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sábado, 15 de janeiro de 2011

O samba do economista doido - Luiz Carlos Mendonça de Barros

Caro Leitor,
Veja se você compreende algo do que está escrito aqui:

"Tomo emprestado da Irlanda o comportamento de seus bancos para provar o que estou dizendo. A dívida pública irlandesa representava pouco mais de 10% do PIB antes de 2008. Uma mostra clara de que o país, contrariamente ao caso da Grécia, vivia sob o domínio de um regime de responsabilidade fiscal.
A crise que se instalou, criada em razão de empréstimos totalmente irresponsáveis dos bancos privados irlandeses ao setor imobiliário, fez com que o endividamento público superasse 80% do PIB.
"

Entendeu? Eu também não!
Como é que empréstimos comerciais de bancos privados para investidores privados do setor imobiliário da Irlanda conseguiram aumentar a dívida pública de 10% para 80% do PIB??!!
Esse economista, ou não sabe escrever, ou não sabe economia, ou desconhece completamente o perfil exato da crise irlandesa, confundindo-a, talvez, com a crise imobiliária espanhola. Ou, provavelmente, uma combinação de todas essas alternativas.
Ou seja, ele ouviu falar algo da crise, não sabe exatamente o que, e ainda assim escreve bobagens como que passa geléia no pão do café da manhã, sem maiores compromissos com a verdade ou sequer com a coerência.
Falta de coerência, aliás, é o que se revela nesta frase inicial, que reproduzo igualmente:

"Talvez o mais importante ensinamento que esse período vai deixar seja o de que as economias de mercado criam, por erros humanos, suas próprias crises, mas, em razão de decisões virtuosas de seus governantes, podem encontrar os caminhos para sua recuperação."

Economias de mercado criam crises por erros humanos, e ainda assim elas são culpadas?!
Os mesmos humanos que erraram nos mercados, agora acertam no governo??!!
Ele não tem nada a dizer sobre os juros artificialmente baixos mantidos pelos "governantes" por tempo suficiente para criar a bolha financeira e imobiliária que precipitou a crise?

Tomo ainda esta frase, típica de quem não tem nada de inteligente a escrever em matéria econômica e descamba para o psicologismo mais vulgar:

"Nos dois ou três anos que antecederam a quebra do banco Lehman Brothers vivemos uma euforia do pensamento liberal que liberou da garrafa o gênio do mal da cobiça ilimitada. Os registros desses anos loucos nos revelam até onde pode chegar a irresponsabilidade do homem financeiro quando isento de controles externos."

Você percebeu essa euforia ideológica, caro leitor? Percebeu que ela era causada apenas pela cobiça de banqueiros de Wall Street, e que os governos tentaram, inutilmente, corrigir esses desvarios, amenizando a cobiça com invectivas à prudência, ao rigor fiscal, à modéstia de ganhos, à economia solidária?

Realmente, eu não deveria transcrever esse artigo neste blog, que como diz sua descrição, "se ocupa de ideias inteligentes para pessoas inteligentes". De vez em quando não resisto em publicar as bobagens que "ricos e famosos" perpetram nas páginas de jornais, um amontoado de argumentos errados e irracionais, e que depois são utilizados nas salas de aula por mestres ainda mais ignorantes do que o articulista, com aquele ar de "não disse?, não disse?, até um tucano condena a euforia liberal e proclama as virtudes do Estado interventor keynesiano."

My God!, ou God Grief!, como diria o Calvin. Quanta bobagem acaba sendo publicada nos jornais.
Tenho pena de alunos e cidadãos normais que não sabem distinguir uma ideia inteligente de uma empulhação econômica como essa.
Paulo Roberto de Almeida

Meu cenário para 2011
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Folha de S.Paulo, 15.01.2011

Os últimos cinco anos foram importantes para o amadurecimento do analista das coisas da economia. Em curto período de tempo, passamos da euforia à depressão e, neste início de 2011, à certeza de uma recuperação já em consolidação. Apesar de veterano nesse ofício, aprendi muito acompanhando -com os instrumentos analíticos que o pensamento de Keynes nos deixou- o vaivém das principais economias. Principalmente a dos Estados Unidos, que ainda é a economia de mercado com uma dinâmica capitalista mais alinhada aos tempos desse grande economista.

Talvez o mais importante ensinamento que esse período vai deixar seja o de que as economias de mercado criam, por erros humanos, suas próprias crises, mas, em razão de decisões virtuosas de seus governantes, podem encontrar os caminhos para sua recuperação.

Ficará registrado ainda nos livros de história econômica que os ensinamentos de 90 anos antes, devidamente adaptados para o mundo de hoje, serviram de base para a política de enfrentamento de uma crise gravíssima.

Nos dois ou três anos que antecederam a quebra do banco Lehman Brothers vivemos uma euforia do pensamento liberal que liberou da garrafa o gênio do mal da cobiça ilimitada. Os registros desses anos loucos nos revelam até onde pode chegar a irresponsabilidade do homem financeiro quando isento de controles externos.

Tomo emprestado da Irlanda o comportamento de seus bancos para provar o que estou dizendo. A dívida pública irlandesa representava pouco mais de 10% do PIB antes de 2008. Uma mostra clara de que o país, contrariamente ao caso da Grécia, vivia sob o domínio de um regime de responsabilidade fiscal.

A crise que se instalou, criada em razão de empréstimos totalmente irresponsáveis dos bancos privados irlandeses ao setor imobiliário, fez com que o endividamento público superasse 80% do PIB.

Apenas a ação corajosa dos governos, expandindo o gasto público em vários países, evitou que a retração sincronizada do setor privado, que se seguiu ao colapso do Lehman Brothers, arrastasse o mundo para uma nova depressão econômica.

O mundo emergente que não sofreu com os excessos de crédito ocorridos no G7 foi o primeiro grupo a se recuperar do choque externo e a retomar o caminho do crescimento.

Esse grupo de países, que já representa parte importante do PIB mundial, entra em 2011 com taxas de expansão de suas economias muito próximas das que ocorriam antes da crise americana.

No G7, a grande mudança que o ano novo nos reserva é a consolidação da recuperação da maior economia do mundo. Talvez a política econômica nos Estados Unidos, entre 2009 e 2010, seja citada nos livros de economia como o exemplo mais abrangente e exitoso do pensamento Keynesiano em momentos de crise como o que se abateu sobre esse país.

Quis o acaso que, no momento em que essa tempestade tomou conta da sociedade americana, um político democrata e um especialista em depressão econômica estivessem no comando da Casa Branca e do Federal Reserve.

Depois de dois anos de ações totalmente não convencionais, recebidas com pedras e paus pela direita americana, os sinais de sucesso estão cada vez mais presentes. Evidente que a taxa de desemprego de quase 10% da força de trabalho e um mercado de construção de casas ainda paralisado servem como pontos negativos para os que ainda se colocam como adversários de Obama e Ben Bernanke.

Mas, para os analistas isentos, agora é apenas uma questão de meses para que o emprego volte a aumentar e o mercado imobiliário comece a ganhar um mínimo de funcionalidade.

O PIB americano deve crescer 4% em 2011 e pode manter esse mesmo dinamismo no ano seguinte. Se isso acontecer e o mundo emergente tiver responsabilidade no controle da inflação, o ano de 2011 pode marcar o momento em que o mundo passou a crescer de forma mais equilibrada, sem os desajustes macroeconômicos da década passada.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

5 comentários:

Anônimo disse...

Você perguntou se o leitor compreendeu certas coisas e me arrisco a dizer que compreendi algumas delas, apesar de isto significar fazer algo que nunca, até então, imaginara fazer: estar ao lado do Mendonção.
Bem, não me parece incoerente a frase que compoe tua segunda citação ("Talvez o mais importante...") por que a economia de mercado é uma técnica e, desde Prometeu, é atributo humano e não "parte da natureza humana" como creem os mais apressados. Daí que a economia de mercado, filha do engenho humano, cria problemas que são, cosnequentemente, humanos. A economia não está descolada da humanidade como está a dinâmica dos astros. Acontece que os governos, outra técnica criada pelo homem, podem se opor à economia de mercado corrigindo os erros da primeira.
A visão aqui está simplificada, sei disto. Particularmente eu nem acredito muito nesta divisão mercado/governo (seja pelos rudimentos de dialética marxista que tenho na cabeça, seja porque sabemos das relações promíscuas entre as "duas esferas"), mas acho que, por estas razões, o trecho não é incoerente.

Quanto à euforia ideológia, eu acho que houve e ainda há. Um doutorado recentemente defendido na UNICAMP (eu sei, no mesmo lugar em que o Mercadante defendeu seu "doutorado"...) explicita a relação da revista Veja, a mais importante do país, com as idéias (neo)liberais (foi publicado em livro: "Veja: O indispensável partido Neoliberal" - Carla Luciana Souza da Silva - Edunioeste). Além disto, fico com o Krugman, para quem os historiadores definirão nosso tempo como aquele no qual idéias mortas - as neoliberais - estranhamente triunfam (cf. no blog dele: When Zombies Win).

Sobre as questões mais técnicas eu não tenho como dizer nada.

Abraço

Thiago Dias (thdiass@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

Acho que teremos de esperar por alguns anos ou décadas que alguém possa relatar o que se passou nestes últimos anos sem se focar exclusivamente em alfinetar o outro lado.

Quando um prêmio Nobel da economia se utiliza de toda sua autoridade pra engrossar o ranço de facção, o que esperar de economistas menores?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Anônimo Thiago,
Sinto contradizê-lo mas economia de mercado não é uma técnica, e sua compreensão de mercado ilustra bem o abismo conceitual que perpassa toda uma corrente da teoria social no Brasil e no mundo.
O mercado não é uma construção humana, ou pelo menos não é algo controlável pelos humanos, apenas em certa medida.
Mercados são espaços imateriais em que agentes econômicos -- geralmente compradores e vendedores -- trocam seus ativos: mercadorias, serviços, bens primários, títulos para o futuro, moedas, enfim, qualquer coisa.
Sendo assim, mercados NUNCA erram, eles apenas refletem as ações humanas, que podem ser, sim, perfeitamente irracionais e erráticas.
Mercados apenas refletem o que fazem seus agentes intervenientes, inclusive recebendo todos os estímulos errados introduzidos pelos homens, privados ou de governos (estes com muito mais poder, pois podem proibir certas transações, que então se processam no "mercado negro", como câmbio de divisas em certos países, por exemplo).
O que você diz está profundamente errado: mercados NUNCA criam problemas, eles apenas se inclinam para o lado em que vão os agentes; são os próprios agentes que criam problemas para si mesmos ou para os outros, e os mercados apenas refletem isso, pois eles são ABSOLUTAMENTE NEUTROS. E SEMPRE SE CORRIGEM A SI MESMOS.
Desculpe a caixa alta, mas não aguento mais ouvir essa frase sumamente estúpida que governantes E ECONOMISTAS pronunciam frequentemente:
" -- Mercados entregues a si mesmos, nunca se corrigem por si, e é preciso a ação dos governos para fazê-los funcionar direito..."
ERRADO, profundamente errado: mercados sempre se corrigem, impondo perdas em quem apostou errado, ou a todo mundo, depende da estupidez cometida por agentes do governo (os únicos, digo mais uma vez, com capacidade de atrapalhar a vida de todo mundo, já que os grandes "manipuladores" do mercado possuem uma capacidade limitada de fazer mal, pois em algum momento alguém vai desconfiar da esperteza e inverter o curso das intervenções no mercado, com perdas para a frente ou para trás, dependendo do locus dos agentes.
São os governos que impõem perdas muito maiores, criando regras que transferem nosso dinheiro para alguns lpbistas espertos, industriais ou banqueiros, geralmente.
Esqueça essa coisa de "neoliberais": isso é invenção de quem não sabe explicar a economia e fica inventando slogans...
Se alguma ideia morta triunfou ate aqui, foram certamente as keynesianas, nao as liberais...

Anônimo Anônimo,
Quando você for mais explícito em seus comentários, eu respondo, OK?
Não sei a que lados ou facções você se refere.
Quando escrever, seja claro, direto, objetivo e apresente um argumento completo, não palavras vagas como você fez...
Paulo Roberto de Almeida

Eduardo Rodrigues, Rio disse...

"Esse economista, ou não sabe escrever, ou não sabe economia, ou desconhece completamente o perfil exato da crise irlandesa, confundindo-a, talvez, com a crise imobiliária espanhola. Ou, provavelmente, uma combinação de todas essas alternativas."

Na mosca.

Abaixo, outra demonstração de como o mencionado economista está perdidinho, e, assim como o senhor, o pessoal do IMB não deixou passar seus dislates.

Keynesiano confessa: "Era pra ter funcionado! Não tô entendendo o que se passa..."
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1081

Paulo Roberto de Almeida disse...

Grato Eduardo,
Eu não tinha visto este artigo. Vou posta-lo de forma independente.
Economistas keynesianos estão sempre metendo os pés pelas mãos, ou pelas quatro patas, como diria o Reinaldo Azevedo...
Fica difícil explicar aos alunos que mesmo os mais conhecidos economistas são capazes de dizer as maiores bobagens ocasionalmente...
Paulo R. Almeida