia amor ao saber e amor ao próximo, fundindo
assim o melhor do Cristianismo com o melhor da Ilustração. O Positivismo foi a
tentativa mais consistente de alcançar uma síntese entre Iluminismo e
Romantismo, razão crítica e sentimento comunitário. Por aí se explica sua voga
no anteontem de nossa história – naquele Brasil que era, no dizer de Manuel
Bonfim, pouco mais do que um mundo de escravos dominado por um mundo de
ignorantes: um meio social por definição supercarente do hábito do conhecimento
e da vivência da comunidade.
Nada mais fácil que caricaturar os excessos doutrinários de
Comte, o mimetismo de suas obsessões litúrgicas, o anacronismo de tal ou qual
ponto de seu credo epistemológico. Bem mais remunerador, entretanto – hoje que
já dispomos da necessária distância histórica para compreender o fenômeno
positivista – é procurar entendê-lo como um nobre esforço para levar a sério o terceiro
mandamento da Revolução Francesa, demonstrando que a síntese das duas
tendências dominantes do mundo moderno, liberdade e igualdade, passa,
necessariamente, pela lúcida mediação do dever e sentimento de fraternidade.
Da liberdade e da igualdade, nossos positivistas não descuraram
nem um pouco. Pregaram a liberdade de opinião e de confissão religiosa,
combatendo com empenho as ameaças à livre expressão dos católicos e
monarquistas. Insistiram na liberdade de profissão, como se pressentissem que
os séculos marchavam para o despótico e desacreditado formalismo da “sociedade
de diploma”. Defenderam, quase sozinhos, o direito de greve e a humanização da
condição operária. Compreenderam o papel social da família, valorizaram a
mulher e enalteceram o apego à pátria sem nenhuma concessão ao Nacionalismo
estreito. Mas foi certamente seu senso único e ativo de fraternidade que levou
o estudante burguês Paulo Carneiro, bisneto de notáveis do Império, a viver,
por todo um ano, como aprendiz de ferreiro no Engenho de Dentro.
Meio século mais tarde, ao escolher uma epígrafe para seu livro,
ele se lembrou da Segunda Epístola de São João: “[...] não amemos de palavra
nem de língua, mas por obra e em verdade.”
Mas o aprendizado social não era, para o filho do doutor Mário
Barbosa Carneiro, modelo de servidor público da nossa Primeira República, mera
efusão sentimental. Antes se conjugava com o desabrochar de uma autêntica
vocação de pesquisador, que em breve floresceria no viveiro científico do
Instituto Pasteur, onde o químico Paulo Carneiro realizaria suas experiências
com o curare. O brilhante aluno da Politécnica, pupilo de Julio
Lohmann, tinha encontrado seu caminho. E, pela mesma época, veraneando no vale
de Itaipava, ganhou o coração da jovem e bela Corina de Lima e Silva, sua
futura mulher e mãe de seus dois filhos, Beatriz e Mário. Consta que Tennyson
seduziu sua companheira desfechando-lhe à queima-roupa, num desses bosques
mágicos do sul da Inglaterra, a pergunta irresistível: “você é uma náiade ou
uma dríade?...”. Suspeito que o encontro de Paulo e Corina, o sedutor e a
ninfa, não terá sido muito diverso.
De volta ao Brasil, após seu estágio inicial em Paris, Paulo
Carneiro penetra na casa dos trinta, conquistando garbosamente a livre docência
de química geral na Escola Politécnica – e mergulhado de peito aberto na vida
pública. Mas esse filho do século não estava destinado à política e sim à
“ação” pública (e quantas vezes as duas são antônimas!), à prática destemida do
“reformismo ilustrado”. Seus maiores esforços se resumem em duas memoráveis
campanhas. Mil novecentos e trinta e três: Juarez Távora, sucedendo a Mário
Barboza Carneiro na Pasta da Agricultura, convida o filho de seu predecessor
para, como cientista, assessorar o gabinete do ministro. Delegado brasileiro à
conferência preparatória do III Congresso Internacional de Indústrias
Agrícolas, realizado em Paris, Paulo Carneiro se bate contra a política de
destruição de estoques – inclusive do nosso café – e concita as autoridades
econômicas a adotarem formas racionais de aproveitamento dos produtos em
superprodução. Esse inconformismo do jovem cientista contra a economia selvagem
daqueles anos de crise prefigurava, em sua humanitária preocupação com o
desemprego, certos aspectos da visão reformadora de Keynes. O positivista
afeito à consciência dos problemas sociais se sentia desinibido para
desobedecer aos tabus do laissez-faire e via mais longe do que
os gestores do capitalismo em crise.
Em breve, essa audácia intelectual se completaria, na trajetória
de Paulo Carneiro, com seu momento de maior coragem moral. Refiro-me – já o
adivinhastes – aos nove meses em que ele esteve, em 1935, a convite do
governador Carlos de Lima Cavalcanti, à frente da Secretaria de Agricultura do
Estado de Pernambuco, com o mandato expresso de remodelá-la. A determinação com
que o novo secretário equacionou o problema da subnutrição no Estado cedo o
levou a propor medidas de reforma agrária, abrangendo a desapropriação das
reservas florestais e dos latifúndios incultos, para que fossem explorados em
regime de economia mista.
Tanto bastou para que se assanhasse contra ele, indignada e
intransigente, a oligarquia rural da velha província. Paulo Carneiro lutou.
Debateu na Assembleia, apelou para o clero, argumentou pela imprensa – tudo em
vão. Debalde, os jornalistas independentes da época lhe prestaram seu concurso.
Um deles, particularmente intimorato em ano tão agitado de nossa História, pois
que marcado pelo embate do comunismo primário e do anticomunismo não menos
crasso, não hesitou em prevenir: “Creio que o secretário de Agricultura de
Pernambuco, Sr. Paulo Carneiro, vai ser tachado de vermelho, só porque voltou
os olhos para os mocambos e quis melhorar a sorte dos operários das usinas e
dos engenhos, que se alimentam de farinha e rapadura.” E o mesmo artigo –
publicado no Diário da Noite em outubro de 1935! – advertia
que a justiça social, além de perfeitamente cabível nas instituições
liberal-democráticas, serviria de barreira à violência das massas oprimidas.
Quereis o nome do autor? Ali está ele: era Austregésilo de Athayde.
Mais de trinta anos depois, o conceito social de propriedade da
terra finalmente vingaria entre nós, em tácita homenagem a pioneiros como Paulo
Carneiro. É suficiente lembrar que, somente num ano – 1981 – o Governo Federal
distribuiu títulos de propriedade agrária abrangendo uma extensão total
superior à área de Portugal: mais de 100 mil Km2.
Não foi esta a última cruzada de envergadura a que se dedicou
Paulo Carneiro, como cientista militante. Citarei apenas mais uma: seu bom
combate pela abordagem científica da Hileia Amazônica, desenvolvido na UNESCO,
em 1946 – o primeiro ano de sua longa e fecunda gestão como delegado (ministro
e depois embaixador) do Brasil junto ao braço educacional, científico e cultural
da ONU.
Mas não antecipemos. A metamorfose definitiva de Paulo Carneiro
no maior diplomata cultural latino-americano do nosso tempo data do pós-guerra.
Antes dela, no clima carregado do período pré-bélico, o químico voltou às suas
pesquisas no Instituto Pasteur, enquanto o jovem intelectual estreitava
relações com luminares do pensamento europeu e se ligava, com filial afeto, ao
embaixador Sousa Dantas, o amigo de Briand, grande representante brasileiro na
França da III República.
Em quase cinquenta anos de residência em Paris (interrompidos
tão-somente pelo internamento em Baden Baden (com Guimarães Rosa) e em Bad
Godesberg (com Sousa Dantas) por força do ingresso do Brasil no conflito, em
favor dos Aliados), a projeção adquirida por Paulo Carneiro fez dele um
paradigma de diplomacia. Seu prestígio pessoal na UNESCO o situa, na opinião
unânime dos que bem conhecem a hoje atribulada organização, entre seus maiores
patronos, ao lado de Julian Huxley, Jean Rostand, Torres Bodet...
Quando cheguei em posto a Paris, Paulo Carneiro já tinha passado
o bastão da Délégation du Brésil ao renome e dinamismo de seu amigo Carlos
Chagas. Por outro lado, não faltavam, na representação diplomática
latino-americana, chefes de missão do melhor gabarito intelectual. Lá estavam,
entre outros, Miguel Angel Asturias (a quem Jorge Amado me apresentou); o
insigne historiador mexicano Silvio Zavala; o notável ficcionista cubano Alejo
Carpentier... Porém, manda a verdade que se diga: para orgulho do Brasil,
nenhum deles desfrutava da situação de “Paulô Carnerô” entre os intelectuais de
Paris, que não são, como sabeis, apenas faróis da França e sim estrelas de todo
o Ocidente. Pode admirar que o tenham escolhido para integrar o conselho
executivo da UNESCO, para membro correspondente do Instituto, para presidente
da União Latina e, finalmente, para liderar sua própria criação, a Academia do
Mundo Latino, que também se reúne sous la coupole?
Nesta última, a seu convite, participei de um júri, tentando
conferir sua láurea máxima ao outro europeu, entre nossos intelectuais de sua
geração: o grave e grande poeta que foi Murilo Mendes.
O internacionalismo não era, para Paulo Carneiro como para o
próprio Murilo, um cosmopolitismo oco e vazio, uma superfetação diletante.
Homens como eles não concebiam a internacionalidade sem raízes. O católico
Murilo em Roma, o positivista Paulo Carneiro em Paris jamais esqueceram suas
origens – antes viviam a proclamá-las e ambos tomaram sempre a Cultura latina
como a moldura natural e orgânica de nosso jeito íntimo de ser. Por isso, não
havia neles o menor indício de desnacionalização em prol de não sei que postiça
osmose às terras em que, por tanto tempo, viveram e atuaram longe do Brasil.
Ninguém mais francófilo do que Paulo Carneiro – mas, igualmente, ninguém menos
afrancesado. Sua ardente devoção à latinidade refletia essa postura autêntica.
Latino tropical por direito de nascença, nunca o senti pedindo permissão às
metrópoles do mundo românico para expressar sua latinidade peculiar – e o mesmo
valia, mutatis mutandis, para o seu profundo sentido do europeu em
Cultura. A assombrosa naturalidade com que Paulo Carneiro se movia no âmbito da
civilização do Velho Mundo foi a melhor confirmação prática daquele agudo
reparo de Borges: os verdadeiros europeus, a rigor, somos nós – os
euramericanos; pois, num certo sentido, enquanto o francês é mais francês, o
inglês mais inglês, o italiano mais ítalo que europeu, só nós é que conseguimos
estabelecer, de chofre, uma relação espontânea com o conjunto da Cultura europeia.
“Europeu”, culturalmente falando, é o euramericano culto – a figura humana de
que Paulo Carneiro foi um exemplo quintessencial.
E, talvez por tê-lo sido, é que ele obteve, com tanto donaire,
o que tão poucos de nós (a despeito desse potencial) alcançamos: a capacidade
de levar Cultura à Europa, não de modo tópico e efêmero, mas de maneira
permanente e frutífera. Foi exatamente isso o que fez Paulo Carneiro, como
guardião da casa e do legado de Comte e fidelíssimo intérprete do seu
pensamento.
A ele devemos os estudos mais iluminadores sobre a
correspondência do filósofo de Montpellier, particularmente no tocante à
elucidação de sua teoria social e política, apressadamente tachada de
autoritária. E não foi menor o mérito de Paulo Carneiro ao acentuar a índole
antidogmática da ideia comteana de Ciência, com seu acento na relatividade do
saber. Relede o erudito ensaio sobre Galileu constante de Vers un
Nouvel Humanisme: lá se mostra como Comte se recusava a absolutizar os
resultados da Física Clássica. Não conheço nada mais alto, entre as várias
doações do espírito latino-americano a suas culturas ancestrais, que o
primoroso discurso com que Paulo Carneiro fez entrega ao primeiro-ministro
Raymond Barre dos papéis de Auguste Comte, carinhosamente zelados por sua total
dedicação durante décadas de quase completo descaso público. São os próprios
franceses que o dizem: Paulo Carneiro transformou o culto inteligente de Comte
numa admirável contribuição do Brasil à História da Filosofia Ocidental. Ao
reler essa nobre alocução de oferta, redobra em mim o orgulho de figurar, ao
lado de quem a proferiu, numa página acerca de brasileiros em Paris, das mais
líricas nas memórias de Afonso Arinos.
Comte, o exaltador da latinidade, redivivo no cuidado de Paulo
Carneiro! Percorrer, guiado por ele, as salas, os móveis, os livros e
documentos da Rua Monsieur le Prince era uma espécie de rito iniciático – um
suave mistério de penetração na vida, no pulso de todo um sistema de crença e
análise. Revejo o vulto esbelto e encanecido do mago que presidia a visitação
da aura... Que emoção não terá ele experimentado, por seu turno, quando, na
glória dos seus setenta anos, dia por dia, seu cunhado Ivan Lins o recebeu
neste salão – a ele, o sobrinho-bisneto de Teixeira Mendes, devotado à custódia
do lar e da obra do Mestre, acolhido entre os díspares herdeiros do Bruxo do
Cosme Velho pelo último abencerragem da fé positivista sob o Cruzeiro do
Sul?...
Sem querer, minha lembrança voa para o gabinete de Comte;
recorda o timbre lhano da voz do mago, na luz tamisada da tarde outoniça. Uma
voz ática, de translúcida clareza. As longas, delicadas mãos do fino
epicurista, que sublimara a vontade ascética dos pioneiros da doutrina positiva
no conhecimento criterioso do prazer. O voluptuoso do belo, que retornava qual
um pássaro aos rútilos tesouros de Veneza, hospedado no Hotel Gritti para
melhor divisar as volutas barrocas da Salute... Em que fórmula cabe seu
ensinamento?
Quem sabe em três lições. A primeira é um precioso traço antigo:
a aliança de Humanismo e Ciência, tão longínqua desse rejeicionismo
obscurantista em que se refugia o que hoje passa por “humanismo”. O Humanismo,
senhores, esse filho excelso da razão ocidental, sofre, sob nossos olhos, uma
estranha perversão. De Leonardo a Goethe, ele foi basicamente “inclusivo”:
aberto ao progresso do saber e às revoluções científicas. Isso tanto era certo
do Humanismo filosófico da Renascença quanto do Humanismo dos philosophes ao
tempo do enciclopedismo; e também, muito significativamente, dos próprios
fundadores da Ciência Moderna: Galileu foi um humanista. Só conosco é que se
instala no Humanismo estabelecido o rancor contra a Ciência, a denúncia
irracional e indiscriminada do progresso; só conosco é que humanistas passaram
a repudiar, injustificadamente, a Cultura Moderna. A reagir, como diz Roberto
Campos, ao processo histórico com acesso histérico.
Espíritos claros como Paulo Carneiro resistiram em toda a linha
a essa patologia do Humanismo, buscando no evangelho de Comte uma relação
incomparavelmente mais madura entre a Ciência e o humano. O próprio engajamento
social – social e não sectário – dos positivistas era uma forma de praticar
aquele “amoroso uso da sapiência” de que nos fala Dante e que Miguel Reale
inscreveu no fecho da nossa mais densa obra filosófica, Experiência e Cultura.
A Ciência não pode ser “humanizada”; porém não só pode, como deve ser
humanizante: Paulo Carneiro foi um dos que melhor o compreenderam.
A segunda lição de Paulo Carneiro foi a cortesia – a civilidade
e desprendimento que o levaram, entre tantos outros gestos de escol, a
renunciar à sua candidatura acadêmica em favor do benemérito Anísio Teixeira. E
a terceira, a suma tolerância – humana, intelectual, ideológica. Tolerância que
era como que a contrapartida de sua ilimitada liberdade intelectual, fonte do
seu destemor face aos “terrorismos” das vanguardas ideológicas, na Política, na
Arte e na Filosofia. Juntas, essas três atitudes do espírito e da conduta
trescalam o perfume mais inconfundível do ethos positivista:
a soma de pietas e progresso, a vontade de humanização da
humanidade emancipada. A obra, a vida de Paulo Carneiro ressumavam essa
mensagem. Não sejamos surdos ao seu intenso, ao seu imenso significado.
Caros confrades,
desculpai não ter eu podido, como o Fundador desta Cadeira, pronunciar minha
oração sem lê-la, fiado tão só na força da memória. Pudesse eu fazê-lo, e ela
houvera sido sem dúvida mais concisa, senão mais sábia. Logo vos dareis por
pagos do tédio, ao ouvir a palavra enfeitiçante de um grão-senhor do discurso –
Josué Montello, amigo e companheiro de Paulo Carneiro e que tão magistralmente
soube evocá-lo, na festa dos seus oitenta anos e na tristeza do seu
desaparecimento.
De resto, ser recebido, na Casa de Machado de Assis, pelo líder
da Literatura maranhense desperta em mim grata reminiscência: a lembrança de
que foi pelas Letras do Maranhão que iniciei meu convívio com a musa morena – a
Poesia do Brasil. Meu pai gostava de recitar ao filho menino os versos de
Gonçalves Dias – e ao poeta do I Juca Pirama permaneço
obstinadamente fiel, na galeria de minhas máximas admirações.
Ó guerreiros da Taba sagrada,
Ó guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó guerreiros, meus cantos ouvi.
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro
Robusto, fragueiro,
Brasão dos Tamoios
Na guerra e na paz.
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do imigo falaz,
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranquilo nos gestos.
Impávido, audaz.
E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.
As armas ensaia,
Penetra na vida;
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.
Já vedes, portanto, que minha entrada em Literatura se deu na
fase oral; não exatamente naquela conceituada por Freud e, no entanto, pejada
da mesma carga afetiva... Como poderia eu imaginar que, 35 anos mais tarde, me
caberia o privilégio de proferir, desta tribuna, o merecido elogio de Paulo
Carneiro, um sobrinho-bisneto de Ana Amélia, a Beatriz do mesmo Gonçalves
Dias?... Bem vos dizia ao começar: paira sobre a vida desta Cadeira um círculo
mágico de afinidades eletivas, banhadas de brasilidade.
Meu intuito, porém, foi tão só dizer-vos da admiração fascinada
que Paulo Carneiro, como tipo intelectual, provocou em mim. Nem sei em que
dúbia medida isso poderá valer como juízo de uma outra geração. E foi sem
dúvida a toda uma geração que vos abristes, ao radicalizar, com a escolha de
meu nome, o processo de renovação cronológica que iniciastes quando aqui
acolhestes a ficção de Sarney e a crítica de Eduardo Portella. Possa este vosso
desejo, que ora passo a partilhar, trazer-nos, com o tempo, aqueles que, muito
melhor do que eu, saberão casar aqui a novidade com a continuidade e o
rejuvenescimento com a tradição.
Tenho, pois, toda a consciência do que há de unilateral em meu
louvor de Paulo Carneiro. Mas, afinal, que seria das academias, se elas não nos
proporcionassem as ocasiões por excelência para os encontros da mente ao longo
do tempo? Fontenelle aborrecia a guerra, porque ela interrompe a conversação da
humanidade. Venho a vós na certeza de que o diálogo, mesmo na eventual
divergência, é a via régia do conhecer e da paixão que me anima: a paixão de
compreender. O prêmio da vida acadêmica não é a discordância sem discórdia?
Venho, como na epístola horaciana, “[...] inter silvas Academi querere
verum”: procurar a verdade entre os bosques de Academus. Entretanto, bem
sei, o escritor autêntico é sempre alguém que pode converter uma resposta num
enigma (Karl Kraus). Não desdenhastes minhas primeiras respostas; aceitai agora
meus projetos de enigma, que vos ofereço pelo que são: meras migalhas da
perene, silenciosa conversa da humanidade consigo mesma.
11/3/1983