O Brasil seria mais impactado por uma crise chinesa do que os EUA (pouco) ou o Japão e a Alemanha, que vendem muito para a China. Ou seja, o Brasil é um perdedor se a China entrar em recessão.
O Estado de S. Paulo | Internacional
O efeito da crise seria maior em países que vendem mais para a China, como Alemanha e Japão
A s agruras econômicas dos anos pós-pandêmicos têm ocasionado intensos debates intelectuais e sobre políticas. Algo com que quase todos concordam, porém, é que a crise póscovid se assemelha pouco à crise financeira de 2008. Mas a China – segunda maior economia do planeta – parece balançar à beira de uma crise muito parecida.
Eu não confio no meu próprio entendimento sobre a China para julgar se o país vive seu momento Minsky, o ponto em que todos de repente se dão conta de que uma dívida insustentável é, de fato, insustentável. E, de fato, duvido que alguém ? incluindo as autoridades chinesas ? saiba responder a essa questão.
Mas acho que somos capazes de responder a uma pergunta mais condicional: se a China realmente passa por uma crise em estilo 2008, ela transbordará para o restante do mundo? E a resposta é clara: não. Por maior que seja a economia chinesa, os EUA estão pouco expostos aos problemas chineses. Antes de chegar aí, contudo, falemos sobre por que a China de 2023 se assemelha às economias americana e europeia de 2008.
BOLHA. A crise de 2008 foi ocasionada pelo estouro de uma bolha imobiliária transatlântica. Os efeitos foram amplificados por perturbações financeiras, especialmente o colapso dos ditos "shadow banks" – instituições que agiam clandestinamente como bancos, criando riscos de uma corrida bancária, mas prescindindo de regulamentações e de redes de segurança.
E agora chega a China, com um setor imobiliário ainda mais inchado que o dos países ocidentais em 2008. A China também tem um atribulado setor de "shadow banking", além de problemas peculiares, como dívidas enormes de governos locais.
A boa notícia é que a China não é a Argentina ou a Grécia, que deviam quantias imensas a credores estrangeiros. A dívida em questão aqui é de dinheiro que a China deve para si mesma. E deveria ser possível, em princípio, para o governo nacional resolver a crise por meio de alguma combinação entre resgates de devedores e abatimentos para credores.
Mas o governo da China tem competência para gerir o tipo de reestruturação financeira? As autoridades chinesas têm determinação ou clareza intelectual para fazer o que é necessário? Eu me preocupo especialmente com a segunda questão.
A China precisa substituir o investimento imobiliário insustentável por maior demanda de consumo. Mas alguns relatos sugerem que autoridades chinesas mais graduadas continuam suspeitas em relação a gastos de consumo "supérfluos" e resistem à ideia de "dar poder para os indivíduos tomarem mais decisões a respeito de como gastar seu dinheiro".
E não é nada tranquilizador o fato de as autoridades chinesas estarem respondendo à possível crise pressionando os bancos para emprestar mais, basicamente continuando a política que levou a China à situação em que ela se encontra.
EXPOSIÇÃO. Portanto, a China poderá entrar em crise. Se entrar, como isso afetará os EUA? A resposta, até onde eu consigo perceber, é que a exposição dos americanos a uma possível crise chinesa é surpreendentemente pequena.
Quanto os EUA têm investido na China? O investimento direto é de US$ 215 bilhões. Investimentos em carteira – ações e obrigações –, pouco mais de US$ 300 bilhões. Então, estamos falando de um total de US$ 515 bilhões.
Este número pode parecer grande, mas, para uma economia enorme, não é. Considerem uma comparação. Neste momento, há muitas preocupações a respeito do setor imobiliário comercial dos EUA, especialmente em relação aos prédios de escritórios ? que provavelmente encaram uma redução permanente na demanda em virtude do aumento do trabalho remoto. Os prédios de escritórios dos EUA valem hoje US$ 2,6 trilhões, aproximadamente cinco vezes mais que o nosso investimento total na China.
Por que uma economia tão grande atraiu tão pouco investimento dos EUA? Basicamente, porque, dadas as arbitrariedades das políticas chinesas, muitos possíveis investidores temem a possibilidade de a China se tornar uma armadilha: você consegue entrar, mas não consegue sair.
Mas o que dizer da China enquanto mercado? A China é uma importante jogadora no comércio mundial, mas não compra muito dos EUA – apenas US$ 150 bilhões, em 2022, menos de 1% do nosso PIB. Portanto, uma crise não surtiria muito efeito direto na demanda por produtos americanos.
O efeito seria maior em países que vendem mais para a China, como Alemanha e Japão, e algo poderia ricochetear nos EUA por meio das vendas a esses países. Mas o efeito geral ainda seria pequeno.
DIFERENÇAS.
Mesmo que por razões puramente egoístas, devemos nos preocupar com o que o regime chinês poderá fazer para distrair a atenção de seus cidadãos dos problemas domésticos. Mas, em termos econômicos, parece que estamos diante de uma possível crise interna na China, não de um evento global em estilo 2008.