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domingo, 8 de setembro de 2019

O caso Bolsonaro-Bachelet e a imprensa brasileira - Beatriz Bandeira de Mello e João Feres Jr. (LEMEP)

O CASO BOLSONARO-BACHELET E A REPERCUSSÃO NA IMPRENSA BRASILEIRA

Por Beatriz Bandeira de Mello e João Feres Jr. 
Manchetômetro, Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), 08/09/2019 

Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro vem colecionando críticas acerca da maneira como conduz a política externa brasileira. Mantendo uma retórica agressiva, característica de sua trajetória política como parlamentar, o atual presidente já protagonizou episódios que afrontam princípios básicos das relações internacionais do Brasil, como o pacifismo, a não-intervenção e a prevalência dos direitos humanos. Atuando junto ao presidente na definição da agenda da política externa brasileira há um grupo ideologicamente orientado pelo conservador Olavo de Carvalho, no qual figuram o atual Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, e o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro. Adotando premissas questionáveis como o combate ao “globalismo” e ao “marxismo cultural”, o governo Bolsonaro tem buscado manter um alinhamento ideológico, e visivelmente assimétrico, com os Estados Unidos, além da aproximação com países economicamente liberais e politicamente conservadores na América do Sul, tais como Chile, Colômbia, Paraguai e Argentina.
A relação com o Chile é considerada estratégica pelo governo Bolsonaro. Não por acaso, a primeira viagem internacional do mandatário brasileiro foi àquele país.  Assim como o presidente chileno, Sebastián Piñera, Bolsonaro é favorável à liberalização econômica. Ademais, o caso chileno tem servido como referência para os defensores da Reforma da Previdência no Brasil. Os dois mandatários são aliados no PROSUR, sigla para o Fórum para o Progresso e o Desenvolvimento da América do Sul, considerado um substituto da UNASUL, e críticos em relação à Venezuela no Grupo de Lima. Recentemente, Piñera mostrou apoio ao brasileiro na questão das queimadas na Amazônia, que teve forte repercussão internacional. Piñera apareceu, inclusive, em um pronunciamento ao lado do presidente do Brasil. Entretanto, a relação entre os dois países sofreu um revés esta semana.
Em pronunciamento realizado na última quarta-feira (4/9), o presidente brasileiro atacou a ex-presidente do Chile e atual alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet. Nas palavras do presidente, “se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em (19)73”, hoje “o Chile seria uma Cuba”. Na mesma fala, Bolsonaro atacou o pai da ex-presidente, Alberto Martínez Bachelet, preso e torturado pelo regime Pinochet, dizendo que “a cadeira de Direitos Humanos da ONU” é coisa de “quem não tem o que fazer, como Bachelet”. As declarações do presidente foram uma resposta às falas de Bachelet que foram críticas ao aumento da violência policial no Brasil, aos ataques a defensores de direitos humanos e a instituições de ensino no país, bem como aos discursos que legitimam execuções e a redução do espaço democrático no Brasil.
As loas tecidas por Bolsonaro a ditadores, torturadores e a regimes militares não são uma novidade para aqueles que acompanham sua trajetória política. Em uma simples busca na internet encontramos foto sua ao lado de um cartaz onde se lê “quem procura osso é cachorro”: uma referência aos esforços das comissões da verdade de resgatarem os corpos ou mesmo informações sobre os desaparecidos durante a ditadura no Brasil. Em episódios recentes, Bolsonaro homenageou o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra no plenário da Câmara dos Deputados. Como presidente, tratou como “estadista” o ditador paraguaio Alfredo Stroessner e saudou o ditador chileno Augusto Pinochet na primeira visita ao país.
As recentes declarações do presidente contra Bachelet repercutiram na imprensa brasileira. Abaixo, analisamos o conteúdo dos textos publicados nos jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e o Globo sobre o assunto no dia 5 de setembro, com o objetivo de identificar o tratamento conferido pela mídia ao caso Bolsonaro-Bachelet.

A COBERTURA
No dia 5 de setembro o Estado de São Paulo publicou – além de uma pequena chamada de capa – uma reportagem[1] sobre o ataque de Jair Bolsonaro à ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet. Segundo o jornal as falas do brasileiro geraram um “atrito” com o país. O Estado deu ênfase às declarações do presidente brasileiro, bem como à repercussão de suas falas no Chile, tanto na ala governista como na oposição. Além disso, enumerou a coleção de “polêmicas internacionais” de Bolsonaro mostrando que estas afetaram cerca de 12 países, dentre os quais: Canadá, Noruega, Alemanha, Dinamarca, Argentina, França e Colômbia, além dos tradicionalmente hostilizados pelo governo brasileiro, Venezuela e Cuba. A mesma reportagem tratou da primeira visita de Bolsonaro ao Chile, destacando a rejeição de parlamentares locais ao atual presidente do Brasil na ocasião. Como forma de mostrar um posicionamento contrário de Bolsonaro, estampou na mesma página uma reportagem contendo trechos de falas de José Serra e Cesar Maia, pai do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em repúdio às declarações de Bolsonaro.
A Folha de São Paulo também fez uma pequena menção ao caso Bolsonaro-Bachelet na capa do dia 5 de setembro. No interior do jornal, críticas ao presidente brasileiro apareceram no editorial intitulado Borduna na Carta[2]. No texto, a Folha critica o “destempero verbal” e os “flertes confusos com atitudes autoritárias” de Bolsonaro. O caso envolvendo a ex-presidente chilena foi classificado como mais um “incidente diplomático”. O editorial, no entanto, não fez críticas ao conteúdo das declarações presidenciais. Para o jornal, as “bravatas autoritárias” seriam uma suposta “falta de reflexão” do presidente. A coluna assinada por Bruno Boghossian, no entanto, assumiu um tom mais crítico. Para o autor, “Bolsonaro não perde uma oportunidade de enaltecer a tortura e os assassinatos políticos”. Segundo Boghossian, o presidente protagonizou mais um “episódio gratuito de vergonha internacional”. O colunista ainda destacou o fato de até o presidente chileno Sebastián Piñera, considerado um aliado do atual governo, ter discordado das declarações presidenciais, escrevendo que “o elogio a ditadores se tornou política de governo” e sugerindo uma aproximação entre Bolsonaro e o venezuelano Nicolás Maduro. Boghossian conclui argumentando que a manutenção da posição brasileira poderia gerar um “isolamento” do país no cenário internacional.
Em reportagem na seção ‘Mundo’[3], a Folha adotou uma postura semelhante ao Estado de São Paulo, reproduzindo as declarações de Bolsonaro. No entanto, deu mais destaque às falas de Bachelet sobre a atual situação do Brasil. Citou ainda um tweet do Ministro Ernesto Araújo, segundo o qual “o que está encolhendo [no Brasil] é o espaço da esquerda”. A reportagem também sugeriu uma aproximação do presidente brasileiro com Nicolás Maduro e mostrou que as declarações de Bolsonaro favoráveis a ditaduras são características suas desde antes da presidência.
Na capa do dia 5/9, o Globo destacou que “até a direita” chilena repudiou o ataque de Bolsonaro à Bachelet. No interior do jornal, o tom seguido foi o mesmo dos demais periódicos. O Globo cedeu espaço ao posicionamento do presidente chileno, mostrando também que partidos de “direita, centro e esquerda” foram contrários às falas de Bolsonaro. O Globo foi moderado em sua cobertura. As críticas ao governo ficaram por conta dos colunistas. Merval Pereira[4] escreveu que as falas do presidente brasileiro, “além da gravidade em si, de desrespeito a líderes de instituições reconhecidamente representativas, demonstram desprezo alarmante pela vida humana”. O colunista, no entanto, aproveitou a oportunidade para criticar o PT, afirmando que a “divisão rasa de amigos e adversários” seria uma estratégia utilizada tanto pelo atual governo – que considera inimigos como “comunistas” – como pelos governos petistas que, segundo ele, “tacha de direitistas todos os seus críticos”. Merval acrescenta que o Brasil pode se tornar um “pária internacional” e um país à “margem do Mundo Ocidental” com “exceção dos Estados Unidos”. Por fim, argumenta que o comportamento do presidente brasileiro seria uma consequência de um “transtorno de estresse pós-traumático” derivado do atentado que sofreu durante a campanha eleitoral.
Bernardo de Mello Franco[5], por sua vez, comparou Bolsonaro a Maduro argumentando que o brasileiro “não foi o primeiro líder sul-americano a atacar Michelle Bachelet” . Entretanto, ao contrário de seu par venezuelano, Bolsonaro “baixou de vez o nível” ao ofender a memória de Alberto Bachelet, pai da ex-presidente. Para o autor, as declarações de Bolsonaro fazem “Maduro parecer um gentleman”. A crítica mais severa partiu de Miriam Leitão[6] que atribuiu a Bolsonaro o título de “governante com mente autoritária”, chamando de “patológica” sua “compulsão” “pelas ditaduras” e “sua admiração ilimitada pelos regimes tirânicos”. Leitão considerou “desumana” a atitude do presidente brasileiro.

CONCLUSÃO
Como vimos acima, os jornais brasileiros noticiaram o caso Bolsonaro-Bachelet como mais um “incidente diplomático”, mostrando inclusive que as falas do presidente não foram apenas criticadas pela esquerda. Por outro lado, o comportamento do presidente, mesmo quando considerado patológico, é visto como um produto de sua personalidade, e não como uma característica importante da ideologia de extrema-direita que anima o presidente e o grupo de pessoas a ele associado.  As reportagens mantiveram o tom majoritariamente descritivo, cabendo aos colunistas críticas mais diretas ao governo. Parte da cobertura inclusive reforçou o perfil “polêmico” de Bolsonaro, o que contribui para normalizar suas declarações. Cabe destacar que a comparação entre Bolsonaro e Nicolás Maduro, motivo que vem se repetindo na narrativa jornalística brasileira, funcionou para enquadrar o presidente brasileiro como “autoritário”, ao mesmo tempo que reafirma o compromisso dos jornais de rejeição integral da Venezuela. 

[1] “Bolsonaro ataca Bachelet e causa atrito com Chile”. Estado de São Paulo, 5/9/2019, p.A5
[2] Folha de São Paulo, 5/9/2018, p.A2
[3] “Bolsonaro defende repressão do regime chileno”. Folha de São Paulo, 5/9/2019, p.A20
[4] “País pária”. O Globo, 5/9/2019, p.2
[5] “Bolsonaro faz Maduro parecer um gentleman”. O Globo, 5/9/2019, p.5.
[6] “Mente autoritária e seus métodos”. O Globo, 5/9/2019, p.18.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O Senado e a diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Depois de tomar conhecimento da pesquisa de opinião que indica que a designação do filho do presidente como embaixador em Washington recebeu 70% de DESAPROVAÇÃO da população brasileira, resolvi postar novamente meu artigo sobre esse erro monumental do presidente.

3497. “O Senado e a diplomacia”, Brasília, 3 agosto 2019, 3 p. Artigo para a imprensa sobre a indicação para embaixador em Washington. Publicado em versão resumida, no jornal O Estado de S. Paulo (14/08/2019, p. A2; link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504). Publicado em versão completa no site do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/artigos/nepotismo-ameaca-credibilidade-da-diplomacia-brasileira/); republicado no blog Diplomatizzando (15/08/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/08/o-senado-e-diplomacia-paulo-roberto-de_15.html). Relação de Publicados n. 1319.

O Senado e a diplomacia 

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, lotado na Divisão do Arquivo; professor no Uniceub, Brasília; organizador, com o embaixador Rubens Barbosa, do livro: Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências (São Paulo: Saraiva, 2012);
Publicado, em versão resumida, no jornal O Estado de S. Paulo (14/08/2019, p. A2; link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504). Publicado em versão completa no site do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/artigos/nepotismo-ameaca-credibilidade-da-diplomacia-brasileira/). Relação de Publicados n. 1319.


Historicamente, durante décadas, chanceleres brasileiros foram selecionados dentre os parlamentares, na verdade por mais de um século, no Império e na maior parte da República. Eram recrutados mais na Assembleia Geral – a Câmara do Império – do que no Senado. Mas os senadores vitalícios prestavam relevantes serviços quando no Conselho de Estado, cuja área diplomática teve papel decisivo, ainda que meramente consultivo, no encaminhamento de processos decisórios que marcaram época nos anais de nossa diplomacia, com ênfase nos assuntos regionais – sobretudo no Prata – e nas relações com as grandes potências. Vale consultar os pareceres do Conselho, vários assinados por senadores, todos eles publicados.
Quando não eram parlamentares eram grandes tribunos, juristas, ou jornalistas e professores. O Visconde do Rio Branco combinava todas essas qualidades: chefe de governo, várias vezes ministro, instituiu o cargo de consultor jurídico na antiga Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, iniciativa retomada por seu filho no Ministério das Relações Exteriores da República. O Parlamento preservava inteira autonomia e controlava de perto os atos do ministro, como na recusa do acordo que o primeiro chanceler republicano, Quintino Bocaiúva, fez com a Argentina, pelo qual ela abocanharia boa parte do atual território de Santa Catarina. Ruy Barbosa, antigo membro do Conselho de Estado, primeiro ministro da Fazenda da República, senador, não foi chanceler, mas desempenhou funções diplomáticas, a mais famosa delas como delegado na segunda Conferência da Paz da Haia, em 1907.
O sucessor do Barão do Rio Branco, Lauro Muller, era parlamentar, assim como Nilo Peçanha e também Epitácio Pessoa, senador, designado chefe da delegação às negociações de paz de 1919, aliás, eleito presidente mesmo estando em Paris. Oswaldo Aranha (embaixador em Washington antes), Afonso Arinos de Mello Franco, San Tiago Dantas, foram brilhantes parlamentares que serviram como chanceleres, assim como, mais recentemente, os senadores Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aloysio Nunes.
Chefes de missões diplomáticas, embora mais raramente, podiam ser designados dentre notáveis nomes da política ou da magistratura. No Império e na República velha, os diplomatas no exterior formavam uma carreira distinta da dos funcionários da Secretaria de Estado, e ambas da dos cônsules, que eram considerados simples negociantes de “secos e molhados”. As carreiras foram unificadas nos anos 1930; desde então, missões permanentes no exterior foram tradicionalmente ocupadas por funcionários de carreira. Ainda assim, tivemos um “barão” da imprensa – Assis Chateaubriand, em Londres –, e um banqueiro, Walter Moreira Salles, duas vezes embaixador em Washington. Mas sempre sob o rigoroso escrutínio da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Esta chegou a recusar uma ou outra designação – sequer chamou para sabatina um preferido do general Ernesto Geisel – e, mais recentemente, recusou aprovação a um outro nome, justamente por considerar que havia abuso de parentesco (era irmão do ministro da vez, diplomata).
A tendência de se designar diplomatas de carreira como chanceleres – limitada nos regimes anteriores – se ampliou durante o período militar, com uma sobrevida temporária durante os governos do PT. No período de transição voltaram os senadores, e outros haveria para o exercício do cargo, mas o governo Bolsonaro preferiu um diplomata de carreira, aliás, um que jamais foi embaixador – ou seja, chefe de missão permanente – ou que tenha exercido relevantes serviços na diplomacia. Agora, cogita nomear alguém totalmente sem experiência nas lides internacionais como representante diplomático junto à mais importante embaixada do Brasil no exterior. A Comissão de Relações Exteriores jamais se defrontou com um caso desse tipo, tanto mais inédito por se tratar de nepotismo explícito, ou de claro “filhotismo”.
Não existem precedentes na carreira, ou fora dela, embora filhos de presidentes ou de ministros tenham exercido chefias de postos. Um – Rodrigues Alves Filho –, foi admitido depois da morte do pai; outro – Afonso Arinos, filho –, sem conexão com as funções eletivas do pai e a despeito delas: como é a norma desde 1946, ele e todos os outros têm de passar no concurso do Instituto Rio Branco. Alguns, educados no exterior, nunca lograram êxito nos exames, notoriamente difíceis, talvez por deficiências no Português. Seria de se presumir que o atual indicado seja um exímio conhecedor das relações internacionais, tenha domínio perfeito do inglês e de várias outras matérias, além de uma boa familiaridade com a agenda diplomática brasileira e mundial, que é o que se exige nos concursos de admissão. Ele já tentou alguma vez?
Não considerando o aspecto moral da indicação – segundo a senadora Simone Tebet um “erro estratégico” do presidente –, resta a questão, a ser cuidadosamente examinada pelos senadores, da capacidade do indicado para tal função. Cabe registrar seu notório apreço pelo atual presidente americano – visível em visitas com o boné da reeleição –, o que já seria um impedimento substantivo a um seguimento isento, independente, das políticas daquele país. Não se trata apenas da hipótese de um opositor ser eleito em novembro de 2020, mas do diálogo que se deve manter com amplos setores da sociedade americana, cuja maioria urbana e mais educada esmagou, com milhões de votos, o vencedor no colégio eleitoral.
Que tipo de informação objetiva – que é o mínimo que se espera de um embaixador – poderá oferecer à chancelaria brasileira, contendo uma análise equilibrada das políticas de um governo com o qual está empaticamente identificado? Como seria ele visto na Câmara, atualmente dominada por uma maioria de oposição ao presidente? Como vai ser com os diplomatas profissionais, dotados de maior experiência em assuntos internacionais do que ele mesmo? E o que farão os ministros, conselheiros, secretários mais antigos, ao se defrontar com um chefe de posto notoriamente despreparado para tratar dos mais diversos assuntos da agenda bilateral, hemisférica e internacional, financeira, política e cultural, como é o caso dessa embaixada que vale quase por uma chancelaria inteira?
A CREDN-SF tem um imenso desafio pela frente, uma vez que o que está em causa é a própria credibilidade da diplomacia brasileira junto ao país com o qual já tínhamos relações ainda antes da independência, e laços formais desde 1824. O primeiro embaixador do Brasil, designado por Rio Branco em 1905, se chamava Joaquim Nabuco, elevado a essa categoria sem precedentes na diplomacia brasileira justamente para servir em Washington.

Brasília, 3/08/2019; publicado, em versão resumida, no jornal O Estado de S. Paulo (14/08/2019, p. A2; link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504). Publicado em versão completa no site do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/artigos/nepotismo-ameaca-credibilidade-da-diplomacia-brasileira/). Relação de Publicados n. 1319.