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terça-feira, 30 de julho de 2013

Joaquim Barbosa: "O Itamaraty é uma das instituições maisdiscriminatórias do Brasil."

Trecho de entrevista concedida por Joaquim Barbosa, ministro-presidente do STF, a Miriam Leitão, Globo, 28/07/2013:

O senhor foi discriminado no Itamaraty?
Discriminado eu sempre fui em todos os trabalhos, do momento em que comecei a galgar escalões. Nunca dei bola. Aprendi a conviver com isso e superar. O Itamaraty é uma das instituições mais discriminatórias do Brasil.
O senhor não passou no concurso?
Passei nas provas escritas, fui eliminado numa entrevista, algo que existia para eliminar indesejados. Sim, fui discriminado, mas me prestaram um favor. Todos os diplomatas gostariam de estar na posição que eu estou. Todos.


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Itamaraty rebate Barbosa e cita programa de bolsas que beneficia afrodescendentes

  • ‘Folha de S.Paulo’ e‘O Estado de S.Paulo’ também responderam ao ministro

RIO - O Ministério das Relações Exteriores, procurado pelo GLOBO, disse que não comentaria as declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Em nota, o órgão classificou as acusações de discriminação “a título pessoal”.
Recorda-se, por oportuno, que o Itamaraty mantém programa de ação afirmativa — a Bolsa Prêmio Vocação Para a Diplomacia —, instituída com a finalidade de proporcionar maior igualdade de oportunidades de acesso à carreira de diplomata e de acentuar a diversidade nos quadros da diplomacia brasileira. Lançado em 2002, o programa já concedeu 526 bolsas para 319 bolsistas afrodescendentes. Dezenove ex-bolsistas foram aprovados no “ Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata e integrados ao Serviço Exterior Brasileiro. As bolsas concedidas têm atualmente o valor anual de R$ 25.000,00 e devem ser utilizadas na compra de materiais de estudo e no pagamento de cursos preparatórios. Esse programa tem melhorado, de forma concreta e decisiva, as possibilidades de ingresso na carreira diplomática por candidatos afrodescendentes”, diz a nota do ministério.
"Ademais, desde 2011, o Ministério das Relações Exteriores adotou reserva de 10% das vagas na primeira fase do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, com vistas a promover o acesso de candidatos afrodescendentes ao Serviço Exterior Brasileiro”, acrescenta o órgão.
Já a direção do jornal “Folha de S.Paulo”, que para Barbosa atua de maneira intolerante, afirma em nota que “o presidente do STF não desmente nem corrige nenhuma das informações publicadas pela ‘Folha de S.Paulo’, que as reafirma. O ministro Joaquim Barbosa ainda não está acostumado ao cargo, que o expõe ao escrutínio público e reduz sua privacidade.”
Sobre o episódio em que Barbosa sugere a um jornalista de “O Estado de S.Paulo” que chafurdasse no lixo, o jornal, em nota, informou que “a manifestação atual do presidente do STF parece mostrar que seu pedido de desculpas, à época do episódio, foi no mínimo insincero.”
Ainda de acordo com o jornal paulista, “segundo nota oficial emitida pelo Supremo, o ministro Joaquim Barbosa reafirmava “sua crença no importante papel desempenhado pela imprensa em uma democracia” e “seu apego à liberdade de opinião”.


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sábado, 21 de abril de 2012

De volta ao problema das "injusticas sociais" em diplomacia: dia do diplomata

O dia do diplomata, no Itamaraty, em 20 de abril de 2012, aos cem anos da morte do Barão do Rio Branco, não foi o dia Barão, que não apenas não foi exatamente homenageado, mas foi especialmente criticado, por ter sido homem, branco, de origem privilegiada, nascido na capital do Império, e todos os outros subentendidos que daí se depreendem. 
Foi pelo menos isso que se pode reter, e assim foi visto por mim e por meu amigo Mario Machado, da cerimônia de formatura da turma que homenageou uma colega diplomata morta em função do cumprimento do dever, homenageada por ser mulher, por ser negra, e por ser do Acre, mais exatamente de Rio Branco, a capital do estado (antigo território) que leva o nome do negociador que incorporou o território então boliviano à jurisdição soberana do Brasil, num processo conduzido por aquele que era, digamos assim, oposto à presença de mulheres e de negros na diplomacia brasileira.
Transcrevo abaixo o post colocado pelo Mario no seu blog Coisas Internacionais, que também traz link para os discursos pronunciados na ocasião.
Se ouso acrescentar um último comentário, seria este: se o Itamaraty só tem um quarto de mulheres em seu corpo diplomático, a culpa é da instituição, dos exames, do processo de seleção. Deveria haver, além da cota para deficientes físicos (constitucional), das bolsas exclusivas para afrodescendentes e da cota para os mesmos, na primeira fase do concurso, uma outra cota para mulheres? Ou uma cota para negros? Para não nascidos na capital? Estranho...
Outros discursos foram pautados pelo tema da justiça social.
Quando ouvimos essa palavra, é inevitável que pensemos em alguém, saint-simoniano, na melhor das hipóteses, fabiano, na média hipótese, ou bolchevique, na pior, que pretende impor um pouco mais de igualdade pelo velho remédio mais rápido: tirar de quem tem muito para dar aos que supostamente não têm nada. No plano internacional, é a velha conversa da transferência de tecnologia e da assistência ao desenvolvimento.
As pessoas não percebem o quanto estão sendo contraditórias: mesmo a oradora da turma falou em aumento da cooperação técnica brasileira para ajudar no desenvolvimento "autônomo" de outros países, menos desenvolvidos. Pois é...
Mas vários equívocos foram cometidos nos pronunciamentos, a começar pela afirmação de que o mundo está cada vez mais desigual, o que é exatamente o contrário da realidade. O Brasil também foi apontado como país diferente, que está retirando pessoas da pobreza, quando diversos outros países estão fazendo isso mais rapidamente e melhor.
Bem, completo aqui o post com esta transcrição.
O Mário, como eu, escreve rápido, na própria janela, daí pequenos erros de redação, digitação, acentuação, por vezes concordância.
Eu ainda cometo erros mais terríveis, ao misturar palavras francesas ou inglesas com o português, aportuguesando alguns conceitos que foram involuntariamente ou inconscientemente pensados em outras línguas, como esse diabo de "frequentação". Assim acontece com quem faz muitas coisas ao mesmo tempo. 
Como não sou candidato à Academia, não me preocupo, mas de vez em quando vem algum purista -- na verdade inimigo -- me condenar por escrever errado. Esses comentaristas devem ser membros de alguma academia, a dos "chatos", como diria Guilherme de Figueiredo.
Basta cosí, como diriam os italianos...
Paulo Roberto de Almeida 

Formatura do Rio Branco ou lá vou eu meter mão em cumbuca

Mario Machado
Coisas Internacionais, 21/04/2012
Alguns dos meus mais íntimos amigos dizem que eu pareço gostar de polêmica ou de ser do contra. Bom, talvez eles estejam certos. Mas, de uma coisa eu tenho certeza há momentos em que não suporto me calar em concordar apenas para ser aceito e querido.
Feita essa introdução um tanto mais pessoal que o que deveria vamos ao assunto. Dia 20 de abril foi realizada a cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco, onde estudam e são formados os diplomatas brasileiros. A cerimônia é importante e conta com a cúpula da república os discursos de autoridades feitos nesse evento marcam o tom da atuação diplomática brasileira.
O discurso da secretária Maria Eugênia Zabotto Pulino, oradora da turma, chamou atenção da imprensa (aqui, por exemplo) por ter tocado nos chamados temas sociais e pela defesa que ela faz da escolha do nome da turma, que foi uma merecida homenagem a diplomata Milena Oliveira de Medeiros que faleceu em decorrência da malária contraída em missão na África.
A oradora ao justificar a homenagem a colega caída escolheu enfatizar a origem racial e o gênero da homenageada, enfatizando que era mulher e negra em oposição ao velho Barão que era homem, branco e “nascido na capital do império”. Essa oposição foi a tônica do discurso e arrancou aplausos nas redes sociais e no auditório.
Confesso que estranhei a falta de citações a frases e escritos da homenageada (que com certeza deixou, posto a alta exigência intelectual do CACD e o perfil dos que se interessam pelo campo) é como se a justa homenagem a uma moça que deu – inadvertidamente – a vida pelo seu país, cumprido seu dever fosse somente por que era negra e mulher. Pode não ter sido essa a intenção dos autores do discurso, mas foi isso que se pode depreender do que foi lido.
É esse o problema de transformar pessoas em emblemas de causas, retira-se sua humanidade, o que lhe fazia único e se apega ao genérico. Tendo a achar uma injustiça, ainda que seja uma linda homenagem, sim é paradoxal, mesmo.
Como não poderia ser diferente o discurso é altamente laudatório com o paraninfo da turma o embaixador Samuel Pinheiro, que foi um dos principais articuladores da expansão da carreira diplomática, ou seja, acaba por soar altamente corporativista que os beneficiados pela expansão das vagas homenageiem a visão do homem que é responsável pelo seu benefício. O irônico é que a ênfase sul-sul do paraninfo foi o que acabou levando a diplomata homenageada a África, onde ocorreu a sua fortuita e infeliz contaminação.
A oposição de idéias que me refiro continua ao afirmar que a diplomacia do passado não estaria conectada aos interesses da população e, portanto – não é dito, mas fica implícito, seria a diplomacia das elites ou contrário da atual que seria a diplomacia que verdadeira reflete os valores plurais e democráticos da sociedade brasileira. Essa crítica feita para soar e ressoar aos ouvidos da cúpula do governo é no mínimo controverso quando confrontando com um estudo independente da Política Externa Brasileira.
Sobre o tom racialista do discurso, meu amigo e diplomata de carreira Paulo Roberto de Almeida escreveu (original pode ser lido, aqui):
Curiosas essas constatações que o Itamaraty é majoritariamente branco e masculino. A culpa é da instituição, de alguém em particular? Os exames são sexistas, racistas, discriminatórios?
Essa versão politicamente correta, que busca responsáveis por nossas deficiências e "vias rápidas" para corrigir o que se entende seja uma "deformação do sistema" -- quem sabe até uma das muitas perversidades da sociedade capitalista, elitista, e outros vícios mais -- e que pretende sanar os problemas pela "inclusão dos excluídos", sempre me pareceu uma tremenda demagogia, e um atentado notório ao princípio da igualdade e do mérito. Todas as pessoas, a partir de uma certa idade, têm condições de se preparar para um exame reconhecidamente difícil como o do Itamaraty. 
Ainda que se reconheça que certas pessoas -- pelo background familiar, pela freqüentação das péssimas escolas públicas, por uma série de outros fatores desfavoráveis -- enfrentam dificuldades adicionais nesse tipo de exame extremamente rigoroso, a única recomendação que se poderia fazer seria que as universidades, o próprio Itamaraty, entidades supostamente comprometidas com a "igualdade racial" e a "inclusão social" mantenham cursos preparatórios gratuitos, abertos preferencialmente aos que não dispõem de renda, sob declaração de honra, para pagar os cursos comerciais. 
Bolsas para afrodescendentes são inerentemente discriminatórias e racistas, e não deveriam existir nessa forma, com base na cor.
Mas a voz dos "excluídos" é bem mais forte quando enrolada na bandeira da cor, e da suposta desigualdade da antiga escravidão.
O discurso é exatamente o que se espera de uma diplomata brasileira, ou seja, bem escrito e lido com competência e carisma, como vocês poderão constatar abaixo. Seu conteúdo reflete muito bem o Zeitgeist. Tenho consciência que a essa altura irritei muita gente, mas, meus caros, esse é o preço de ter uma opinião.

Itamaraty: machista e misogino? A culpa seria de quem?

Curiosas essas constatações que o Itamaraty é majoritariamente branco e masculino. A culpa é da instituição, de alguém em particular?
Os exames são sexistas, racistas, discriminatórios?
Essa versão politicamente correta, que busca responsáveis por nossas deficiências e "vias rápidas" para corrigir o que se entende seja uma "deformação do sistema" -- quem sabe até uma das muitas perversidades da sociedade capitalista, elitista, e outros vícios mais -- e que pretende sanar os problemas pela "inclusão dos excluídos", sempre me pareceu uma tremenda demagogia, e um atentado notório ao princípio da igualdade e do mérito. Todas as pessoas, a partir de uma certa idade, têm condições de se preparar para um exame reconhecidamente difícil como o do Itamaraty. 
Ainda que se reconheça que certas pessoas -- pelo background familiar, pela frequentação das péssimas escolas públicas, por uma série de outros fatores desfavoráveis -- enfrentam dificuldades adicionais nesse tipo de exame extremamente rigoroso, a única recomendação que se poderia fazer seria que as universidades, o próprio Itamaraty, entidades supostamente comprometidas com a "igualdade racial" e a "inclusão social" mantenham cursos preparatórios gratuitos, abertos preferencialmente aos que não dispõem de renda, sob declaração de honra, para pagar os cursos comerciais. 
Bolsas para afrodescendentes são inerentemente discriminatórias e racistas, e não deveriam existir nessa forma, com base na cor.
Mas a voz dos "excluídos" é bem mais forte quando enrolada na bandeira da cor, e da suposta desigualdade da antiga escravidão.
Paulo Roberto de Almeida 

Diplomata é homenageada no Itamaraty

Aos novos diplomatas, Dilma ensinou que o Brasil só vai ser uma grande potência se tiver educação de qualidade e profissionais qualificados. O foco da política externa, disse, deve ser ciência, tecnologia e inovação.
- Hoje percebemos que o grande motor para mudar é ciência, tecnologia e inovação. Este é o século do conhecimento, da capacidade de se dominar tecnologia, de inventar, de criar, que permitirá que aquele país que tem na sua força de trabalho a sua maior riqueza seja o país mais bem colocado internacionalmente - discursou a presidente.
Dilma arrancou risadas da plateia, formada por amigos e familiares dos diplomatas graduados ao relatar que perguntou ao ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, quantos engenheiros havia entre os formandos. Segundo ela, o mundo está num momento em que o conhecimento é cada vez mais exigido e ensinou aos novos membros do corpo diplomático brasileiro que eles terão de ser generalistas e especialistas.
Oradora da turma de formandos, a diplomata Maria Eugênia Pulino disse em seu discurso que falta diversidade na diplomacia brasileira, majoritariamente branca e de sexo masculino.
- Faltam mulheres, negros, índios e deficientes. Ainda somos um Ministério majoritariamente branco e masculino. Nós mulheres somos um quarto do quadro e apenas 15% dos ministros de primeira classe - apontou a formanda.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cotas e acoes afirmativas: o depoimento de um "embaixador negro"

A Folha de S.Paulo publicou, nesta quinta-feira, 6 de janeiro de 2011, matéria sobre o que a FSP acredita ser o "primeiro embaixador negro" da história do Itamaraty. Pode ser, embora não está dito que ele é embaixador por ser negro, ou por ser um diplomata tão competente como tantos outros para merecer a promoção ao último posto da carreira, algo esperado por todos os que se dedicam, de verdade, à carreira.
O diplomata em questão se manifesta em favor de ações afirmativas, mas não foi tão afirmativo a respeito de cotas, sobretudo as de natureza racial. Essa questão ficou não explícita em sua entrevista, e ele talvez não queira, ou não tenha querido, para o jornal, se manifestar a respeito. Em todo caso, a questão permanece aberta: devem existir cotas raciais no serviço público brasileiro? Ou ainda: as pessoas precisam ser classificadas racialmente para beneficiar-se de alguma vantagem implícita ou explícita, que exclui os não pertencentes àquela "raça"?
Paulo Roberto de Almeida

MINHA HISTÓRIA BENEDICTO FONSECA FILHO, 47
Folha de S.Paulo, 6 de janeiro de 2011

Meu pai foi agente de portaria, um contínuo (...) O preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação positiva ou negativa (...) É preciso que haja ações afirmativas (...) Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na minha época, isso não havia.

Filho de um contínuo, Benedicto Fonseca Filho, 47, foi promovido em dezembro a embaixador, o primeiro negro de carreira. E o mais jovem. Passou por Buenos Aires, Tel Aviv e Nova York. Vai chefiar o departamento de Ciência e Tecnologia. Ele declara orgulho de ser negro e filho de pais humildes que o educaram para chegar ao topo na casa mais aristocrática do país.

(...) Depoimento a JULIANA ROCHA, DE BRASÍLIA

Nasci no Rio, em 1963. Mudei para Brasília em 1970 porque meu pai veio ser funcionário do Itamaraty. Ele foi agente de portaria, que é um contínuo.
Quando eu tinha nove anos, toda a família foi para a [antiga] Tchecoslováquia [no leste europeu], quando meu pai foi removido para Praga por três anos.
Naquele tempo, todos os funcionários das embaixadas eram de carreira. Hoje, esses são terceirizados.
Foi essa experiência internacional que me despertou o interesse pelo Itamaraty. Talvez por ter estudado em escolas internacionais, na escola francesa e na americana.
Meu pai e minha mãe, na sua humildade, nunca pouparam esforços para nos proporcionar as melhores condições de estudo.
Hoje, meu pai tem 84 anos, já é aposentado há 14. Minha maior satisfação foi eu ser promovido com ele ainda vivo. Ele ficou tão ou mais contente do que eu.
Fiz o concurso [do Itamaraty] em 1985 e entrei de primeira, aos 22 anos. Quando saiu a lista dos aprovados, um jornal de Brasília fez uma matéria que dizia: "Mulher e negro passam em primeiro lugar no Rio Branco". A mulher foi o primeiro lugar e eu, o segundo.
Vinte e cinco anos depois, uma mulher passar em primeiro lugar já não causa tanto espanto. Naquela época, tinha só uma mulher embaixadora.
Hoje, são várias mulheres embaixadoras, acho que 20, ocupando postos importantes. Talvez chame muito mais atenção quando um negro ascende na carreira do que uma mulher.
Em relação à diversidade racial já avançamos muito, mas ainda temos muito que avançar. Houve um olhar para essa questão na gestão do ministro Celso Amorim.

PRECONCEITO
O preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação positiva ou negativa das pessoas.
Mas seria leviano dizer que eu experimentei uma situação que pudesse identificar como preconceito [no Itamaraty]. Nunca houve.
Me lembro de um caso [de reação positiva]. A primeira vez que fui à ONU em 2004, um colega do Caribe me chamou no canto para dizer que pela primeira vez via um diplomata negro na delegação brasileira.
Ele enfatizou: "It's the first time ever, ever. We are proud" [É a primeira vez. Estamos orgulhosos].
Eu faço um paralelo com os EUA, que tiveram um sistema de cotas importante para criar uma classe média negra que se autossustenta, que agora pode seguir em frente sem a necessidade de políticas diferenciadas.
No Brasil, as cotas das universidades vão produzir uma diversidade salutar.

COTAS NO ITAMARATY
É preciso haver políticas de ação afirmativa. No ministério, damos bolsas para proporcionar condições financeiras adequadas para que os afrodescendentes se preparem, o que tem tido um resultado muito positivo.
O objetivo é dar condições para pessoas que têm talento. Algumas vezes é visto como se estivessem recebendo um privilégio. Temos o cuidado de preservar as condições de preparação.
Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na época, não havia. Mas olhando retrospectivamente, creio que me beneficiei de certas circunstâncias.
Tive oportunidades que raramente os negros têm. Morei no exterior, estudei idiomas com a ajuda do Itamaraty, porque ajudavam nos estudos dos filhos dos funcionários.
Os críticos das cotas têm uma contribuição que não é irrelevante. Eles dizem que, cientificamente, não há raças, não há diferenças entre brancos e negros.
É uma desmistificação para quem acha que há diferenças intrínsecas. Mas há uma falha no argumento. Do ponto de vista humano e das relações sociais, existem diferenças.
Basta ver os índices sociais, condições de saúde e de moradia para ver que existe um problema. Isso não é tratado de maneira séria e aprofundada [pelos críticos].
Nosso país tem muitos passivos. A preocupação social e racial tem que andar lado a lado. Ou deixamos as coisas acontecerem, ou tentamos uma intervenção. O assunto não pode ser jogado para debaixo do tapete.

ÁFRICA
Nos últimos anos, houve uma preocupação de diversificar as relações externas, ter um olhar novo não só em relação à África. Resgatar elementos de nossa identidade, cultura e sociedade.
Mas também avançamos na área comercial, levando em conta nosso interesse econômico. Tenho orgulho de ser negro. Faz parte da minha identidade. E de ser brasileiro. Mais do que isso, tenho orgulho de ser filho dos meus pais.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Cotas raciais: decisão do Itamaraty gera polêmica - O Globo

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Cotas raciais: decisão do Itamaraty gera polêmica
Roberto Maltchik
O Globo, 30/12/2010

Reserva de vagas para negros no Instituto Rio Branco é criticada por diplomatas e especialistas em política internacional

A decisão do Itamaraty de adotar um sistema de cotas raciais para o concurso de diplomatas reacendeu a polêmica sobre o assunto. Entre diplomatas, sociólogos e especialistas em política internacional, o tema é tratado como um "barril de pólvora". O Itamaraty adotou como regra para a inclusão do estudante no regime de cotas a autodeclaração. Ou seja, basta que o concorrente se declare afrodescendente para ser beneficiado. Até mesmo defensores do sistema de cotas admitem que o critério abre brechas para distorções e injustiças.

A titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Yvonne Maggie, criticou duramente a decisão do Itamaraty, que, segundo ela, incentiva a disputa entre brancos e negros em um país "sem raças definidas", mas com efetiva desigualdade social.

- É escandaloso. Quem tem raça é cachorro! Todos somos da raça humana e temos condições iguais. Quem vai dizer quem é afrodescendente, num país como o Brasil? Vamos dividir o Brasil em raças, sendo que a nossa divisão é social. Trinta por cento da população abaixo da linha da pobreza se declaram brancas. Isso é muito - afirma a antropóloga.

O embaixador aposentado Rubens Barbosa acredita que o Itamaraty cometeu um equívoco ao adotar o sistema para impulsionar o acesso de negros à diplomacia. Ele afirma que o Instituto Rio Branco já havia dado um passo importante e suficiente quando decidiu conceder bolsas para estudantes interessados na carreira, sem condições financeiras para se preparar para a difícil prova do Instituto Rio Branco. Desde 2002, 198 concorrentes já receberam a Bolsa Prêmio de Vocação para a Diplomacia, que oferece R$25 mil para a compra de livros, material didático e inscrição em cursos preparatórios. Dezesseis deles já foram aprovados.

- O sistema de cotas é uma cópia dos Estados Unidos, onde há uma clara divisão racial. Essa não é a realidade do Brasil - afirmou.

Especialista em política de cotas, o sociólogo Joaze Bernardino, da Universidade de Brasília (UnB), comemorou a decisão do Itamaraty, mas advertiu que a autodeclaração como preto e pardo, método tradicional de aferição, provoca confusão.

- Não é o recomendado. O ideal seria que o concorrente tivesse que se autodeclarar negro e não preto ou pardo para ser absorvido pelo sistema de cotas. Seria um elemento até mesmo para diminuir a possibilidade de fraude - disse.

Na UnB, o estudante que se declara preto ou pardo é submetido a uma entrevista, antes de ser aceito no sistema de cotas. Nas demais instituições de ensino que aderiram ao sistema, prevalece a autodeclaração.

Nos bastidores, técnicos da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), órgão ligado à Presidência da República, afirmam que o sistema de autodeclaração rende um debate que precisa avançar "tremendamente" junto à comunidade acadêmica e no próprio governo. Ainda assim, o secretário-executivo da Seppir, João Carlos Nogueira, afirma que o sistema de autodeclaração é hoje o mais adequado para designar a população credenciada a se beneficiar das políticas afirmativas.

No Itamaraty, as cotas raciais vão credenciar 30 concorrentes a participar da segunda fase da prova do Instituto Rio Branco. Eles vão disputar com os outros 300 inscritos que avançarem para a segunda etapa do concurso. Em 2011, o Instituto Rio Branco vai oferecer 26 vagas. A partir da segunda etapa - em um exame de quatro níveis -, todos disputam em condições idênticas. Entre oito e nove mil pessoas devem participar da disputa no ano que vem.