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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cotas e acoes afirmativas: o depoimento de um "embaixador negro"

A Folha de S.Paulo publicou, nesta quinta-feira, 6 de janeiro de 2011, matéria sobre o que a FSP acredita ser o "primeiro embaixador negro" da história do Itamaraty. Pode ser, embora não está dito que ele é embaixador por ser negro, ou por ser um diplomata tão competente como tantos outros para merecer a promoção ao último posto da carreira, algo esperado por todos os que se dedicam, de verdade, à carreira.
O diplomata em questão se manifesta em favor de ações afirmativas, mas não foi tão afirmativo a respeito de cotas, sobretudo as de natureza racial. Essa questão ficou não explícita em sua entrevista, e ele talvez não queira, ou não tenha querido, para o jornal, se manifestar a respeito. Em todo caso, a questão permanece aberta: devem existir cotas raciais no serviço público brasileiro? Ou ainda: as pessoas precisam ser classificadas racialmente para beneficiar-se de alguma vantagem implícita ou explícita, que exclui os não pertencentes àquela "raça"?
Paulo Roberto de Almeida

MINHA HISTÓRIA BENEDICTO FONSECA FILHO, 47
Folha de S.Paulo, 6 de janeiro de 2011

Meu pai foi agente de portaria, um contínuo (...) O preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação positiva ou negativa (...) É preciso que haja ações afirmativas (...) Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na minha época, isso não havia.

Filho de um contínuo, Benedicto Fonseca Filho, 47, foi promovido em dezembro a embaixador, o primeiro negro de carreira. E o mais jovem. Passou por Buenos Aires, Tel Aviv e Nova York. Vai chefiar o departamento de Ciência e Tecnologia. Ele declara orgulho de ser negro e filho de pais humildes que o educaram para chegar ao topo na casa mais aristocrática do país.

(...) Depoimento a JULIANA ROCHA, DE BRASÍLIA

Nasci no Rio, em 1963. Mudei para Brasília em 1970 porque meu pai veio ser funcionário do Itamaraty. Ele foi agente de portaria, que é um contínuo.
Quando eu tinha nove anos, toda a família foi para a [antiga] Tchecoslováquia [no leste europeu], quando meu pai foi removido para Praga por três anos.
Naquele tempo, todos os funcionários das embaixadas eram de carreira. Hoje, esses são terceirizados.
Foi essa experiência internacional que me despertou o interesse pelo Itamaraty. Talvez por ter estudado em escolas internacionais, na escola francesa e na americana.
Meu pai e minha mãe, na sua humildade, nunca pouparam esforços para nos proporcionar as melhores condições de estudo.
Hoje, meu pai tem 84 anos, já é aposentado há 14. Minha maior satisfação foi eu ser promovido com ele ainda vivo. Ele ficou tão ou mais contente do que eu.
Fiz o concurso [do Itamaraty] em 1985 e entrei de primeira, aos 22 anos. Quando saiu a lista dos aprovados, um jornal de Brasília fez uma matéria que dizia: "Mulher e negro passam em primeiro lugar no Rio Branco". A mulher foi o primeiro lugar e eu, o segundo.
Vinte e cinco anos depois, uma mulher passar em primeiro lugar já não causa tanto espanto. Naquela época, tinha só uma mulher embaixadora.
Hoje, são várias mulheres embaixadoras, acho que 20, ocupando postos importantes. Talvez chame muito mais atenção quando um negro ascende na carreira do que uma mulher.
Em relação à diversidade racial já avançamos muito, mas ainda temos muito que avançar. Houve um olhar para essa questão na gestão do ministro Celso Amorim.

PRECONCEITO
O preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação positiva ou negativa das pessoas.
Mas seria leviano dizer que eu experimentei uma situação que pudesse identificar como preconceito [no Itamaraty]. Nunca houve.
Me lembro de um caso [de reação positiva]. A primeira vez que fui à ONU em 2004, um colega do Caribe me chamou no canto para dizer que pela primeira vez via um diplomata negro na delegação brasileira.
Ele enfatizou: "It's the first time ever, ever. We are proud" [É a primeira vez. Estamos orgulhosos].
Eu faço um paralelo com os EUA, que tiveram um sistema de cotas importante para criar uma classe média negra que se autossustenta, que agora pode seguir em frente sem a necessidade de políticas diferenciadas.
No Brasil, as cotas das universidades vão produzir uma diversidade salutar.

COTAS NO ITAMARATY
É preciso haver políticas de ação afirmativa. No ministério, damos bolsas para proporcionar condições financeiras adequadas para que os afrodescendentes se preparem, o que tem tido um resultado muito positivo.
O objetivo é dar condições para pessoas que têm talento. Algumas vezes é visto como se estivessem recebendo um privilégio. Temos o cuidado de preservar as condições de preparação.
Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na época, não havia. Mas olhando retrospectivamente, creio que me beneficiei de certas circunstâncias.
Tive oportunidades que raramente os negros têm. Morei no exterior, estudei idiomas com a ajuda do Itamaraty, porque ajudavam nos estudos dos filhos dos funcionários.
Os críticos das cotas têm uma contribuição que não é irrelevante. Eles dizem que, cientificamente, não há raças, não há diferenças entre brancos e negros.
É uma desmistificação para quem acha que há diferenças intrínsecas. Mas há uma falha no argumento. Do ponto de vista humano e das relações sociais, existem diferenças.
Basta ver os índices sociais, condições de saúde e de moradia para ver que existe um problema. Isso não é tratado de maneira séria e aprofundada [pelos críticos].
Nosso país tem muitos passivos. A preocupação social e racial tem que andar lado a lado. Ou deixamos as coisas acontecerem, ou tentamos uma intervenção. O assunto não pode ser jogado para debaixo do tapete.

ÁFRICA
Nos últimos anos, houve uma preocupação de diversificar as relações externas, ter um olhar novo não só em relação à África. Resgatar elementos de nossa identidade, cultura e sociedade.
Mas também avançamos na área comercial, levando em conta nosso interesse econômico. Tenho orgulho de ser negro. Faz parte da minha identidade. E de ser brasileiro. Mais do que isso, tenho orgulho de ser filho dos meus pais.

4 comentários:

Fabrício disse...

Olá, tudo bem com o senhor?

Recentemente participei de uma discussão sobre as cotas no concurso da carreira de Diplomata na página do MRE no facebook. Os argumentos daqueles que são a favor das cotas sempre giram em torno da "correção de uma injustiça histórica", "promover a igualdade de raças" ou como disse uma moça "onde estão os médicos, advogados, engenheiros, professores e artistas afrodescentes?". Respondi que basta vir a Porto Alegre e vê-los exercendo suas profissões, com sucesso.

Mas retomando os dois argumentos principais, sugeri que então fosse implantado sistema de cotas para judeus, também historicamente injustiçados e vítimas de preconceito racial. Silêncio.

Realmente não entendo o que as pessoas entendem por justiça e igualdade.

Um abraço. Tenha um excelente 2011!

Fabrício M. Colombo

Fabrício disse...

Olá novamente.

Já ia esquecendo: posso compartilhar links de seu blog em minha página do facebook? Confesso que já o fiz.

Agradeço a atenção.

Fabrício M. Colombo

Unknown disse...

Caro Prof. Paulo,

Tenho para mim que no Brasil os mulatos podem ser tanto chamados de "brancos" quanto de "negros". Se for assim, podemos dizer que o primeiro embaixador negro brasileiro foi Domicio da Gama, no inicio do XX, em Washington, embora a foto que consta no site do Itamaraty mostra-o "embranquecido".

http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/galeria-de-autoridades/ministros/domicio-da-gama/image_view_fullscreen

Abraços

amauri disse...

Boa tarde!
O mais positivo nesta entrevista foi o relato:
"Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na época, não havia. Mas olhando retrospectivamente, creio que me beneficiei de certas circunstâncias.
Tive oportunidades que raramente os negros têm. Morei no exterior, estudei idiomas com a ajuda do Itamaraty, porque ajudavam nos estudos dos filhos dos funcionários."
O Itamaraty mostrou não fazer diferença desde aquele tempo, deu a oportunidade de educação aos filhos de todos os funcionarios. Ele aproveitou muito bem. Seria interessante saber os filhos dos outros funcionarios como aproveitaram.
Fica claro que uma educação digna para as crianças pode fazer a diferença. É importante ter em mente que mesmo uma boa educação não garante nada. abs