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domingo, 29 de abril de 2018

Ludwig von Mises explica as causas reais da queda do Imperio Romano (Mises Brasil)

Apenas uma mente brilhante como a de Mises, e um homem dotado de cultura clássica e de instinto econômico, como ele, poderia explicar de maneira sintética, algo que os historiadores não souberam interpretar até hoje: a queda do império por "invasões bárbaras".
Na verdade, Edward Gibbon, em sua monumental história do Declínio e Queda do Império Romano já tinha feito um relato excelente sobre as disfunções econômicas do Império, o extrativismo estatal, a inflação, a desorganização monetária, a corrupção, etc.
Recomendo ler os muitos comentários dos leitores que estão na postagem original do Instituto Mises Brasil, neste link: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1348
Vou dar uma aula sobre isso, com base neste texto.
Paulo Roberto de Almeida 

Observações sobre as causas do declínio da civilização romana

Ludwig von Mises
Instituto Mises Brasil, 3 de julho de 2012

A compreensão dos efeitos da intervenção do governo sobre os preços de mercado permite-nos entender as causas econômicas de um evento histórico da maior importância: o declínio da civilização romana.
Não é necessário especificar se a organização econômica do Império Romano poderia ou não ser qualificada como capitalista.  O que interessa é que não há dúvida de que o Império Romano no século II, o período dos Antoninos — os "bons imperadores" —, havia alcançado um alto grau de divisão do trabalho e de comércio interregional.  Diversos centros metropolitanos, um número considerável de cidades médias e inúmeras pequenas cidades eram as sedes de uma civilização refinada.  
Os habitantes dessas aglomerações urbanas eram plenamente supridos de alimentos e matérias-primas, não apenas pelos distritos rurais vizinhos, mas também pelas províncias distantes.  Uma parte destes suprimentos fluía para as regiões urbanas como renda de ricos proprietários de terras que residiam nas cidades.  Mas parte considerável era comprada da população rural que, em troca, recebia os produtos fabricados pelos moradores das cidades.
Havia um comércio intenso entre as várias regiões do império.  Não apenas nas indústrias de transformação, mas também na agricultura, havia uma tendência cada vez maior à especialização.  As várias partes do império já não eram mais economicamente autossuficientes; haviam-se tornado interdependentes.
O que provocou a queda do império e a ruína de sua civilização não foram as invasões bárbaras, mas sim a desintegração dessa interdependência econômica.  Os agressores externos simplesmente se aproveitaram de uma oportunidade que lhes foi oferecida pelo enfraquecimento interno do império.  De um ponto de vista militar, as tribos que invadiram o império nos séculos IV e V não eram superiores aos exércitos que as legiões haviam derrotado facilmente algum tempo antes.  Mas o império havia mudado; sua estrutura econômica e social tornara-se medieval.
A liberdade que Roma concedia ao comércio interno e externo sempre foi limitada.  Em relação ao comércio de cereais e outros gêneros de primeira necessidade, era ainda mais limitada do que em relação às demais mercadorias.  Era considerado injusto e imoral pedir pelo trigo, azeite e vinho — gêneros de primeira necessidade daquele tempo — preços maiores do que os habituais, e as autoridades municipais rapidamente reprimiam o que considerassem especulação.  Impedia-se assim o desenvolvimento de um eficiente comércio atacadista dessas mercadorias. 
A política da annona,[1] que era equivalente à estatização ou municipalização do comércio de cereais, pretendia corrigir essa falha; mas seus efeitos foram bastante insatisfatórios.  Os cereais se tornaram escassos nas aglomerações urbanas e os agricultores se queixavam de que o cultivo não era remunerador. 
A interferência das autoridades impedia que a oferta se ajustasse a uma crescente demanda.
A hora da verdade chegou quando os imperadores, diante dos distúrbios políticos dos séculos III e IV, resolveram recorrer à degradação da moeda.  A combinação de uma política de preços congelados com a deterioração da moeda provocou a completa paralisação tanto da produção quanto do comércio dos gêneros de primeira necessidade, e desintegrou a organização econômica da sociedade.  Quanto mais eficaz era o tabelamento de preços imposto pelas autoridades, maior o desespero das massas urbanas que não tinham onde comprar alimentos. 
O comércio de grãos e de outros gêneros de primeira necessidade desapareceu por completo. 
Para não morrer de fome, as pessoas fugiam da cidade para o campo e tentavam produzir, para si mesmas, cereais, azeite, vinho e o de que mais necessitassem.  Por outro lado, os grandes proprietários rurais reduziram a produção de excedentes agrícolas e passaram a produzir nos seus domínios — as vilas — os produtos artesanais de que necessitavam.  A agricultura em larga escala, já seriamente comprometida pela ineficiência do trabalho escravo, tornava-se completamente inviável pela falta de preços compensadores. 
Os proprietários rurais não conseguiam mais vender nas cidades; os artesãos urbanos perdiam a sua clientela.  Para atender às suas necessidades, os proprietários rurais passaram a contratar diretamente os artesãos para trabalharem em suas vilas. Abandonaram a agricultura em larga escala e se converteram em meros recebedores de rendas de seus arrendatários e meeiros.  Esses coloni eram escravos alforriados ou proletários urbanos que voltavam para o campo. 
As grandes propriedades rurais foram tornando-se cada vez mais autárquicas.  As cidades, o comércio interno e externo, as manufaturas urbanas deixaram de exercer a sua função econômica.  A Itália e as províncias retornaram a um estágio mais atrasado da divisão social do trabalho.  A estrutura econômica da antiga civilização, que havia alcançado um nível tão alto, retrocedeu ao que hoje é conhecido como a organização feudal típica da Idade Média.
Os imperadores se alarmaram com essa evolução que solapava o seu poder militar e financeiro.  Mas reagiram de maneira infrutífera, sem atingir a raiz do mal.  A compulsão e coerção a que recorreram não podiam reverter a tendência de desintegração social que, ao contrário, era causada precisamente pelo excesso de compulsão e coerção. 
Nenhum romano tinha consciência do fato de que o processo era provocado pela interferência do governo nos preços e pela deterioração da moeda.  Em vão os imperadores promulgaram leis contra os moradores que relicta, civitate rus habitare maluerit[2] (abandonavam a cidade, preferindo viver no campo). 
O sistema da leiturgia — serviços públicos que deviam ser prestados pelos cidadãos ricos — apenas acelerou ainda mais o retrocesso da divisão do trabalho.  As leis que dispunham sobre as obrigações especiais dos armadores, os navicularii, não conseguiram sustar o declínio da navegação, da mesma maneira que as leis relativas aos cereais não conseguiram impedir a escassez de produtos agrícolas nas cidades.
A maravilhosa civilização da Antiguidade desapareceu por não ter sabido ajustar o seu código moral e o seu sistema legal às exigências da economia de mercado.  Uma ordem social está fadada a desaparecer se as ações necessárias ao seu bom funcionamento são rejeitadas pelos padrões morais, são consideradas ilegais pelas leis do país e são punidas pelos juízes e pela polícia. 
O Império Romano se esfacelou por ter ignorado o liberalismo e o sistema de livre iniciativa.  O intervencionismo e o seu corolário político, o governo autoritário, destruíram o poderoso império, da mesma forma que necessariamente desintegrarão e destruirão, sempre, qualquer entidade social.

[1] Annona — política adotada pelo Império Romano, e que consistia em distribuir gratuitamente cereais para a população pobre das cidades.
[2] Corpus Juris Civilis, 1, un. C.X. 37

Ludwig von Mises
foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".
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Ler a íntegra dos comentários dos leitores na postagem original do Instituto Mises Brasil, neste link:
Alguns exemplos: 
LIVIO LUIZ SOARES DE OLIVEIRA  03/07/2012 07:18
Só a genialidade de Mises para, em poucas linhas, explicar as raízes do colapso do Império Romano, que historiadores, economistas e outros especialistas vem tentando explicar há seculos, sem um diagnóstico definitivo. A causa mais consensual apontada até hoje foi a invasão das tribos barbaras. Mas isto não foi uma causa mas consequência de um processo evidente de enfraquecimento da civilização romana, como é bem observado neste artigo. Alguns autores chegaram a apontar, pasmem, o mosquito da dengue como um dos grandes causadores do colapso do poderoso império, em decorrência do sistema ineficiente de saneamento. Outros apontam pestes, quebras de safras. Nietzche chegou a responsabilizar o cristianismo, por supostamente enfraquecer a disposição de luta das legiões romanas. Na verdade, se houve um arrefecimento do moral dos legionários romanos, isso também foi consequência do estado de entropia e de dissolução econômica, política e social do império. 
Mises, do alto de sua impressionante sabedoria e inteligência, aponta em uma palavra a verdadeira causa deste fenômeno: intervencionismo. Por essas e outras considero Mises o maior economista de todos os tempos. Genialidade é isso: simplificar e sintetizar de forma impressionantemente esclarecedora um fenômeno complexo.
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Renato  03/07/2012 08:55
Um texto realmente excelente. Abriu minha mente para esta questão.
Mas devo dizer que não é a simplicidade que o faz genial, mas a verdade. Muitas pessoas tem respostas simples e erradas para as mais diversas questões. Mas este texto analisa o problema em foco sem forçar os argumentos, sem distorcer a história, sem tentar levar o leitor a crer em coisas improváveis.
É interessante notar que os romanos não tinham a menor idéia do que estava os destruíndo. Só muitos séculos depois Adam Smith começaria a explicar como funciona o mercado. Quanto mais os imperadores romanos percebiam a doença de sua sociedade, mais tomavam o veneno, pensando que fosse remédio. Seu autoritarismo doentio e sua demagogia empolada teriam conseqüências que eles nunca imaginariam.
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Filipe Nava  03/07/2012 13:29
Livio, de fato a questão da depreciação da moeda e do intervencionismo parece ter sido uma das principais causas da gradativa decadência do império romano, mas não devemos nos ater á uma linha de raciocínio histórica apenas, para analisarmos e sintetizarmos os motivos que levaram um grandioso império á ruína quase total. 
A disciplina de História se modificou e evoluiu bastante desde os tempos de Mises e outros economistas de seu tempo. Apesar de tudo isto, hoje, pelo menos nos meios acadêmicos, é praticamente obrigatório a especialização em uma área da História, o que acarreta em uma séria dificuldade de alunos de graduação se aprofundarem em questões mais integrais de grandes processos históricos (como é o caso da queda do império romano). Um dos maiores problemas quando se analisam tais processos, e disto eu tenho experiência, é uma quase inexistente estudo de motivos econômicos para certos acontecimentos. Quando ocorre de o historiador mediano se utilizar da histórica econômica, é para sustentar alguma afirmação marxista ou socialista, o que é lamentável, pois nega qualquer outra metodologia de análise histórica no campo econômico.
Concluindo, o artigo em muito me auxilia e a outros muitos historiadores que se interessam ou trabalhem com o tema Império Romano. Nunca havia ouvido de minha professora de história antiga (e tive muitas aulas com ela sobre Roma) esta razão econômica de derrocada do Império Romano. Me auxiliou muito este artigo, tanto para refletir certo processo histórico em sua integralidade como para me esclarecer, sob novas perspectivas metodológicas, fatos históricos (que o site mises.org.br tem me ajudado bastante). Mas como havia citado, não podemos restringir a história a certos campos disciplinares ou certas metodologias. Você certamente poderá encontrar diversos outros autores que tem ótimo embasamento e fontes para teorias diferentes das da escola austríaca para a derrocada de Roma. Mas certamente todas são muito importantes para contribuir com uma melhor visão de certo momento histórico.
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Leandro  03/07/2012 13:38
Prezado Filipe, todas as sociedades que entram em decadência o fazem por motivos econômicos. Sociedades pujantes não definham; elas podem, no máximo, perder sua antiga moralidade e recato, mas, enquanto a economia permanecer robusta, não há motivos para uma sociedade se desintegrar. Sociedades só se esfacelam por motivos econômicos.
Quem quer que esteja em busca de explicações para a queda da civilização romana, mas ignore por completo os fatores econômicos da época, estará apenas construindo um conto de fadas.
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Renato  03/07/2012 14:33
Leandro,
Quanto a Roma, o fator econômico parece realmente ter sido preponderante. Mas gostaria de contra-argumentar, pois você fez uma afirmação de âmbito universal.
Certamente uma sociedade pode entrar em colapso por fatores totalmente externos. Uma invasão por um inimigo, que destrua fortemente grande parte da população, a maior parte dos meios de produção, e grande parte dos registros escritos, pode levar uma sociedade a um colapso. Você dirá que a destruição dos meios de produção foi o fator preponderante, mas é importante analisar a causa dessa destruição.
Um país próspero pode entrar em decadência por motivos primariamente culturais e morais, pois a destruição de uma cultura de confiança será um grave entrave ao funcionamento do mercado. Vemos que foi a cultura de liberdade e responsabilidade que tornou possivel um mercado tão aberto nos EUA. E as grandes restrições ao funcionamento do mercado que aconteceram no último século, tiveram também razões culturais.
Note que o ambiente político de culto ao imperador, e demagogia sem fim, tornou possivel a adoção de medidas tão restritivas ao funcionamente normal de economia. Não digo que uma coisa levou à outra, mas digo que uma coisa tornou a outra possível, e até provável.
Veja que a causa primeira da má condução da política econômica normalmente é uma cultura doente. Portanto, o campo real de batalha é a cultura, e a economia seguirá.
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Leandro  03/07/2012 14:48
"Certamente uma sociedade pode entrar em colapso por fatores totalmente externos. Uma invasão por um inimigo, que destrua fortemente grande parte da população, a maior parte dos meios de produção, e grande parte dos registros escritos, pode levar uma sociedade a um colapso."
Isso só acontece em uma sociedade já debilitada economicamente. Sociedades ricas e pujantes não são atacadas e dominadas.
"Um país próspero pode entrar em decadência por motivos primariamente culturais e morais, pois a destruição de uma cultura de confiança será um grave entrave ao funcionamento do mercado. [...] Veja que a causa primeira da má condução da política econômica normalmente é uma cultura doente."
Ok, mas aí você confirmou o que eu disse. No final, o que será decisivo será a economia. Agora, se a economia degringolou por causa de medidas governamentais ou se foi por causa de uma deterioração da cultura da população, isso é algo secundário. A causa última será econômica. E a função do economista não é dar conselhos morais, mas apenas explicar como as coisas funcionam.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Reflexao historica sobre o declinio de certas sociedades (seria o caso do Brasil?) - Paulo Roberto de Almeida

Reflexão histórica sobre o declínio de certas sociedades (seria o caso do Brasil?)

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: refletir sobre a decadência brasileira; finalidade: debate político]




Estou lendo, em formato Kindle, uma das versões abreviadas da imensa obra de Edward Gibbon: The Decline and Fall of the Roman Empire (edited and abridged, and with a critical Foreword by Hans-Friedrich Mueller; Introduction by Daniel J. Boorstin; illustrations by Giovanni Battista Piranesi; New York: The Modern Library, 2003). Trata-se de uma excelente edição, com uma apresentação de Daniel Boorstin, o grande historiador americano que foi “Librarian” entre os anos 1975 e 1987 — ou seja, o diretor da Library of Congress, que é uma espécie de ministro da cultura americano — e com uma introdução crítica pelo especialista em Gibbon, Hans-Friedrich Mueller, professor no Union College, em Schenectady, New York.
Como sempre, cada vez que leio uma obra clássica, fico pensando em como, em quê, em quais condições, analógicas ou de similaridade, as opiniões e argumentos que leio nesses livros poderiam encontrar alguma aplicação nos tempos que correm, e especificamente em relação ao Brasil. Dessas leituras posso eventualmente extrair algumas ideias para a minha série de “clássicos revisitados”, que é composta por uma nova versão, ou seja, uma reescritura, da obra em questão para a nossa época, sempre quando possível aplicada ao Brasil. Já fiz isso com Marx (Manifesto), Maquiavel (O Príncipe), Benjamin Constant (De la liberté chez les Anciens...), Tocqueville (De la démocratie en Amérique), parcialmente com Sun Tzu (A Arte da Guerra), e pretendo continuar fazendo com outras “vítimas” de minhas releituras enviesadas.
Mas, o “abreviador” Hans-Friedrich Mueller termina sua erudita introdução da obra monumental do historiador inglês do século 18 notando que este não especula sobre os fatos históricos tal como efetivamente acontecidos — como diria mais tarde o alemão Ranke — e não constrói versões alternativas ao declínio e queda do império romano (do Ocidente e, 900 anos mais tarde, do Oriente). Mas ele próprio, Mueller, se permite especular se tudo não poderia ter acontecido de outra forma, a partir de sua visão de americano moderno, ou seja, não mais o súdito de um império monárquico (mas liberal democrático), como Gibbon, mas o cidadão de uma república imperial (e certamente liberal e democrática, ainda que dominadora e arrogantemente hegemônica), como é o caso dos EUA.
Transcrevo o que escreve Muller ao final dessa introdução crítica:
After the fact, History is, to be sure, fait accompli. Gibbon did not indulge in the composition of speculative and alternative histories, but for those interested in lessons or instruction, we might nevertheless ask: ‘What if, instead of vesting all powers in the hands of an incredibly corrupt and rapacious upper class, the Roman republic had developed a voting system that allowed representation of all its citizens and dependents? Would military dictatorship have been inevitable?’ These are questions that cannot be answered. The Roman republic never overcame the corruption that set in after its armies achieved military supremacy over the Mediterranean world (the ‘entire’ world to their limited geographical horizons. The answer to the crisis of Rome’s corrupted imperial republic was military dictatorship. (…) The story of the Roman empire offers instructive lessons: oppressive taxes for the sake of a despotic military establishment, tyrannical government, religious bigotry, endless warfare, and, finally, collapse. Let us hope (and pray) that we read not a blueprint but a salutary warning in Gibbon’s immortal and pleasurably instructive pages.
[final do “Critical Foreword”de Hans-Friedrich Mueller; loc 548-9 of 21896]

O caso é clássico, e pode ter acontecido o mesmo com o império britânico — ao qual pertencia Gibbon — e pode estar acontecendo agora com o próprio império americano, como pode acontecer no futuro com o atual império chinês em construção (ou reconstrução) sob o domínio dos novos mandarins comunistas.
E qual é a lição dessas possíveis trajetórias concordantes, similares ou convergentes?
Todos os grandes impérios, ao cabo de uma trajetória de relativo sucesso inicial, acabam se excedendo e ignorando as peculiaridades e necessidades de suas “províncias“: depois de completada a dominação militar e do estabelecimento de certa ordem jurídica e material, ou seja, uma paz temporária, acabam ocorrendo impostos excessivos, extorsão, corrupção e, eventualmente, tirania política. Abre-se, então, um período de declínio e de queda, como analisou Edward Gibbon a partir da longuíssima trajetória histórica do império romano.

Mas esta minha reflexão crítica, do ponto de vista de um cidadão brasileiro do início do século 21 — talvez não exatamente um cidadão, mas o “súdito” de um Estado “imperial” extorsivo, corrupto e ineficiente —, não se dirige a qualquer império brasileiro em construção, ou já em decadência, mas à nossa nação (ou sociedade), tal como existente, agora, ao início de 2018, num momento de crise, de transição, de duros ajustes tentativos depois de uma experiência desastrosa de 13 anos sob a dominação de companheiros ineptos e corruptos, antes de mais um exercício eleitoral que pode nos levar a uma fase de “renascimento”, ou, ao contrário, a mais declínio, mais decadência, à continuidade da corrupção, da violência generalizada e da perda completa do sentido de nação.
Seria esse o nosso destino atual? Ou a nossa trajetória inevitável?
Estaríamos condenados a continuar decaindo, em face da ausência completa de estadistas capazes de nos levar à retomada de um processo sustentado de crescimento econômico, em face de um Congresso reiteradamente fragmentado, entregue a uma pletora de partidos não representativos, a velhos caciques patrimonialistas, a sindicalistas rústicos, a evangélicos ignorantes (mas rapaces), dominados que somos por um Estado omnipresente, administrado por corporações de ofício focadas em seus próprios interesses pecuniários, servido “legalmente” por uma classe imensa de mandarins do Judiciário interessados apenas em defender seus privilégios inaceitáveis, um Estado que oprime despudoradamente os verdadeiros criadores de riqueza, os empresários industriais e agrícolas, os administradores de serviços comerciais e uma imensa maioria de trabalhadores extorquidos por impostos abusivos e serviços públicos deploráveis? 
Este seria a trajetória de “declínio e queda” do Brasil atual?
Pode ser, a julgar pelo que vemos todos os dias, pelo que assistimos nos canais de informação — notícias invariavelmente dominadas pela violência contínua, pelas desigualdades gritantes, pela corrupção e pela ineficiência estatal — e pelo que contemplamos pessoalmente no trânsito, no trabalho, nos shopping e supermercados.
Seria esse o nosso destino?
Gostaria de crer que não, mas confesso que as contínuas “novidades” negativas — na frente das investigações de corrupção da parte dos mais altos dirigentes da nação e também por altos magistrados, igualmente corruptos e politicamente motivados — me fazem pensar que sim.
Como o grande intelectual francês Raymond Aron — com o qual não pretendo me comparar —, minha atitude básica, nesta fase da vida nacional, é a de exibir um pessimismo ativo, no quadro do qual não mantenho muitas ilusões quanto à capacidade dos homens públicos brasileiros de encontrarem, racionalmente, o melhor caminho para a reconstrução do Brasil, mas ainda assim me resta algum resquício de esperança de que isso seja um dia possível. Continuarei sendo o mesmo espectador engajado que sempre fui ao longo de meio século de leituras, reflexões e escritos, sem qualquer aspiração a uma impossível (e indesejada) carreira política, apenas animado pelo desejo de perseguir a mesma função pedagógica ou didática que tem sido a minha nessa longa trajetória de uma vida adulta feita basicamente de livros, viagens e observações sobre o Brasil e o mundo.
Os próximos meses, talvez anos, em direção do segundo centenário de nossa vida como Estado independente, nos dirão o que esperar de uma sociedade, de uma nação que parecem permanentemente em construção.
Estarei atento ao que nos reserva o futuro, e talvez até mesmo possa, quem sabe?, participar um pouco, modestamente, dessa construção...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de fevereiro de 2018