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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 25 de janeiro de 2015

Sobre a pobreza e a desigualdade - Joao Luiz Mauad


Sobre Pobreza e Desigualdade
25 Jan 2015 04:49 AM

Todo ano é a mesma ladainha.  Às vésperas do Fórum Econômico de Davos, a ONG Oxfam joga na mídia os seus famosos estudos “provando” que a desigualdade de riqueza tem aumentado no mundo e requerendo ações imediatas para frear esse descalabro.  Foi assim no ano passado e não é diferente este ano.  O Globo, em 19/01, por exemplo, reverbera um comunicado da diretora executiva da Oxfam, Winnie Byanyima, no qual se lê que “A escala da desigualdade global está simplesmente excessiva. A diferença entre os ricos e os demais está aumentando em velocidade muito rápida”. Segundo a mesma ONG, a crescente desigualdade estaria restringindo a luta contra a pobreza global.
Queremos realmente viver em um mundo onde um por cento é dono de mais do que o resto de nós juntos? Manter os negócios como de costume para a elite não é uma opção sem custos. O fracasso em lidar com a desigualdade vai atrasar a luta contra a pobreza em décadas. Os pobres são atingidos duas vezes com a desigualdade crescente: eles recebem uma fatia menor do bolo econômico e, porque a extrema desigualdade prejudica o crescimento, há um bolo menor para ser compartilhado”, disse Winnie.
Em seu discurso “State of the Union” perante o Congresso, Mr. Obama seguiu na mesma linha.
Interessante que, no mesmo dia 19, e no mesmo jornal, ficamos sabendo que, entre 1990 e 2014, cerca de 70 milhões de latino-americanos deixaram de ser pobres e passaram a engrossar a fila de uma nova classe média, de acordo com os dados oficiais dos próprios governos desses países.  Segundo informe da CEPAL (uma organização com viés francamente de esquerda), a redução dos índices de pobreza na A.L. foi de 48,7%, em 1990, para cerca de 27%, em 2014.  Apesar disso, segundo a mesma fonte, a América Latina continua sendo o continente mais desigual do planeta.
Como se pode ver, ao contrário do que querem fazer crer os apologistas do igualitarismo, como Oxfam e Obama, pobreza e desigualdade não são duas variáveis positivamente correlacionadas.  Não há sequer comprovação de que elas sejam, de alguma maneira, correlacionadas.  A pobreza pode aumentar, enquanto a desigualdade diminui (Cuba).  A pobreza pode diminuir, enquanto a desigualdade aumenta (China) – a propósito, essa gente deveria perguntar aos chineses se eles se sentem melhor agora ou há 40 anos, quando a igualdade de renda era quase absoluta.
Mas façamos um exercício de aritmética simples. Imaginemos que a renda de João seja de $1.000 por mês e a de Pedro, $5.000.  A desigualdade de renda entre os dois é, obviamente, de $4.000. Suponhamos agora que a renda real dos dois tenha duplicado num período de três anos. Nesse caso, a diferença nominal de renda entre os dois, que era de $4.000, passou a ser de $8.000 (João = $2.000 e Pedro = $10.000).  Embora a renda real de João tenha aumentado na mesma proporção que a de Pedro, a diferença nominal entre ambos aumentou bastante.  Pergunta: a vida de João melhorou ou piorou? Façam as contas: ainda que a renda de João triplicasse e a de Pedro somente duplicasse, a disparidade absoluta de renda – e provavelmente de riqueza – aumentaria.
A simplicidade do exemplo acima não lhe tira o mérito de mostrar quão estéreis são esses relatórios cujo foco principal recai sobre o falso problema das desigualdades, seja de renda ou de riqueza.  Só quem pensa no bem estar de João olhando para os rendimentos de Pedro pode achar que não.
Ao contrário do que pensa e diz a Sra. Winnie, não há um bolo fixo, preexistente, de riquezas que, de alguma forma injusta, escorrem para os bolsos dos ricos, deixando os pobres mais pobres. Nas economias capitalistas, a riqueza é constantemente criada, multiplicada e trocada de forma voluntária.  A desigualdade, portanto, é um efeito. Sua causa é a diferença de produtividade, ou a capacidade de cada um de gerar bens e serviços de valor para os demais.
Graças a esse fenômeno, nos últimos 200 anos houve um aumento exponencial do padrão de bem-estar no mundo e, consequentemente, uma redução espetacular dos níveis de pobreza. Só para se ter uma ideia desse milagre, 85% da população mundial viviam com menos de um dólar por dia (valores de hoje), em 1820, enquanto hoje são 20%. Será que esta verdadeira revolução pode ser atribuída à distribuição de recursos dos ricos para os pobres, ou será que isso se deve ao efeito multiplicador da produtividade capitalista e ao aumento exponencial do bolo de riquezas?
Confiscar as riquezas e a renda do Bill Gates, como gostariam Obama, Winnie Byanyima e Thomas Piketty, entre outros, de fato, reduziria a desigualdade no mundo, mas é muito pouco provável que melhorasse a vida dos pobres.
Muito pelo contrário.  Em economias verdadeiramente capitalistas, onde o governo não interfere escolhendo vencedores e perdedores, a existência de milionários e, consequentemente, de desigualdade, longe de ser algo a lamentar, é altamente benéfica. Em condições de livre mercado, a riqueza pressupõe acúmulo de capital e investimentos em empreendimentos rentáveis, onde os escassos recursos disponíveis são utilizados de forma eficiente na produção de coisas necessárias e desejáveis. Num sistema desse tipo, os ricos criam um monte de valor para um monte de gente, além, é claro, de um monte de empregos.
Portanto, um eventual desaparecimento dos ricos em nada melhoraria a vida dos pobres e eles certamente veriam diminuir as suas chances de conseguir emprego e melhorar a renda.  Onde não há gente rica, não há acumulação de capital.  Sem capitais, o incremento da produtividade do trabalho é deficiente.  Como os mais pobres vivem exclusivamente do próprio trabalho, não é difícil concluir que, quanto mais capitais houver, melhor será para eles.
O resto é chororô de invejosos.

Administrador de Empresas e Diretor do Instituto Liberal
João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Companheiros conseguem tornar o Brasil mais desigual, e mais pobre! Parabens!

VEJA.com, 18/09/2014

A redução da pobreza foi, ao longo dos últimos vinte anos, não só uma conquista da sociedade brasileira, mas também resultado da estabilidade econômica e de investimentos em educação e saúde feitos desde a década de 1990. Mas os limites desses esforços começam a aparecer. Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad) de 2013, divulgados nesta quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, pelo terceiro ano consecutivo, o indicador que mede a desigualdade de renda, chamado Índice de Gini, não mostra melhora significativa.

O índice, que é usado mundialmente, leva em conta o número de pessoas em um domicílio e a renda de cada um, e mostra uma variação de zero a um, sendo que quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade. O IBGE calculou em 2013 que o Brasil marcou 0,498 no indicador que leva em conta a renda de todo os membros de cada família. Em 2012, o resultado havia ficado em 0,496, enquanto em 2011, era de 0,499. A leve oscilação não permite ao órgão concluir que houve uma piora significativa na distribuição de renda no Brasil. Contudo, ela é clara em mostrar que os efeitos da desaceleração econômica já fazem com que a barreira entre ricos e pobres pare de ceder.
Tal piora é explicada não só pelo baixo crescimento da economia, mas também pela menor oferta de vagas de trabalho, ambas mostradas pelo IBGE por meio do levantamento das Contas Nacionais, que calcula o Produto Interno Bruto (PIB), e da própria Pnad, que mede a taxa de desocupação no país.
Segundo dados divulgados nesta quinta, a taxa de desemprego passou de 6,1% em 2012 para 6,5% em 2013. Percebe-se, portanto, uma situação em que a economia cresce pouco (o avanço em 2013 foi de 2,3%) e o mercado de trabalho sente o impacto. Diante isso, até mesmo as políticas de transferência de renda consolidadas no governo Lula mostram perda de vigor. Como seu impacto no PIB é limitado (de apenas 0,5%), tais mecanismos não são suficientes para estimular o crescimento em momentos de crise. Para 2014, a previsão é de que o PIB fique muito próximo de zero e que o mercado de trabalho avance, no mínimo, 30% menos que em 2013. Com isso, economistas esperam impacto mais significativo na medição da distribuição de renda para o ano que vem.
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PNAD 2013: Fim de uma Era?

Blog do Roberto Ellery, 18/09/2014

Comecei este blog em julho de 2013, na época disse que estava fazendo o blog como minha pequena contribuição para denunciar a reversão da política econômica inciada de forma modesta por Lula em 2005/06 e aprofundada por Dilma em 2011, se alguém quiser ver o post de abertura e apresentação do blog o link está aqui, para os que não tem paciência para tanto eu destaco um trecho daquele post de abertura do blog:

"A estabilidade econômica foi considerada um valor em si, as privatizações foram feitas, iniciou-se um processo de abertura da economia e uma agenda de reformas buscando a eficiência. O resultado foi um período de crescimento modesto, porém maior que o dos anos 1980, e um processo de desconcentração de renda sem paralelos em outros períodos com disponibilidade de dados. Pela primeira vez em muitos anos os pobres participavam dos ganhos gerados pelo crescimento. A reversão destas políticas coloca em risco todas estas conquistas." 
De lá para cá coreu mais de um ano e blog teve mais de cem mil acessos, o governo Dilma, acuado pelo povo nas ruas, perdeu a confiança nas suas decisões de 2011 e mostrou sinais que poderia recuar nas contra-reformas, mas ficou no meio do caminho. Desistiu de encontrar o câmbio de equilíbrio da indústria, os que bem querem ao Brasil disseram para desistir da busca inútil, mas o governo demorou a desistir. Insistiu no uso de transferências de renda para indústria e apostou em uma estratégia sem pé nem cabeça de aumentar o gasto e tentar esconder o aumento da população, uma medida que, para dizer o mínimo, foi idiota. Ameaçou combater a inflação, mas acabou recuando e ficou em um perigoso meio do caminho. Os resultados da aventura econômica do governo estão em praticamente todos os indicadores econômicos: o menor crescimento desde a estabilização, o primeiro governo a ter uma inflação média maior que o anterior desde a estabilização, redução na taxa de investimento, aumento do déficit público, aumento da dívida pública e tantos outros indicadores preocupantes que frequentam as estatísticas oficiais. Faltava cair um bastião: o lado social. Os números da PNAD mostram um aumento do desemprego e o fim da queda na concentração de renda, o último bastião parecer estar caindo (link aqui). O gráfico abaixo mostra a parada no processo de concentração de renda durante os três primeiros anos do governo Dilma.




A redução do emprego pode não ser uma notícia ruim, é preciso olhar os dados com cuidado, se a redução decorrer de jovens saindo do emprego para estudar por mais tempo a notícia é boa. O fim da queda da concentração de renda me parece um resultado pior e mais difícil de explicar para o governo. Pior porque o governo se apresentava como um governo que iria reduzir a concentração de renda, difícil de explicar porque se eu e muitos outros críticos do desenvolvimentismo estivermos certos foi a política que Dilma aprofundou em 2011 que causou o fim da queda da concentração de renda. A verdade é que, gostem ou não, desenvolvimentismo implica em transferência de renda para indústria e, na sua vertente brasileira, implica em muita transferência de renda para os industriais. A transferência de para os industriais enriquece os 1% mais ricos (tratei do tema aqui) mas não necessariamente leva a um aumento da concentração de renda. É a transferência de renda para a industria que gera uma força significativa na direção do aumento da concentração de renda, o motivo é simples, os trabalhadores da indústria (colarinhos azuis ou brancos) recebem salários maiores que os salários recebidos pela média dos brasileiros. Transferir recursos para a industria é transferir renda para faixas de renda mais altas, eis uma verdade inconveniente que os desenvolvimentistas se esforçam para ocultar. Infelizmente nomes bonitos, leis e teoremas não mudam a realidade, os números da PNAD mostram isto.



domingo, 29 de junho de 2014

As “descobertas” de Piketty estao invertidas - George Reisman

As “descobertas” de Piketty estão invertidas
Instituto Ludwig Von Mises Brasil, sexta-feira, 27 de junho de 2014

 

Turning_Piketty_capitalismo.jpgThomas Piketty, um professor neomarxista francês, escreveu um livro de quase 700 páginas, publicado pela Harvard University Press.  Seu título é Capital no Século XXI, em homenagem a Das Capital, obra de Karl Marx escrita no século XIX.  Foi recebido com aplausos delirantes da esquerda intelectual e já consta nas listas de mais vendidos do The New York Times e da Amazon.
Embora seu livro seja ostensivamente dedicado ao estudo do capital e de sua taxa de retorno,Piketty aborda o assunto sem aparentemente ter lido uma única página de Ludwig von Mises ou de Eugen von Böhm-Bawerk, os dois principais teóricos deste assunto. Não há uma única referência a qualquer um destes indivíduos em seu livro. Existem, no entanto, setenta referências a Karl Marx.
Em seu livro, Piketty argumenta que a poupança e a acumulação de capital feita pelos capitalistas geram apenas a redução dos salários dos trabalhadores.  Segundo Piketty, o capital acumulado não tem nenhuma ligação com o aumento da produção; o capital acumulado em nada contribui para o aumento da produção.  Tudo o que ele faz é, supostamente, aumentar a fatia da renda nacional que vai para os lucros ao mesmo tempo em que reduz, de maneira equivalente, a fatia que vai para os salários dos trabalhadores.  
Logo, dado que o capital acumulado não gera nenhuma produção adicional, o efeito de uma mudança nestas duas fatias é uma correspondente mudança em termos absolutos — ou seja, um aumento nos lucros reais dos capitalistas e uma diminuição nos salários reais dos trabalhadores.
Para evitar esta infindável e destrutiva acumulação de capital, bem como sua consequente "espiral de desigualdade", Piketty defende um imposto de renda progressivo, cuja alíquota pode chegar a 80% "sobre rendas acima de US$500.000 ou US$1 milhão por ano", acompanhado por um imposto progressivo que incide diretamente sobre o próprio capital acumulado, cuja alíquota pode chegar a 10% ao ano.
As alegações de Piketty sobre as fatias da renda nacional que vão para os salários dos trabalhadores e para os lucros dos capitalistas podem ser refutadas simplesmente ao imaginarmos as consequências de um aumento na poupança e nos investimentos dos capitalistas, e então observarmos as consequências disso, tanto nos salários pagos quanto na quantidade de lucro no sistema econômico.  Será possível observar que os salários pagos necessariamente aumentarão e a quantidade de lucro necessariamente diminuirá, resultados diametralmente opostos às alegações de Piketty.
Assim, suponha que, inicialmente, a quantidade total de lucro no sistema econômico seja de 200 unidades de dinheiro.  Suponha também que o capital acumulado no sistema econômico seja de 2.000 unidades de dinheiro.  Consequentemente, a taxa média inicial de lucro é de 10%.
E, finalmente, suponha que os capitalistas, que até agora vêm consumindo seus 200 de lucro, decidam poupar e investir metade deste lucro de 200.  Eles, portanto, passam a fazer agora um gasto adicional com bens capitais e com mão-de-obra no valor de 100.
Muito bem.  Qualquer fatia destes 100 que seja usada para pagamentos de salários irá necessariamenteaumentar o total de salários pagos no sistema econômico.  Ao mesmo tempo, o gasto adicional de 100 com bens capitais e com mão-de-obra representa um acréscimo de 100 aos custos agregados do sistema produtivo, custos esses que, por uma mera questão de contabilidade, terão de ser deduzidos das receitas, desta forma reduzindode maneira equivalente os lucros agregados.
Esse aumento nos custos pode ocorrer imediatamente ou ao longo de muitos anos, dependendo de em quê estes 100 serão gastos.  Em um extremo, se eles forem gastos inteiramente com itens que não representam investimentos — como, por exemplo, despesas administrativas —, eles aparecerão nos balancetes imediatamente como custos adicionais.  
Em outro extremo, se eles forem gastos inteiramente em investimentos em bens de capital — como, por exemplo, a construção de fábricas ou de instalações (ativos) cuja vida depreciável seja de quarenta anos —, eles levarão quarenta anos para ser computados integralmente como custos adicionais equivalentes de produção.
De uma maneira ou de outra, estes 100 aparecerão como custos adicionais equivalentes e, portanto, reduzirãode maneira equivalente a quantidade de lucro no sistema econômico.
Isso é regra contábil pura, algo que aparentemente o professor desconhece.
Assim, as tão reverenciadas "descobertas" de Piketty estão, na realidade, invertidas. A poupança e os investimentos dos capitalistas — que aumentam a proporção entre capital acumulado e renda — aumentam a fatia da renda nacional que vai para os salários dos trabalhadores e diminui a fatia que vai para os lucros.
No que mais, essa maior oferta de bens de capital — resultante de uma maior acumulação de capital, possibilitada por mais poupança e mais investimentos — faz aumentar a produtividade da mão-de-obra eaumentar o total de bens e serviços que podem ser produzidos, incluindo uma oferta ainda maior de bens de capital.
Por outro lado, a tributação desta poupança e deste capital acumulado — que é o que defende Piketty — irá gerar efeitos exatamente opostos: menos investimentos, menos salários, menos produção, mais escassez de bens e serviços, mais carestia.
O programa de Piketty é um programa de total destruição econômica, bem ao gosto de seu mentor do século XIX. O mundo e, acima de tudo, os assalariados do mundo necessitam é da abolição de impostos e de regulamentações que obstruem o acúmulo de capital e o aumento da produção.  
As bases sólidas para um aumento no padrão de vida geral e, mais especificamente, nos salários reais são a acumulação de capital e o aumento da produção, e não o igualitarismo e suas teorias e programas insensatos (quando não homicidas).  Tributação e confisco de renda geram apenas prolongamento da escassez, sendo positivos apenas para os burocratas que comandam esse confisco.
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Leia todos os nossos artigos sobre Piketty
George Reisman é Ph.D e autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: www.capitalism.net. Seu blog georgereismansblog.blogspot.com.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Ainda Pikettyando: analise de Samuel Pessoa (FGV-Rio)

Nota Técnica preparada por Samuel Pessoa, da FGV/Rio (faltam as equações do apêndice, não reproduzidas por incapacidade do blog de reproduzir caracteres diferenciados usados em matemática).
Excelente resenha e contraposição.
Ele só não tratou, extensivamente, da solução confiscatória idealizada por Piketty para reduzir a desigualdade, mas depreendemos, pela sua análise, que seria uma maneira ineficiente, no sentido paretiano, de continuar o crescimento.
Sem ter a capacidade do Samuel, concordo inteiramente com sua análise objetiva do livro de Piketty.
Eu diria que esse debate em torno dos superricos é uma falsa questão.

A sociedade tem de se preocupar em capacitar TODOS para atividades bem remuneradas, não em arrancar riqueza privada de alguns poucos.
Paulo Roberto de Almeida 

O CAPITAL NO SÉCULO XXI 
Acertos e Omissões de Piketty em seu Rumoroso Volume
Samuel de Abreu Pessôa
Economia Aplicada, Junho de  2014, n. 1, 2014

"O Capital no Século 21" consolida década e meia de trabalho do pesquisador francês Thomas Piketty ao lado de uma equipe de colaboradores, cujos achados foram publicados em outros dois volumes e em diversos artigos acadêmicos nas melhores revistas internacionais.
A maior contribuição desse esforço coletivo de pesquisa é um exaustivo trabalho historiográfico que resultou na construção de bases de dados de desigualdade de renda e de riqueza, para diversos países e ao longo de décadas.
É difícil fazer uma avaliação criteriosa do ainda recente volume de Piketty, que, lançado originalmente em francês, em 2013, pela Seuil, explodiu em nível global a partir de sua tradução para o inglês, neste ano, pela Harvard University Press. A obra chegou às listas de mais vendidos e gerou tal comoção que a editora Intrínseca, que deve lança-lo no Brasil em novembro, já colocou o título em pré-venda em sites de livrarias.
Se o resultado cristalizado na publicação ainda é passível de controvérsias, e elas têm aparecido, provavelmente o esforço coletivo de pesquisa justificaria um prêmio Nobel para a equipe capitaneada pelo docente francês. Piketty, 43, leciona na Escola de Economia de Paris desde 2007 e na Ehess (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais) desde 2000.
Em artigo publicado no início de junho de 2014, o jornal britânico "Financial Times" questionou a credibilidade dos dados usados na pesquisa, e em sua edição de junho a revista conservadora "The American Spectator" afirmou que Piketty propõe um "confisco" de fortunas. Mas é difícil imaginar que haja erros de fato grosseiros que desqualifiquem os achados do grupo e que tenham escapado aos pareceristas dos conceituados "Journal of Political Economy", "Quarterly Journal of Economics" ou "American Economic Review" –publicações em que Piketty e colaboradores publicaram várias das conclusões do livro.
A publicação de "O Capital no Século 21" parece atender a dois objetivos de seu autor. Primeiro, defender uma posição política muito clara. O texto é um manifesto de defesa da social-democracia europeia continental com Estado grande e provedor dos serviços e seguros sociais básicos – saúde, educação, previdência e assistência social – e de instrumentos tributários que impeçam a concentração excessiva de renda e riqueza.
O volume cumpre muito bem esse objetivo normativo. Os autores liberais e libertários terão trabalho e gastarão muito tutano respondendo ao libelo de Piketty. Trata-se de contribuição importantíssima ao debate público.
O segundo objetivo foi construir uma narrativa do desenvolvimento do capitalismo desde meados do século 19 até os dias de hoje e, possivelmente, para o resto do século 21. Uma narrativa que permita organizar e dar coerência ao conjunto de evidências empíricas desvendadas ao longo do trabalho de levantamento, coleta e tabulação dos dados dos pesquisadores nos arquivos.
Trata-se de uma obra de sistematização. É neste sentido que o volume assume a grandiloquência de clássicos como "A Riqueza das Nações", de Adam Smith, "Princípios de Economia Política e Tributação", de David Ricardo, ou "O Capital", de Karl Marx. Embora, claro, somente a passagem do tempo dirá se o livro é o clássico que promete ser.
Por ora é possível dizer que a narrativa que Piketty nos oferece para organizar os inúmeros achados e fatos empíricos descobertos por ele e pelos seus colaboradores é, na melhor das hipóteses, muito incompleta.
Do ponto de vista teórico, Piketty parte da rejeição da teoria padrão que os economistas construíram para explicar a poupança, que é a forma de transmissão intertemporal de renda, e, portanto, a acumulação de capital.
Segundo a teoria padrão, a principal motivação para a acumulação de capital é a transferência de renda de um indivíduo para si mesmo, de sua idade ativa para a velhice. A teoria de poupança ao longo do ciclo de vida – que rendeu o Prêmio Nobel de 1985 ao economista ítalo-americano Franco Modigliani – sustenta que as pessoas poupam enquanto trabalham para consumir na velhice.
Entre muitas outras, a teoria de ciclo de vida prevê que a parcela da riqueza transmitida por meio de herança tem que ser relativamente pequena. A herança seria riqueza deixada pelos pais aos filhos não intencionalmente em função de incerteza com relação à data da morte. Como não sabemos o momento exato da morte, ao morrer sempre sobra algo que os filhos herdam.
Adicionalmente, a teoria do ciclo de vida prevê que a parcela da riqueza herdade deve ser decrescente com a elevação da eficiência de funcionamento dos mercados financeiros. Quanto melhor for o funcionamento dos mercados financeiros mais barato será a aquisição de seguro contra a incerteza com relação à data da morte. Ao se aposentar o indivíduo assina um contrato de seguro e entrega toda a sua riqueza acumulada à seguradora em troca de receber até a morte uma renda fixa. O fato de os mercados de annuities não terem crescido muito nas últimas décadas é outra evidência indireta contrária à teoria do ciclo de vida.
Para Piketty, a partir de certo nível de riqueza, a renda gerada pelo capital é tão elevada que é possível sustentar com ela níveis elevadíssimos de consumo e simultaneamente acumular e legar para seus herdeiros mais do que se recebeu. O capital se acumula de forma automática. Aqui Piketty ecoa Marx.
Adicionalmente, para os que muito têm, é relativamente barato gerir o patrimônio e conseguir retornos elevados, fato não possível para os pequenos poupadores. O elevado retorno à escala da indústria de gestão de riqueza exerce pressão concentradora adicional. Está criado o capitalismo rentista e patrimonialista no qual o acesso à riqueza depende cada vez mais da sorte de nascer na família certa do que de seu esforço e mérito.
Evidentemente Piketty se preocupa com o início do patrimônio. Argumenta que a acumulação inicial deve-se a sorte, acaso e, muitas vezes, a mérito – esforço, trabalho diligente e inovador, talento. Mas diz que a riqueza, meritória ou do acaso (e, muitas vezes é impossível distinguir entre elas), transforma-se rapidamente em riqueza sem risco e de rendimento perpétuo.
Uma vez constituído o patrimônio, a descendência proprietária passa a pertencer ao invejado clube dos indivíduos que, pelo nascimento ou casamento, não precisam se preocupar pelo resto de seus dias em como pagarão suas contas.
Apesar das diferenças – a acumulação primitiva de Marx resultava de roubo, pirataria e expropriação (aparentemente o capitalismo melhorou) –, para ambos o capital acumula-se automaticamente. O paralelismo com Marx termina aqui. Piketty considera que a economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção é a forma mais eficiente de organização da atividade econômica.
Neste aspecto a quarta e final parte do livro tem paralelismo com a Teoria Geral de Keynes. Mensagem reformista, que reconhece os méritos, mas identifica falhas no funcionamento da economia de mercado e sugere políticas para "consertar" a máquina. No caso de Keynes a política fiscal com vistas a reduzir a amplitude do ciclo econômico e, com ela, o desemprego médio ao longo do ciclo. No caso de Piketty a política tributária com vistas a compensar a tendência natural à concentração excessiva de riqueza nas mãos dos muito ricos.
Os economistas trabalham com dois conceitos de distribuição de renda. A distribuição interpessoal da renda descreve como a renda gerada, de capital e de trabalho, é distribuída entre as famílias. A distribuição funcional da renda descreve a divisão da renda entre capital e trabalho.
A distribuição funcional da renda é um conceito simples. Um único número – a parcela do capital na renda, ou seu complemento, a parcela do trabalho na renda – descreve-a integralmente. A distribuição interpessoal da renda é um conceito matemático muito mais complexo do que um número. Para facilitar a análise, os estatísticos inventaram números que sintetizam a desigualdade. Os mais conhecidos são os índices de desigualdade de Gini e de Theil.
Piketty prefere outros indicadores. Para descrever a desigualdade interpessoal de renda, acompanha particularmente a parcela da renda apropriada pelos 50% mais pobres, pelos que estão entre os 50% e 90% mais ricos, os 10% mais ricos, o 1%, ou seja os ricos, o 0,1%, ou muito ricos, e até, os 0,01% ou super ricos.
Piketty assevera que o capitalismo tende à concentração de ambas as distribuições, interpessoal e funcional. Ao longo das três primeiras partes do livro, apresenta para os países europeus e para os EUA a evolução do produto per capita; a evolução da riqueza da economia e da sua natureza, se pública ou privada, da terra, do capital físico ou dívida pública; a evolução da renda do capital; da relação capital-produto; da participação do capital na renda; e, finalmente, a evolução da distribuição interpessoal da renda e da riqueza.
Piketty e seus colaboradores encontraram um ciclo de concentração de renda que termina com a Primeira Guerra. Entre 1914 e 1974 toda a dinâmica se inverte. Há redução da relação capital-produto, reduz-se a participação do capital na renda, e a distribuição interpessoal da renda e da riqueza melhora para os diversos indicadores de desigualdade interpessoal de renda que Piketty emprega, além da parcela da riqueza existente derivada de herança ter se reduzido expressivamente. A partir de 1974 a dinâmica do capitalismo retorna ao seu curso normal. Há novo ciclo concentrador.
Segundo Piketty, a melhora distributiva nas seis décadas entre 1914 e 1974 deveu-se à sucessão de tragédias – duas guerras mundiais e, entre elas, a Grande Depressão – que destruíram muito capital. Adicionalmente, no pós- Guerra houve em diversos países a imposição de impostos confiscatórios sobre a riqueza, além de apoio a instituições que aumentaram o poder de barganha do trabalho frente ao capital e a criação do Estado de bem-estar social. Finalmente, a repressão financeira das décadas de 50, 60 e 70 promoveu redução forçada do endividamento público e houve a estatização de diversos setores.
Essa dinâmica foi quebrada pelo neoliberalismo de Reagan e Thatcher. O pacote de políticas que inclui a desregulamentação dos diversos mercados, forte redução das barreiras comerciais nos anos 80, e, nos anos 90, das barreiras à mobilidade internacionais de capitais, além da privatização de diversos setores produtivos, alterou o poder de barganha do trabalho nos países centrais. Sem a regulação estatal, o capitalismo retomou seu rumo concentrador. Voltamos à dinâmica da "belle époque".
Se nada for feito, segundo Piketty, retornaremos ao mundo de Jane Austen ou Balzac, no qual a melhor forma de se ter uma vida confortável é casar com a pessoa certa. O livro documenta em detalhes a familiaridade que os escritores do século 19 tinham com o funcionamento do capitalismo patrimonialista.
O elemento final de preocupação de Piketty é a manutenção das instituições democráticas. Para ele, a dinâmica normal de uma economia de mercado que resulta necessariamente no capitalismo patrimonialista coloca em risco a democracia como a conhecemos. Ele afirma que a democracia seria incompatível com excessiva concentração de riqueza.
O primeiro reparo que se pode opor à narrativa de Piketty se refere à tendência de elevação da participação do capital na renda conforme a quantidade de capital cresce. 
Evidentemente, quando a quantidade de capital se eleva, sua taxa de retorno cai. Toda a questão é a intensidade desta queda. Se a taxa de retorno cair proporcionalmente menos do que a quantidade de capital, a participação do capital na renda se eleva. Se a queda da taxa de retorno for proporcionalmente maior do que a elevação da quantidade de capital, a participação dele na renda se reduzirá "pari passu" à elevação da relação capital-produto.
Em qual mundo vivemos? Segundo Piketty, em um mundo no qual a acumulação de capital eleva a participação do capital na renda. Ele considera que a forte flexibilidade tecnológica permite que a queda do retorno do capital, diante do aumento de sua quantidade, seja pequena. A flexibilidade tecnológica significa que é relativamente simples substituir trabalho por capital. Ou seja, quando a quantidade de capital se eleva, o retorno não se reduz muito, pois seria relativamente fácil transferir atribuições do trabalho ao capital. Tecnicamente Piketty considera que as tecnologias apresentam elevada elasticidade de substituição capital-trabalho.
Diversas estimativas sugerem, no entanto, o oposto. Não seria tão fácil assim substituir trabalho por capital. Portanto, conforme o estoque de capital cresce, seu retorno cai mais do que proporcionalmente.
Por que motivo Piketty obteve resultado oposto? A maior falha analítica de uma narrativa tão abrangente do desenvolvimento do capitalismo desde o século 19 até hoje é não ter incorporado a questão do comércio internacional de bens e serviços e da mobilidade internacional de capital.
Um dos períodos de plena prevalência do capitalismo patrimonialista é, segundo Piketty, a "belle époque", final de um período que os historiadores econômicos conhecem por Pax Britannica.
A Pax Britannica se inicia com o fim das guerras napoleônicas, seguido pelo fim das leis que impediam a importação de alimentos pela Inglaterra (chamadas de "Corn Laws") e pelo desenvolvimento do navio a vapor e de casco de metal, além do telégrafo. Essas inovações tecnológicas, em associação com o domínio britânico sobre os mares, geraram a primeira grande globalização, inaugurando o comércio de longo curso de commodities agrícolas e minerais, além de forte mobilidade de capital. Havia investimentos britânicos em ferrovias mundo afora. É desse período o expressivo desenvolvimento econômico do Cone Sul latino-americano, São Paulo incluída, dos EUA, e do Canadá, Austrália e Nova Zelândia. A Pax Britannica terminou tragicamente com a eclosão da Primeira Guerra.
É impossível entender o que ocorria com a remuneração do capital e do trabalho nos países centrais sem considerar o comércio e o seu impacto sobre a remuneração dos fatores de produção. Certamente a menor queda do retorno do capital nos países centrais resultava não de maior flexibilidade tecnológica, mas sim da possibilidade de vender bens manufaturados a mercados que ofertavam bens primários. É surpreendente que Piketty não considere com cuidado os estudos de diversos historiadores sobre o tema. Para tratar a evolução da renda dos fatores de produção na "belle époque" é necessário um diálogo minucioso com os trabalhos de John Williamson, John O’Rourke, Ronald Findlay e Alan Taylor, entre outros, frutos de pesquisas que se estenderem pelas últimas duas décadas.
Analogamente, o período de 1914 até o pós-Guerra é conhecido pelo forte fechamento das economias ao comércio e à mobilidade de fatores. Parte da queda do retorno do capital nas economias centrais resultou dessa dinâmica.
O grau de abertura do mundo só veio a ultrapassar os níveis observados até 1914 na virada dos anos 1980 para os anos 1990 – a segunda grande globalização teve início na década de 1970, e a ela se deve boa parcela da moderação na queda do retorno do capital e da tendência recente à elevação da participação do capital na renda nos países centrais.
Por outro lado, a nova globalização explica boa parte da queda de pobreza que tem ocorrido na Ásia nas últimas décadas, provavelmente a maior da história. É difícil imaginar que a incorporação de 1/3 da humanidade ao mercado internacional de trabalho não afetaria a evolução da renda do capital e da renda do trabalho nos países centrais.
Ou seja, a dinâmica que Piketty enxerga como uma realidade tecnológica e regulatória interna às nações possivelmente sofreu forte influência do comércio internacional.
É preciso lembrar que, se considerarmos indicadores sintéticos de desigualdade, como Gini ou Theil, ela vem se reduzindo nas últimas décadas. Apesar de a desigualdade ter se elevado nos países centrais e na Ásia, ela tem se reduzido no mundo. O motivo é que a queda da desigualdade entre os países, em função do crescimento da Ásia, tem mais do que compensado a elevação da desigualdade no interior de cada país. Ou seja, a desigualdade em um país hipotético fruto da união de EUA com China, por exemplo, tem caído.
As conclusões de Piketty com relação à evolução futura da taxa de retorno do capital e da relação capital-produto não são imunes à dinâmica global. A continuidade do forte processo de acumulação de capital na Ásia provavelmente produzirá, após o esgotamento do crescimento do volume de comércio, redução bem mais acentuada do que ele imagina nas taxas de retorno do capital. Parece, aliás, que já estamos atingindo este ponto.
Além de deixar de fora de sua análise a dinâmica do comércio internacional e da mobilidade internacional de capital Piketty não trata em sua análise da dinâmica populacional e de seus efeitos sobre a renda do capital. Na segunda metade do século XIX a Europa passa pela sua transição demográfica. A taxa de crescimento populacional se acelerou, o que explica em parte, retornos mais elevados do capital. Da primeira guerra até o final da segunda guerra houve, em função das perdas de vida, redução na taxa de crescimento da população em idade ativa, o que deve explicar as menores taxas de desemprego e as maiores taxas de crescimento do salário e menores rendas do capital no período do pós guerra até meados dos anos 70.
Ou seja, de maneira geral Piketty falha em apresentar um análise completa de equilíbrio geral que é necessário para tratar da evolução da renda do capital nas economias centrais.
O volume apresenta outras deficiências e imprecisões técnicas que têm motivado intenso debate entre acadêmicos. (Para os leitores interessados, um apêndice em folha.com/ilustríssima trata sobre esses temas.)
No capítulo dedicado à descrição da fortíssima elevação da concentração que houve na economia americana nas últimas quatro décadas, Piketty se mostra ciente de que o processo do lado de cá do Atlântico é diverso do que ocorre na outra margem. Enquanto na Europa já há sinais de aumento da desigualdade liderada pela desigualdade do capital, nos EUA aumentou fortemente a desigualdade da renda do trabalho.
Sabe-se que a fortíssima elevação da desigualdade de renda do trabalho está associada à elevação da remuneração do talento.
Certamente o diferencial de salário que há entre Neymar e qualquer jogador de futebol da terceira divisão não resulta do esforço e do empenho de Neymar ao longo dos treinamentos em toda a sua vida. O diferencial resulta do maior talento de Neymar, incluindo aí a sorte de ter particular capacidade de recuperar-se muito rapidamente de contusões. Basta lembrarmos das enormes dificuldades do supercraque Pedrinho, ex-jogador do Vasco e Palmeiras, em progredir no esporte. Argumentos análogos aplicam-se a artistas, esportistas, inovadores e inventores, presidentes de grandes empresas, operadores do mercado financeiro, os melhores médicos e advogados em suas especialidades etc.
A fortíssima concentração da renda do trabalho na porção de 1% mais ricos está associada principalmente aos elevados salários dos presidentes de empresas e operadores do mercado financeiro. Como documentado no volume de Piketty, os elevados rendimentos dessas duas categorias profissionais explica aproximadamente 90% do fenômeno. O resto do fenômeno resulta da elevação da renda dos profissionais mais destacados em outras carreiras que dependam do talento pessoal, como argumentei no parágrafo anterior.
Com relação aos CEOs, Piketty defende que os ganhos não são fruto direto da produtividade, mas resultantes da cooptação dos conselhos de administração das empresas pela diretoria. As diretorias das empresas conseguem impor à assembleia de acionista a sua própria escala de remuneração.
A explicação de Piketty é muito pouco convincente. Há evidência de que a remuneração dos CEOs das empresas não listadas em bolsa, cujo capital é controlado por poucos (e nas quais, portanto, a cooptação não deveria ocorrer) aumentou da mesma forma. Além disso, outras atividades tiveram forte elevação de ganhos.
De fato, Piketty consegue documentar que há forte correlação positiva entre a extensão da piora da distribuição de renda e a redução da alíquota de imposto dos mais ricos. No entanto, falha em mostrar de que seu mecanismo de cooptação é o causador do fenômeno. Parece-me que outras explicações são mais plausíveis.
Existem pesquisas que apontam exatamente a globalização das empresas americanas e sua capacidade para acessar grandes mercados como explicação para as elevadas remunerações. Analogamente, há trabalhos que mostram que a capacidade das empresas americanas de transplantar parte da produção para economias emergentes explica o menor crescimento dos salários nos EUA nas últimas décadas. Como Piketty desconsidera em seu livro o comércio e a mobilidade internacional de capitais, não pode dialogar com esta leitura alternativa.
Não obstante, é verdade que a desigualdade do trabalho de hoje pode transformar-se em desigualdade do capital amanhã e em desigualdade de heranças depois de amanhã. E os EUA caminhariam céleres em direção ao capitalismo patrimonial da "belle époque".
Rejeitada a grande história a que se propõe Piketty, resta de seu volume a mensagem normativa, a defesa intransigente da social-democracia, mas principalmente as características associados à evolução da desigualdade interpessoal de renda e de riqueza e ao crescimento do peso da riqueza herdada na riqueza total.
Com relação à defesa da social-democracia, a maior limitação do texto parece ser a análise estreita dos motivos que justificaram a revolução neoliberal dos anos 80. Parece que não havia excessos no Estado de bem-estar social, que a inflação não grassava e que a carga tributária não caminhava para limites insustentáveis.
Piketty vê a revolução neoliberal como se motivada exclusivamente pela vaidade de ingleses e americanos que não entendiam que o maior crescimento da Europa continental no pós guerra era simplesmente recuperação do espaço perdido em consequência dos tumultos da primeira metade do século 20.
Apesar de o livro terminar menor do que iniciou, deixa três lições fundamentais.
Primeiro, que o estudo da desigualdade interpessoal requer o emprego de diversos conceitos. O uso indiscriminado do coeficiente de Gini ou de Theil pode obscurecer dinâmicas importantes, principalmente na ponta superior da renda.
Segundo, é impossível investigar a evolução da desigualdade de renda com bases de dados que não coletam com precisão a desigualdade de capital. E, para esta, é necessário recorrer ao registro tributário.
Terceiro, há tendência recente de forte concentração de renda nas economias centrais e, em particular, há um processo de elevação do peso da riqueza herdada na riqueza total.
A despeito das deficiências da narrativa histórica que o autor se propõe fazer, esses aprendizados justificam plenamente o impacto que o livro vem causando no debate público internacional.

APÊNDICE
O objetivo deste apêndice é discutir em mais detalhes alguns aspectos teóricos do livro de Piketty que têm motivado algum debate entre acadêmicos.
Como argumentei no corpo da resenha, o capitalismo patrimonial resulta da capacidade do capital de se reproduzir a velocidade suficientemente elevada, de forma a garantir vida confortável ao seu proprietário e simultaneamente permitir deixar herança ainda maior para sua descendência. Piketty argumenta que esta dinâmica resulta da tendência da taxa de retorno do capital líquida da depreciação do capital, , ser maior do que a taxa de crescimento da economia, .
Ao longo do texto a condição parece ser uma anomalia das economias de mercado. No entanto essa é uma condição básica de eficiência de uma economia. Se essa condição não for atendida, a economia encontra-se em um estado que não é eficiente no sentido de Pareto.
A eficiência no sentido de Pareto é uma situação no qual é impossível imaginar uma nova alocação de bens na economia que melhore a vida de ao menos um indivíduo sem piorar a vida de nenhum outro indivíduo. Se ocorresse seria possível pensar políticas que melhorasse a vida de alguns sem piorar para ninguém, o que em geral não é o caso.
A ineficiência dinâmica ocorre sempre que o retorno do capital for menor do que o crescimento da economia, pois gasta-se mais recursos para carregar capital do que o retorno deste capital.
Para que o estoque de capital não se reduza a cada instante, a sociedade tem que investir o equivalente à depreciação do capital. Além de investir a depreciação do capital, se a economia apresenta crescimento positivo, é necessário investir para que o estoque de capital cresça à velocidade de crescimento da economia. Caso contrário a relação capital-produto reduzir-se-á. Portanto, a longo prazo, o investimento tem que repor o capital depreciado e adicionar novo estoque à velocidade de crescimento da economia.
Assim, a cada instante a economia precisa reservar uma quantidade de bens para o investimento de forma e manter o estoque de capital, em unidades de produto, constante. A quantidade de bens que precisa ser poupada é dada por:
( ) em que representa o estoque de capital e , a taxa de depreciação física. Se a cada instante a sociedade poupar esta quantidade de bens para investimento, o capital líquido da depreciação crescerá à taxa , e, portanto, o capital em unidades do produto, que também está a crescer à taxa , será constante.
Para nos convencermos de que resulta em uma economia dinamicamente ineficiente basta imaginarmos o que ocorre se fizermos algo para reduzir o capital em . Há um ganho imediato de consumo, pois parte do capital pode ser consumido. Adicionalmente, dado que o estoque agora reduziu-se, a quantidade que precisamos poupar o tempo todo além da depreciação para manter o capital constante em unidades de produto reduziu-se em . Evidentemente, se o estoque de capital reduziu-se a produção irá reduzir-se. Em quanto? O impacto da queda do estoque de capital sobre a produção é dado pela taxa de retorno líquida da depreciação multiplicada pela redução de capital, . Se o aumento no consumo possível com a menor poupança necessária para manter o capital constante, , é maior do que a perda de produto com a redução do estoque de capital, .
Ou seja, uma economia em que é uma economia que carrega um estoque muito elevado de capital cujo benefício deste carregamento, dado por , é menor do que o custo deste mesmo carregamento, dado por . O reconhecimento de Piketty, ao longo de seu texto, de que é a situação normal das economias de mercado somente atesta a eficiência desta forma de organização da produção.
Faz parte da apresentação grandiloquente de Piketty estabelecer leis gerais do capitalismo. Como o leitor de minha resenha notou, não fiquei nem um pouco seduzido pelas duas leis gerais do capitalismo. Pareceu-me puro exercício retórico. A primeira é uma identidade contábil. Ela atesta que a participação do capital na renda, , é dada pela renda do capital bruta da depreciação, ( ) dividida pela produto, . Isto é,
( ) ( ) , (1) em que é a relação capital-produto, .
A segunda lei fundamental do capitalismo representa a situação que nos cursos de crescimento é conhecida por estado estacionário. O crescimento do estoque de capital é dado pela parcela do produto que é poupado, menos a depreciação do capital. Representado o crescimento do estoque de capital por sua derivada temporal, temos: 
Em taxas segue:
Dado que no longo prazo o estoque de capital cresce à taxa igual à taxa de crescimento do produto, é natural redefinir as unidades e trabalhar com o estoque de capital em unidades eficientes, , que é estacionária a longo prazo. Com um pouco de álgebra chega-se em: ( )
Dado que no longo prazo o capital cresce à taxa de crescimento da economia, o estoque de capital medido em unidades eficientes, , é estacionário, isto é, não varia. Consequentemente:
Esta é a segunda lei geral do capitalismo de Piketty.
O terceiro ponto teórico enfatizado por Piketty, e que ele bem poderia ter nomeado terceira lei fundamental do capitalismo, é que a redução do crescimento econômico eleva a participação do capital na renda, , e eleva a relação capital-produto, . Para apreciarmos esta proposição, temos que colocar mais estrutura em nossa análise. Peço paciência ao leitor para gastar certo tempo com um pouco de álgebra.
Vamos considerar que o produto pode ser descrito pela seguinte função de produção agregada: [ ( )( ) ]
Esta função de produção é conhecida como função que apresenta elasticidade de substituição capital-trabalho, parâmetro representado por , constante (CES). A elasticidade de substituição capital-trabalho é o parâmetro que representa a flexibilidade tecnológica. Piketty considera que há elevada flexibilidade entre capital e trabalho, e, portanto considera . Os estudos que conheço que estimaram obtiveram a desigualdade oposta, . Eu mesmo há alguns anos com colaboradores me aventurei a estimar e obtivemos .1 No meu entender, e esta foi minha maior crítica na resenha, Piketty desconsiderou completamente o comércio internacional em sua análise. Penso que a maior flexibilidade tecnológica identificada por Piketty é fruto do comércio.
Sob a hipótese de que o produto agregado é bem representado pela função de produção CES a relação capital-trabalho pode ser escrita como: [ ( )( ) ] [ ( ) ]
A remuneração do capital líquida da depreciação é dada por: [ ( )( ) ] [ ( ) ]
A partir das duas últimas equações é possível estabelecer relação entre a relação capital-produto e a remuneração do capital. Segue: [ ( ) ]
Substituindo (1) segue: ( )
Se , que é o caso que Piketty pensa ser empiricamente relevante, implica em correlação positiva entre a participação do capital na renda, , e a relação capital-produto, . A preocupação de Piketty é que fatores que elevem a relação capital-produto, como, por exemplo, a queda da taxa de crescimento da economia, induzam à elevação da participação do capital na renda.
Para investigar a preocupação de Piketty com relação à elevação da importância da renda do capital quando a taxa de crescimento da economia se reduz, temos que ter uma teoria de acumulação de capital. Piketty sugere que considera que a melhor teoria é um modelo em que somente proprietários do capital poupam. Considere que os proprietários do capital não trabalhem e poupem uma proporção de sua renda, enquanto os trabalhadores não poupam. Segue que a equação de acumulação da capital é dada por:
visto que a renda dos proprietários de capital é dada por
Lembrando que , segue que: No estado estacionário, isto é, quando o crescimento do capital for igual ao crescimento da economia, ou seja, quando , segue:
[ ( ) ] (2)
Ou ainda: [ ( ) ]
Logo, no estado estacionário a relação capital-produto é dada por:
[ ( ) ] ( ) (3)
Para terminar esta longa brincadeira com modelos, preciso de outra variável observável. A primeira lei fundamental do capitalismo de Piketty, que, como vimos, trata-se de uma identidade contábil, assevera que a participação do capital na renda, , é dada por ( ) ( )
Juntando (1) com (2) segue que:
( ) ( ) (4)
Assim temos duas condições que valem no longo prazo, isto é, quando a taxa de acumulação de capital for igual à . A relação capital-produto, , é dada por (3), e a participação do capital na renda é dada por (4).
Para uso futuro note que segue de (2) que .
No modelo que estamos considerando três parâmetros não são diretamente observados: a depreciação do capital, , o parâmetro da função de produção, , e a elasticidade de substituição capital-trabalho, . Trabalharei com , que é compatível com a leitura de Piketty de alta flexibilidade tecnológica entre capital e trabalho. Para fixar valores para os dois parâmetros adicionais considerarei como observados a relação capital-trabalho, , e a participação do capital na renda, , ambos são os valores reportados por Piketty para os EUA em 1975.
A partir de (2) e (3) e com um pouco de álgebra (e paciência!) obtêm-se que e que . Estou calibrando o modelo para descrever a economia americana em 1975. O crescimento em longo prazo da economia americana era, na época, de 3% ao ano, sendo 1,5% de crescimento populacional e 1,5% de progresso técnico. O investimento americano nos anos 70 é da ordem de 22% do produto ou 90% da renda do capital, visto que a renda do capital corresponde a 24% da renda total. Consideramos, portanto, e . Com estes valores obtive e . 
Esta taxa de depreciação para uma riqueza, que é quatro vezes a renda, significa que 9,6% do produto tem que ser poupado para compensar a depreciação física do capital. Adicionalmente, essas hipóteses resultam que a taxa de retorno líquida da depreciação será .
Estamos prontos para fazermos a simulação de Piketty. Sob a hipótese extrema de que a taxa de crescimento populacional e tecnológico vá à zero, a participação do capital na renda dada por (4) iria para 54% e a relação capital-produto, dada por (2), iria para 20! Este parece ser o inferno de Piketty. Em uma simulação menos extrema, sob a hipótese de que a taxa de crescimento reduza-se a metade, isto é, para 1,5% ao ano, a participação do capital na renda iria para 33% e a relação capital-produto para 7,6. Adicionalmente o retorno do capital reduzir-se-ia de 3,6% para 1,9%.
No entanto temos que lembrar que a hipótese de é altamente questionável. Como argumentei no corpo de minha resenha, a condição não é tecnológica. Ela ocorre porque o comércio internacional permite a maior flexibilidade tecnológica. Conforme o processo de acumulação de capital na Ásia tornar a dotação de capital do continente próxima à dotação dos países centrais, o crescimento do comércio arrefecerá e, com ele, a flexibilidade tecnológica. Passaremos a observar forte queda do retorno do capital e, com ele, a redução da participação do capital na renda.