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terça-feira, 6 de março de 2018

Carreira diplomatica: questionario e questoes de candidatos (2009 e 2012)

Um texto antigo, mas que me foi relembrado por uma "enésima" questão sobre a carreira diplomática. Desta vez transcrevo minhas respostas a um questionário, e remeto a arquivo de algumas dezenas de páginas na plataforma Academia.edu contendo minhas respostas a novos questionamentos e dúvidas, ademais de comentários diversos sobre a mesma questão.

Carreira Diplomática: respondendo a questões de candidatos (+comentários)

Paulo Roberto de Almeida
Texto principal de 2009
Questões e comentários subsequentes

QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2009

1112) Carreira Diplomática: respondendo a um questionário

Carreira Diplomática: respondendo a um questionário
Paulo Roberto de Almeida (
www.pralmeida.org)
Respostas a questões colocadas por graduanda em administração na UFSC.

1. Como você se sente por ter escolhido essa profissão (área de atuação)?
PRA: Bastante bem: de certa forma, a profissão me escolheu, posto que desde muito cedo comecei a viajar, primeiro pelo Brasil, depois pela América do Sul e, finalmente, ao completar 21 anos, decidi estudar na Europa, por meus próprios meios e obtendo meus próprios recursos. Foi uma escolha que me preparou para uma vida nômade e aventureira e nunca me arrependi de ter-me lançado ao mundo em fase ainda precoce e sem sequer ter terminado o segundo ano da graduação. Como minha intenção era estudar fora do Brasil, pode-se dizer que realizei meu intento. Quando regressei ao Brasil, depois de quase sete anos na Europa, eu já estava preparado, digamos assim, para tornar-me diplomata. Mas, antes, não tinha pensado: “tropecei” com a carreira, se ouso dizer. Até então, eu só queria derrubar o governo militar.

2. Como você descreveria a sua profissão?
PRA: Uma burocracia de alto nível de qualificação técnica com ampla abertura para as humanidades e o conhecimento especializado. Trata-se, simplesmente, da mais intelectualizada carreira na burocracia federal, combinando aspectos da carreira acadêmica, da pesquisa aplicada e da elaboração de decisões em ambiente altamente competitivo, tanto interna, quanto externamente. Uma elite, como se costuma dizer.

3. Qual sua formação acadêmica? Você considera que ela foi fundamental para o sucesso profissional?
PRA: Ciências Sociais, ou humanidades, no sentido lato, e acredito que ela foi fundamental no ingresso e sucesso na carreira escolhida. Desde muito cedo inclinei-me para os estudos sociais, com forte ênfase na história, na política e na economia, complementados por uma dedicação similar a geografia, antropologia, línguas e cultura refinada, de uma maneira geral. Sou basicamente um autodidata e creio que isso facilitou-me enormemente o ingresso na carreira, pois quase não necessitei de muito estudo para os exames de ingresso. Aliás, entre a decisão de fazer o concurso (direto, no meu caso) e o ingresso efetivo, decorreram pouquíssimos meses (três). 

4. Quais as principais dificuldades enfrentadas para conseguir passar no concurso?
PRA: Direito e Inglês, posto que eu havia estudado amplamente todas as demais matérias, mas não Direito, e todos os meus estudos foram feitos em Francês, que eu dominava amplamente. Mas, meu Inglês era muito elementar, servindo tão somente para leituras. Acho que passei raspando nessas duas matérias, nas outras fui bem.

5. Quando você iniciou sua carreira você tinha definido alguns objetivos e metas de onde queria chegar?
PRA: Não especialmente: nunca fui carreirista, no sentido tradicional do termo, e não me preocupava em ser embaixador ou ocupar qualquer posto de distinção. O que me seduzia era a profissão em si, a mobilidade geográfica, o conhecimento de novos países, a possibilidade de estar sempre aprendendo, estudando, viajando. Sou basicamente um estudioso, um observador da realidade, um “compilador” de informações e análises e um escritor improvisado. Todo o resto me é secundário.

6. Como você integra as diversas esferas de sua vida (trabalho, família, lazer, esporte, cursos, etc.)? Está satisfeito?
PRA: Imenso sacrifício para consegui fazer tudo aquilo que tenho vontade, pela simples razão que eu tenho vontade de ler tudo, o tempo todo, em qualquer circunstância, assim como tenho vontade de viajar, de participar de atividades acadêmicas e intelectuais, tendo ao mesmo tempo de me desempenhar em funções atribuídas pela burocracia no meio de tudo isso. Ora, é praticamente impossível conciliar tantas vontades, e ainda ser um marido perfeito, um pai de família perfeito e outras coisas da vida social e relacional. Em síntese, esses outros aspectos foram de certa forma sacrificados no empenho pessoal em ler, estudar e escrever. Reconheço essas imperfeições, mas não se pode ter tudo na vida: escolhas são inevitáveis, e as minhas estão do lado da leitura, do saber e da escrita. São atividades nas quais eu me realizo plenamente. Em outros termos, ninguém consegue integrar todos os seus interesses perfeitamente, e algum aspecto (ou vários) acaba sempre sendo sacrificado; no meu caso, são horas de sono, de lazer, de simples far niente, e também certa negligência familiar, reconheço. Não pratico esportes, a não ser caminhadas moderadas, já em idade madura. Pratico leituras, com alguma intensidade, eu diria intensíssima, e sobretudo o gosto da escrita. No mais, sou um pouco eremita...

7. Quais os períodos de sua carreira que você mais gostou?
PRA: Todos, pois em todos e em cada um eu fiz aquilo que mais gosto: viajar, muito, intensamente, ler, também intensamente, escrever, observar, aprender, em toda e qualquer circunstância, mesmo em situações difíceis de abastecimento, conforto, restrições monetárias ou outras. Toda a minha carreira me trouxe algo de bom, mesmo em situações temporariamente de sacrifício. Nunca deixei de fazer aquilo que mais gosto, e que já foi descrito anteriormente.

8. Quais os períodos de sua carreira que você menos gostou?
PRA: Numa ou noutra situação, alguns postos apresentam dificuldades materiais, desconfortos psicológicos, desafios razoáveis: por pequenos momentos, chega-se a desejar voltar ao Brasil e retornar à rotina burocrática do cerrado central, onde os atrativos são menores, mas também as surpresas. De toda forma, sempre aproveitei os momentos de dificuldade para refletir e escrever, como sempre, aliás.

9. Dentro da perspectiva de sua carreira tem alguma coisa que você gostaria especialmente de evitar?
PRA: Sim, talvez eu devesse ter dedicado menos atenção aos livros e mais às pessoas, mas essas são escolhas que fazemos deliberadamente, por opções próprias, pensadas ou não. Quem tem a compulsão pela leitura e pela escrita, não consegue acalmar-se a menos de satisfazer o seu “vicio”, daí o sacrifício de outros aspectos da vida social que muita gente valoriza em primeiro lugar. Por outro lado, nunca, na carreira, fui obrigado a assumir obrigações que eu mesmo não desejasse assumir, como por exemplo trabalhar em áreas para as quais eu não me sinto talhado nem tenho a mínima vontade de experimentar: administração, por exemplo, ou cerimonial, ou talvez ainda consular. São áreas nas quais eu provavelmente me sentiria infeliz, pois o meu terreno natural são os estudos, de qualquer tipo: geográfico, político, econômico, cultura, antropológico, no sentido amplo. Todas as áreas funcionais de caráter geográfico, político ou sobretudo econômico me servem perfeitamente. Aliás, nunca me pediram para trabalhar em áreas nas quais eu não gosto, e se me pedissem eu não teria nenhuma hesitação em recusar, mesmo podendo incorrer em alguma falta funcional ou ser sancionado por isto. Sou um pouco anarquista, e não gosto de fazer o que me mandam e sim o que eu decido e gosto de fazer. 
Por outro lado, jamais me pediram para escrever ou dizer algo que violentasse minha consciência, e eu não hesitaria um segundo em recusar-me terminantemente, como algumas vezes me recusei a defender determinados pontos de vista, que não eram os meus. Por outro lado, jamais enfrentei a obrigação de escrever naquele estilo clássico, ou chatérrimo, que é o diplomatês habitual, cheio de adjetivos hipócritas e de pura formalidade vazia: não tenho espírito, paciência nem disposição para esse tipo de enrolação. Costumo escrever o que penso, sem qualquer concessão a formalismos. Sobretudo, não costumo produzir bullshits, muito freqüentes nesta profissão...

10. Você tem objetivo em longo prazo na sua carreira? Você tem uma visão de futuro profissional?
PRA: Acredito que o diplomata deve servir antes à Nação do que a governos, deve defender valores, e não se subordinar a teses momentaneamente vitoriosas que por alguma eventualidade confrontem esses valores. Já escrevi algo a esse respeito, e remeto a meu trabalho: “Dez Regras Modernas de Diplomacia” (Chicago, 22 jul. 2001; São Paulo-Miami-Washington 12 ago. 2001, 6 p., n. 800; ensaio breve sobre novas regras da diplomacia; revista eletrônica Espaço Acadêmico, a. 1, n. 4, setembro de 2001; link: http://www.espacoacademico.com.br/004/04almeida.htm).

11. Você se considera realmente bom em quê? Quais são seus pontos fortes? E como você aproveita seus pontos fortes no seu trabalho?
PRA: Creio que sou capaz de fazer análises contextuais que envolvam conhecimento histórico, embasamento econômico e situação política, ou seja, tenho instrumentos analíticos e amplos conhecimentos que me permitem situar qualquer problema (ou quase) em um contexto mais amplo, e daí extrair alguns elementos de informação para a instrução de um processo decisório que tenha em conta o interesse nacional. Toda a minha vida eu estudei o Brasil e o mundo, visando tornar o primeiro melhor, num mundo que nem sempre é cooperativo. Registre-se que eu não pretendo tornar o Brasil melhor para si mesmo, ou seja, uma grande potência ou qualquer pretensão desse gênero, que encontro simplesmente ridícula. Eu pretendo tornar o Brasil melhor para os brasileiros, ponto. Contento-me apenas com isso. Minha perspectiva, a despeito de ser um funcionário de Estado, não é a do Estado. Não pretendo trabalhar no Estado, para o Estado, com o Estado: minha perspectiva é a dos indivíduos concretos, e meus objetivos são promover os indivíduos, se preciso for contra o Estado. Não tenho nenhum culto ao Estado e nem pretendo torná-lo maior ou mais poderoso, apenas mais eficiente para servir aos indivíduos, não a si mesmo. Desespera-me essas pretensões nacionalistas estatizantes, pois elas se fazem, em geral, em detrimento do bem-estar individual da maior parte dos cidadãos.
Por outro lado, não me considero patriota, no sentido corriqueiro do termo. Sou brasileiro por puro acidente geográfico, pois poderia ter nascido em qualquer outro país ou em qualquer outra época, por puro acaso. Gostaria de reiterar esse ponto, com toda a ênfase que me é permitida. Não sou dado a patriotismos, nem a chauvinismos ultrapassados e ridículos. A nacionalidade, repito, é um acidente geográfico, ou talvez seja a naturalidade, da qual decorre a primeira. Parto do pressuposto da unidade fundamental e universal da espécie humana. Sou brasileiro, como poderia ter sido esquimó, hotentote ou pigmeu, e ninguém seria responsável por esses acasos demográficos, nem mesmo meus pais, posto que ninguém “fabrica” uma pessoa com base em especificações pré-determinadas. Somos em parte o resultado da herança genética (em grande medida, talvez mais do que o indicado ou desejável, mas talvez não a parte mais decisiva de nossas personalidades); em parte o resultado do meio social e cultural no qual crescemos, e das influências que experimentamos involuntariamente em diversas etapas formativas de nosso caráter; e em parte ainda (o que espero mais substancial ou importante), somos o produto de nossa própria formação ativa, dos estudos empreendidos e dos esforços que fazemos nós mesmos para moldar nossas vidas, nosso estilo de comportamento e nossa maneira de pensar, com base em escolhas e preferências que adotamos ao longo da vida. Devemos sempre assumir responsabilidade pelo que somos, e jamais atribuir ao meio ou a qualquer herança genética determinados traços que podem eventualmente revelar-se menos funcionais para nosso desempenho profissional ou intelectual.
Meus pontos fortes, portanto, são minha capacidade analítica, meus conhecimentos acumulados e meu devotamento à causa dos indivíduos, não dos Estados, e sempre tento passar esses pontos à frente de qualquer outra consideração. Não hesito em defender meus pontos de vista, mesmo contra meus interesses imediatos, que poderiam recomendar uma acomodação com a situação presente – a lei da inércia é uma das mais disseminadas na humanidade – ou com autoridades de qualquer tipo. Não costumo fazer concessões a autoridades apenas para obter vantagens pessoais, e acho essa atitude basicamente correta (ainda que a um custo por vezes enorme no plano pessoal). Talvez seja teimosia de minha parte, mas considero isso antes uma virtude, do que um defeito. Enfim, tendo concepções fortes sobre determinados temas, me é muito mais fácil preparar e expor posições do interesse do Brasil, com base em conhecimentos previamente acumulados, o que me dispensa de longas pesquisas ou buscas em arquivos.

12. Quais são seus pontos fracos?
PRA: Devo ter (e tenho) vários, sendo os mais evidentes essa introversão habitual, essa preferência ao convívio com os livros, mais do que a convivência com pessoas, uma certa arrogância intelectual (que reconheço plenamente), derivada de leituras intensas e de uma imensa acumulação de conhecimentos e informações – que em excesso podem ser prejudiciais, dizem alguns – essa pretensão a saber mais do que os outros (o que em parte é verdade, pela simples intensidade de leituras, mas os outros não gostam que se lhes confronte os argumentos, obviamente). Por outro lado, não tenho nenhum respeito pela hierarquia ou pela autoridade, o que muitos consideram um defeito (mas não eu, dado meu anarquismo particular). Não sou de respeitar o argumento da autoridade, mas apenas a autoridade do argumento, a lógica impecável, e a decisão bem formulada, posto que empiricamente embasada, tecnicamente sólida, com menor custo-oportunidade ou a melhor relação custo-benefício. Enfim, sou um racionalista, e detesto impressionismos e subjetivismos, o que é muito fácil de encontrar em quaisquer meios. Daí choques inevitáveis com determinadas pessoas que pretendem mandar a partir de sua vontade exclusiva, não de um estudo aprofundado de situação. Enfim, ser rebelde assim deve ser um defeito...

13. O que você mais deseja na sua carreira?
PRA: Todos somos egocêntricos ou narcisistas em certa medida. Todos queremos reconhecimento e prestígio, por mais que se diga o contrário. Todos queremos ser elogiados e premiados (no meu caso não monetariamente ou em qualquer aspecto material). Assim, desejo ser reconhecido não necessariamente como um bom diplomata, mas simplesmente como um bom cidadão, alguém que cumpre seus deveres e atua conscienciosamente em benefício da maioria (que calha de ser o povo brasileiro, mas poderia ser qualquer outro, pois como disse, eu me coloco do ponto de vista dos indivíduos, não do Estado). Gostaria de ser reconhecido como estudioso, como esforçado e, sobretudo, como alguém comprometido com o bem comum. Pode ser vaidade, mas é assim que vejo minha carreira, que para mim não é uma simples carreira de Estado, mas sim uma atividade que me coloca no centro (ou pelo menos numa das agências) do Estado, ali colocado para servir a pessoas, não a instituições abstratas. 
Gostaria que se dissesse de mim, em algum momento futuro: foi um funcionário dedicado, foi um homem bom, esforçado, devotado ao bem comum, sobretudo foi correto consigo mesmo e com todas as instâncias de interação social ou profissional. Praticou a honestidade intelectual e se esforçou para fazer do Brasil e do mundo lugares melhores do que aqueles que encontrou em sua etapa inicial de vida. 

14. O que você pensa que acontecerá à sua carreira nos próximos dez anos?
PRA: Nada de muito relevante, posto que não sou carreirista e não faço da carreira o centro de minhas preocupações intelectuais ou sequer materiais. Estou na carreira diplomática, como poderia estar na academia ou em alguma outra atividade que tenha a ver com o estudo, o esforço intelectual, a análise e a elaboração de propostas. Sou basicamente um intelectual e a carreira para mim é secundária. Provavelmente vou me aposentar nos próximos dez anos, e aí dispor de todo o meu tempo livre para me dedicar àquilo de que mais gosto: leitura, redação, um pouco de aulas e palestras, viagens, alguns prazeres materiais (como a gastronomia, ou a gourmandise, por exemplo) e espero ter condições físicas de continuar escrevendo, ensinando e colaborando com a elevação intelectual da sociedade pelo maior tempo possível. Se me sobrar tempo gostaria de consertar algumas coisas que encontro muito erradas no Brasil, como por exemplo: a corrupção (generalizada em todas as esferas), a desonestidade intelectual nas academias, a miséria material de grande parte da população (que decorre, em minha opinião, de políticas erradas e do excesso de poderes conferidos ao Estado), enfim, tudo aquilo que sabemos errado em nosso País. 

15. O que você aconselharia para alguém que estivesse iniciando na mesma área?
PRA: Seja estudioso, dedicado, honesto intelectualmente, esforçado no trabalho, um pouco (mas apenas um pouco) obediente, inovador, curioso, questionador – mas ostentando um ceticismo sadio, não uma desconfiança doentia –, tente aprender com as adversidades, trate todo mundo bem (e, para mim, da mesma forma, um porteiro e um presidente), não seja preguiçoso (embora dormir seja sumamente agradável), cultive as pessoas, mais do que os livros (o que eu mesmo não faço), seja amado e ame alguém, ou mais de um... Enfim, seja um pouco rebelde, também, pois a humanidade só avança com aqueles que contestam as situações estabelecidas, desafiam o status quo, tomam novos caminhos, propõem novas soluções a velhos problemas (alguns novos também). No meio de tudo isso, não se leve muito a sério, pois a vida é uma só – sim, sou absolutamente irreligioso – e vale a pena se divertir um pouco. Tudo o que eu falei ou escrevi acima, parece sério demais. Não se leve muito a sério, tenha tempo de se divertir, de contentar a si mesmo e os que o cercam.

Brasília, 21 de maio de 2009.


quarta-feira, 28 de março de 2012

Carreira Diplomatica: respondendo a questionamentos

Texto das perguntas e respostas postado na plataforma Academia.edu (06/05/2018; link: http://www.academia.edu/36092063/Carreira_Diplomatica_respondendo_a_questoes_de_candidatos_comentarios).

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Reflexao historica sobre o declinio de certas sociedades (seria o caso do Brasil?) - Paulo Roberto de Almeida

Reflexão histórica sobre o declínio de certas sociedades (seria o caso do Brasil?)

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: refletir sobre a decadência brasileira; finalidade: debate político]




Estou lendo, em formato Kindle, uma das versões abreviadas da imensa obra de Edward Gibbon: The Decline and Fall of the Roman Empire (edited and abridged, and with a critical Foreword by Hans-Friedrich Mueller; Introduction by Daniel J. Boorstin; illustrations by Giovanni Battista Piranesi; New York: The Modern Library, 2003). Trata-se de uma excelente edição, com uma apresentação de Daniel Boorstin, o grande historiador americano que foi “Librarian” entre os anos 1975 e 1987 — ou seja, o diretor da Library of Congress, que é uma espécie de ministro da cultura americano — e com uma introdução crítica pelo especialista em Gibbon, Hans-Friedrich Mueller, professor no Union College, em Schenectady, New York.
Como sempre, cada vez que leio uma obra clássica, fico pensando em como, em quê, em quais condições, analógicas ou de similaridade, as opiniões e argumentos que leio nesses livros poderiam encontrar alguma aplicação nos tempos que correm, e especificamente em relação ao Brasil. Dessas leituras posso eventualmente extrair algumas ideias para a minha série de “clássicos revisitados”, que é composta por uma nova versão, ou seja, uma reescritura, da obra em questão para a nossa época, sempre quando possível aplicada ao Brasil. Já fiz isso com Marx (Manifesto), Maquiavel (O Príncipe), Benjamin Constant (De la liberté chez les Anciens...), Tocqueville (De la démocratie en Amérique), parcialmente com Sun Tzu (A Arte da Guerra), e pretendo continuar fazendo com outras “vítimas” de minhas releituras enviesadas.
Mas, o “abreviador” Hans-Friedrich Mueller termina sua erudita introdução da obra monumental do historiador inglês do século 18 notando que este não especula sobre os fatos históricos tal como efetivamente acontecidos — como diria mais tarde o alemão Ranke — e não constrói versões alternativas ao declínio e queda do império romano (do Ocidente e, 900 anos mais tarde, do Oriente). Mas ele próprio, Mueller, se permite especular se tudo não poderia ter acontecido de outra forma, a partir de sua visão de americano moderno, ou seja, não mais o súdito de um império monárquico (mas liberal democrático), como Gibbon, mas o cidadão de uma república imperial (e certamente liberal e democrática, ainda que dominadora e arrogantemente hegemônica), como é o caso dos EUA.
Transcrevo o que escreve Muller ao final dessa introdução crítica:
After the fact, History is, to be sure, fait accompli. Gibbon did not indulge in the composition of speculative and alternative histories, but for those interested in lessons or instruction, we might nevertheless ask: ‘What if, instead of vesting all powers in the hands of an incredibly corrupt and rapacious upper class, the Roman republic had developed a voting system that allowed representation of all its citizens and dependents? Would military dictatorship have been inevitable?’ These are questions that cannot be answered. The Roman republic never overcame the corruption that set in after its armies achieved military supremacy over the Mediterranean world (the ‘entire’ world to their limited geographical horizons. The answer to the crisis of Rome’s corrupted imperial republic was military dictatorship. (…) The story of the Roman empire offers instructive lessons: oppressive taxes for the sake of a despotic military establishment, tyrannical government, religious bigotry, endless warfare, and, finally, collapse. Let us hope (and pray) that we read not a blueprint but a salutary warning in Gibbon’s immortal and pleasurably instructive pages.
[final do “Critical Foreword”de Hans-Friedrich Mueller; loc 548-9 of 21896]

O caso é clássico, e pode ter acontecido o mesmo com o império britânico — ao qual pertencia Gibbon — e pode estar acontecendo agora com o próprio império americano, como pode acontecer no futuro com o atual império chinês em construção (ou reconstrução) sob o domínio dos novos mandarins comunistas.
E qual é a lição dessas possíveis trajetórias concordantes, similares ou convergentes?
Todos os grandes impérios, ao cabo de uma trajetória de relativo sucesso inicial, acabam se excedendo e ignorando as peculiaridades e necessidades de suas “províncias“: depois de completada a dominação militar e do estabelecimento de certa ordem jurídica e material, ou seja, uma paz temporária, acabam ocorrendo impostos excessivos, extorsão, corrupção e, eventualmente, tirania política. Abre-se, então, um período de declínio e de queda, como analisou Edward Gibbon a partir da longuíssima trajetória histórica do império romano.

Mas esta minha reflexão crítica, do ponto de vista de um cidadão brasileiro do início do século 21 — talvez não exatamente um cidadão, mas o “súdito” de um Estado “imperial” extorsivo, corrupto e ineficiente —, não se dirige a qualquer império brasileiro em construção, ou já em decadência, mas à nossa nação (ou sociedade), tal como existente, agora, ao início de 2018, num momento de crise, de transição, de duros ajustes tentativos depois de uma experiência desastrosa de 13 anos sob a dominação de companheiros ineptos e corruptos, antes de mais um exercício eleitoral que pode nos levar a uma fase de “renascimento”, ou, ao contrário, a mais declínio, mais decadência, à continuidade da corrupção, da violência generalizada e da perda completa do sentido de nação.
Seria esse o nosso destino atual? Ou a nossa trajetória inevitável?
Estaríamos condenados a continuar decaindo, em face da ausência completa de estadistas capazes de nos levar à retomada de um processo sustentado de crescimento econômico, em face de um Congresso reiteradamente fragmentado, entregue a uma pletora de partidos não representativos, a velhos caciques patrimonialistas, a sindicalistas rústicos, a evangélicos ignorantes (mas rapaces), dominados que somos por um Estado omnipresente, administrado por corporações de ofício focadas em seus próprios interesses pecuniários, servido “legalmente” por uma classe imensa de mandarins do Judiciário interessados apenas em defender seus privilégios inaceitáveis, um Estado que oprime despudoradamente os verdadeiros criadores de riqueza, os empresários industriais e agrícolas, os administradores de serviços comerciais e uma imensa maioria de trabalhadores extorquidos por impostos abusivos e serviços públicos deploráveis? 
Este seria a trajetória de “declínio e queda” do Brasil atual?
Pode ser, a julgar pelo que vemos todos os dias, pelo que assistimos nos canais de informação — notícias invariavelmente dominadas pela violência contínua, pelas desigualdades gritantes, pela corrupção e pela ineficiência estatal — e pelo que contemplamos pessoalmente no trânsito, no trabalho, nos shopping e supermercados.
Seria esse o nosso destino?
Gostaria de crer que não, mas confesso que as contínuas “novidades” negativas — na frente das investigações de corrupção da parte dos mais altos dirigentes da nação e também por altos magistrados, igualmente corruptos e politicamente motivados — me fazem pensar que sim.
Como o grande intelectual francês Raymond Aron — com o qual não pretendo me comparar —, minha atitude básica, nesta fase da vida nacional, é a de exibir um pessimismo ativo, no quadro do qual não mantenho muitas ilusões quanto à capacidade dos homens públicos brasileiros de encontrarem, racionalmente, o melhor caminho para a reconstrução do Brasil, mas ainda assim me resta algum resquício de esperança de que isso seja um dia possível. Continuarei sendo o mesmo espectador engajado que sempre fui ao longo de meio século de leituras, reflexões e escritos, sem qualquer aspiração a uma impossível (e indesejada) carreira política, apenas animado pelo desejo de perseguir a mesma função pedagógica ou didática que tem sido a minha nessa longa trajetória de uma vida adulta feita basicamente de livros, viagens e observações sobre o Brasil e o mundo.
Os próximos meses, talvez anos, em direção do segundo centenário de nossa vida como Estado independente, nos dirão o que esperar de uma sociedade, de uma nação que parecem permanentemente em construção.
Estarei atento ao que nos reserva o futuro, e talvez até mesmo possa, quem sabe?, participar um pouco, modestamente, dessa construção...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de fevereiro de 2018

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Políticas de Estado e politicas de governo - Paulo Roberto de Almeida

Fiz essa distinção porque os companheiros, para tentar contornar as reclamações de que eles estavam fazendo, na verdade, política partidária, passaram a dizer que estavam fazendo políticas de Estado, sobretudo na área da política externa e da diplomacia, onde eram mais evidentes o sectarismo e a ideologia (além de alianças secretas com seus simpatizantes de ditaduras conhecidas).
Desmantelei essas fraudes fazendo as necessárias distinções.
Hoje, alguém fazendo doutorado me perguntou sobre uma bibliografia nessa área, o que fui incapaz de apontar, porque escrevi com base em minha própria experiência, não com base em construções teóricas.
Eis o que tinha escrito na ocasião (2009), e reafirmo o que pensava...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de fevereiro de 2018

1218) Sobre políticas de Estado e políticas de governo

Este post pode ser lido em conexão com um mais antigo, relativo ao debate sobre políticas públicas na esfera do Estado ou no âmbito do governo, especificamente este aqui:
Quarta-feira, 17 de Junho de 2009
1163) Um debate sobre diplomatas e políticas de Estado

Em todo caso, se trata do meu trabalho mais recente.

Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias
Paulo Roberto de Almeida

Saber se uma determinada política seguida por um governo específico, num dado momento da trajetória política de um país, corresponde a uma expressão da chamada “vontade nacional” – ou seja, se ela corresponde ao que normalmente se designa como política de Estado – ou se ela, alternativamente, expressa tão somente a vontade passageira de um governo ocasional, numa conjuntura precisa, geralmente breve ou temporária, da vida política desse mesmo país não é, certamente, uma questão trivial, pois esse conhecimento envolve usualmente a consideração de certo número de elementos objetivos que podem entrar na categoria dos sistêmicos, ou estruturais, ou também na classe dos passageiros, ou circunstanciais.
Muitos pretendem que toda e qualquer política de governo é uma política de Estado, posto que um governo, que ocupa o poder num Estado democrático – isto é, emergindo de eleições competitivas num ambiente aberto aos talentos políticos – é sempre a expressão da vontade nacional, expressa na escolha regular daqueles que serão os encarregados de formular essas políticas setoriais. Os que assim pensam consideram bizantina a distinção, mas estes são geralmente pessoalmente do próprio governo, eventualmente até funcionários do Estado que pretendem se identificar com o governo de passagem. O que se argumenta é que, na medida em que suas propostas políticas já foram “aprovadas” previamente no escrutínio eleitoral, elas correspondem, portanto, aos desejos da maioria da população, sendo em conseqüência “nacionais”, ou “de Estado”.
Não é bem assim, pois raramente, numa competição eleitoral, o debate pré-votação desce aos detalhes e minudências das políticas setoriais e a todos os contornos e implicações dos problemas que podem surgir na administração corrente do Estado após a posse do grupo vencedor. Campanhas eleitorais são sempre superficiais, por mais debates que se possam fazer, e os candidatos procuram simplificar ainda mais os problemas em confronto, adotando slogans redutores, e fazendo outras tantas simplificações em relação às posições dos seus adversários. Por outro lado, as promessas são sempre genéricas, sem muita quantificação – diretamente quanto às metas ou sua expressão orçamentária – e sobretudo sem precisão quanto aos meios e seus efeitos no cenário econômico ou social. Todos prometem empregos, distribuição de renda, crescimento e desenvolvimento, defesa dos interesses nacionais, resgate da dignidade e da cidadania e outras maravilhas do gênero. Em outros termos, raramente a eleição de um movimento ou partido político ao poder executivo lhe dá plena legitimidade para implementar políticas de governo como se fossem políticas de Estado, que por sua própria definição possuem um caráter mais permanente, ou sistêmico, do que escolhas de ocasião ou medidas conjunturais para responder a desafios do momento.
Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política-parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais.
Políticas de Estado, por sua vez, são aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado, justamente, e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade. 
Se quisermos ficar apenas com um exemplo, no âmbito da diplomacia, pode-se utilizar esta distinção. Política de Estado é a decisão de engajar um processo de integração regional, a assinatura de um tratado de livre comércio, a conclusão de um acordo de cooperação científica e tecnológica numa determinada área e coisas do gênero. Política de governo seria a definição de alíquotas tarifárias para um setor determinado, a exclusão de produtos ou ramos econômicos do alcance do tratado de livre comércio, ou a assinatura de um protocolo complementar definindo modalidades para a cooperação científica e tecnológica na área já contemplada no acordo. Creio que tanto o escopo das políticas, como os procedimentos observados em cada caso podem ser facilmente distinguidos quando se considera cada um dos conjuntos de medidas em função das características definidas nos dois parágrafos precedentes.
Por isso, não se pode pretender que as políticas de Estado possam ser adotadas apenas pelo ministro da área, ou mesmo pelo presidente, ao sabor de uma sugestão de um assessor, pois raramente o trabalho técnico terá sido exaustivo ou aprofundado o suficiente para justificar legitimamente essa designação. Isso se reflete, aliás, na própria estrutura do Estado, quando se pensa em como são formuladas e implementadas essas políticas de Estado.
Pense-se, por exemplo, em políticas de defesa, de relações exteriores, de economia e finanças – em seus aspectos mais conceituais do que operacionais – de meio ambiente ou de educação e tecnologia: elas geralmente envolvem um corpo de funcionários especializados, dedicados profissionalmente ao estudo, acompanhamento e formulação das grandes orientações das políticas vinculadas às suas respectivas áreas. Ou considere-se, então, medidas de natureza conjuntural, ou voltadas para uma clientela mais restrita, quando não ações de caráter mais reativo ou operacional do que propriamente sistêmicas ou estruturais: estas podem ser ditas de governo, aquelas não. 
Portanto, quando alguém disser que está seguindo políticas de Estado, pare um pouco e examine os procedimentos, a cadeia decisória, as implicações para o país e constate se isso é verdade, ou se a tal política corresponde apenas e tão somente a uma iniciativa individual do chefe de Estado ou do ministro que assim se expressou. Nem todo presidente se dedica apenas a políticas de Estado, e nem toda política de Estado é necessariamente formulada pelo presidente ou decidida apenas no âmbito do Executivo. Como dizem os americanos: think again, ou seja, espere um pouco e reconsidere o problema...

Brasília, 11 de julho de 2009

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Politica externa brasileira recente - Paulo Roberto de Almeida

Política externa brasileira recente: algumas questões tópicas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários a questões de acadêmico; finalidade: ensaio sobre diplomacia]


Introdução
Encontram-se, abaixo, meus comentários e argumentos em resposta a questões tópicas, ou gerais, apresentadas por acadêmico estrangeiro engajado num ensaio de ciência política sobre a política externa e a diplomacia brasileira desde o início do presente século, quando o Brasil parecia emergir como grande ator internacional, mas teve sua presença internacional e status diminuídos, a partir da recessão e da crise do impeachment, o que refletiu-se na sua imagem e na sua atuação nessas dimensões.
Não pretendo, e esta não é a intenção, que meus argumentos e opiniões, pessoais e subjetivos como eles podem ser, sejam utilizados para compor uma atualização final desse trabalho, cuja discussão central atinha-se ao período pré-2014, pois entendo que eles serão apenas utilizados como subsídios para uma avaliação ex post da análise já feita no trabalho original. Minha visão é puramente pessoal, e não corresponde, como deve ficar claro, à opinião média de um diplomata sobre a política externa do país.

Questões:


PRA: Caberia, em primeiro lugar, estabelecer duas premissas fundamentais para uma correta caracterização da problemática acima, por um lado no contexto do país, por outro lado quanto à dimensão temporal implícita à questão. O Brasil, na condição de país participante da política internacional, enquanto ator regional ou mundial, enquanto membro de diferentes instituições e arranjos da comunidade internacional, no plano multilateral ou em suas relações bilaterais, esse país referido de maneira genérica não existe enquanto entidade uniforme, homogênea, contínua e constante no contexto dessas várias dimensões de sua política externa. O que existe é uma política externa específica e própria de um governo determinado, o que, num sistema presidencialista como é o seu, significa a política externa de um determinado presidente, animada pelas forças atuantes nesse determinado governo, com base numa hegemonia política do partido ou da coalizão de partidos dominantes no mandato presidencial em questão. Por isso não creio ser correto afirmar-se que o Brasil tinha tal e tal política externa até 2014, e passou a ter esta outra política externa a partir desse ano, o que já entra na discussão do segundo aspecto levantado como premissa: o suposto corte temporal em 2014.
A caracterização correta deve ser, em função da história política brasileira entre janeiro de 2003 e maio de 2016, a política externa dos governos do PT, não do Brasil, nesse período, e a política externa desenvolvida desde então. Qualquer observador político dotado de um conhecimento mínimo das características essenciais da política externa brasileira saberia fazer tal distinção, e é a partir dela que podemos responder à questão colocada, a da “inserção e projeção internacional e da visibilidade do envolvimento do Brasil no cenário internacional desde 2014”. Meu comentário, então, passa a ser o seguinte.
Existe uma nítida diferenciação entre a política externa daquilo que eu chamo de “lulopetismo diplomático”, ou seja, a diplomacia e a política externa do Brasil tal como conduzidas pelos governos petistas entre 2003 e 2016, e a política externa do Brasil até 2002 e a partir de meados de 2016 até a presente data, ainda numa fase de transição política a ser marcada pelas eleições presidenciais e gerais de outubro de 2018. Como eu já elaborei diferente análises sobre o “lulopetismo diplomático”, remeto a trabalhos anteriores já publicados ou divulgados sobre essa anomalia política, para depois concentrar-me nas diferenças a partir de 2016.
Eis aqui uma pequena relação de análises feitas ainda em 2016 cobrindo aquele período anterior:
2985. “Política externa e política econômica no Brasil pós-PT”, Brasília, 29 maio 2016, 6 p. Comentários tópicos em um artigo para Mundorama (7/06/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/06/07/politica-externa-e-politica-economica-no-brasil-pos-pt-por-paulo-roberto-de-almeida/). Divulgado no blog Diplomatizzando em 8/06/2 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/politica-externa-e-politica-economica.html).

2983. “O renascimento da política externa”, Brasília, 25 maio 2016, 14 p. Artigo publicado na revista Interesse Nacional (ano 9, n. 34, julho-setembro de 2016, link: http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/o-renascimento-dapolitica-externa/). Reproduzido no blog Diplomatizzando (3/08/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/o-renascimento-da-politica-externa.html).

2982. “Do lulopetismo diplomático a uma política externa profissional”, Brasília, 22 maio 2016, 7 p. Mundorama (23/05/2016, link: http://www.mundorama.net/2016/05/23/do-lulopetismo-diplomatico-a-uma-politica-externa-profissional-por-paulo-roberto-de-almeida/); reproduzido no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/do-lulopetismo-diplomatico-uma-politica.html).

2977. “O Itamaraty e a diplomacia profissional brasileira em tempos não convencionais”, Brasília, 15 maio 2016, 10 p. Entrevista concedida ao blog Jornal Arcadas, sobre aspectos da carreira e do funcionamento do Itamaraty na fase recente. Publicado, sob o título de “Entrevista: a crise e o anarco-diplomata”, no blog Jornal Arcadas (15/05/2016); reproduzido no Diplomatizando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/um-anarco-diplomata-fala-sobre.html).

2969. “Epitáfio do lulopetismo diplomático”, Brasília, 2 maio 2016, 3 p. O Estado de S. Paulo (17/05/2016; link: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,epitafio-do-lulopetismo-diplomatico,10000051687), reproduzido no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/epitafio-do-lulopetismo-diplomatico.html).

No período posterior à queda do lulopetismo, uma vez iniciado e completado o processo de impeachment, continuei a elaborar alguns textos que justamente faziam o balanço do lulopetismo diplomático, dentre os quais posso destacar os seguintes:

2988. “Política externa brasileira, 2: o que faria o Barão hoje, se vivo fosse?”, Brasília, 1 junho 2016, 7 p. Blog Diplomatizzando (17/02/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/02/politica-externa-brasileira-o-que-faria.html).

2999. “Auge e declínio do lulopetismo diplomático: um depoimento pessoal”, Brasília, 22 junho 2016, 18 p.; revisto: 26/06/2016: 19 p. Blog Diplomatizzando (1/07/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/ufa-um-depoimento-meu-sobre-o.html).

3032. “O lulopetismo diplomático: um experimento exótico no Itamaraty”, Porto Alegre, 4 setembro 2016, 5 p. Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/09/o-lulopetismo-diplomatico-um.html).

3061. “O Itamaraty e a nova política externa brasileira”, Brasília, 19 novembro 2016, 18 p. Blog Diplomatizzando (15/08/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/o-itamaraty-e-nova-politica-externa.html).


3116. “Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa”, Brasília, 12 maio 2017, 7 p. Resenha do livro de Fabio Zanini, Euforia e fracasso do Brasil grande: política externa e multinacionais brasileiras na era Lula (São Paulo: Contexto, 2017, 224 p.; ISBN: 978-85-7244-988-5). Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/crimes-economicos-do-lulopetismo-na.html).

3121. Quinze anos de política externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017; Brasília: Edição do Autor, 2017, 366 p. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html).

3126. “Uma visão crítica da política externa brasileira: a da SAE-SG/PR”, Brasília, 17 junho 2017, 22 p. Mundorama: Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais (2/12/2017; ISSN: 2175-2052; acessado em 03/12/2017; link: http://www.mundorama.net/?p=24308).

3197. “Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente?”, Brasília, 26 novembro 2017, 3 p. Gazeta do Povo (28/11/2017, link: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/depois-da-diplomacia-companheira-o-que-vem-pela-frente-di5ffopc0ywu56cc29s8s5hsr). Blog Diplomatizzando (28/11/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/11/depois-da-diplomacia-companheira-o-que.html).

3221. “A diplomacia na construção da nação: qual o seu papel?, Brasília, 28 dezembro 2017, 10 p. Mundorama (9/01/2018; link: http://www.mundorama.net/?p=24351).

Feitos os esclarecimentos sobre o que eu penso a respeito do “lulopetismo diplomático”, entre 2003 e 2016, e agregados alguns trabalhos posteriores, venho à resposta de como vejo a “inserção e projeção internacional e da visibilidade do envolvimento do Brasil no cenário internacional”, não desde 2014, mas a partir de 2016. Existe uma clara diminuição da atuação internacional do Brasil desde então, por força da ruptura política ocorrida com o impeachment, feito entre maio e agosto desse último ano, mas também é claro que essa redução do ativismo diplomático já vinha sendo observado desde o terceiro e o início do quarto governo lulopetista, dadas as características desastrosas da substituta do presidente Lula a partir de 2011, notadamente a partir da crise econômica, e política que já se manifestava claramente a partir de 2014 (ano da reeleição de Dilma Rousseff) e que só se agudizou a partir da clara falta de legitimidade de seu mandato político e da grande crise econômica que se exacerbou a partir de então (mas cujas raízes já vinham desde antes, praticamente desde o período final do segundo mandato lulopetista).
A presidente – e isso ficou claro desde seu primeiro mandato – não era apenas inepta, incompetente e errática em suas ações e decisões, como ela também rebaixava a política externa, não tinha nenhuma empatia pela diplomacia profissional, que ela desprezava profundamente, a ponto de humilhá-la seguidamente com suas ações intempestivas e prejudiciais à diplomacia do país. Essa diminuição, portanto, existe, precede ao impeachment, mas se manifestou de forma mais clara desde então, inclusive devido à campanha nacional e internacional viciosa e viciada, mentirosa e mistificadora, conduzida pelos lulopetistas, com certo sucesso desde então, parte da qual está diretamente vinculada à ação do ex-chanceler sob os dois governos de Lula, convertido em ativo membro da tropa de choque de defesa do ex-presidente, criminoso condenado e chefe daquilo que já foi chamado de “organização criminosa”. Tais ações e campanha de propaganda, repercutidas e expandidas com certa eficácia pelos aliados políticos e pelas correias de transmissão identificados com as políticas de esquerda desses grupos teve, portanto, algum resultado em retirar legitimidade internacional ao governo de transição conduzido pelo vice-presidente (presidente pleno a partir de agosto de 2016) Michel Temer, a ponto de o Brasil ter sido “contornado” por diversos líderes políticos de parceiros tradicionais e por representantes diplomáticos desses países, a começar pelos antigos aliados dos governos lulopetistas.
O segundo componente dessa diminuição relativa foi a crise econômica que se desenvolveu com enorme impacto sobre o crescimento e o nível de emprego do país, a maior recessão econômica de toda a história do Brasil: -3,8% do PIB em 2015, -3,6% em 2016, algo em torno de 0,5% em 2017, e mais de 13% de desemprego em relação à população economicamente ativa (mais de 14 milhões de desempregados, o que já representa uma subestimação com respeito aos números reais, bem maiores se levados em conta efeitos das políticas distributivas, tipo “Bolsa Família”, ou o subemprego tradicional no Brasil). Nunca o Brasil tinha conhecido um déficit orçamentário em torno de 10% do PIB, e um descalabro em suas contas públicas da dimensão conhecido nos últimos anos, como resultado das políticas econômicas (macro e setoriais) equivocadas conduzidas a partir de 2011 (com raízes anteriores, como a expansão desequilibrada das despesas públicas e a extensão do intervencionismo estatal desde sempre). Esse dado também afetou a capacidade de projeção internacional do Brasil, dado o enorme esforço de ajuste fiscal e de início de um processo de ajustes tópicos e de reformas estruturais que passaram a ser conduzidos desde então, processos ainda não concluídos de forma exitosa até o presente momento (primeiro trimestre de 2018).
Tanto a tremenda crise econômica, ainda não completamente superada, como a relativa fragilidade do quadro político atual, bem como a campanha mentirosa e viciosa conduzida pelos lulopetista nos planos interno e externo durante os últimos dois anos afetaram, portanto, a política externa e a atuação diplomática do Brasil, o que explica o menor ativismo em relação ao período 2003-2010, que de toda forma foi exacerbado, devido à megalomania conjunta do presidente e de seu chanceler, muito mais baseada em retórica vazia e ativismo superficial do que em fundamentos sólidos de uma política externa que sempre exibiu, em circunstâncias normais, sua solidez doutrinal e adesão ao direito internacional, princípios abalados durante a vigência do lulopetismo político.

2) Como avalia a evolução da política externa e diplomacia presidencial desde 2014?

PRA: Essa evolução deve ser claramente redimensionada em função das fases políticas já definidas acima, quais seja, a dominação lulopetista sobre o Estado e o governo entre 2003 e maio de 2016, e, a partir de então, uma coalizão de forças políticas centristas, em parte integradas pelas mesmas forças que já integravam os governos petistas na fase anterior, com a adição de parte da oposição de direita ou centrista que tinham ficado alijadas do poder anteriormente. A diferenciação fundamental, crucial, essencial a ser feita – e que já está clara nos trabalhos pessoais listados mais acima – é a dominação do lulopetismo, em suas diferentes variantes, sobre a política externa e sobre a diplomacia exercida por apparatchiks do PT sobre essa política externa, e, a partir de 2016, um retorno a padrões mais tradicionais da diplomacia brasileira, tais como vistos e conhecidos até 2003 e novamente reativados desde 2016. A diplomacia profissional brasileira tem métodos de atuação, conceitos fortemente embasados, plena capacitação de seus quadros totalmente adequados para o exercício de uma política externa ativa, embora dependa, como parece claro, de uma liderança presidencial engajada em ações e iniciativas próprias ou suscitadas pela agenda internacional, regional ou multilateral.
Em função do quadro político vigente no Brasil desde a crise do impeachment – de relativa desunião do país, embora sustentado artificialmente e com muita má-fé por parte das forças políticas alijadas do poder – e levando em conta o quadro de pré-campanha eleitoral em vista das eleições de outubro de 2018, parece evidente que a política externa e a diplomacia brasileira atuarão de modo menos ativo na fase atual, embora com pleno controle dos mecanismos e da capacidade de representação com base em seu corpo profissional do setor. Tal situação provavelmente persistirá até o início de 2019, quando um novo governo tomará posse, embora se possa prever continuidade relativa na atuação da diplomacia profissional brasileira, com base no funcionamento adequado do Itamaraty e de seu serviço exterior tradicionalmente.

3) Como avalia o mandado de tropas para a República Centro Africana? Como se integra nas posições do Brasil nas discussões internacionais sobre paz e segurança e participa da visibilidade do Brasil nesses debates e no cenário internacional?

PRA: Existe uma clara demanda externa, notadamente da França, e de outros membros do Conselho de Segurança, para o envio de forças brasileiras de interposição, com base em resoluções dos órgãos multilaterais e determinação das principais potências presentes naquele cenário, que identificam um interesse das Forças Armadas brasileiras nesse tipo de ação, que atende interesses próprios de capacitação operacional e outros objetivos internos a esse corpo profissional. O cenário é contudo diferente daquele que presidiu ao envio de forças brasileiras no quadro da Minustah, ao Haiti, a partir justamente do ativismo exacerbado do primeiro governo Lula em prol de sua projeção internacional, mirando, provavelmente, uma mal calculada ambição de vir a integrar o Conselho de Segurança da ONU, se e quando fosse efetivada a reforma da sua Carta e a ampliação do CSNU. Não há mais ilusões a esse respeito, por parte da diplomacia brasileira, quanto a essa perspectiva – amplamente ilusória, já naquele momento –, daí um ceticismo maior por parte da diplomacia profissional quanto ao interesse ou vantagens advindos dessa participação ainda hipotética. Se ela se efetivar talvez não o seja no corrente ano de 2018, dado o contexto político geral do Brasil, pois uma decisão desse tipo teria de passar pelo crivo do Congresso e por uma adequação de recursos orçamentários, o que possivelmente remeta a decisão ao ano d e 2019.
Se ocorrer definição positiva, pode representar um passo adiante na capacitação das FFAA brasileiras em missões de paz da ONU – mas sempre de interposição, ou seja, de peace keeping, antes que de imposição da paz, ou de peace making –, o que contribuirá para reforçar o papel internacional que o país aspira ter no plano mundial. Mas também é preciso ficar claro que se trata de uma operação que transcende, talvez, o cenário ideal para um país como o Brasil, situada numa região e num contexto político nos quais e com os quais o Brasil possuí vínculos tênues, mesmo ínfimos, se algum. Ou seja, não seria um cenário de atuação escolhido voluntariamente pelo Brasil, ou por sua diplomacia, embora possa ter atrativos, mas puramente operacionais, do ponto de vista de suas FFAA. A perspectiva pode ser positiva, tanto no plano prático das FFAA, quanto na esfera diplomática, mas uma avaliação ponderada terá de ser conduzida com base num exame mais circunstanciado desse possível envolvimento.
No momento atual, e isso precisa ficar claro, não existe um “mandado”, e sim uma demanda externa, que terá de ser cuidadosamente avaliada pelos dois ministérios em esforço de coordenação conjunta – Defesa e Relações Exteriores – e pelo presidente da República. Os imponderáveis são aqueles conjunturalmente oferecidos pelo atual momento de transição política, já referido, e requeridos por uma análise política a ser feita pelas duas instituições em condições concretas do debate mantido pelo Brasil com as potências interessadas e as instâncias da ONU envolvidas nesse processo.

4) Como avalia as políticas comerciais do atual governo: teve efetivamente um movimento de distanciamento da OMC? Qual é a efetividade das iniciativas para fechar acordos bilaterais?

PRA: Não apenas as políticas comerciais, mas todas as demais políticas setoriais do governo anterior, inclusive determinadas orientações da política macroeconômica, foram deformadas por escolhas e preferências claramente equivocadas dos governos lulopetistas, sobretudo a partir do seu terceiro mandato presidencial, políticas que levaram o Brasil à maior recessão de sua história econômica. Tais políticas envolveram igualmente desrespeito a regras multilaterais já aceitas pelo Brasil no quadro de rodadas e negociações comerciais multilaterais adotadas no âmbito da OMC, como foi o caso do “Inovar Auto”, condenado – como já estava claro desde o seu início – pelo mecanismo de solução de controvérsias da OMC, acionado por parceiros comerciais que se sentiram lesados por práticas discriminatórias adotadas pelo governo petista naquele âmbito.
O atual governo de transição efetua um reequilíbrio dessas políticas, que devem ajustar-se aos compromissos e obrigações multilaterais assumidos pelo Brasil, num quadro de relativa fragilidade competitiva do Brasil, cujas indústrias já são penalizadas por distorções internas – sobretudo tributárias – que redundaram numa perda de espaço nos mercados internacionais e numa desindustrialização precoce. O Brasil, sob os governos do lulopetismo, recuou nitidamente em diversos critérios classificatórios de entidades internacionais: ambiente de negócios (Doing Business, do Banco Mundial), competitividade (relatórios anuais do World Economic Forum) e, sobretudo, liberdades econômicas (Fraser Institute), para posições vergonhosas em face da relativa importância de sua economia (ainda entre as dez primeiras no plano do PIB total), mas em classificações mais negativas do ponto de vista do comércio internacional, da inovação e da produtividade. Essa situação exigirá um grande esforço do governo atual e de governos futuros em favor de profundas reformas estruturais e de ajustes internos em prol de uma nova inserção econômica internacional, claramente diminuída em função não apenas da crise como das políticas equivocadas, intervencionistas e também protecionistas e introvertidas.
Os mesmos equívocos foram cometidos no âmbito regional e na esfera das negociações de possíveis acordos de abertura econômica e de liberalização comercial, praticamente inexistentes durante toda a era lulopetista, que deformou o funcionamento do Mercosul e desviou a orientação universalista do comércio internacional do Brasil, em favor de uma orientação “Sul-Sul” de caráter propriamente delirante, pois que não seguida por nenhum parceiro tradicional (no âmbito regional) ou “estratégico” (no Brics, por exemplo) do país, quaisquer que sejam eles. O Mercosul perdeu suas características essencialmente comercialistas para se transformar num palanque de retórica política, utilizado inclusive para objetivos partidários e sectários – como os episódios da suspensão do Paraguai e da aceitação política, equivocada e ilegal, da Venezuela como membro pleno – e perdeu espaço no relacionamento comercial externo do Brasil. O Brasil possui acordos comerciais no âmbito da Aladi, que devem ampliar bastante o acesso aos seus mercados pelos países da região (América do Sul), mas ainda precisa fechar acordo com o México e muitos outros países, uma vez que os acordos feitos na vigência do lulopetismo foram poucos e com impacto medíocre no leque de mercados com relações preferenciais do Brasil e do Mercosul. Mas ainda resta que a dimensão tarifária já é pouco relevante no quadro dos atuais acordos comerciais sendo negociados bilateralmente ou plurilateralmente na presente fase da economia mundial, sendo que na dimensão regulatória e nos demais aspectos – investimentos, serviços, propriedade intelectual e outros – o envolvimento brasileiro é bastante reduzido.

5) O que significa, o que revela o Brasil estar ausente do CSNU até 2022?

PRA: Pode parecer uma diminuição relativa da presença brasileira em termos de projeção externa e oportunidade de participar de debates relevantes nesse plano, mas eu pessoalmente não considero tal afastamento absolutamente prejudicial ao Brasil ou à sua diplomacia. O Brasil poderá participar, se desejar ou puder, de certas operações negociadas no âmbito do CSNU mesmo sem dele participar, bastando manifestar sua intensão nesse sentido. Existe um critério de rotatividade regional, nem sempre seguido, o que pode ser contornado por certo ativismo diplomático, mas não creio que o Brasil resultará diminuído diplomaticamente ao seguir essa rotatividade de modo explícito.

6) Como avalia a decisão de retomar as discussões para o acordo entre a UE e o Mercosul? Quais serão os benefícios? Qual é a probabilidade de fechar acordo?

PRA: Trata-se de processo antigo, que remonta aos anos 1990, quando ainda existia a perspectiva de um acordo hemisférico de libre comércio, um projeto dos EUA do início daquela década, que despertou os ânimos da UE no sentido de não ser prejudicada pela disposição latino-americana de entrar em acordos preferencias com a grande potência hemisférica no horizonte de 2005. Apenas por isso tiveram início negociações concretas entre a UE e o Mercosul, que no entanto nunca contaram com efetiva disposição liberalizadora por parte dos parceiros integrantes dos dois blocos. Como as novas lideranças de esquerda na América Latina – Lula no Brasil, Chávez na Venezuela, Kirchner na Argentina – decidiram implodir o projeto americano da Alca, o processo inter-regional UE-Mercosul padeceu os atrasos que se conhecem. Persistem obstáculos setoriais importantes – agrícolas, do lado europeu, industrial e de serviços, do lado do Mercosul – ainda que existam, a partir de novas lideranças políticas no Brasil e na Argentina, nítida boa disposição para fechar esse acordo. Não sou muito otimista quanto a isso, e ainda que ele venha a ser fechado, concluído e aprovado, sua implementação será provavelmente bastante longa (dez anos ou mais), para uma abertura efetiva de setores atualmente protegidos. Mesmo quando, e se, ele seja concluído, o acordo terá um impacto global marginal para o comércio da UE, um pouco mais para o Mercosul, embora possa ser setorialmente, e de um ponto de vista microeconômico, importante para alguns setores e empresas envolvidas no comércio.

7) Teve efetivamente um redirecionamento das relações para o eixo norte? Se for o caso, como se traduz de forma concreta? Qual é a relevância dos BRICS para o governo atual? Como avalia a decisão de entrar na OCDE? Quais são as implicações simbólicas?

PRA: Essa distinção Norte-Sul já não faz mais nenhum sentido para o governo atual, embora fizesse parte para os governos lulopetistas anteriores e para boa parte da academia, que vivem de símbolos, por mais inúteis que eles sejam no plano prático. Os governos lulopetistas se orgulhavam de praticar uma diplomacia Sul-Sul e de ter uma orientação geral de sua diplomacia para um hipotético, e inexistente, “Sul global”, uma fantasmagoria que só pode frequentar a cabeça de amadores, de sectários e de espíritos desconectados das realidades da economia mundial. O Brasil sempre teve uma política externa universalista, apenas deformada durante o lulopetismo diplomático por essa miopia fundamental dos companheiros e seus aliados acadêmicos, sem qualquer sentido para a boa condução da diplomacia brasileira, muito embora esta sempre tenha tido uma orientação política voltada para países em desenvolvimento, como caracterizada nessa divisão – que eu considero em grande medida artificial – típica da ONU entre os grupos regionais e o pertencimento clássico do Brasil ao G77.
O BRICS, uma construção também artificial favorecida pelo lulopetismo por razões claramente políticas, permanece no espectro da movimentação diplomática brasileira, um pouco por inércia diplomática, um pouco pelo avanço em determinadas áreas – como o New Developement Bank, por exemplo – mas encontra-se, segundo a minha percepção, numa fase de reavaliação, em vista da diminuição das expectativas exageradamente otimistas da década anterior e da clara assimetria estrutural que é dada pela enorme dimensão econômica e política da China nesse grupo.
A decisão de demandar ingresso pleno na OCDE já está atrasada vinte ou trinta anos, no plano objetivo do potencial econômico e político internacional do Brasil, mas é claro que o lulopetismo diplomático, e político, sempre teve objeções de princípio ao que ele considerava, de modo totalmente equivocado, como sempre, um “clube de países ricos”, o que a OCDE claramente não é mais desde o fim do socialismo e a adesão de diversos outros países em desenvolvimento, a começar, mais recentemente, pelo Chile no âmbito regional. Considero esse ingresso, se efetivado, como um passo importante para a “normalização” do Brasil no que respeita suas principais políticas macroeconômicas e setoriais, podendo reforçar e consolidar um padrão de qualidade nessas políticas que ele deveria já ter alcançado desde o início do Mercosul e do plano de estabilização macroeconômica de 1994-94, sob sua nova moeda, mas que se frustraram devido à deformação lulopetista do Mercosul, e a própria fragmentação do processo de integração regional e das políticas econômicas nacionais.
A dimensão simbólica desse possível ingresso é, para mim, muito menor do que o atribuído no plano jornalístico pelos observadores, e desimportante para todos os efeitos práticos. O mais importante é o efeito que ele possa ter, como já afirmado, no plano da qualidade das políticas econômicas e demais políticas públicas setoriais, no plano interno, mas também como alavanca, necessária e importante, para reforçar um necessário processo de reinserção internacional do Brasil. Espero, apenas, que o Brasil, por força de todo o seu passado protecionista, intervencionista, dirigista, nacionalista, não venha a assumir, nesse ingresso, uma postura defensiva, que delongue, tolha ou torne imperfeito esse processo de abertura econômica do Brasil ao mundo, que é hoje o país mais fechado de todo o G-20 financeiro, no que se refere ao coeficiente comercial.
Alguns veem esse ingresso como complementar ao BRICS; eu, pessoalmente, vejo isso como totalmente contrário ao BRICS, um grupo ainda muito distante do conceito que considero necessário ao Brasil: democracia de mercado com pleno respeito aos direitos humanos e adesão a padrões elevados de governança responsável.

8) O que foi decidido sobre o fechamento de embaixadas e a retirada do Brasil de algumas instituições internacionais? O que revela?

PRA: Ocorreu, nos governos lulopetistas, um pouco por demagogia e por uma visão completamente equivocada do impulso lulopetista para reforçar a candidatura a uma cadeira permanente no CSNU, um sobre-dimensionamento da presença brasileira no exterior, com a abertura de missões diplomáticas em muitos países (praticamente em toda a América Latina, e em muitos países africanos), em claro descompasso com nossas possibilidades orçamentárias e de pessoal. A decisão de retraimento é sempre difícil, por envolver custos materiais e diplomáticos, e suponho que a retirada será muito gradual. A retirada de algumas instituições internacionais, por sua vez, também é muito limitada, e tem sido determinada mais por razões orçamentárias – ou seja, praticamente imposta pela área orçamentária do governo – do que por considerações diplomáticas. Não creio que revela nenhuma grande sinalização política especial, apenas um readequação das possibilidades do Brasil no cenário internacional, que foi excessivamente ampliada nos anos eufóricos, quase delirantes, do lulopetismo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018