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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Brasil-Iran: nao se pode confiar mais nos amigos...

O Estadão parece possuir o seu próprio "Wikileaks". Só falta descobrir o "soldado" delator...

Irã faz protesto contra crítica de Dilma
Patrícia Campos Mello e Jamil Chade
O Estado de S.Paulo, 12 de janeiro de 2011

Diplomacia. Lula buscou aproximação com Ahmadinejad
Em telefonema à embaixada brasileira no país, governo de Ahmadinejad expõe mal-estar com declarações de autoridades da nova administração sobre a política de direitos humanos de Teerã; após o segundo turno, presidente condenou apedrejamento

O governo iraniano registrou um protesto contra as críticas do governo Dilma Rousseff à situação dos direitos humanos no Irã, num primeiro sinal de mal-estar entre os dois países, após anos de ótimas relações.

Em telegrama diplomático a cujo conteúdo o Estado teve acesso, com data de anteontem, diplomatas brasileiros em Teerã relatam que um assessor especial do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, telefonou para o embaixador brasileiro no Irã, Antonio Salgado, para se queixar. O assessor "transmitiu o incômodo de Teerã com as repetidas referências à situação dos direitos humanos no Irã, feitas por autoridades brasileiras". Segundo o telegrama, o assessor iraniano teria pedido ao embaixador que informasse o Itamaraty sobre o desconforto.

O Brasil, que antes adotava a posição de não condenar violações aos direitos humanos no Irã, mudou a posição com Dilma. Em entrevista ao jornal Washington Post, em 18 de novembro, Dilma criticou o comportamento do Brasil na ONU, ao abster-se de votar uma condenação às violações de direitos humanos no Irã. "Não concordo com o modo como o Brasil votou. Não é a minha posição", afirmou Dilma, mencionando "práticas medievais aplicadas quando se trata de mulheres". "Ficaria desconfortável, como uma mulher eleita presidente, em não me manifestar contra o apedrejamento", disse ela, referindo-se à condenação da iraniana Sakineh Ashtiani à morte por apedrejamento.

Em entrevista à revista Veja, publicada no domingo, o chanceler Antonio Patriota foi na mesma linha. "A questão da ameaça de apedrejamento da iraniana obviamente vai contra tudo o que nós representamos", disse Patriota. "Acho que vai haver uma reflexão interna sobre essa questão dos direitos humanos."

O protesto do governo iraniano é a primeira consequência formal da mudança de direção da política externa brasileira em relação ao Irã. O governo Lula foi marcado por uma posição de não intervenção nas questões que envolvem o país. Ele comparou os tumultos que se seguiram à eleição iraniana em 2009, quando centenas de iranianos foram detidos e agredidos por agentes do regime, a uma "briga de torcida" - não passaram de "uma coisa entre flamenguistas e vascaínos", disse Lula. Instado a protestar contra a condenação de Sakineh, Lula afirmou: "É preciso tomar muito cuidado porque as pessoas têm leis e regras. Se começarem a desobedecer às leis deles para atender aos pedidos dos presidentes, daqui a pouco há uma avacalhação." Depois, ofereceu asilo à iraniana, dizendo: "Se minha amizade e afeição pelo presidente do Irã são importantes e se essa mulher está causando problemas lá, nós a acolheremos aqui no Brasil." E o Itamaraty tradicionalmente se abstinha nas votações no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Tanto a diplomacia brasileira quanto assessores do governo evitaram nos últimos dias a falar sobre o assunto. No Itamaraty, diplomatas chegaram a negar a existência do comunicado, enquanto outros simplesmente afirmavam "desconhecer" a existência da ligação telefônica. O ministro Tovar Nunes, assessor do chanceler Antonio Patriota, afirmou ser "natural" essa comunicação entre as chancelarias. "Nosso diálogo é fluido, somos sensíveis às preocupações dos países, mas também temos nossas posições, manifestadas de forma clara", disse Tovar. "Não há mal estar nenhum."

Mas não é a primeira vez que um descompasso é explicitado na relação bilateral. Em fevereiro de 2010, o Estado publicou com exclusividade o conteúdo de um telegrama do Itamaraty sobre a situação de direitos humanos no Irã. O telegrama relatava um encontro realizado entre a embaixadora Vera Machado, a então subsecretária de Assuntos Políticos, e o embaixador do Irã em Brasília, Mohsen Shaterzadeh. Durante a reunião, a embaixadora ressaltou o fato de que a aproximação entre o Irã e o Brasil estaria sendo criticada pela "imprensa conservadora" do País. O apelo feito por ela era para alertar os iranianos sobre a situação dos direitos humanos, principalmente a situação da população Bahai, discriminada pelo regime de Teerã.

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PS.: Uma última observação sobre este "wikileaks" brasileiro [PRA]:

Sobre este trecho:
"Durante a reunião [com o embaixador do Irã em Brasília, Mohsen Shaterzadeh], a embaixadora [Vera Machado, subsecretária de Assuntos Políticos do MRE] ressaltou o fato de que a aproximação entre o Irã e o Brasil estaria sendo criticada pela "imprensa conservadora" do País."

Parbleu! Por que "imprensa conservadora"? Se fosse pela "imprensa progressista" seria aceitável a crítica? Apenas a "imprensa conservadora" não tem o direito de fazer críticas à aproximação do Brasil com o Irã, na verdade o apoio do Brasil ao regime e ao governo atual do Irã? Supostamente, a imprensa progressista não se ocupa de direitos humanos, ou exerce uma análise crítica da política externa?
A imprensa atua de uma ou outra maneira segundo sua "coloração ideológica"?
Talvez no imaginário de certos governos seja assim; no mundo da imprensa séria, e comprometida com a verdade, a imprensa costuma ser crítica de qualquer governo, em qualquer regime, em qualquer época...
Paulo Roberto de Almeida

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Toque de recolher
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 12.01.2011

Nada de inusitado na proibição dos livros de Paulo Coelho no Irã. Gestos como esse são inerentes a ditaduras.
Diferente no episódio foi o Brasil cumprir sua obrigação de protestar e condenar a violência, considerada "abominável" pela ministra da Cultura, Ana de Holanda, que anunciou pedido de providências oficiais ao Itamaraty.
Diante de ataques aos direitos humanos e agressões à liberdade - morte de dissidentes em Cuba, fraude eleitoral no Oriente e matanças na África -, no governo Lula o Brasil não apenas calou como celebrou as ações dos regimes autoritários. Em pelo menos duas ocasiões, confraternizou publicamente com os ditadores e desdenhou da posição dos opositores.
Comparou os dissidentes cubanos a bandidos comuns e igualou os protestos da oposição iraniana contra a roubalheira eleitoral do regime ao choro de perdedores em partidas de futebol.
Manifestou-se a ministra, falta se posicionar a presidente Dilma Rousseff: pessoalmente seria o ideal, como fez no caso da condenação por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, mas se o fizer por intermédio do Ministério das Relações Exteriores já terá dado um passo a mais para reposicionar o Brasil no cenário internacional como uma democracia guardiã de princípios universais.
Condição que o antecessor subtraiu ao País quando subordinou valores a interesses de maneira equivocada e, sobretudo, perversa, contando para isso com a colaboração de um chanceler obcecado pelo ofício da bajulação.
Diga-se em defesa de Celso Amorim que não foi o único. São inúmeros os exemplos de exorbitâncias decorrentes da subserviência de auxiliares do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, que, receosos de suas reações e curvados à sua popularidade, preferiam fazer suas vontades a cumprir a Constituição e preservar as respectivas biografias.
Amorim é apenas o caso mais patente. O fecho de sua gestão diz tudo: a concessão indevida de passaportes diplomáticos aos filhos maiores de idade e a um neto de 14 anos do então presidente, dois dias antes do encerramento do mandato, sob a justificativa de que atendia aos interesses do País.
Tanto não atendia que o Itamaraty calou a respeito. Sabe-se ali que o ato resultou do afã de cumprir ordens e agradar ao chefe que deixava o cargo consagrado, construindo um cenário de preservação de poder em perspectiva.
Quando a subserviência se sobrepõe a tudo o mais é que se deteriora a proposição fundamental do Estado de Direito: o respeito à legalidade, a observância a quesitos como probidade, impessoalidade e igualdade dos cidadãos perante as regras que regem a vida em sociedade.
No momento em que sai de cena o objeto do servilismo, se sobressai o burlesco da situação. Amorim foi para casa com esse troféu, outros a partir de agora provavelmente - vai depender de a presidente Dilma Rousseff conduzir-se por lógica diferente - dar-se-ão conta das oportunidades que deixaram passar de se dar ao respeito.
Para ficarmos nos episódios finais, temos o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a classificar como "ridículas" as críticas à concessão de área militar para o ex-presidente tirar férias com a família.
Com perdão da deselegância do termo, ridículo é um ministro de Estado se prestar ao exercício da adulação com o dinheiro público para servir ao ex como se a prerrogativas presidenciais ainda tivesse direito.
Que o ar fica mais respirável, o ambiente mais ameno e saudável na ausência de Lula, não resta a menor dúvida.
Em boa medida pelo recolhimento (temporário?) dos bajuladores.

3 comentários:

Luana disse...

Espero que a Dilma saiba o que está fazendo agora que assumiu a presidência e não decepcione os milhares de estudantes de Relações Internacionais que vibraram com as realizações do Lula nos últimos 8 anos de mandato.

Mário Machado disse...

Milhares de tolos devo dizer com risco de virar persona non grata entre meus pares..

Paulo Roberto de Almeida disse...

Mario,
Voce tocou no ponto, e eu penso a mesma coisa, mas nao pretendi ser cruel com a Luana. Mas já que você mencionou, lá vou eu.

Luana,
Pode ser que a Dilma saiba o que está fazendo, pode ser que não, que tenha apenas noções confusas de relações internacionais do Brasil, fruto de seu passado esquerdista nunca renegado, de uma suposta adesão a Cuba, e que apenas resolveu se distanciar do Iran, e de suas políticas nefastas em matéria de direitos humanos por puro oportunismo eleitoral, e para ficar bem com a opinião pública, que se indignou com esse tremendo passo em falso de Lula.
Agora se voce é uma estudante de RI inteligente, não pode ter vibrado com essas "realizações do Lula", que justamente incluiram ser amigo de ditadores, desprezar direitos humanos e fazer um monte de coisas apenas para contentar o lado anti-americano e estupidamente anti-imperialista de sua base de apoio.
Paulo Roberto de Almeida