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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A ideologia do afrobrasileirismo - um artigo PRA de 2004

Para complementar a informação iniciada em dois posts abaixo, em que registro a reação irada de um militante da causa negra no Brasil -- não exatamente um afrobrasileiro, no máximo um afrodescendente -- a meu artigo sobre essa ideologia nefasta, importada, racista e divisiva, transcrevo abaixo o artigo em questão, não sem antes lançar um desafio a meu irado leitor:

Desafio esse militante a provar, de fato (ou seja, com base em evidências explícitas e não apenas baseadas em autodeclaração), que ele é um afro-brasileiro, ou seja, um brasileiro que conserva traços culturais, linguísticos, gastronômicos, ideológicos, ou quaisquer outros que sejam especificamente africanos e exclusivamente africanos, e não apenas brasileiros, ou seja, integrando elementos culturais de diversas culturas que foram incorporadas ao mainstream do Brasil, nesse imenso cadinho que constitui a sociedade nacional.
Provando, merece ganhar um ou dois livros, a sua escolha.
Paulo Roberto de Almeida

Rumo a um novo apartheid?: Sobre a ideologia afro-brasileira
Paulo Roberto de Almeida, Sociólogo (ítalo e luso-descendente).
revista Espaço Acadêmico (Ano IV, nº 40, setembro 2004)
link: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm

Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003)

1. Colocando a questão
Um espectro parece rondar, atualmente, a sociedade brasileira: o do apartheid. Refiro-me à possibilidade de surgimento, disseminação e consolidação de uma nova forma, não menos insidiosa do que a tradicional (já suficientemente conhecida e combatida), de apartheid. Trata-se de um apartheid social – não necessariamente racial –, baseado numa nova separação cultural e ideológica, e portanto mental, dos brasileiros. Eles passariam a ser divididos em duas categorias fundamentais: a dos afrodescendentes, de um lado, a de todos os demais brasileiros, de outro.

Antes que alguém me acuse de “inimigo dos afrodescendentes” quero deixar bem claro que reconheço, sim, a existência de uma enorme defasagem social, educacional, cultural e profissional atuando em desfavor dos chamados “afro-brasileiros”, que é o resultado histórico das condições sociais de pobreza e desigualdade que sempre atingiram com maior acuidade a população de origem negra. Também sou, sim, explicitamente, a favor de políticas de ação afirmativa e de favorecimento educacional para os brasileiros pobres em geral e, em especial, no que for possível, com ênfase acrescida na situação da população negra. Mas quero deixar manifesto, desde já, que não acredito que qualquer tipo de “reserva de mercado” nos exames vestibulares de ingresso no terceiro ciclo represente uma mudança dramática da situação dos mais desfavorecidos, brasileiros pobres em geral e populações negras em particular.

A questão das cotas no vestibular é um aspecto menor, não o mais importante, de um problema maior, que é a desigualdade de chances que vitima os negros e mulatos brasileiros nas várias vertentes de uma inserção social que teima em ser persistentemente lenta, na educação, no emprego, nas possibilidades de ascensão social, enfim. Tenho dúvidas, porém, de que políticas de promoção desse tipo devam ser conduzidas como resultado de algum tipo de consciência (ou “remorso”) quanto à necessidade de reparação histórica à comunidade negra pelos males sofridos desde o tráfico e a escravidão (e nas fases seguintes de discriminação de fato ou de indiferença “ativa”). Também rejeito as alegações dos que são contrários às cotas universitárias pela suposta necessidade de preservar ensino de qualidade e sistema de mérito nas universidades públicas (elas já estão, de fato, trabalhando em uma situação “sub-ótima” no que respeita seus presumidos “padrões de qualidade” ou de “excelência”, em razão das muitas disfunções acumuladas ao longo de anos e anos de democratismo populista, de irresponsabilidade no controle do desempenho de seus professores, de corporativismo exacerbado e outros males).

O que pretendo tratar neste ensaio é uma outra questão: a da emergência e atual afirmação, ainda que incipiente, de uma ideologia do “afrobrasileirismo” (à falta de uma melhor definição).

2. Um problema não apenas conceitual
Em primeiro lugar, recuso a qualificação de “afro-brasileiros”, ainda que aceite a realidade de que temos, obviamente, “afrodescendentes”. Mas os nossos brasileiros “afrodescendentes” são tão africanos, hoje, quanto eu sou português ou italiano pela minha ascendência, ou seja, hoje em dia quase nada, ou de fato absolutamente nada. Somos todos brasileiros, e apenas brasileiros, ponto.

Isso se deu ao cabo de um imenso e bem sucedido experimento de miscigenação étnica e cultural, um processo único no mundo, já suficientemente explorado por autores vários – entre eles Gilberto Freyre – para ser novamente explorado aqui. Somos o verdadeiro melting-pot do mundo, muito mais do nos Estados Unidos, que conservaram vários traços de apartheid racial ou étnico. Não existem afro-brasileiros no Brasil, assim como não existem AfroAmericans nos EUA: existem negros americanos ou brasileiros negros, mulatos e das mais variadas colorações, que foram trazidos ao Brasil – ou aos EUA – como escravos e que se converteram em brasileiros – ou americanos – como quaisquer outros, independentemente de serem, e permanecerem, desfavorecidos nos planos social, profissional e até do reconhecimento cultural. Nos EUA, a condição estritamente material é até mais favorável aos negros, bem mais do que no Brasil, diga-se de passagem, mas o isolamento cultural – e racial – é bem maior, em virtude da segregação legal que acabou criando duas culturas e até mesmo dois “universos mentais”, totalmente distintos e em grande medida opostos. Todo e qualquer processo de miscigenação racial – ou étnica, para evitar uma terminologia indevida – é único e original, e o nosso foi verdadeiramente de miscigenação, à diferença dos EUA, onde jamais ocorreu (salvo de maneira extremamente marginal) qualquer “osmose” racial entre negros e as demais comunidades formadoras da população americana.

Quando digo que recuso o “afrobrasileirismo” é porque acredito que esse conceito não é o resultado de uma condição étnica, cultural ou mesmo histórica, mas sim uma ideologia, politicamente importada e artificialmente explorada, que pode contribuir, também no Brasil, para a criação do mesmo sistema de aparteísmo racial ou cultural que se constata existir nos Estados Unidos. Não creio que seja bom para o Brasil, aliás para os próprios “afrodescendentes” – quer reconheço existir, como disse –, aderirmos a uma ideologia que vai contra todos os princípios do nosso bem sucedido melting-pot, introduzindo em seu lugar a divisão, a diferenciação e o apartheid. A promoção dos valores “negros” não deveria em princípio ser feita em detrimento de valores universais e igualitários que estão na base de nosso sistema constitucional e cultural.

Muito bem, diriam os “afrodescendentes”, como resolver o problema da desigualdade de fato que impede, basicamente, a maior parte dos “negros” e assemelhados de entrarem na universidade e de galgarem postos profissionais mais condizentes com o perfil de ascensão social que se deseja para todos, inclusive os milhões de brasileiros pobres, brancos ou mestiços de outras etnias, que também sofrem os mesmos problemas? Como reconheço que a “solução universal” da melhoria da qualidade das escolas públicas pode ser uma quimera irrealizável no curto prazo, sou absolutamente a favor de bolsas de estudo (e outras formas de ajuda) generosamente distribuídas a “afrodescendentes” candidatos a ingressar em nossas escolas, de maneira a habilitá-los a prestar um vestibular nas mesmas condições (ou quase) que os demais.

Ainda que esta medida possa ser injusta do ponto de vista do branco pobre, igualmente morador de favelas ou zonas rurais periféricas, creio que ela pode e deve representar um começo de ação afirmativa no sentido de resgatar todo o sofrimento imposto pela sociedade nacional – majoritariamente branca, pelos seus estratos dirigentes e pelas suas decisões políticas, reconheça-se – à sua comunidade negra brasileira e outros estratos desfavorecidos. Aliás, acho que as universidades públicas poderiam e deveriam começar a oferecer cursinhos pré-vestibulares nos quais elas passariam a admitir, de modo maciço, todos os brasileiros pobres, em especial os negros e mulatos. Os estados deveriam desenvolver programas extensivos de bolsas de estudos (gratuitas, isto é, sem reembolso) dirigidas prioritariamente aos estratos de baixa renda, em especial os negros.

Trata-se de um sistema de “cotas”, sem qualquer “reserva de mercado” e baseado inteiramente no princípio da meritocracia, que permanece um sistema válido de seleção de candidatos a quaisquer cargos ou escolas públicas. Os negros – e outros pobres – do Brasil precisam de programas intensos de formação educacional e de preparação profissional: bolsas e cursos de preparação podem fazer a diferença positiva, sem introduzir a “diferença negativa” do regime de cotas baseadas em critérios raciais ou demográficos de escassa legitimidade democrática.

3. Agora ao coração do problema: a ideologia do “afrobrasileirismo”
Acredito que o “afro-brasileirismo” é um conceito em busca de definição, até mesmo entre seus promotores mais ativos. Não sou um conhecedor extenso da literatura a esse respeito, mas não me lembro de ter lido uma definição que fosse sociologicamente sustentável sobre essa “condição”. Por isso pretendo abordar o problema de um ponto de vista histórico, antropológico e, em seguida, político-ideológico.

As definições raciais brasileiras são tão diversificadas quanto a plasticidade da língua nacional, ou como a própria realidade étnica subjacente às populações que aqui se misturaram ao longo dos séculos. Sobretudo a partir da “importação” de negros africanos, entre os séculos 16 e 19, mas também com base nos elementos autóctones e nas muitas etnias imigradas desde a independência, constituiu-se um povo legitimamente brasileiro, dotado de características singulares no conjunto dos “povos novos” — a definição é devida ao antropólogo Darcy Ribeiro — e que é certamente original do ponto de vista das relações interétnicas e culturais que essas comunidades mantêm entre si. Pode-se indicar a preservação de certos traços “culturais”, gastronômicos ou religiosos no interior desses diversos elementos constitutivos do povo brasileiro, mas dificilmente se poderá apontar, entre eles, diferenças significativas ou considerar que seus modernos representantes possam reivindicar um “pertencimento” geográfico outro que não ao próprio Brasil.

Entretanto, a partir da importação acrítica de um conceito estranho à cultura e às tradições sociais brasileiras, a questão da “alteridade” étnico-geográfica começa agora a ser colocada em questão no caso dos negros e mulatos brasileiros. Com efeito, a partir de uma matriz importada dos Estados Unidos está sendo introduzida no Brasil a concepção segundo a qual, dentre os diversos segmentos da população brasileira, se encontrariam, não mais negros, pardos e mulatos (e suas infinitas variações subjetivas), mas um grupo novo na paisagem social do país: os afro-brasileiros. Tal como apresentada por seus proponentes, tratar-se-ia não apenas de uma nova categoria (ou classificação) étnico-cultural, mas de todo um programa político de promoção social e da identidade cultural desse segmento talvez majoritário no País.

Em que medida essa proposta é demograficamente pertinente, sociologicamente consistente, historicamente sustentável, etnicamente adequada e “politicamente correta”? Desde já esclareço minha posição por um ceticismo de princípio em relação a esse tipo de conceito e à “realidade” que o sustenta. Não creio que a noção de “afro-brasileiro” seja positiva do ponto de vista da integração social das diversas vertentes do povo brasileiro, podendo mesmo ser negativo para o programa que supostamente deveria ser o de todos os cidadãos nacionais: superar a velha segregação racial que ainda persiste apesar dos avanços logrados, em lugar de construir um novo apartheid racial.

Este é exatamente o ponto que constitui o objeto destas minhas reflexões pouco sistemáticas: em última instância, a proposta dos afro-brasileiros, se implementada como programa político, redundaria na substituição da velha discriminação racial contra negros e mulatos, combatida por gerações inteiras da causa negra brasileira, por um novo tipo de apartheid, a exemplo daquele que se constituiu nos Estados Unidos depois da abolição da escravidão. Ele significa, sinteticamente falando, a separação e a promoção de atitudes, comportamentos e práticas sociais exclusivamente reservados às populações de origem negra, com todas as suas implicações negativas para a integração ampliada das diversas componentes do povo brasileiro.

Antes, contudo, que se queira ver nos propósitos do autor algum elemento de racismo antinegro ou de descaracterização da luta antidiscriminação conduzida por muitos movimentos militantes da causa negra, gostaria de deixar bem claro minha posição de partida. Creio, como muitos outros sociólogos ou simples cidadãos, que o mito da “democracia racial” brasileira é exatamente isso, um mito, mascarando as muitas práticas não institucionais de discriminação de fato que, ainda hoje, dificultam a afirmação econômica, a ascensão social e a auto-estima psicológica dos negros e mestiços do Brasil. São bastante conhecidos os problemas que afetam negros e mulatos no Brasil: menor escolarização, renda inferior e chances reduzidas de mobilidade ascensional, seja no emprego, seja em outros canais de inclusividade social. A pobreza que atinge os negros e outras camadas mestiças não é simplesmente pobreza, mas vem acoplada a outros problemas que alguns sociólogos chamam de “ciclo cumulativo de desvantagens”.

Feito o diagnóstico sumário e bem estabelecida a justificativa para uma política (ou políticas setoriais) de promoção ativa desses segmentos — às quais sou amplamente favorável, geralmente num sentido não diretamente discriminatório, mas incidindo de forma preferencial, e concentrada, nas populações pobres — a questão que pretendo colocar neste pequeno ensaio é esta aqui: em que a ideologia afro-brasileira pode contribuir para a superação dessas desvantagens cumulativas que penalizam obviamente com maior acuidade aqueles que são objeto de sua atenção?

4. As conseqüências ideológicas do “afro-brasileirismo”: o novo apartheid
Quando utilizo o conceito de ideologia para referir-me ao programa político “afro-brasileiro” pretendo denotar exatamente essa característica básica do termo: trata-se de uma importação acrítica, mais ou menos clandestina — pois que não reconhecida de forma cabal, e sem o pagamento do devido copyright —, de um conceito racial-geográfico pronto e acabado e que se refere a uma experiência histórica e social alheia às realidades brasileiras, qual seja a dos Estados Unidos. Como pretendo discutir, subsistem problemas enormes, e não apenas de ordem epistemológica, à incorporação ingênua desse conceito ao universo racial, social e político brasileiro.

O que seria um afro-brasileiro? Trata-se tão simplesmente de um brasileiro dotado de ascendência africana? Certamente, mas em que sentido esse brasileiro negro, da era contemporânea, continua sendo africano? Provavelmente tanto quanto eu, neto de imigrantes portugueses e italianos, continuo sendo europeu, ou seja: nada, ou quase nada. Sou tão “europeu” quanto meu concidadão negro é “africano”, ou seja muito pouco, apenas por vagas identidades ancestrais que nos definem muito pouco em nossa atual identidade. Quero crer que somos ambos apenas e tão somente brasileiros.

Em outros termos, não apenas é difícil, mas afigura-se impossível definir grupos humanos mediante uma origem indistintamente “continental”, uma vez que pessoas e núcleos familiares se afiliam a determinados grupos humanos com identidades mais restritas do que o âmbito geográfico continental. Mormente no caso dos atuais brasileiros negros, trazidos ao Brasil como escravos em lotes individuais (em alguns casos do mesmo grupo de origem), suas tribos e etnias de origem perderam-se irremediavelmente, logo em seguida, na terrível mistura humana realizada pelos escravagistas e depois pela sociedade de “acolhimento”. Assim como parece difícil, no Brasil contemporâneo, falar de “eurobrasileiros” ou “ásiobrasileiros”, seria virtualmente impossível, nas condições ainda mais desestruturadoras da “imigração” africana, justificar a existência dessa categoria recriada de “afro-brasileiros”.

A rigor, pretendendo atribuir uma origem geográfica a todos os outros imigrantes voluntários, poderíamos falar de “ítalo-brasileiros”, ou “nipo-brasileiros”, por exemplo, pois eles possuem características sociais e culturais similares, identificando-se pela língua ou pelos costumes comuns, inclusive religiosos e alimentares. Ora, tal não ocorre com os supostos “afro-brasileiros” — ou ocorreria em escala muito menor, apenas no caso de certos grupos lingüísticos e religiosos concentrados na Bahia, identificados com a religião islâmica —, uma vez que eles são o resultado da mais trágica e desumana “emigração” conhecida em toda a história da humanidade, processo ocorrido ao longo de séculos e séculos de transferência forçada de lotes inteiros de indivíduos, arrancados de grupos de origem que poderiam ser bantos, ovambos, ibos, haussas ou quaisquer outros capturados pelos mercadores. Contrariamente aos imigrantes voluntários, eles não tiveram condições de preservar — salvo casos extremamente restritos — línguas ou costumes de origem, que de resto se espalhavam por várias regiões africanas. Um história sem dúvida alguma trágica, mas esta é a herança de vários séculos de escravismo e de colonização do Novo Mundo.

Não se trata, assim, de uma realidade brasileira, pois esta é uma história universal. Ou seja, não existem afro-brasileiros, assim como não existem afroamericanos ou afroqualquer outra nacionalidade que se queira. Existem negros, ou mestiços, americanos, brasileiros, colombianos, venezuelanos, cubanos, e vários outros mais, em resumo, cidadãos negros ou mulatos que se tornaram cidadãos de seus atuais estados nacionais. Se isto é um fato, como se justifica o aparecimento e consolidação dessa ideologia racialista?

Segundo minha interpretação, essa construção ideológica apenas surge como resultado da situação peculiar dos negros americanos, submetidos durante décadas e décadas a uma situação de apartheid de fato e de direito que os converteu em cidadãos de uma categoria à parte nos Estados Unidos. Eles já não eram africanos, a qualquer título — tanto porque o tráfico foi precocemente substituído pela “criação” de escravos —, mas não possuíam os direitos e franquias dos demais americanos, de origem branca e européia. A situação se agravou, paradoxalmente, depois da guerra civil, uma vez que a segregação foi sendo lentamente construída ao longo do último terço do século 19 e início do século 20 (aqui com o consentimento e o estímulo do governo federal e da Suprema Corte). A evolução terminológica acompanhou a tomada de consciência do problema negro nos Estados Unidos: eles primeiro foram “negros”, no sentido mais pejorativo do termo, isto é niggers, depois se converteram, numa conotação menos agressiva, em colored ou black people, para serem finalmente enquadrados, até com o seu consentimento, nessa categoria aparentemente inocente de African Americans.

Este o termo oficial — falso, hipócrita, de fato irreal e historicamente não fundamentado — sob o qual são atualmente identificados os negros americanos, aliás bem mais negros do que no Brasil, pois que não dispondo do mesmo “estoque” (inicial ou produzido) de mestiços e mulatos e dos “fluxos e refluxos” de outras categorias intermediárias. Compreende-se sua utilização, nos Estados Unidos, num sentido parcialmente ideológico, pois que servindo para fundamentar uma luta pela afirmação de direitos civis e, concomitantemente, pela promoção da igualdade de chances nos mercados laboral e educacional, luta sustentada tradicionalmente pela Associação Nacional para o Avanço do Povo de Cor (NAACP). Menos compreensível parece ser a introdução no Brasil, de forma consciente, de um conceito de separação, não de inclusão, que seria supostamente o objetivo maior de todos as categorias de brasileiros.

Aparentemente, porém, os negros brasileiros não desejam ser simplesmente brasileiros, mas sim esta outra condição, irreal e construída, de “afro-brasileiros”. Que tipo de conseqüência poderia ter esta atitude para a (des)construção da nação brasileira?

5. A revolução cultural em marcha: a valorização das diferenças
Transcrevo novamente, para comentar, a frase destacada em epígrafe, retirada de um dos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, certamente preparada por um militante da chamada “causa negra” para apoiar as políticas de promoção de direitos das minorias e de grupos sociais desfavorecidos, adotadas conscientemente pelo governo: “Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”

Minha opinião é a de que “garantia de direitos iguais” deve existir, em princípio, via criação de condições ou oportunidades iguais para todos, o que se dá geralmente por meio da educação (essencialmente nos dois primeiros ciclos de ensino e na vertente técnico-profissional). Políticas afirmativas são, por definição, discriminatórias em sua essência e intenção, o que acarreta o risco de criar novas formas de apartheid social ou racial, num país que deveria eliminar as desigualdades eliminando também as diferenças, por meio da miscigenação ativa, não via exaltação de valores étnicos ou raciais exclusivos (e portanto excludentes).

Antevejo um sério problema “político” em relação ao que acabo de expor, isto é, a promoção de uma política de “miscigenação ativa”, que entendo ser a única solução efetiva para os males – não só no Brasil, mas em todo mundo – da discriminação e do racismo: os militantes da “causa negra” me acusarão de tentativa de “branqueamento”, quando não do “crime de etnocídio”, ao pretender eliminar o problema via mistura racial. Eu responderia de imediato que é isso mesmo, pretendo não apenas “acabar” com a “raça negra” – mesmo não concordando com tal caracterização – mas também com a “raça branca” (e a “asiática”, e a “médio-oriental”) e outras tantas mais que podem existir neste país tão variado, e instintivamente tão integrado, como é o Brasil. A eliminação das diferenças de “raça” – essa palavra tão enganosa e deformadora, mas ainda assim tão útil do ponto de vista daqueles que se colocam do ponto de vista das diferenças, que não é o meu – é a única forma efetiva de se cortar pela raiz qualquer sentimento de rejeição em face da “alteridade”, pelo simples motivo de que não haveria mais, pelo menos idealmente, nenhum tipo de “alteridade” estritamente definida.

Creio mesmo que o Brasil encontra-se muito mais perto de realizar esse ideal da miscigenação “hegemônica” antes que qualquer outro povo do mundo. Os EUA poderão ser, talvez, e de certa forma já são, o primeiro país “multinacional” do planeta, haja vista a constante imigração e o afluxo ininterrupto dos mais diversos povos naquele país continente. Mas eles demorarão um certo tempo, se é que conseguirão de verdade chegar à condição desejável, para atingir a etapa que reputo indispensável e necessária de ser ou constituir progressivamente uma sociedade verdadeiramente “multirracial”. Acho que o Brasil encontra-se mais perto desse ideal, ainda que sua “inclusividade nacional” seja bem inferior à dos EUA. Não importa: o relevante é a atitude mental e o comportamento social subjacentes à esse ideal de miscigenação, e nisso o Brasil parece imbatível.

O único obstáculo a esse estado de “abolição de fronteiras étnicas” – uma imensa revolução no caminho de um gênero humano potencialmente “globalizado” – é representado, precisamente, pela ideologia das “diferenças”. Por que a “diferença” teria de ser um valor em si, independentemente e à parte da diversidade cultural entre povos distintos, o que é um fato da história? O perigo que vejo nesse “culto das diferenças”, em especial em se tratando de grupos étnicos, é justamente o da separação, o do apartheid.

Registre-se, aliás, que não vejo a promoção das “diferenças” como iniciativa política de qualquer outro grupo racial ou étnico no Brasil, à exceção dos próprios negros ou “afrodescendentes”. Atribuo essa especificidade “política” à história de discriminação social e mesmo de racismo aberto ou velado que reconheço ter existido e que ainda existe no Brasil. Compreendo sua existência, mas não creio, sinceramente, que ela seja boa, desejável ou até mesmo funcional do ponto de vista das políticas de promoção ativa de inclusão social, de igualdade de fato, racial e cultural, e do ponto de vista da construção de uma “nacionalidade brasileira” inclusiva e abrangente.

A ideologia afro-brasileira representa a negação de tudo o que representamos como nação e como povo. Não creio que os afrodescendentes brasileiros estarão mais bem servidos, do ponto de vista cultural, material ou mesmo espiritual, com uma ideologia grupal que exalta a diferença e promove a separação. Acredito mesmo que os militantes da causa negra não deveriam jactar-se de defender a causa de uma ideologia importada, que não tem nada a ver com a realidade brasileira e que resultaria, afinal de contas, numa construção artificial do ponto de vista da história e da psicologia social dos negros.

As discriminações devem ser efetivamente combatidas, não pela criação de novas formas de discriminação, tanto mais patéticas quanto voluntariamente adotadas, em nome de uma ideologia importada que não visa, de fato, promover a inclusão social, mas o desenvolvimento separado e combinado dos vários grupos étnicos em que se divide, até aqui, a população nacional de grandes países multi-étnicos como o Brasil e os EUA. Uma sociedade verdadeiramente integrada, como pode chegar a ser a sociedade brasileira em futuro não muito distante – se não socialmente, mas pelo menos do ponto de vista “racial” –, representa uma sociedade na qual não apenas as discriminações de fato sejam uma relíquia do passado mas também uma formação social na qual o racismo se torne uma hipótese inexistente até do ponto de vista teórico, pela impossibilidade prática de qualquer tipo de “separação racial”.

Isto é o que eu penso, de verdade. Se ouso parodiar o líder negro Martin Luther King, incansável batalhador das causas cívicas (e não da causa racial) nos EUA, eu diria, simplesmente: “eu tive um sonho…”

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10 comentários:

Orlando Tambosi disse...

Salve, Paulo,

estou chamando lá em casa.

Abs.

paulo araújo disse...

Caro Paulo

É o retorno ao idealismo chulé anti-iluminista pomposamente denominado pós-modernismo. Vivemos neste começo de século sob o império de uma metafísica cada vez mais influente: o relativismo. Tudo é discurso. E nesse plano discursivo, no qual o que é efetivo (histórico) é denunciado como “um texto a mais entre outros”, o que de fato existe é o trabalho incessante da construção e da desconstrução de narrativas. Assim, e todos estariam livres para, no plano narrativo, reeditar a realidade (o efetivo) do modo que bem entenderem. Assim, ganha quem grita mais alto.

O afrobrasileirismo, vertente ideológica “africana” do multiculturalismo, seria, então, mais uma trincheira na luta contra o imperialismo cultural, finalmente desvelado na pós-modernidade em sua forma de uma pretensa “racionalidade mais elevada”, mas que apenas legitima, no passado e no presente, a destruição de outras culturas.

Observo que em um outro pólo dessa discursividade descontrutivista é cada vez mais generalizada a denúncia de um outro engodo: “os americanos”. Os discursos pseudo-científicos do meio intelectual penetram o meio jornalístico e este, por sua vez, executa a sua função de caixa de ressonância do neologismo “os estadunidenses”.

Hipólito José da Costa partiu de Lisboa em 10 de outubro 1798 para os EUA, a serviço do governo português e a mando de D. Rodrigo de Souza Coutinho (futuro conde de Linhares). Partiu a bordo da corveta americana William e no mesmo dia iniciou um diário pessoal, que manteve atualizado até 27 de dezembro de 1799.

Em 1955 a ABL, na Coleção Afrânio Peixoto, publicou o diário sob o título DIÁRIO DA MINHA VIAGEM PARA FILADÉLFIA (1798-1799). Recomendo vivamente. Comprei o meu exemplar bem baratinho em sebo de SP. Acho que foram só R$ 12,00.

Tudo isso para lhe dizer que o neologismo "estadunidense" seria impossível na época de Hipólito. O tempo todo Hipólito registra que está na América, e quando se refere aos cidadãos da primeira república do mundo moderno ele os designa sempre por "os americanos". Por que? Simples. Era inconcebível para um europeu, mesmo que natural da Colônia do Sacramento, afirmar uma identidade (ou uma alteridade) americana ou mesmo brasileira. Ressalvo que dizer-se brasileiro na época de Hipólito, e até mesmo durante quase toda metade do século XIX no Brasil, era algo bem mais ligado à naturalidade, semelhante ao que hoje são os naturais de SP, MG, RJ, RS etc. Mesmo exilado em Londres, Hipólito pensava-se e agia como um integrante do império português e súdito de SAR. E também era assim com os espanhóis naturais das colônias hispânicas.

No entanto, os relativismos e seus ideólogos, que hoje nos aborrecem e nos insultam (vide a defesa dos direitos ao apedrejamento de mulheres no Irã e ao infanticídio entre populações indígenas no Brasil ) com o discurso multiculturalista politicamente correto, ignoram a história e, paradoxalmente, negam o direito dos cidadãos dos EUA a sua autodenominação original, nascida com a Revolução Americana: americanos. Ou seja, a cidadania e a conseqüente identidade americana forjaram-se sobretudo na guerra de libertação contra o opressivo e absolutista colonialismo inglês: americanos contra ingleses. Ao contrario do que propaga a ideologia antiamericana, essa identidade não foi roubada dos americanos nascidos no Continente (e afinal, essa identidade nem sequer existia), mas foi historicamente constituída como fato histórico absolutamente novo no Continente pelos cidadãos fundadores dos Estados Unidos da América. Já os britânicos do Canadá permaneceram, nessa ocasião, súditos fieis de Sua Alteza Real George III.

paulo araújo disse...

Hipólito passou o seu 4 de julho em New York, com população que ele estimou, com dados de 1795, em 52.272 habitantes:

“Hoje se celebrou aqui o aniversário da declaração da Independência da América, e declaração dos direitos do homem, o que se costuma fazer todos os anos. Juntaram-se todas as milícias da cidade, em uma rua (porque aqui não há praças), e um corpo de artilharia de milícia em um lugar chamado Bateria, as diferentes frondescentes sociedades particulares que aqui há, isto é, a Sociedade Democrática, a Sociedade dos mecânicos (coperssociety), a Sociedade Ordem Colúmbia, a Sociedade dos Carreiros, etc., etc., etc., e quando estas sociedades chegaram à Bateria, salvou a artilharia, e depois se formaram em ordem de procissão.” [continua, na página 151. Vale a pena conferir o estranhamento de Hipólito, que anotou criticamente a inexistência de um exército regular nos moldes europeus. Ele viu a comemoração como uma bagunça nas hierarquias comuns aos europeus. O fato incomum, que mereceu a crítica de Hipólito, foi uma certa indistição hieráquica observada durante as comemorações. É que ainda ainda não havia mesmo nos EUA um exército regular e profissional distinto das milícias e sociedades de cidadãos das mais variadas origens sociais ou profissionias].

SamirHdeMoraes disse...

Estou de acordo, professor Paulo Roberto!
No teatro das nações hodiernamente somos inundados de ilustrações do que quase sempre se consubstanciam, na prática, as políticas de reforço a identidades étnicas: ostensivo apreço pelas diferenças, disputas que sobrepujam o exercício diplomático e o isolamento da própria cultura para manter-se na contramão dos valores universais já duramente conquistados no plano internacional.
Antes mesmo de ler Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque e Gilberto Freyre, já conhecia a máxima que apontava o Brasil como um país diferente, na vanguarda do mundo no que concernia à constituição híbrida e absolutamente original de seu povo. E sempre assenti a este conceito pelos extremos provindos da Europa, como exemplo, onde as disputas de fronteiras geopolíticas de micropaíses e suas bandeiras quase sempre se mostravam mais ligadas a diferenças e disputas étnicas do que por território.
Ao mergulhar-se na história, claro, esbarra-se no evento da escravidão africana que assolou essas bandas e possibilitou economicamente tantos projetos coloniais, dentre eles o Brasil. Mas, se formos usar diretamente os registros históricos para se gerar políticas de compensação – quaisquer que sejam elas ou seus lugares, seguramente não teremos espaço para a construção de sociedades assentadas dentro do princípio da paz universal, tal a crueza dos processos com que as principais nações de hoje se forjaram no passado.
Assim, como o mundo já trabalha e caminha, em todos os níveis, para conquistar o exercício da convivência harmônica (miscigenação) no campo das nações e seus povos, no plano interno de um país institucionalizar a diferença étnica é andar para trás no seu processo de desenvolvimento social e projeção como nação afinada com o futuro.
Ademais, no caso específico do Brasil, é fugir de um plano sério, abrangente e duradouro para enfrentar nossas mazelas sociais crônicas (a educação e a distribuição de renda, neste caso específico) além de forma de antagonizar um valor intrínseco e exclusivo de nossa formação como corpo coletivo. No fundo, o Brasil é um bom extrato do mundo no que concerne à convivência pacífica e sinérgica dos diferentes costumes e culturas. Naturalmente é de se projetar que tal “plano-piloto”, em algum tempo - se considerarmos o desenho e o rumo das coisas -, venha a servir de referência a esse próprio mundo a alçar novos níveis de socialidade universal e na desativação do comportamento beligerante.
A propósito, aproveito para lhe perguntar: quanto da beligerância predominante no cenário internacional ainda hoje é decorrente da ideologização das diferenças étnicas e culturais e quanto é decorrente do mercado de armamentos que estrutura grandes economias?
Abraço forte,
SamirHenriquedeMoraes

Paulo Roberto de Almeida disse...

Samir Henrique,
Muito grato, de verdade, por seus comentários, que recebem meu assentimento e concordância integrais.
O Brasil estaria próximo de constituir uma sociedade multirracial pacifica, e agora vem essa tribo de militantes do ódio racial construir um Apartheid de que não necessitamos, uma agenda viciosa, divisiva, nefasta, deletéria, feita em nome da igualdade de oportunidades mas construindo a divisão e o rancor entre os brasileiros.
Não sei sinceramente dizer quanto dessa tipo de ideologia está na raiz de tantos conflitos e guerras nas sociedades humanas, pois neste aspecto tendo a ser um pouco mais "marxista" do que o habitual, atribuindo a razões especificamente econômicas muitas das desavenças entre os países, mas acredito que o terrorismo e várias guerras civis existentes e do passado são devidos a esse tipo de crenças em diferenças fundamentais, que fanatizam pessoas e grupos humanos.
Não creio que o mercado de armamentos estimule guerras; ele é apenas decorrência dos ódios e fanatismos acumulados, ambição de poder e desejo de vingança, enfim, são os motivos humanos que impulsionam os mercados de armas, não o contrário. Essa coisa do complexo industrial-militar criando conflitos apenas para alimentar lucros e negócios é um mito construído.
Os militantes da causa negra também criaram mitos, e alimentam com isso ódio e rancores.
Uma pena, de verdade.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida disse...

Samir,
Acabo de verificar que você é de Imbituba, SC. Acabo de passar uma noite, entre POA e Flops, nessa praia, no último dia 15 de janeiro.
Aliás, por acaso, por um acidente de estrada...
Já tinha dormido na cidade em outra ocasião. Bom lugar para se viver.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeida

SamirHdeMoraes disse...

Paulo Roberto, caro professor:

Gracias también por su contestación!

No afã de finalizar meu comentário anterior acabei por formular a pergunta final de uma maneira, digamos assim, simplória, já que certamente as guerras e conflitos não se resumiriam apenas às duas naturezas elencadas. Estão as razões econômicas, claro, na base delas, sobrando daí as exceções. Desculpe-me por isso.

Mas, sobre o mito de potência que gera guerras para vender armas gostaria de aprofundar o tema. Vamos tomar, lógico, a potência militar hegemônica da atualidade como exemplo. A mentalidade belicosa americana deve ter nascido das práticas coloniais europeias, na luta dos imigrantes já no continente para viabilizar seus assentamentos, na luta pela independência e outros. Mas, é sabido como as duas grandes guerras mundiais projetaram os EUA à potência hegemônica militar e econômica - para ficar só nestes dois aspectos, a primeira na reconstrução da Europa e a segunda na reabilitação de sua economia caótica - nas décadas subsequente ao crash de 29, através da indústria de armamentos que demandava o conflito assim como na própria defesa, claro. Pois bem: a força e a dimensão de um fenômeno como esse, que possibilitou gerar emprego a tanta gente à época e, posteriormente, deu aos EUA projeção de potência hegemônica exclusiva no planeta não os tornaria praticamente reféns à mecânica que naturalmente busca a retroalimentação do próprio sistema?

O nível de investimento anual dos americanos na estrutura de defesa e militar é algo estrondoso e o próprio cidadão americano em geral nem conflita, me parece, tal o nível de incrustação da paranoia da guerra, algo muito bem retratado na cultura holiwoodiana, esta que, infelizmente, é exportada para nossos países como símbolo que embala nossa infância, juventude, mocidade e fase adulta. Inúmeras questões poderíamos abordar a partir deste apontamento (- Defender-se de quem? Comunistas, ontem; muçulmanos, hoje, ...; - O que vem antes, o ataque ou a defesa? - Que tal esse nível de investimento no combate às assimetrias globais? etc), mas o foco da questão é que economias geradas em determinadas bases só muita vontade e trabalho podem desfazer, ou remodelar. Miremos nosso Brasil que, ainda hoje, exercita seu pendor à exportação de produtos primários em alta escala.

Diante disso, enfatizando que não tenho qualquer sentimento antiamericano (triste herança da bipolaridade que permeou nossas formações), sou levado a interpretar que algo diferente de mito haveria naquela acepção inicial (os achados do Wikileaks que nos digam). Mas, confesso-lhe, adoraria receber elementos para pensar diferente (rs). Desculpe-me se eventualmente já escreveu algo sobre isso, algo que acessaria com prazer.

O contraponto acima me fez levantar temas decorrentes ou relacionados:

1 - Por que o Brasil quer comprar os caças?

2 - O que pode acontecer com países sem estruturas militares respeitadas num futuro recente?

3 - Por que é tão importante o assento permanente do Brasil no CSNU? Na balança final – após o sucesso da empreitada, nosso país se tornará mais aceito no cenário internacional ou o contrário disso também é possível?
...

Quanto a sua passagem por minha cidade-praia, Paulo Roberto, escrevi algumas linhas que, julgo melhor, as enviaria para seu e-mail particular, para não destoar muito do tema original de seu artigo/Blog e dos comentários decorrentes. Favor enviar-me e, se pensar diferente, avise-me, por favor.

Grande abraço,

SamirHdeMoraes
Skype samirhdm

SamirHdeMoraes disse...

Paulo Roberto, caro professor:

Gracias también por su contestación!

No afã de finalizar meu comentário anterior acabei por formular a pergunta final de uma maneira, digamos assim, simplória, já que certamente as guerras e conflitos não se resumiriam apenas às duas naturezas elencadas. Estão as razões econômicas, claro, na base delas, sobrando daí as exceções. Desculpe-me por isso.

Mas, sobre o mito de potência que gera guerras para vender armas gostaria de aprofundar o tema. Vamos tomar, lógico, a potência militar hegemônica da atualidade como exemplo. A mentalidade belicosa americana deve ter nascido das práticas coloniais europeias, na luta dos imigrantes já no continente para viabilizar seus assentamentos, na luta pela independência e outros. Mas, é sabido como as duas grandes guerras mundiais projetaram os EUA à potência hegemônica militar e econômica - para ficar só nestes dois aspectos, a primeira na reconstrução da Europa e a segunda na reabilitação de sua economia caótica - nas décadas subsequente ao crash de 29, através da indústria de armamentos que demandava o conflito assim como na própria defesa, claro. Pois bem: a força e a dimensão de um fenômeno como esse, que possibilitou gerar emprego a tanta gente à época e, posteriormente, deu aos EUA projeção de potência hegemônica exclusiva no planeta não os tornaria praticamente reféns à mecânica que naturalmente busca a retroalimentação do próprio sistema?

O nível de investimento anual dos americanos na estrutura de defesa e militar é algo estrondoso e o próprio cidadão americano em geral nem conflita, me parece, tal o nível de incrustação da paranoia da guerra, algo muito bem retratado na cultura holiwoodiana, esta que, infelizmente, é exportada para nossos países como símbolo que embala nossa infância, juventude, mocidade e fase adulta. Inúmeras questões poderíamos abordar a partir deste apontamento (- Defender-se de quem? Comunistas, ontem; muçulmanos, hoje, ...; - O que vem antes, o ataque ou a defesa? - Que tal esse nível de investimento no combate às assimetrias globais? etc), mas o foco da questão é que economias geradas em determinadas bases só muita vontade e trabalho podem desfazer, ou remodelar. Miremos nosso Brasil que, ainda hoje, exercita seu pendor à exportação de produtos primários em alta escala.

Diante disso, enfatizando que não tenho qualquer sentimento antiamericano (triste herança da bipolaridade que permeou nossas formações), sou levado a interpretar que algo diferente de mito haveria naquela acepção inicial (os achados do Wikileaks que nos digam). Mas, confesso-lhe, adoraria receber elementos para pensar diferente (rs). Desculpe-me se eventualmente já escreveu algo sobre isso, algo que acessaria com prazer.

O contraponto acima me fez levantar temas decorrentes ou relacionados:

1 - Por que o Brasil quer comprar os caças?

2 - O que pode acontecer com países sem estruturas militares respeitadas num futuro recente?

3 - Por que é tão importante o assento permanente do Brasil no CSNU? Na balança final – após o sucesso da empreitada, nosso país se tornará mais aceito no cenário internacional ou o contrário disso também é possível?
...

Quanto a sua passagem por minha cidade-praia, Paulo Roberto, escrevi algumas linhas que, julgo melhor, as enviaria para seu e-mail particular, para não destoar muito do tema original de seu artigo/Blog e dos comentários decorrentes. Favor enviar-me e, se pensar diferente, avise-me, por favor.

Grande abraço,

SamirHdeMoraes
Skype samirhdm

Paulo Roberto de Almeida disse...

Samir,
Estou com uma banca de doutoramento, e por isso nao pude responder antes.
Vou retomar os assuntos proximamente.
Paulo Roberto de Almeida

SamirHdeMoraes disse...

Sem problemas, professor. Boa avaliação do trabalho(s)!