O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
Mostrando postagens com marcador abl. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador abl. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Lancamento do livro Diplomatas, escritores, imortais, org. João Almino, ABL, 18/11

 

A FUNAG e a Academia Brasileira de Letras (ABL) têm a honra de convidar para o lançamento do livro Diplomatas, escritores, imortais, organizado pelo Acadêmico e Embaixador João Almino.
O evento será realizado no dia 18 de novembro de 2025 (terça-feira), às 17h30, na sede da ABL (Avenida Presidente Wilson, 203 – Castelo), no Rio de Janeiro. A entrada é gratuita e as inscrições podem ser feitas pelo link: https://www.even3.com.br/lancamento-do-livro-diplomatas-escritores-imortais-651668/
A obra inaugura importante parceria entre a FUNAG e a ABL, no intuito de promover publicações dedicadas à valorização da cultura brasileira e da diplomacia. O livro reúne ensaios inéditos de especialistas sobre diplomatas brasileiros que se destacaram na literatura, incluindo o Barão do Rio Branco, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Aluísio Azevedo, Domício da Gama, Oliveira Lima, Graça Aranha, Magalhães de Azeredo, João Neves da Fontoura, Ribeiro Couto, Afonso Arinos de Melo Franco, Guimarães Rosa, Antonio Houaiss, Sérgio Corrêa da Costa, João Cabral, Alberto da Costa e Silva, Sergio Rouanet e José Guilherme Merquior.
A apresentação também será transmitida ao vivo pelo canal da ABL no YouTube pelo link: https://www.youtube.com/live/hWuegjUqcYw?si=zUjKoHhxh2BtqEzB

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Lançamento de livro: Diplomatas, escritores, imortais, organizado pelo Acadêmico e Embaixador João Almino (Funag-ABL)

 

A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e a Academia Brasileira de Letras (ABL) têm a honra de convidar para o lançamento do livro Diplomatas, escritores, imortais, organizado pelo Acadêmico e Embaixador João Almino.

O evento será realizado no dia 28 de outubro de 2025 (terça-feira), às 17h30, na sede da ABL (Avenida Presidente Wilson, 203 – Castelo), no Rio de Janeiro. A entrada é gratuita e as inscrições podem ser feitas pelo link: https://www.even3.com.br/lancamento-do-livro-diplomatas...
A obra inaugura importante parceria entre a FUNAG e a ABL, no intuito de promover publicações dedicadas à valorização da cultura brasileira e da diplomacia. O livro reúne ensaios inéditos de especialistas sobre diplomatas brasileiros que se destacaram na literatura, incluindo o Barão do Rio Branco, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Aluísio Azevedo, Domício da Gama, Oliveira Lima, Graça Aranha, Magalhães de Azeredo, João Neves da Fontoura, Ribeiro Couto, Afonso Arinos de Melo Franco, Guimarães Rosa, Antonio Houaiss, Sérgio Corrêa da Costa, João Cabral, Alberto da Costa e Silva, Sergio Rouanet e José Guilherme Merquior.
A apresentação também será transmitida ao vivo pelo canal da ABL no YouTube.

Nota PRA: Aproveito para informar os distintos leitores que fui um dos convidados pelo meu colega e amigo, acadêmico João Almino, a colaborar com o empreendimento, tendo produzido este texto:
4916. “Oliveira Lima e a ABL: uma interação precoce, mas acidentada”, Brasília, 4 maio 2025, 24 p. Ensaio sobre Oliveira Lima, diplomata e acadêmico, para obra a ser editada por João Almino para a ABL e Funag (Publicado in: João Almino (org.), Diplomatas Escritores Imortais (Brasília: Funag; Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2025). Relação de Publicados n. 1598.

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Rubens Ricupero, Prêmio Machado de Assis, da ABL - Daniel Afonso da Silva

 

The Machado de Assis Award 2025

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

By DANIEL AFONSO DA SILVA*

Diplomat, professor, historian, interpreter and builder of Brazil, polymath, man of letters, writer. As it is not known who comes first. Rubens, Ricupero or Rubens Ricupero

1.

Rubens Ricupero has just been awarded the Machado de Assis Prize. The highest honor of the Brazilian Academy of Letters for the body of work of an author. Surely the greatest couplet of its kind in the country. Which, from now on, leads the laureate to grey of the authors of immortal works in Brazil.

Raising him to the company of the unforgettable Augusto Meyer (1902-1970), Erico Veríssimo (1905-1975), Câmara Cascudo (1898-1986), Gilberto Freyre (1900-1987), Cecilia Meireles (1901-1964), Hermes de Lima (1902-1978), Thales de Azevedo (1904-1995), Mario Quintana (1906-1994), Raquel de Queiroz (1910-2003), Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017), Rubem Fonseca (1925-2020), Carlos Heitor Cony (1926-2018), Ferreira Gullar (1930-2016), Marina Colassanti (1937-2025), Ana Maria Machado, Adélia Prado and others. Prestigious place. Masterful achievement. Incomparable award. At its height. Brilliant.

Diplomacy in the construction of Brazil, from 2017, had earned him the Senator José Ermírio de Moraes award for best book of the year. But it was Memoirs, from 2024, which placed him once and for all in the pantheon.

Memoirs has various attributes, many of which have not yet been fully analyzed or explored. But its most charming and impressive aspect, which surely weighed heavily in the Academy's decision, lies in its ability to humanize its author. Whoever reads or rereads Memoirs with some calm he notices the emergence of Rubens in front of Ricupero. Of the artist in front of the state servant.

Do man of letters in front of the distinguished diplomat, ambassador, high-ranking national and international official. It is seen, in Memoirs, Rubens in body and soul. Rubens son, grandson, husband, father and grandfather. Rubens reader. With eyes worn out from life marinating the art of writing. Immense writer. Now recognized by this award. The greatest of all. Machado de Assis.

To justify the award, the president of the Academy, Merval Pereira, stated that the laureate's body of work combines "literary merit and a public contribution of historical relevance to the country." All true. Which deserves more polish. This is the reunion of the Baron of Rio Branco (1845-1912) with Machado de Assis (1839-1908). It is also the first time that a full-fledged diplomat and tout court receives this award.

João Guimarães Rosa (1908-1967) received it in 1961. Raul Bopp (1898-1984) in 1977. But neither of them stood out purely as heirs of the baron. Both crushed the diplomat within the man of letters.

Guimarães Rosa producing geniuses like sagarana(1946) Dance Corps (1956) e Great Sertão: Veredas(1956). Raul Bopp remains the longest-lived and most impeccable poet of the 1922 Art Week. Thus, there is no space left for other memories or recollections.

2.

Rubens Ricupero, in turn, was certainly one of the greatest and most faithful followers of the Baron's precepts. A devotee of the diplomacy of knowledge, he took diplomatic alchemy to the highest levels of excellence, renewal and transmission. Becoming a consummate diplomat. Ambassador and minister of state. High-ranking official. In the style of the people of Rua Larga. In the style of the Baron. Mobilizing intelligence, dedication and imagination in the scrutiny of gestures and looks.

By dedicating himself to the arts and letters to achieve perfection in his craft. By becoming truly cultured and erudite. By going far beyond just writing, speaking and acting. By becoming a historian. Then, an interpreter of Brazil. And, finally, a builder of Brazil.

It is not known for sure when such a person is born. Diplomat, professor, historian, interpreter and builder of Brazil, polymath, man of letters, writer. Just as it is not known who comes first: Rubens, Ricupero or Rubens Ricupero.

In any case, there seem to be at least two points of no return in his life. One in 1937, when he was born. Another in 1958, when he entered the Rio Branco Institute.

Starting with the second. It fell on a Saturday, September 6, 1958, the beginning of the Institute's admission tests. Brazil was flowing in glory. The Brazilians, in rejoicing. Feola's team set the tone. Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos had done what they had done that July: 5-2 against the Swedish hosts at Råsunda. Making the country wear football boots. Calming its demons. Mitigating its complexes. Training its mourning. Letting people know that, yes: the martyrdom of 1954, of the farewell to Getúlio Vargas, was still being felt.

But, on the contrary, the misfortune of the Maracanazo Uruguayan lay in the past. Far and distant. Remote. Irretrievable. Without meaning or reason. “The World Cup is ours/With a Brazilian, no one can do it”. This is the motto of the song. Sung, continuously, at the top of the lungs. Whistled. Mentalized and experienced as catharsis and outlet. Releasing the contained scream imposed by misfortunes that now no longer exist. “Hey, eh, golden squadron/They’re good at samba, they’re good at leather.”

Brasilia was made. Belém-Brasília. Cinema Novo. Bossa Nova. João Gilberto (1931-2019). Chega de saudade. Augusto Boal (1931-2009), Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), Experimental Theater. Abstract vision at the Biennial. Zoo in São Paulo. Archdiocese in Aparecida. Furnas in Minas Gerais. Pan-American Operation in Washington. Sudene in the Northeast. More Ford and more Volkswagen in Brazil. Roads and more roads. Modernization, industrialization, internationalization. Goals Plan in action. JK years. Enthusiasm. Inspiration. Joy. New bossa nova. All in one day. A kind of synthesis, meta-synthesis. That would guide Rubens Ricupero's entire trajectory.

3.

Starting with his approval, in first place, in those exams at the Rio Branco Institute in 1958, advancing to his debut as a diplomat in the brand new Brasília in 1961 and spreading over more than sixty years of attentive observation and confident participation in the national and international fabric of the epics of politics, culture and power in Brazil and the world.

He was an eyewitness to the resignation of President Jânio Quadros in 1961. He witnessed the bitterness of the moment with the leaders Afonso Arinos (1905-1990) and San Tiago Dantas (1911-1964). He perfected his diplomatic accuracy with João Augusto de Araújo Castro (1919-1975), Mario Gibson Barboza (1918-2007) and Ramiro Saraiva Guerreiro (1918-2011).

He began his longest posting abroad at the Brazilian embassy in Vienna in 1963. He was then moved to Buenos Aires from 1966 to 1969. Then to Quito from 1969 to 1971. He returned to Brazil and Brasília from 1971 to 1974. He then moved to Washington from 1974 to 1977. He then returned to Brasília again from 1977 to 1987, to head the prestigious South American Division II of the Itamaraty until 1984.

To then become diplomatic advisor to President Tancredo de Almeida Neves (1910-1985) and inaugurate – on the victors’ ship – the New Republic in 1985. Organize and participate in the momentum international presidential term from January to February 1985. He was a special advisor to President José Sarney. He went to Geneva in 1987 as Brazilian ambassador. He was moved to the United States, also as Brazilian ambassador in Washington, in 1991.

Return to Brazil in 1993 to inaugurate the Ministry of the Environment and the Legal Amazon. Become Minister of Finance, guardian of the currency and apostle of the Real Plan in 1994. Return to be Brazil's ambassador abroad, this time in Rome, in 1995. Become a high-ranking official at the United Nations, as director of UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development, starting in 1995. Remain in this position, based in Geneva and traveling around the world, for almost ten years until retiring in 2004. Return to Brazil in 2004-2005.

To be professionally reborn as director of the School of Economics and International Relations at FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado. To be reincarnated in Paulicéia, his native São Paulo. To see friends again. To reconnect with them. To renew experiences. To observe the slow, gradual, sure and catastrophic regression of the Brazilian political, economic and social reality from the Mensalão to the Petrolão. To witness the unequivocal frustration of the Dilma Rousseff presidency since the storms of June 2013. To note the agony of impeachment of 2016.

Participate in the offensive against the greater evil in 2018. Assist in the reconstruction of the lesser evil from 2022 onwards. Compose your primary work: Logbook. Tancredo's presidential trip (2010). Finishing his masterpiece: Diplomacy in the construction of Brazil (2017). Bequeathing his seminal writing: Memoirs (2024). And continue tirelessly offering your analyses, impressions and joy of living – summary of the JK years – to public opinion, to intelligentsia of the country and its numerous students from the Rio Branco Institute, the University of Brasília, the University of São Paulo and the like.

Incredible. Engaging. Moving. Which brings to mind an impression of the late ambassador Marcos Azambuja (1935-2025) who used to say that Rubens Ricupero – person, diplomat and artist – was one of the most extraordinary human beings he had ever met.

For some, this perception borders on exaggeration. Justified only as a sign of friendship. However, this distinguished Machado de Assis award has definitively disproved the skeptics and accentuated the value. The once mere heir of the baron has now also become a wizard heir. Only him. No one else.

Long live, dear Rubens Ricupero.[1]

*Daniel Afonso da Silva Professor of History at the Federal University of Grande Dourados. author of Far beyond Blue Eyes and other writings on contemporary international relations (APGIQ).

Nota


[1] I thank Ambassador Paulo Roberto de Almeida for his careful and generous reading of the first version of this text.

domingo, 27 de julho de 2025

ABL: Agradecimento pelo Prêmio Machado de Assis Academia Brasileira de Letras - Rubens Ricupero

Não é preciso apresentar, sequer comentar (PRA)


ABL: Agradecimento pelo Prêmio Machado de Assis
Academia Brasileira de Letras, 25 julho 2025
Rubens Ricupero

A Academia Brasileira de Letras sempre me tratou bem, mas agora se excedeu na generosidade. Perdi a conta das vezes em que fui convidado a falar nos ciclos da Academia, acho que foram quatro ao menos, sobre Joaquim Nabuco, o barão do Rio Branco, o bicentenário da Independência, a diplomacia brasileira de Napoleão a Putin. A palestra de 2019, véspera do bicentenário, cujo título provocativo era “Um futuro pior que o passado?, até hoje é meu texto mais lido no site da ABL. Em 2018, recebi o Prêmio Senador José Ermírio de Moraes pelo livro A diplomacia na construção do Brasil.
Pensei que havia esgotado a cota de bondades que se poderia esperar numa vida humana até ter a alegria de ser agraciado com a homenagem suprema, o Prêmio que leva o nome do nosso supremo escritor Machado de Assis. O que poderia, com efeito, ser mais honroso do que figurar ao lado de Guimarães Rosa, Gilberto Freyre, Cecília Meireles, Gilka Machado, Paulo Rónai, Antonio Candido, meu querido amigo de mocidade Antonio Carlos Villaça, para lembrar somente alguns mortos? Ao lado de Adélia Prado, destinatária do Prêmio no ano passado, dos demais que não citei porque seria cansativo, a lista mais parece o Quem é Quem?, o catálogo da cultura do país dos últimos 80 anos!
Com humildade e consciência das limitações individuais, espero poder justificar minha inclusão apesar de medir a dificuldade, em meu caso, de agradecer como fez Adélia Prado em 2024. Não podendo estar presente pessoalmente, conseguiu que a noite da entrega do Prêmio se transfigurasse pelo sopro da poesia, na própria voz gravada de Adélia e na igualmente emocionante declamação da filha Ana e de Tony Ramos. Não tenho à minha disposição nem a poesia nem a ficção, só uma prosa trivial, sem inspirações sublimes. O que posso fazer com isso?
Por sorte, além da prosa, o Prêmio, como se sabe, destina-se a tomar nota do conjunto da obra. Aliás, ao anunciar a decisão, nosso amigo e presidente Merval, citou como títulos, além de meus livros, a vida pública que tive, os cargos de ministro que ocupei em situações de certa importância na história do país.
Suponho que se referia sobretudo a meu papel no Plano Real, ao ajudar a preparar e lançar a nova moeda. Ação coletiva por excelência, o Plano se deveu, em primeiro lugar, a Fernando Henrique, ao presidente Itamar, ao grupo de economistas excepcionais onde se destacou nosso colega Edmar Bacha. Quando cheguei, o processo já estava em andamento. Tentei fazer o que pude, resisti às ameaças à integridade do projeto. Empenhei-me em falar às pessoas simples do povo sobre as vantagens que nos traria o fim da inflação com tanta frequência e entusiasmo que Itamar me chamava de “sacerdote” ou “apóstolo” do Real. Tive a alegria de, juntamente com o Presidente, lançar a nova moeda em 1º de julho de 1994. Hoje, trinta e um anos depois, ela continua uma sólida realidade. Seria insincero se negasse que foi o melhor momento de minha vida.
Quanto aos livros, tive de esperar pela aposentadoria para publicar, aos 80 anos de idade, o mais extenso deles, A diplomacia na construção do Brasil. O primeiro comunicado de imprensa sobre o Prêmio continha certo exagero sobre o número de livros que escrevi, bem menor que o mencionado. O que não foi fácil, de fato, foi conciliar os artigos regulares na “Folha de São Paulo” durante quase 20 anos, as aulas no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília, com o trabalho no Itamaraty e na Presidência, como ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, funcionário da ONU em viagens incessantes pelo Iémen, o Camboja, o interior da Etiópia e da Tanzânia. A única vez que falhei foi ao tentar enviar por fax a coluna da Folha a partir da capital cambogeana de Phnom Penh, num país ainda mal saído do genocídio.
Minha obra é quase toda dedicada à matéria diária dessas ocupações: a diplomacia, as relações internacionais. Se me perguntarem o que deduzi de anos de ensino e estudo sobre a evolução diplomática brasileira direi ser a convicção de que nenhum outro país deve à diplomacia tanto como o Brasil. Primeiro por ter assegurado pela negociação a aceitação pacífica da expansão do território para mais de dois terços do que nos teria cabido originalmente. Em seguida por haver construído um patrimônio inestimável de “soft power”, isto é, de poder nascido não da guerra e das sanções econômicas, mas do exemplo, do diálogo, do espírito de moderação e compromisso.
Poucas nações podem se orgulhar como o Brasil de uma tradição ininterrupta de 155 anos de paz com dez vizinhos desde o fim da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai em 1º de março de 1870. Esse resultado não foi uma dádiva da História, mas teve de ser conquistado com esforço e perseverança. Nossa primeira guerra, a da Cisplatina a respeito do Uruguai, começou três anos apenas após a Independência. Ninguém mais lembra o que custou em termos de sofrimento humano, vidas sacrificadas e oportunidades econômicas perdidas manter a unidade e a estabilidade interna nas primeiras décadas da independência e a segurança nas fronteiras platinas depois. A Guerra do Paraguai, que consumiu o equivalente a onze anos do orçamento do Império, motivou o barão de Cotegipe a lamentar: “Maldita guerra, atrasa-nos cinquenta anos!”
Tampouco foi fácil conseguir que o panorama mudasse com a República. Quando o barão do Rio Branco voltou para ser ministro do Exterior em fins de 1902, a revolta de Plácido de Castro estava em pleno curso no Acre. Naquele tempo de auge do imperialismo, nada teria sido mais natural que a anexação pura e simples do Acre, cuja população era maciçamente brasileira. Por julgar que seria uma “conquista disfarçada...em contraste com a lealdade” que sempre tínhamos seguido com as outras nações, Rio Branco rejeitou a hipótese e preferiu negociar uma solução consensual, dando compensações à Bolívia, sendo duramente criticado por isso.

Alertado pelo conflito acreano, passou os nove anos de gestão resolvendo de modo sistemático todas as questões pendentes de limites. Nunca se afastou do método do diálogo e do entendimento. “É mais prudente transigir” escreveu “que ir à guerra. O recurso à guerra é sempre desgraçado.” Ao tomar a iniciativa de corrigir em favor do pequeno Uruguai o leonino Tratado de Limites de 1851, não aceitou as contrapartidas oferecidas. Explicou que o que nos movia não era a busca de gratidão, mas a convicção de que esse testemunho de amor ao direito ficava bem ao Brasil e constituía uma ação digna do povo brasileiro.

Os exemplos de Rio Branco, Nabuco e de outros edificaram um sistema de valores éticos e políticos que acabou por se confundir com a própria ideia que os brasileiros fazem da nação. De Gaulle dizia num texto célebre que imaginava uma “certa ideia da França”, que, para ele, era inseparável da grandeza, de conotação obviamente napoleônica. Para nós, o conceito de Brasil é inseparável da diplomacia, da paz, do entendimento, da harmonia com os vizinhos e o mundo.

Dirão alguns que se trata de uma visão idealizada de si mesmo. A ideia de nação é sempre uma construção do espírito e pode às vezes disfarçar interesses egoístas. Não somos necessariamente como nos idealizamos, mas é assim que gostaríamos de ser. De todo modo, é melhor se idealizar pacífico e conciliador que atribuir-se qualidades de dominação, de superioridade racial ou cultural, de destino manifesto de opressor de outros povos.

Estamos tão habituados à nossa tradição de paz que nem nos damos conta de como ela vai se tornando um bem precioso e raro num mundo em que guerras como a da Ucrânia e a da faixa de Gaza tornam as pessoas insensíveis à morte e mutilação de crianças e mulheres, ao extermínio pelo genocídio e pela fome. Nessa atmosfera sombria em que estamos mergulhados, nem o Brasil escapou de agressão brutal à soberania de suas instituições, apesar de nada ter feito para provocar as truculentas ameaças do presidente Trump.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,

Nasci nove meses antes do Estado Novo e dois anos e meio antes da Segunda Guerra Mundial. Fui testemunha direta de muitas das convulsões que marcaram um dos mais trágicos períodos da história. Tentei em minha obra transmitir uma certeza nascida da reflexão sobre essa experiência de vida. A dor e o sofrimento dos últimos oitenta anos teriam sido evitados se os valores que Rio Branco legou à diplomacia brasileira tivessem igualmente guiado a conduta dos “grandes deste mundo”.

Com clarividência sobre o que haveria de suceder, afirmava ele num de seus últimos discursos: “...se então pensarem...alguns desses países...em entregar-se à loucura das hegemonias ou ao delírio das grandezas pela prepotência, estou persuadido de que o Brasil do futuro há de continuar invariavelmente a confiar, acima de tudo, na força do Direito, e, como hoje pela sua cordura, desinteresse e amor da justiça, a conquistar a consideração e o afeto de todos os povos vizinhos em cuja vida interna se absterá de intervir.”

Na sua já longa tradição, é a primeira vez que o Prêmio Machado de Assis é concedido a alguém que fez da história da diplomacia brasileira a essência de sua obra. Resgatar do esquecimento esses inspiradores exemplos de nosso passado, creio, é a melhor maneira de agradecer a homenagem que, por meu intermédio, a Academia presta à gloriosa herança de dois séculos de diplomacia de paz e fraternidade.

Muito obrigado.
Rubens Ricupero

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Arnaldo Godoy relê o discurso de posse na ABL de Pontes de Miranda (Conjur)

EMBARGOS CULTURAIS

Discurso de posse de Pontes de Miranda na Academia Brasileira de Letras

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Conjur, 28/07/2024

O jurista alagoano Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892-1979) deixou-nos portentosa obra. Eu levaria uma vida para lê-la. E mais do que dez vidas para escrevê-la, isto é, se conseguisse. Eu não tenho competência para tanto. Nem mesmo em dez vidas, que é um número cabalístico para o Tiradentes, creio que conseguiria. Quem não se lembra? Tiradentes, marca certa tradição, teria afirmado que dez vidas tivesse, dez vidas daria, pelo ideal pelo qual morria. Para as pessoas comuns, precisamos mais do que dez vidas para escrevermos uma obra tão vasta e profunda.

Pontes de Miranda era um polímata (no sentido que Peter Burke dá ao termo, isto é, interessava-se por todos os campos do saber). Foi empossado na Academia Brasileira de Letras, em 8 de março de 1979. Tinha 87 anos. Nos embargos culturais dessa semana comento o discurso de posse de Pontes de Miranda na ABL. É uma contribuição aos trabalhos de Fábio Coutinho, que estuda a presença dos juristas no “Petit Trianon”. Pontes de Miranda ocupou a Cadeira 7, cujo patrono é Castro Alves.

Um estudo biográfico de Pontes de Miranda (e o grande especialista no assunto hoje é o jovem advogado e pesquisador Ednardo Benevides) revela que o jurista nunca se candidatou a cargos ou funções, embora tenha sido desembargador no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. No entanto, e quando se falava de cultura desinteressada a coisa muda, candidatou-se à ABL, mais de uma vez. Foi preterido em duas ocasiões. A escolha ocorreu na terceira tentativa. É o que lemos no discurso:

Nunca, em toda a minha vida, me candidatei a qualquer cargo ou função, aqui ou no estrangeiro. Os que exerci no Poder Judiciário e no Ministério das Relações Exteriores, de que sou aposentado, me foram excepcionalmente destinados, sem concurso e sem pedido meu. Nas próprias Academias de que faço parte, ou fui um dos fundadores, ou incluído apenas mediante consulta que me fizeram. (…). Estou a dizer-vos isso, eminentes acadêmicos, para frisar que só me candidatei, em toda a vida, a esta Academia. Nela fui preterido, uma vez, há mais de meio século, quando era jovem, e recentemente, de novo estimulado por alguns amigos, voltei a concorrer e, pela segunda vez perdi. Quando ia atingir os 87 anos, candidatei-me, espontaneamente, pela terceira vez, e fui eleito. (…)”

Pontes de Miranda enfatizou a missão histórica e intelectual da ABL

Reafirmou compromissos com valores fundamentais, a exemplo da democracia, da liberdade e da igualdade. Tenho comigo um livro de Pontes de Miranda, publicado em 1933, com o sugestivo título de “Os Novos Direitos do Homem”. O autor discutia a crise do Estado, o problema das autocracias (Hitler ascendia na Alemanha), uma certa incapacidade de a democracia representativa fixar uma ordem que reputava necessária, a relação da liberdade com a lei. Discutia nesse precioso livro a confusão do lógico com o justo, que reputava como um vício recorrente nos juristas.

Seguindo o padrão de discurso do acadêmico que toma posse, Pontes de Miranda elogiou o patrono da cadeira que passaria a ocupar. Homenageou Castro Alves. Fez uma referência ao poema “A Cachoeira de Paulo Afonso”. O poema narra a história de Maria e Lucas. Lucas buscava vingança contra o senhor dos escravos, mas descobre que este é seu irmão. Maria e Lucas acabam se suicidando na cachoeira. Pontes de Miranda reputava Castro Alves como uma das maiores inteligências do Brasil. E perguntava o que mais ele poderia ter feito se tivesse vivido mais tempo.

Pontes de Miranda também reverenciou aos demais ocupantes da Cadeira 7: Costa Magalhães, Euclides da Cunha, Afrânio Peixoto, Afonso Pena Júnior e o próprio Hermes de Lima, a quem se referiu da forma que copio em seguida:

Nascido em 1902, Hermes Lima estudou profundamente e ingressou na Faculdade de Direito em 1920 (…) Em 1924, antes de completar os 23 anos, Hermes Lima foi eleito deputado da Assembleia Legislativa da Bahia. (…) No ano de 1925, já em São Paulo, candidatou-se à Cátedra de Direito Constitucional, com duas brilhantes teses, Princípios Constitucionais e Direito da Revolução. (…) Vindo para o Rio de Janeiro disputou, em 1933, a cátedra de Introdução à Ciência do Direito, com a tese “Material para um Conceito de Direito”. O brilho das aulas e a maneira de ajustar-se aos estudantes e de ajustá-los à sua missão levaram-no a criar admiradores e adversários. (…) Com o motim de 1935, injustamente foi preso. (…) Quero apenas acrescentar que este foi o homem, o intelectual, que os ilustres acadêmicos conheceram, e o homem, o intelectual, o amigo, que conheci. (…)”

Na parte final do discurso Pontes de Miranda revela e comprova cultura enciclopédica aludindo às várias academias, de todos os tempos. Lembrou inicialmente a Academia da História Portuguesa, criada em 1720 e a Academia de Ciências de Lisboa, de 1779. Chamou a memória que no século III vários acadêmicos se reuniam no Museu de Alexandria. Mencionou os acadêmicos de Granada e de Córdoba.

Fez referências à Academia de Nápoles (1433); à Academia Platônica (fundada em 1474 por Lorenzo de Médici); à Academia Científica, de 1603, de que foi membro Galileu; à Real Academia de Ciências, de 1757; à Academia Francesa, de 1635; à Real Academia de Ciências fundada na Alemanha, em 1700, planejada por Leibniz; à Academia Imperial de Ciência de São Petersburgo, Rússia, que Catarina I instalou em 1725.

Lembrou que os norte-americanos fundaram a Sociedade Filosófica de Filadélfia, em 1727, a Academia de Artes e Ciências de Boston, em 1780, entre outras. Fechou esse ponto fazendo referências à experiência brasileira:

No Brasil, houve e há, felizmente, muitas Academias. A Academia Brasileira da Bahia foi criada em 1724, dita dos Esquecidos, e a do Rio de Janeiro, a dos Felizes, em 1736, bem como a dos Seletos, em 1751. Em 1791, teve o Rio de Janeiro a Academia Científica; em 1786, a Sociedade Literária. Em 1896, criou-se a Academia Brasileira de Letras em que nos achamos. Todos nós, seres humanos, somos mortais; a Academia, não. O que se deve aos patronos das Cadeiras, aos fundadores e aos sucessores, inclusive aos atuais ocupantes, bem mostra o que o Brasil fez pela Academia.

O discurso é simples, curto, objetivo, preciso. Pontes de Miranda encerrou registrando que ali estava para uma convivência intelectual e afetuosa, bem como agradecia os presentes pela atenção para com a sessão de posse. Um discurso marcado pelo afeto e pela adesão incondicional à cultura e ao pensamento, exatamente como foi a vida desse jurista incomparável.

sábado, 18 de maio de 2024

José Guilherme Merquior na ABL: Arnaldo Godoy

 Nada menos que brilhante: agradeço a Arnaldo Godoy a referência a uma das coletâneas que organizei improvisadamente sobre os trabalhos de Merquior. Abaixo, indico o link para essa brochura. PRA

DIREITO E LITERATURA: O DISCURSO DE POSSE DE JOSÉ GUILHERME MERQUIOR NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

 

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

 

José Guilherme Merquior (1941-1991) foi um intelectual, na mais precisa expressão desse termo. Escritor com visão abrangente dos problemas de seu tempo, e todos os tempos, também escrevia em língua estrangeira, a exemplo do inglês, idioma que usou no seu portentoso estudo sobre o liberalismo, livro que já resenhei nessa coluna. Nessa obra, traduzida para o português por Henrique de Araújo Mesquita, Merquior discorreu longamente sobre o tema (e o problema) do direito natural. 

Graduado em Filosofia e em Direito, tratou também de vários assuntos de especulação jurídica, o que lhe vale, certamente, a posição de importante jusfilósofo.  Essa classificação certamente seria por Merquior desprezadaafinal, foi um pensador acima de quaisquer tipologias e classificações. Insisto, no entanto, que há um importante legado de filosofia do direito na obra de Merquior, tema que merece estudo mais profundo. Não é o caso da presente crônica, que se ocupa do discurso de posse de Merquior na Academia Brasileira de Letras, em 11 de março de 1983.

Como se lê em Fábio Coutinho, ainda que em outro contexto, “o ingresso nas grandes academias representa, via de regra, a consagração dos homens e suas obras, culminando vidas inteiramente dedicadas ao trabalho intelectual”. É o caso, também exatamente, de José Guilherme Merquior. Um “caso único”, como lemos eminstigante ensaio de Paulo Roberto de Almeida; organizador de “José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro”cujo prefácio me parece o mais completo estudo sobre o intelectual aqui estudadoO discurso de Merquior como orador da turma do Instituto Rio Branco (em 1963), que Paulo Roberto Almeida acrescenta em seu livro, já revelava a intuição racionalizadora do orador: a verdade não seria apenas “a conformidade da ideia com o ser: é antes um comportamento (...) frente ao mundo objetivo, como se ele nos fosse estranho”.

Merquior foi antecedido na Academia por Paulo Carneiro, ocupou a cadeira n. 36, e foi saudado por Josué Montello. A cadeira fora ocupada por Afonso Celso, filho do Visconde de Ouro Preto, o último chefe de gabinete do segundo reinado. Merquior enfatizou as qualidades intelectuais de Afonso Celso, a exemplo da elegância do estilo (um estilo eminentemente verbal), o que despontavaobjetividade e clareza na exposição das ideias. 

Segundo Merquior, integridade e paixão marcavam Afonso Celso. Um nacionalismo que identificava como “positivo” era nítido no intelectual que homenageava, autor de um livro hoje pouco lembrado: “Por que me ufano de meu país”. Trata-se de um livro publicado em 1900, e que foi de algum modo mais tarde ridicularizado, por sua forma laudatória. 

O adjetivo “positivo” que Merquior acrescentou ao substantivo “nacionalismo” talvez revele, para o leitor contemporâneo, o pensamento requintado do acadêmico que tomava posse. Merquior enfatizou a coragem política de Afonso Celso, que fez o caminho inverso de seus contemporâneos. Com a Proclamação da República, muitos monarquistas se fizeram republicanos (os republicanos arrivistas de 15 de novembro). Afonso Celso fez a rota inversa: de republicano tornou-se monarquista, talvez até como enfrentamento ao oportunismo, a par de uma inegável homenagem ao próprio pai. Essa tensão (inclusive sob uma perspectiva freudiana, é tema de um instigante livro de Luís Martins, “O patriarca e o bacharel”). 

Afonso Celso fora corajoso na política e versátil nas humanidades (um polígrafo de valor). Ao lado de Eduardo Prado, Afonso Celso quixotescamente se colocou contra a República, segundo Merquior, que também lembrou que o vocábulo “brasilidade” fora por criado por Afonso Celso, que também atuou na Ação Social Nacionalista. Merquior o identificou como o “criador do ufanismo”.

Merquior seguiu a tradição dos empossados, e proferiu discurso centrado na figura de seus antecessores, acentuando o pensamento humanista que os marcava, fixando pontos de conexão histórica que implicavam no papel do intelectual na sociedade. Insistiu na necessidade de engajamento social do intelectual, tema recorrente nas reflexões sobre as relações entre os intelectuais e o poder, tema de um dos livros de Norberto Bobbio“Os intelectuais e o poder”

Merquior acentuou uma continuidade entre os ocupantes da cadeira n. 36, o que de alguma forma explicitava sua profissão de fé, simbolicamente, no sentido teológico de afirmação de posicionamento em relação aos dilemas da vida. Merquior havia discutido com profundidade a responsabilidade social do artista, em ensaio de 1963, publicado nessa obra prima de crítica e estética, que é a “Razão do Poema”, recentemente republicado em coleção coordenada por João Cezar de Castro Rocha. Nesse texto de crítica, Merquior sublinhou que “qualquer ideia acerca da responsabilidade social do artista tem de incorporar essa crença na arte como função cognitiva, porque, sob pena de andarmos em nuvens, não há outro meio de se exigir do artista uma determinada atitude a não ser reconhecendo nele um instrumento de visão”.

O patrono da cadeira n. 36 foi Teófilo Dias (o poeta das Fanfarras). Merquior lembrou que Teófilo Dias fora um protoparnasiano. Teófilo Dias era sobrinho de Gonçalves Dias, cuja “Canção do Exílio” Merquior analisou em “Poema do lá”, um dos mais conhecidos estudos de crítica literária que conhecemos, também republicado em “Razão do Poema”.

Certamente, Merquior é o intelectual brasileiro mais autorizado a falar sobre a relação entre os intelectuais e o poder, isto é, sobre a relação entre o pensador e a ação política. Celso Lafer, outro intelectual de importância superlativa, também da Academia Brasileira de Letras, afirmou em um documentário que Merquior fora o mais importante intelectual de sua geração. 

A propósito desse papel (e dessa função, pensador e política) Merquior exemplificou a complexidade da tarefa, tratando de dois outros antecessores da cadeira n. 36: Clementino Fraga (médico, que trabalhou com Oswaldo Cruz) e Paulo Carneiro (que foi embaixador, para quem saber é saber o quanto se ignora, e que conviveu com Guimarães Rosa e Sousa Dantas no fim da segunda guerra mundial). Merquior tratava de um “humanismo inclusivo”, metáfora que bem mostrava uma disposição para aproximar a academia da vida real, mediando cultura e emancipação. 

Ao tratar de Paulo Carneiro (que Merquior reputou como o último dos apóstolos de Augusto Comte no Brasil) o empossado fixou para o leitor atual as características dessa doutrina, distinguindo as diferenças entre positivismo-clima e positivismo-seita, fazendo-o inclusive com humor e graça, lembrando e contando uma anedota de Josué Montello

Não nos esqueçamos, Merquior era um liberal (na tradição de Isaiah Berlin)no sentido de enfatizar liberdade e autonomia no fortalecimento do indivíduo em face do Estado. Foi um defensor da democracia liberal e da economia de mercado, pontos que o aproximavam de Roberto Campos, outro expoente máximo da história do pensamento brasileiro. A ação prática é necessária, e sem essa, não se pode pensar em mudança social significativa. Qual a função do acadêmico na sociedade? A pergunta, parece-me o ponto central desse discurso memorável, que é um manifesto sobre a posição dos intelectuais na sociedade

Merquior encerrou sua fala lembrando que “mesmo na eventual divergência”, era a “via régia do conhecer e da paixão’ que o animava: “a paixão de compreender”. Essa orientação ao mesmo tempo prática e especulativa, a “paixão de compreender”, penso, seja o maior legado de José Guilherme Merquior, ainda que em forma de permanente inspiração.


==========


3894. José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, Brasília, 19 abril 2021, 322 p. Coletânea de textos de e sobre o grande intelectual diplomata, com exceção do prefácio, agregado posteriormente. Em revisão para tornar o volume menos pesado. Versão abreviada, com links remetendo a pdfs em Academia.edu, 187 p. Postado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46954903/Jose_Guilherme_Merquior_um_Intelectual_Brasileiro_2021_); divulgado no blog Diplomatizzando (20/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/jose-guilherme-merquior-uma-homenagem.html).