O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Hemeroteca da Política Externa Brasileira (notícias de jornal, 1972-2010)

Bravo aos três organizadores da Hemeroteca:  Tullo Vigevani, Shiguenoli Miyamoto e Marcelo Passini Mariano, e seus muitos assistentes.

https://hemerotecapeb.lantri.org/recoll/

A Hemeroteca de Política Externa Brasileira

A Hemeroteca de Política Externa Brasileira é uma base de dados que contém uma seleção de matérias publicadas, no período de 1972 a 2010, por alguns jornais brasileiros dentre os quais se destacam: O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil.
A seleção e classificação das notícias foi realizada pelos professores Tullo Vigevani (UNESP) e Shiguenoli Miyamoto (UNICAMP) e a coordenação do projeto de digitalização e disponibilização ficou a cargo do professor Marcelo Passini Mariano (UNESP). O trabalho de digitalização foi iniciado em 2002, em um período no qual eram escassos materiais digitais, e se estendeu até 2010, momento em que materiais digitais se tornaram amplamente acessíveis. O objetivo desta Hemeroteca é permitir aos pesquisadores interessados o acesso a notícias que foram selecionadas e classificadas ao longo dos anos, de 1972 até 2010, sobre importantes acontecimentos atinentes às relações internacionais do Brasil.
Com aproximadamente 30 mil notícias que tratam de diversos temas da política exterior do Brasil, essa Hemeroteca esta dividida em 13 temas:
Brasil - África; Brasil - América Latina; Brasil - Ásia; Brasil - Oriente Médio; Brasil - Europa; Brasil - Argentina; Brasil - Estados Unidos; Política de Comércio Exterior do Brasil; Brasil - Economia Internacional; Brasil - Meio Ambiente; Brasil - Informática e Direitos Autorais; Brasil - Governos Subnacionais; Coletânea Gazeta Mercantil - Números Especiais.

Testei com o meu nome. Encontrei apenas 4 resultados:

Encontrados4resultados na busca de:"Paulo Roberto de Almeida"(0.19s)
o canditlato do ptea lou ura agricola europeia paulo roberto de almeida candidato do p i defendeu em 4 de outubro o acertado da politica agricola europeia pac a postura e equivocada revelando desconhecimento da pac segimdo lula 1 do ponto de ... nao apenas cerceia nosso direito de concorrer no proprio mercado europeu como tambem compete desicalrnente a custa de macicos subsidios com nossos produtos em terceiros mercados i paulo roberto de almeida e doutor em ciencias sociais autor de fonnacao da diplomacia economica no brasil sao paulo editora senac 2001 ...
paranoia ein relacaoao capital estrangeiro esta colocando o brasil na contramao da historia diz o chefe de divisao de politica financeira e de desenvolvimento do itamaraty conselheiro paulo roberto de almeida estudos da conferencia das nacoes unidas sobre comercio e desenvolvimento unctad mostram que nestadecada marcada pela queda dos regimes comunistas do leste europeu e pela abertura economica na america latina ... em 1995 o brasil ocupava a setima posicao atras da china de cingapura da malasia da argentina de hong kong e da tailandia perdas tanto loyola quanto paulo roberto de almeida do itamaraty discordam de sandra starling sobre a importancia dos acordospara o brasil e verdade que o investidor estrangeiro leva em conta o tamanho e a estabilidade de tuna economia ...
mais a russia na sigla bric numa palestra no 6.9 encontro nacional de estudos estrategicos na escola de guerra naval no mes passado no rio o diplomata paulo roberto de almeida professor de econofpaises do bric nao interagem entre si nao atuam de forma coordenada mia politica internacional no q centro universitario de brasi lia ceub tirou o b do bric a sigla que reuniria os quatro igrandes paises emergentes i em entrevista ao estado almeida que trabalha ainda no nucleo de assuntos estrategi cos da presidencia da republidial ou seja eles terao inevitavelmente grande peso inclusive o brasil que e pouco dinamico mas cada um ...
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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Governo atrapalha a diplomacia e o Brasil, diz Roberto Abdenur

'Governo coloca amarras em nossa ação no campo internacional', diz ex-embaixador

Diplomata Roberto Abdenur afirma que a posição ideológica do governo limita o papel do Brasil na relação com outros países

O Estado de S. Paulo, 9/09/2019

Ao invés de ampliar a presença do Brasil no espaço internacional, a política externa do governo tem limitado o papel do País no mundo e abalado a relação com outros países. A avaliação é do diplomata Roberto Abdenur, que tem mais de 40 anos de carreira, e chefiou as embaixadas do Brasil em países como Estados Unidos, China, Alemanha, Equador e Áustria. 
"Essa política peca por basear-se em um conteúdo altamente ideológico de extrema-direita", afirmou ao Estado. "Está em curso a dilapidação de um patrimônio político-diplomático". Na conversa, falou ainda sobre a indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington e criticou o alinhamento quase automático aos Estados Unidos. "Situa o Brasil em incômoda posição de subalternidade em relação àquele país, em detrimento dos interesses e objetivos próprios brasileiros". 
Abaixo, os principais trechos da entrevista. 

Qual a avaliação do senhor a respeito dos primeiros meses da política externa conduzida pelo ministro Ernesto Araújo e o presidente Jair Bolsonaro?

Estou muito preocupado com o que é uma brutal ruptura com décadas de atuação ativa, pragmática, lúcida, moderada e firme. Política externa se faz com coerência, objetividade, continuidade. Sem isso, o País perde credibilidade e respeitabilidade. 
Está em curso a dilapidação de um patrimônio político-diplomático. 
Essa política externa peca por basear-se em um conteúdo altamente ideológico de extrema-direita. O chanceler deixou isso claro em seu discurso de posse, com referências elogiosas a regimes de direita ou autocráticos, como EUA, Israel, Hungria e Polônia. Mas, embora pregue a importância da “liberdade”, foi incapaz de enaltecer grandes democracias europeias, como Alemanha e França. 
Em outro plano, tiveram forte impacto no Chile declarações agressivas contra a ex-presidente daquele país, que representaram desrespeito à memória do pai de Michelle Bachelet. As declarações evidenciam mais uma vez o caráter altamente ideológico do atual governo, que nutre visão simplista e maniqueísta do mundo exterior, considerando ser “de esquerda” qualquer setor político que não seja de extrema-direita. 
Essa atitude é prejudicial aos interesses do País. Seguramente, o próximo alvo de investidas será o Papa, por causa da realização de um Sínodo sobre a Amazônia, em outubro. O Brasil se colocará assim em posição de confronto com mais de um bilhão de católicos fiéis ao Papa. 

Como o senhor, que chefiou a Embaixada do Brasil em Washington entre 2004 e 2006, vê esse alinhamento quase automático com os Estados Unidos?

Preocupa-me o que possa ser um alinhamento excessivo com os EUA. O chanceler defende a ideia de que o Ocidente está em decadência e que o único país capaz de combater essa tendência são os EUA. Sempre fui contra o antiamericanismo, que se manifestou em alguns segmentos dos governos Lula e Dilma. Da mesma maneira, critico o pró-americanismo, que termina por situar o Brasil em incômoda posição de subalternidade, em detrimento dos interesses e objetivos próprios brasileiros. Isso debilita nosso relacionamento com outras nações. 

Que relações o senhor entende que podem ser prejudicadas a partir desse posicionamento?

Tenho muita preocupação com a falta de perspectivas positivas no relacionamento do Brasil com as democracias europeias, sobretudo Alemanha e França. Estava claro que essas relações seriam difíceis mesmo antes dos problemas com as queimadas na Amazônia. Agora, a situação chegou a um clímax com insultos pessoais entre Macron e o presidente. 
Macron cometeu dois erros sérios: chamar o presidente Bolsonaro de mentiroso e falar da internacionalização da Amazônia, ideia descabida e estapafúrdia. Mas, do outro lado, vimos o presidente reagindo de maneira violenta. Tudo isso me deixa pessimista com relação à viabilidade da ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Em vários países europeus o Brasil está sendo bombardeado por políticos, ambientalistas, acadêmicos, jornalistas, cientistas. E isso sem falar dos poderosos lobbies agrícolas em tais países. 

Qual deveria ser o papel do Brasil no mundo?

A política externa está estreitando e encolhendo os espaços de nossa atuação no plano internacional. Num mundo em vertiginoso e complexo processo de mudanças, o Brasil deveria engajar-se na ampliação do escopo de nossa diplomacia, procurando estreitar nossas relações com todas as partes do mundo, sem preconceitos ideológicos. O que ocorre é justamente o contrário. 
Estão gravemente abaladas nossas relações com os principais membros da União Europeia. Estão prejudicadas nossas relações com palestinos e árabes. Não temos planos para aproximação com a Ásia, hoje a região mais dinâmica do mundo. E a África parece não existir na cabeça dos responsáveis pela política externa.
É incrível que o chanceler veja com maus olhos as próprias Nações Unidas, que considera ser fonte de riscos para nossa soberania. O governo está colocando em torno de si amarras que tolhem nossa capacidade de ação no campo internacional. 

Como avalia a possibilidade de o presidente Bolsonaro indicar o filho Eduardo para assumir a Embaixada em Washington? Um levantamento do 'Estado' mostrou que o Senado resiste à possibilidade. 

Creio tratar-se de nepotismo. Há quem diga que o cargo é político, mas as embaixadas são órgãos do Ministério das Relações Exteriores. Ou seja, fazem parte do Poder Executivo. São órgãos administrativos, o que configuraria nepotismo. O deputado vem se empenhando na conquista de apoios no Senado. Procura fazer valer seu acesso às autoridades norte-americanas como argumento a seu favor. A situação precisa, contudo, ser vista em contexto mais amplo. 
Eduardo é ainda muito jovem e inexperiente, nunca participou de alguma instância importante de negociação, e poderia ter dificuldades em dar conta de todo o amplíssimo leque de atividades que tem um embaixador nos EUA. É preciso saber conectar-se e dialogar com múltiplos setores do governo, do Congresso, dos meios empresariais e financeiros, das universidades e da imprensa.  

Como enxerga essa escolha em um ano que antecede as eleições nos EUA?

O deputado cometeu erro grave ao fazer-se fotografar com um boné intitulado “Trump 2020”. O presidente também já manifestou apoio à reeleição de Trump. Esses gestos naturalmente caem muito mal junto ao Partido Democrata, que não só é oposição, mas também parte do sistema de governo. Os democratas têm agora poder efetivo, na medida em que controlam a Câmara dos Deputados, de onde atacam duramente Trump e suas políticas. 
E estão desde engajados na disputa pela indicação de quem será o adversário de Trump nas eleições. A imagem do governo Bolsonaro não é boa entre os democratas, o que requer por parte do embaixador brasileiro especial esforço de contato e diálogo com essa força política. 
No momento, o principal componente da disputa entre os pré-candidatos nos EUA são as mudanças climáticas. O eleitorado democrata e muitos independentes estão obcecados com esse tema – o que redundará em posturas críticas ao Brasil. Fará falta um embaixador capaz de enfrentar esse desafio, apresentando com habilidade nossos pontos de vista.

Como vê o Brasil em meio à guerra comercial entre Estados Unidos e China, os dois maiores parceiros econômicos do país?

O Brasil está sob forte pressão americana para distanciar-se ou esfriar sua relação com a China. Faz parte disso a pressão para que o País boicote a empresa chinesa Huawei na instalação da tecnologia 5G. O que ocorre no momento, e certamente se estenderá ainda por muito tempo, é uma confrontação estratégica, pela qual os EUA querem conter o desenvolvimento e a projeção externa da China. 
Na campanha, o presidente Bolsonaro cometia um erro ao dizer que a China não estava comprando no Brasil, mas sim estava comprando o Brasil. Escolheu a China como bode expiatório. Fez em relação à China o que outrora faziam as esquerdas com a denúncia do “imperialismo ianque”. Felizmente o presidente parece ter recuado, aceitando convite para visita oficial a Pequim. Isso é positivo, assim como foi positivo que o vice-presidente, general Mourão, tenha dito firmemente que o Brasil não cederia a pressões contra a Huawei. 
Mas ficou no ar certa dúvida quando o chanceler afirmou que o assunto estava “sob consideração” do governo, insinuando a possibilidade de que o Brasil ceda às pressões norte-americanas. Esse duro embate entre Washington e Pequim ainda terá muitos desdobramentos, com consequências negativas para a comunidade internacional, e por extensão para o Brasil. É recomendável manter equidistância entre os dois.  
Faz todo sentido aproveitarmos o bom momento da relação com os EUA para novos progressos no diálogo, cooperação e intercâmbio. Mas isso não deve em nada prejudicar nosso relacionamento com a China.  

A reação internacional à situação na Amazônia é considerada por observadores como a maior crise diplomática recente do país, com o embate direto entre o presidente e o líder francês, Emmanuel Macron. Como reverter os danos?

É preciso uma estratégia clara de reação. Em primeiro lugar, a tomada de medidas concretas e efetivas para combater os incêndios. O Brasil enfrentará situação delicada no contexto da nova sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que se inicia nos próximos dias. O próprio Secretário-Geral da ONU afirmou a importância da abordagem do assunto durante a reunião. Haverá por parte de diversos países numerosas e enfáticas expressões de interesse e preocupação com o assunto. 
Haverá também críticas às ações e posturas do governo brasileiro. É provável que se recomende a criação de algum esquema ou mecanismo para o acompanhamento de riscos para a sobrevivência da floresta. Talvez surjam ofertas de apoio político, material ou financeiro para medidas que nosso governo tome em defesa da Amazônia. 
O governo brasileiro deve ser muito firme na reafirmação de sua soberania, mas não convém colocar-se em postura de confrontação com boa parte da comunidade internacional. 
Precisamos ter jogo de cintura, e mostrar habilidade, serenidade e moderação em face dos desafios. Convém lembrar que nos anos 90 houve uma primeira iniciativa do G-7 de apoio aos esforços de preservação da floresta. 
Sob liderança da Alemanha, foi lançado o chamado PPG-7, programa voltado para a defesa da floresta amazônica e também da Mata Atlântica. O governo da época, em vez de rechaçar a iniciativa, resolveu acolhê-la. Em 17 anos foram gastos mais de 460 milhões de dólares, com resultados satisfatórios para todas as partes envolvidas. 

Como o senhor vê as últimas declarações do presidente a respeito das eleições argentinas?

Estou espantado com os insultos com os quais o presidente se referiu a Alberto Fernandez e às forças políticas que o apoiam, quando é evidente que será ele o próximo presidente do país vizinho. A Argentina é parceira inevitável e indispensável, o terceiro mercado para nossas exportações, nossa sócia no Mercosul. É de alta importância a preservação de atmosfera de diálogo e entendimento entre os dois países. 
Quando ocorre um entrevero entre dois chefes de governo, o papel natural de um chanceler é o de botar panos quentes, esfriar os ânimos, abrir canais de interlocução junto aos meios diplomáticos e também políticos do outro país. Mas o ministro Araújo resolveu juntar-se ao presidente. 
É impressionante que as duas maiores autoridades de nossa política externa ataquem dessa maneira o futuro governante da Argentina. O que será das relações bilaterais ao impacto de tais declarações? O Brasil chegou ao ponto de ameaçar sair do Mercosul caso Fernandez viesse a “fechar” a Argentina. Isso seria um tiro no pé, pois significaria nossa saída do recém-acertado acordo entre o Mercosul e a União Europeia. E representaria duro golpe no Mercosul. 

Quem foram os embaixadores do Brasil nos EUA desde a redemocratização

Caso seja nomeado para a embaixada em Washington, Eduardo Bolsonaro se tornará a primeira pessoa sem carreira na diplomacia a assumir o posto desde o fim da ditadura militar

A possível indicação de Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, como embaixador do Brasil nos Estados Unidos pode quebrar uma tradição dentro do Itamaraty, desde a redemocratização, de ter na embaixada em Washington, sempre um diplomata de carreira.  
Desde o governo de José Sarney, o primeiro após a ditadura militar, todos os ocupantes do cargo saíram do Instituto Rio Branco, o centro de formação de diplomatas do Itamaraty. 
Veja abaixo um breve perfil de cada um deles.  

Marcílio Marques Moreira

Período: 23/11/1986 a 24/08/1991
Presidente: José Sarney 
Primeiro embaixador brasileiro nos EUA após a ditadura militar, Moreira cursou Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e fez pós-graduação em Ciência Política na Universidade de Georgetown, em Washington. Em 1954, concluiu o curso de preparação à carreira de diplomata do Instituto Rio Branco. 
Foi secretário na embaixada do Brasil em Washington, vice-presidente do Unibanco, diretor financeiro do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outras ocupações, antes de ser nomeado embaixador nos EUA, cargo que ocupou entre 1986 e 1991, quando deixou a função para ser ministro da Fazenda de Fernando Collor. 

Rubens Ricupero

Período: 25/08/1991 a 25/08/1993
Presidente: Fernando Collor de Mello 
Formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), Ricupero ingressou no Instituto Rio Branco em 1958. Foi um dos primeiros diplomatas a trabalhar em Brasília, onde foi atuar, em 1961, como oficial de gabinete do ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos. Com uma longa carreira diplomática, também deu aulas de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB) e no próprio Instituto Rio Branco. 
Foi assessor internacional do deputado e presidente eleito Tancredo Neves e assessor especial do presidente José Sarney. Nomeado por Fernando Collor como embaixador em Washington em 1991, permaneceu no cargo até 1993, quando foi indicado pelo presidente Itamar Franco ao Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Também ocupou por cinco meses o Ministério da Fazenda de Itamar Franco. Ricupero falou ao Estado sobre a possível indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, dizendo que seria algo "sem precedentes na tradição diplomática do País" 

Paulo Tarso Flecha de Lima 

Período: 12/11/1993 a 26/05/1999
Presidente: Itamar Franco 
O mineiro Paulo Tarso Flecha de Lima, após de formar em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Brasil - atual UFRJ -, no Rio de Janeiro, em 1955, ingressou na carreira diplomática por concurso direito. Realizou o curso de aperfeiçoamento do Instituto Rio Branco e integrou a equipe do presidente Juscelino Kubitschek como oficial do Gabinete Civil. 
Construiu uma longa carreira na diplomacia, servindo em países como Itália, Uruguai, Argentina, Iraque, Irã, entre outros. Foi nomeado embaixador em Londres, em 1990, e em Washington, em 1993. Em 1999, assumiu a embaixada brasileira em Roma, onde ficou até 2001. Com a tríade Londres-Washington-Roma, passou por quase todo o “Circuito Elizabeth Arden”, jargão na diplomacia que se refere ao conjunto das embaixadas mais prestigiadas no meio: Londres, Washington, Roma e Paris.  

Rubens Antonio Barbosa

Período: 11/06/1999 a 31/03/2004
Presidente: Fernando Henrique Cardoso 
Após se formar diplomata no Instituto Rio Branco em 1960, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro. Em 1971, concluiu mestrado na London School of Economics and Political Science. Ao longo de sua carreira diplomática, fez parte da delegação brasileira em inúmeras edições da Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU) e em missões internacionais, mediando principalmente a relação do Brasil com países socialistas europeus, como Romênia, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria e a antiga União Soviética. 
Em 1994, assumiu a embaixada brasileira em Londres, onde ficou até 1999, quando foi nomeado embaixador em Washington. Após deixar a embaixada, ocupou o cargo de presidente de conselhos como o de comércio exterior da FIESP e da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. 

Roberto Pinto Ferreira Abdenur

Período: 02/04/2004 a 29/01/2007
Presidente: Luiz Inácio Lula da Silva 
Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e mestre em economia pela London School of Economics and Political Science, ingressou na carreira de diplomata em 1964. Foi cônsul-adjunto em Londres, integrou a delegação brasileira em diversas reuniões da Assembleia Geral da ONU e foi coordenador de assuntos econômicos e comerciais da Secretaria Geral das Relações Exteriores antes de atingir o posto de ministro de primeira classe, o mais alto da carreira diplomática. 
Foi embaixador no Equador (1985 a 1988), na China (1989 a 1993), na Alemanha (1995 a 2002) e na Áustria (2002 a 2004), até ser nomeado embaixador em Washington por Lula.         

Antonio de Aguiar Patriota

Período:21/02/2007 a 20/10/2009
Presidente: Luiz Inácio Lula da Silva 
Bacharel em filosofia pela Universidade de Genebra, ingressou no curso de preparação de diplomatas do Instituto Rio Branco em 1978. Diplomata de carreira, atuou na delegação brasileira permanente em Genebra, Pequim e Caracas e ocupou cargos no Itamaraty, como o de chefe de gabinete do então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. 
Foi o segundo embaixador em Washington nomeado por Lula, sucedendo Roberto Abdenur. Deixou o cargo em 2009 para assumir a secretaria-geral do Itamaraty. Em 2011, assumiu o posto de ministro das Relações Exteriores do governo Dilma. 

Mauro Luiz Iecker Vieira

Período: 11/01/2010 a 31/12/2014
Presidente: Luiz Inácio Lula da Silva 
Após se tornar bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense, ingressou no curso de preparação à carreira de diplomata do Instituto Rio Branco em 1973. Construiu carreira ocupando cargos nos ministérios das Relações Exteriores, de Ciência e Tecnologia e da Previdência e Assistência Social. Entre 1995 e 1999, foi ministro-conselheiro na embaixada brasileira em Paris. 
Após ser chefe de gabinete de Celso Amorim no Ministério de Relações Exteriores, foi nomeado, em 2004, embaixador em Buenos Aires, onde ficou até 2010, quando passou a ocupar o cargo de embaixador em Washington. Em 2015, saiu da embaixada nos EUA e assumiu o Itamaraty no governo de Dilma Rousseff. Ao assumir a presidência em 2016, Michel Temer nomeou Mauro Vieira para o cargo de representante permanente do Brasil na ONU. 

Luiz Alberto Figueiredo

Período: 07/05/2015 a 05/09/2016
Presidente: Dilma Rousseff 
Outro ministro das Relações Exteriores que foi embaixador nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo graduou-se pelo Instituto Rio Branco em 1979. Chefiou diversas delegações brasileiras em conferências internacionais sobre temas ambientais, com forte atuação nas discussões sobre mudanças climáticas e sustentabilidade. Durante o governo de Dilma Rousseff, foi representante permanente do Brasil junto à ONU e ministro das Relações Exteriores. Serviu como embaixador nos Estados Unidos entre 2015 e 2016, antes de assumir a embaixada em Lisboa, onde está até hoje. 

Sergio Silva do Amaral

Período: 05/09/2016 a 03/06/2019
Presidente: Michel Temer 
O mais recente embaixador nos EUA, Sergio Amaral, é formado em Direito pela USP e tem pós-graduação em Ciência Política na Universidade de Paris I. Antes de ser embaixador em Washington, ocupou as embaixadas de Londres e Paris, além de ter sido professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. 
Na administração pública, Amaral ocupou cargos como os de Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República e porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem também foi ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior.

domingo, 8 de setembro de 2019

O caso Bolsonaro-Bachelet e a imprensa brasileira - Beatriz Bandeira de Mello e João Feres Jr. (LEMEP)

O CASO BOLSONARO-BACHELET E A REPERCUSSÃO NA IMPRENSA BRASILEIRA

Por Beatriz Bandeira de Mello e João Feres Jr. 
Manchetômetro, Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), 08/09/2019 

Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro vem colecionando críticas acerca da maneira como conduz a política externa brasileira. Mantendo uma retórica agressiva, característica de sua trajetória política como parlamentar, o atual presidente já protagonizou episódios que afrontam princípios básicos das relações internacionais do Brasil, como o pacifismo, a não-intervenção e a prevalência dos direitos humanos. Atuando junto ao presidente na definição da agenda da política externa brasileira há um grupo ideologicamente orientado pelo conservador Olavo de Carvalho, no qual figuram o atual Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, e o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro. Adotando premissas questionáveis como o combate ao “globalismo” e ao “marxismo cultural”, o governo Bolsonaro tem buscado manter um alinhamento ideológico, e visivelmente assimétrico, com os Estados Unidos, além da aproximação com países economicamente liberais e politicamente conservadores na América do Sul, tais como Chile, Colômbia, Paraguai e Argentina.
A relação com o Chile é considerada estratégica pelo governo Bolsonaro. Não por acaso, a primeira viagem internacional do mandatário brasileiro foi àquele país.  Assim como o presidente chileno, Sebastián Piñera, Bolsonaro é favorável à liberalização econômica. Ademais, o caso chileno tem servido como referência para os defensores da Reforma da Previdência no Brasil. Os dois mandatários são aliados no PROSUR, sigla para o Fórum para o Progresso e o Desenvolvimento da América do Sul, considerado um substituto da UNASUL, e críticos em relação à Venezuela no Grupo de Lima. Recentemente, Piñera mostrou apoio ao brasileiro na questão das queimadas na Amazônia, que teve forte repercussão internacional. Piñera apareceu, inclusive, em um pronunciamento ao lado do presidente do Brasil. Entretanto, a relação entre os dois países sofreu um revés esta semana.
Em pronunciamento realizado na última quarta-feira (4/9), o presidente brasileiro atacou a ex-presidente do Chile e atual alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet. Nas palavras do presidente, “se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em (19)73”, hoje “o Chile seria uma Cuba”. Na mesma fala, Bolsonaro atacou o pai da ex-presidente, Alberto Martínez Bachelet, preso e torturado pelo regime Pinochet, dizendo que “a cadeira de Direitos Humanos da ONU” é coisa de “quem não tem o que fazer, como Bachelet”. As declarações do presidente foram uma resposta às falas de Bachelet que foram críticas ao aumento da violência policial no Brasil, aos ataques a defensores de direitos humanos e a instituições de ensino no país, bem como aos discursos que legitimam execuções e a redução do espaço democrático no Brasil.
As loas tecidas por Bolsonaro a ditadores, torturadores e a regimes militares não são uma novidade para aqueles que acompanham sua trajetória política. Em uma simples busca na internet encontramos foto sua ao lado de um cartaz onde se lê “quem procura osso é cachorro”: uma referência aos esforços das comissões da verdade de resgatarem os corpos ou mesmo informações sobre os desaparecidos durante a ditadura no Brasil. Em episódios recentes, Bolsonaro homenageou o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra no plenário da Câmara dos Deputados. Como presidente, tratou como “estadista” o ditador paraguaio Alfredo Stroessner e saudou o ditador chileno Augusto Pinochet na primeira visita ao país.
As recentes declarações do presidente contra Bachelet repercutiram na imprensa brasileira. Abaixo, analisamos o conteúdo dos textos publicados nos jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e o Globo sobre o assunto no dia 5 de setembro, com o objetivo de identificar o tratamento conferido pela mídia ao caso Bolsonaro-Bachelet.

A COBERTURA
No dia 5 de setembro o Estado de São Paulo publicou – além de uma pequena chamada de capa – uma reportagem[1] sobre o ataque de Jair Bolsonaro à ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet. Segundo o jornal as falas do brasileiro geraram um “atrito” com o país. O Estado deu ênfase às declarações do presidente brasileiro, bem como à repercussão de suas falas no Chile, tanto na ala governista como na oposição. Além disso, enumerou a coleção de “polêmicas internacionais” de Bolsonaro mostrando que estas afetaram cerca de 12 países, dentre os quais: Canadá, Noruega, Alemanha, Dinamarca, Argentina, França e Colômbia, além dos tradicionalmente hostilizados pelo governo brasileiro, Venezuela e Cuba. A mesma reportagem tratou da primeira visita de Bolsonaro ao Chile, destacando a rejeição de parlamentares locais ao atual presidente do Brasil na ocasião. Como forma de mostrar um posicionamento contrário de Bolsonaro, estampou na mesma página uma reportagem contendo trechos de falas de José Serra e Cesar Maia, pai do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em repúdio às declarações de Bolsonaro.
A Folha de São Paulo também fez uma pequena menção ao caso Bolsonaro-Bachelet na capa do dia 5 de setembro. No interior do jornal, críticas ao presidente brasileiro apareceram no editorial intitulado Borduna na Carta[2]. No texto, a Folha critica o “destempero verbal” e os “flertes confusos com atitudes autoritárias” de Bolsonaro. O caso envolvendo a ex-presidente chilena foi classificado como mais um “incidente diplomático”. O editorial, no entanto, não fez críticas ao conteúdo das declarações presidenciais. Para o jornal, as “bravatas autoritárias” seriam uma suposta “falta de reflexão” do presidente. A coluna assinada por Bruno Boghossian, no entanto, assumiu um tom mais crítico. Para o autor, “Bolsonaro não perde uma oportunidade de enaltecer a tortura e os assassinatos políticos”. Segundo Boghossian, o presidente protagonizou mais um “episódio gratuito de vergonha internacional”. O colunista ainda destacou o fato de até o presidente chileno Sebastián Piñera, considerado um aliado do atual governo, ter discordado das declarações presidenciais, escrevendo que “o elogio a ditadores se tornou política de governo” e sugerindo uma aproximação entre Bolsonaro e o venezuelano Nicolás Maduro. Boghossian conclui argumentando que a manutenção da posição brasileira poderia gerar um “isolamento” do país no cenário internacional.
Em reportagem na seção ‘Mundo’[3], a Folha adotou uma postura semelhante ao Estado de São Paulo, reproduzindo as declarações de Bolsonaro. No entanto, deu mais destaque às falas de Bachelet sobre a atual situação do Brasil. Citou ainda um tweet do Ministro Ernesto Araújo, segundo o qual “o que está encolhendo [no Brasil] é o espaço da esquerda”. A reportagem também sugeriu uma aproximação do presidente brasileiro com Nicolás Maduro e mostrou que as declarações de Bolsonaro favoráveis a ditaduras são características suas desde antes da presidência.
Na capa do dia 5/9, o Globo destacou que “até a direita” chilena repudiou o ataque de Bolsonaro à Bachelet. No interior do jornal, o tom seguido foi o mesmo dos demais periódicos. O Globo cedeu espaço ao posicionamento do presidente chileno, mostrando também que partidos de “direita, centro e esquerda” foram contrários às falas de Bolsonaro. O Globo foi moderado em sua cobertura. As críticas ao governo ficaram por conta dos colunistas. Merval Pereira[4] escreveu que as falas do presidente brasileiro, “além da gravidade em si, de desrespeito a líderes de instituições reconhecidamente representativas, demonstram desprezo alarmante pela vida humana”. O colunista, no entanto, aproveitou a oportunidade para criticar o PT, afirmando que a “divisão rasa de amigos e adversários” seria uma estratégia utilizada tanto pelo atual governo – que considera inimigos como “comunistas” – como pelos governos petistas que, segundo ele, “tacha de direitistas todos os seus críticos”. Merval acrescenta que o Brasil pode se tornar um “pária internacional” e um país à “margem do Mundo Ocidental” com “exceção dos Estados Unidos”. Por fim, argumenta que o comportamento do presidente brasileiro seria uma consequência de um “transtorno de estresse pós-traumático” derivado do atentado que sofreu durante a campanha eleitoral.
Bernardo de Mello Franco[5], por sua vez, comparou Bolsonaro a Maduro argumentando que o brasileiro “não foi o primeiro líder sul-americano a atacar Michelle Bachelet” . Entretanto, ao contrário de seu par venezuelano, Bolsonaro “baixou de vez o nível” ao ofender a memória de Alberto Bachelet, pai da ex-presidente. Para o autor, as declarações de Bolsonaro fazem “Maduro parecer um gentleman”. A crítica mais severa partiu de Miriam Leitão[6] que atribuiu a Bolsonaro o título de “governante com mente autoritária”, chamando de “patológica” sua “compulsão” “pelas ditaduras” e “sua admiração ilimitada pelos regimes tirânicos”. Leitão considerou “desumana” a atitude do presidente brasileiro.

CONCLUSÃO
Como vimos acima, os jornais brasileiros noticiaram o caso Bolsonaro-Bachelet como mais um “incidente diplomático”, mostrando inclusive que as falas do presidente não foram apenas criticadas pela esquerda. Por outro lado, o comportamento do presidente, mesmo quando considerado patológico, é visto como um produto de sua personalidade, e não como uma característica importante da ideologia de extrema-direita que anima o presidente e o grupo de pessoas a ele associado.  As reportagens mantiveram o tom majoritariamente descritivo, cabendo aos colunistas críticas mais diretas ao governo. Parte da cobertura inclusive reforçou o perfil “polêmico” de Bolsonaro, o que contribui para normalizar suas declarações. Cabe destacar que a comparação entre Bolsonaro e Nicolás Maduro, motivo que vem se repetindo na narrativa jornalística brasileira, funcionou para enquadrar o presidente brasileiro como “autoritário”, ao mesmo tempo que reafirma o compromisso dos jornais de rejeição integral da Venezuela. 

[1] “Bolsonaro ataca Bachelet e causa atrito com Chile”. Estado de São Paulo, 5/9/2019, p.A5
[2] Folha de São Paulo, 5/9/2018, p.A2
[3] “Bolsonaro defende repressão do regime chileno”. Folha de São Paulo, 5/9/2019, p.A20
[4] “País pária”. O Globo, 5/9/2019, p.2
[5] “Bolsonaro faz Maduro parecer um gentleman”. O Globo, 5/9/2019, p.5.
[6] “Mente autoritária e seus métodos”. O Globo, 5/9/2019, p.18.

terça-feira, 18 de junho de 2019

Relações Internacionais, Política Externa e Diplomacia Brasileira - pensamento e ação - Celso Lafer

GRUPO DE ANÁLISE DA CONJUNTURA INTERNACIONAL

É com grande satisfação que enviamos o presente convite ao próximo encontro do GACInt, a realizar-se no dia 26 de junho, quarta-feira, das 10h às 12h, na sala da Congregação do Instituto de Relações Internacionais (IRI), 2º andar, Cidade Universitária, São Paulo, para o 

Lançamento da obra 
"Relações Internacionais, Política Externa e Diplomacia Brasileira - pensamento e ação” 
apresentada pelo autor 
Prof. Celso Lafer
com comentários do prefaciador 
Emb. Gelson Fonseca Jr.  

Contamos com sua qualificada presença e engajamento ativo no debate que se seguirá às falas dos oradores. 
Cordialmente,

           Alberto Pfeifer                          Stefan Barenboim-Salej
           Coordenador                               Coordenador


Transcrevo o texto que preparei para apresentar o livro e que virou posfácio:

“A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre”, Brasília, 19 julho 2018, 9 p. Discussão geral da obra em publicação pela Funag de Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação, com base num paralelo intelectual com a obra de Henry James, The Education of Henry Adams: an autobiography (New York: The Modern Library, 1999), e alguma referência às Confissões de Santo Agostinho.

A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
in: Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347.


Se as Confissões de Santo Agostinho – que ocupam um lugar central na cultura cristã do Ocidente latino, ao dar início à tradição intelectual da autobiografia consciente e deliberada – apresentam essa característica de, pela sua própria natureza confessional, terem influenciado fortemente, segundo Stéphane Gioanni (L’Histoire, junho de 2018), o subjetivismo moderno, A Educação de Henry Adams inaugura, por sua vez – como construção consciente e deliberada de uma trajetória de vida tão confessional quanto as memórias do bispo da velha Hipona –, a moderna autobiografia intelectual, combinando objetivismo político com algum subjetivismo filosófico. Mais do que uma história de vida, ou uma simples memória, o livro de Henry Adams representa, mais exatamente, um grande panorama de história intelectual dos Estados Unidos entre a Guerra Civil e a Grande Guerra, um empreendimento talvez sem paralelo, até o início do século XX, na tradição ocidental das biografias “confessionais”.
Setembro de 2018 marca o centenário da primeira publicação completa da obra do bisneto de John Adams e neto de John Quincy Adams, dois antecessores presidentes. Sua educação primorosa, objeto da autobiografia (escrita na terceira pessoa), aproxima-se, em certa medida, da sólida formação intelectual de um dos maiores representantes da vida acadêmica e diplomática do Brasil: Celso Lafer. Cem anos depois da publicação daquela autobiografia pioneira, parece inteiramente pertinente seguir a “educação” de Celso Lafer, três vezes ministro, sendo duas como chanceler, chefe de missão em Genebra, professor emérito da USP, articulista consagrado, mestre de várias gerações de estudiosos de relações internacionais e de direito.
A melhor forma de fazê-lo é por meio de uma compilação de seus muitos escritos sobre as relações internacionais, a política externa e a diplomacia brasileira, textos até aqui dispersos em um grande número de veículos impressos e digitais. A trajetória intelectual de seu autor se confunde com a própria evolução dos estudos e da prática das relações exteriores do Brasil no último meio século, mas estes dois volumes reproduzem apenas uma pequena parte de sua gigantesca produção acadêmica, profissional ou jornalística, deixando de integrar, por especialização temática nas áreas do título, uma outra parte essencial de suas atividades intelectuais, que cobrem os terrenos literário, cultural e mesmo de política doméstica.
A colaboração que pude prestar na montagem e revisão da presente coleção de textos – artigos, palestras, discursos, conferências, capítulos de livros – de Celso Lafer constituiu, ao longo do ano de 2018, uma das maiores gratificações intelectuais de minha relativamente curta trajetória como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, (IPRI), um modesto think tank, subordinado, como o Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) – seu contraparte do Rio de Janeiro –, à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), esta por sua vez vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE). Digo uma das maiores gratificações porque, justamente, dois de meus critérios na organização de eventos e publicações no IPRI são justamente esses: tudo o que for intelectualmente gratificante e inovar sobre a agenda “normal”.
Ainda antes de assumir formalmente a direção do IPRI, pude colaborar na montagem e realização de um seminário, de uma exposição e de um livro sobre o patrono da historiografia brasileira, o também diplomata, Francisco Adolfo Varnhagen: Varnhagen (1816-1878): diplomacia e pensamento estratégico (Brasília: Funag, 2016). Nesse primeiro empreendimento junto ao IPRI ofereci um estudo sobre o “pensamento estratégico de Varnhagen: contexto e atualidade”, no qual tive a oportunidade e o lazer de atualizar suas propostas de “reforma do Brasil”, apresentadas pela primeira vez em 1849, no Memorial Orgânico, documento magistralmente retirado das cinzas pelas mãos do presidente do IHGB, o historiador Arno Wehling, um especialista e também admirador da obra historiográfica de Varnhagen.
Logo em seguida, dediquei-me a retirar das “cinzas” de um injusto ostracismo político um outro colega diplomata, o economista de formação Roberto Campos, por meio de uma obra coletiva feita inteiramente à base da admiração de amigos: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017). O livro, entretanto, por razões de oportunidade e de cálculo político, não foi publicado pela Funag, tanto quanto um outro, sobre o historiador e diplomata Oliveira Lima. Em seguida, aproveitando o desafio da publicação da magistral Fotobiografia de Oswaldo Aranha por seu neto, Pedro Corrêa do Lago (Rio de Janeiro: Capivara, 2017), e ajudado pela perícia documentalista de seu outro neto, Luiz Aranha, decidi montar, com a preciosa e estratégica ajuda do historiador Rogério de Souza Farias, uma compilação praticamente completa dos escritos de relações internacionais e de diplomacia brasileira produzidos ao longo de trinta anos pelo grande estadista gaúcho, o segundo maior chanceler brasileiro do século XX depois de Rio Branco, segundo Rubens Ricupero: “Oswaldo Aranha dominou a política exterior dos meados do século XX como Rio Branco o fizera na sua primeira década. Depois do Barão, ninguém mais alcançou, dentro e fora do país, o prestígio e a influência de Aranha, nenhum outro dirigiu a diplomacia com tanto acerto em tempos perigosos e de escolhas difíceis.” (Apresentação de Rubens Ricupero a: Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro; Brasília: Funag, 2017, 1o. vol.).
A coletânea Aranha preenche, sem dúvida alguma, uma lacuna na historiografia brasileira da diplomacia contemporânea, ao recolher discursos, entrevistas, cartas e escritos diversos do político rio-grandense convertido em estadista de estatura mundial. Ela cobre momentos cruciais das relações internacionais e bilaterais do Brasil em pleno século XX, quando a diplomacia esclarecida de Aranha influenciou decisivamente a política do governo Vargas ao adotar a opção correta na voragem da Segunda Guerra Mundial, aliás a única concebível para um discípulo de Rui Barbosa, no formidável embate que se travou entre as democracias do Ocidente, capitaneadas por Churchill e Roosevelt, e os totalitarismos liderados pelos fascistas da Alemanha, Itália e Japão.
Esse trabalho de garimpo documental e de lapidação redacional dos escritos dispersos de Oswaldo Aranha, esteve, provavelmente, na origem da idealização, organização e montagem da obra que agora se apresenta: uma compilação seletiva dentre os muitos, incontáveis escritos até aqui dispersos de Celso Lafer, primeiro reunidos e organizados por ele mesmo, com a ajuda de Carlos Eduardo Lins da Silva, depois revistos e padronizados por mim, ao longo de muitas noites de indescritível prazer intelectual. Não sei se por pura emulação historiográfica, se por alguma secreta indução bibliográfica e documental, ou se por um evidente paralelismo diplomático, Celso Lafer e eu mesmo cogitamos, quase simultaneamente, que depois da “compilação Oswaldo Aranha” estava mais do que na hora de também pensarmos numa “compilação Celso Lafer”. Material, aliás abundante, não faltava para esse novo empreendimento.
A decisão foi então tomada em vista da existência, dispersa até aqui, dos seus muitos escritos de relações internacionais, de política externa e de diplomacia do Brasil, que constituem, ao mesmo tempo, um grande panorama do cenário mundial, político e econômico, nas últimas cinco décadas. Esses textos reproduzem meio século de ideias, reflexões, pesquisas, andanças e um exercício direto de responsabilidades à frente da diplomacia brasileira, em duas ocasiões, e, através dela, de algumas funções relevantes na diplomacia mundial, como a presidência do Conselho da OMC, assim como em outras instâncias da política global. Celso Lafer esteve à frente de decisões relevantes em alguns foros decisivos para as relações exteriores do Brasil, na integração regional, no comércio mundial, nos novos temas do multilateralismo contemporâneo.
Esta obra, construída ao longo de alguns meses de garimpo documental e de lapidação formal, a partir de um aluvião torrencial de pepitas preciosas que vinham sendo carregadas pelo fluxo heteróclito de publicações no decorrer de várias décadas, apresenta, finalmente, o que se espera seja uma obra de referência e uma contribuição essencial ao conhecimento da diplomacia brasileira e da vida intelectual em nosso país, a partir dos anos 1960 até aqui. Suas qualidades intrínsecas, combinando sólida visão global e um conhecimento direto dos eventos e processos que o autor descreve e analisa, representam um aporte fundamental a todos os estudiosos de diplomacia e de relações internacionais do Brasil, uma vez que reúne os relevantes escritos do mais importante intelectual desse campo, com a vantagem dele ter tido a experiência prática de conduzir a diplomacia brasileira em momentos significativos da história recente. As “questões polêmicas” da quarta parte reúnem alguns de seus artigos de jornal, nos quais exerceu um olhar crítico sobre a “diplomacia” implementada a partir de 2003, rompendo pela primeira vez a tradição secular da política externa brasileira, no sentido de representar o consenso nacional em torno dos interesses do país, para adotar o sectarismo míope de um partido que tentou monopolizar de forma canhestra (e corrupta) o sistema político.

Henry James, ao escrever em 1907 a sua autobiografia intelectual, admitia, indiretamente – segundo o prefácio de Henry Cabot Lodge à obra finalmente publicada em setembro de 1918 pela Massachusetts Historical Society –, que a grande ambição do neto e bisneto de presidentes era a de “completar as Confissões de Santo Agostinho”. Mas, diferentemente do pai da Igreja Cristã, que, como grande intelectual, trabalhou a partir de uma multiplicidade para a unidade de ideias em torno da fé cristã, seu moderno êmulo americano reverteu a metodologia, passando a trabalhar a partir da unidade para a multiplicidade de ideias (The Education of Henry Adams: an autobiography, p. xxxiv, da edição de 1999 da Modern Library). Isso talvez porque, à diferença da angustiada defesa de uma rígida crença nos dogmas cristãos, exibida no quarto século da nossa era pelo pai intelectual da Igreja Católica, Henry Adams ostentava o agnosticismo científico típico dos primeiros darwinistas sociais do final do século XIX.
Celso Lafer, herdeiro intelectual de grandes pensadores judeus do século XX, é, provavelmente também, um agnóstico pragmático, combinando destreza acadêmica e tino empresarial, como sempre foi a outra vertente de seus familiares e de um grande antecessor na diplomacia, seu tio Horácio Lafer, ministro da Fazenda e das Relações Exteriores na República de 1946. O modelo da autobiografia de Henry Adams, com suas três dezenas de capítulos seguindo a trajetória do ilustre herdeiro dos Adams nas grandes capitais do mundo ocidental – Washington, Londres (seu pai foi ministro na Corte vitoriana), Berlim, Paris (a Exposição Universal de 1900), Roma e muitas outras cidades dos Estados Unidos e da Europa–, poderia servir, eventualmente, para retraçar a carreira intelectual e diplomática de Celso Lafer, que também percorreu as grandes capitais da diplomacia mundial, como intelectual ou ministro das Relações Exteriores.
O jovem Adams, ao acompanhar como secretário o seu pai, designado em 1861 ministro plenipotenciário de Abraham Lincoln junto à corte da rainha Vitória, construiu uma educação “diplomática” no centro do que era então o maior império do planeta; ele pode encontrar-se com líderes britânicos da estatura de um Palmerston ou Gladstone, assim como, em suas andanças pela Europa, com “anarquistas” bizarros, ao estilo de um Garibaldi. Celso Lafer, por sua vez, construiu sua educação diplomática na observação direta do que foi feito por seu tio, Horácio Lafer, antes como ministro da Fazenda do Vargas dos anos 1950, depois à frente do Itamaraty, numa segunda fase do governo JK, dedicando a ambos trabalhos analíticos posteriores que figuram com realce em sua bibliografia. Da gestão do tio na política externa, destacou sobretudo sua ação no campo econômico: acordos comerciais, integração regional e aproximação à Argentina.
Essa educação continuou nos anos seguintes, de forma não surpreendente nos mesmos grandes temas focados anteriormente e, como Henry James, no contato direto com personalidades de realce na cena mundial; percorrendo as páginas dos dois volumes de Celso Lafer é possível registrar alguns dos grandes nomes do estadismo mundial, com quem Celso Lafer encontrou-se ou conviveu ao longo dessas décadas. Ele discorre, sempre de modo empático, mas penetrante, sem dispensar aqui e ali o bom humor, sobre líderes estrangeiros como Mandela, Shimon Peres, Koffi Annan, Antonio Guterres e, retrospectivamente, sobre o êmulo português do embaixador Souza Dantas, o cônsul Aristides de Souza Mendes, um justo entre os injustos do salazarismo. Dentre os diplomatas distinguidos do Brasil figuram os nomes de Saraiva Guerreiro e de Sérgio Vieira de Mello, para mencionar apenas dois nessa categoria.
Comparecem igualmente vários colegas e autores de renome, intelectuais da academia ou da diplomacia, como José Guilherme Merquior, Sergio Paulo Rouanet, Gelson Fonseca Jr., Synesio Sampaio Goes, Rubens Ricupero, Gilberto Dupas, Celso Furtado, Miguel Reale, Fernando Henrique Cardoso, entre os brasileiros. Estudiosos  estrangeiros, alguns conhecidos pessoalmente, aparecem sob os nomes de Karl Deutsch, Raymond Aron, Andrew Hurrell, Octavio Paz, Morgenthau, Kissinger e Prebisch. Suas resenhas e prefácios registram autores conhecidos na área, a exemplo de Sérgio Danese, Fernando Barreto, Gerson Moura e Eugenio Vargas Garcia, contemplados com extensas notas publicadas na revista Política Externa, da qual foi um dos responsáveis, junto com Gilberto Dupas e Carlos Eduardo Lins da Silva, durante vários anos.

A educação de Celso Lafer se fez, primordialmente, em intensas leituras e eventuais contatos, com grandes nomes do pensamento histórico, filosófico e político da tradição ocidental, desde mestres do passado remoto – Tucídides, Aristóteles, Grócio, Vico, Hume, Bodin, Hobbes Montesquieu, Kant, Tocqueville, Charles de Visscher e outros – até mestres do passado recente, inclusive alguns deles encontrados em carne e osso: Hans Kelsen, Carl Schmitt, Isaiah Berlin, Hanna Arendt, Norberto Bobbio, Raymond Aron, Hedley Bull, Martin Wight, Albert Hirschman, Stanley Hoffmann e muitos outros. Um desses “grandes mestres” aparece apenas marginalmente, ou episodicamente nos textos aqui coletados: Karl Marx, objeto de várias referências indiretas no exame da literatura especializada. Henry James, de seu lado, faz, em sua autobiografia, diversas referências ao pai do “socialismo científico” e afirmou ter seriamente considerado, junto com as teses ousadas de Darwin, os argumentos defendidos em O Capital, embora não demonstrasse entusiasmo com os anúncios precursores quando à derrocada do capitalismo.
James, na verdade, demonstra certo esnobismo em relação à maior parte dos teóricos que digeriu, em Harvard ou em suas leituras posteriores. Ao referir-se, por exemplo, à necessidade de conhecer os ensinamentos de Marx, continua dizendo que o confronto também devia ser feito em relação à “satânica majestade do livre comércio de John Stuart Mill” (p. 72). Mais adiante, ao fazer o balanço de sua visita à Exposição Universal de Paris, em 1990, que representava o triunfo do capitalismo da belle Époque, ele revela que “tinha estudado Karl Marx e suas doutrinas da história com profunda atenção, mas que não podia aplicá-las a Paris” (p. 379). No caso de Lafer, não há menção a algum estudo sério da doutrina marxista, mas as referências não faltam, seja por meio de Raymond Aron, seja através de obras de Hélio Jaguaribe.
Ambos, porém, Henry James e Celso Lafer, exibem o mesmo compromisso incontornável com os princípios do liberalismo político e dos governos democráticos. James, ao conviver mais longamente com o sistema parlamentar inglês, considerava que “o governo de classe média da Inglaterra constituía o ideal do progresso humano” (p. 33). Por classe média, ele queria dizer, obviamente, burguesia, em oposição à velha aristocracia de títulos, que não existia no seu país natal; ela estava surgindo, em sua própria época, mas apenas a partir do exibicionismo ostensivo dos “barões ladrões”, enobrecidos financeiramente a partir da idade dourada do capitalismo americano. Celso Lafer, do seu lado, sempre foi um liberal doutrinal e filosófico, não obstante seu alinhamento pragmático com a socialdemocracia na política brasileira, no que, aliás, ele combina com um de seus mestres, o jurista e intelectual italiano Norberto Bobbio.

Mais de uma centena de textos comparecem nos dois volumes, organizados em cinco partes bem identificadas, embora algumas repetições sejam detectáveis aqui e ali. O conjunto dos escritos constitui, sem dúvida alguma, um completo curso acadêmico e um amplo repositório empírico em torno dos conceitos exatamente expressos no título da obra: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação. Os artigos, ensaios, conferências e entrevistas podem servir, em primeiro lugar, a todos os estudantes desses campos, não restritos, obviamente, aos próprios cursos de Relações Internacionais, mas indo ao Direito, Ciência Política, Filosofia, Sociologia, História, além de outras vertentes das Humanidades. Mas, os diplomatas profissionais e os demais operadores consolidados trabalhando direta ou indiretamente nessas áreas também encontrarão aqui um rico manancial de ideias, argumentos e, mais importante, “recapitulações” em torno de conferências, negociações, encontros bilaterais, regionais ou multilaterais que figuraram na agenda internacional do Brasil nas últimas décadas.
A diversidade de assuntos, inclusive em relação aos próprios personagens que aqui comparecem, em “diálogos”, homenagens, obituários ou relatos de encontros pessoais, possuem um inegável vínculo entre si, pois todos eles têm a ver, de perto ou de longe, com a interface externa do Brasil e com os voos internacionais do autor. Os textos não esgotam, obviamente, o amplo leque de interesses e de estudos do autor, que se estende ainda aos campos da literatura e dos assuntos culturais em geral, trabalhos que figuram em diversos outros livros publicados de Celso Lafer, vários monotemáticos e alguns na categoria de coletâneas, como por exemplo os três volumes publicados pela Atlas, em 2015, enfeixados sob o título comum de Um percurso no Direito do século XXI, mas voltados para direitos humanos, direito internacional e filosofia e teoria geral do direito. A sua produção variada, acumulada intensa e extensivamente em tão larga variedade de assuntos, permite o mesmo tipo de “assemblagem” ocasional efetuada na presente obra em dois volumes. Apresentando, por exemplo, seus escritos focados em Norberto Bobbio: trajetória e obra (São Paulo: Perspectiva, 2013), Celso Lafer começa por lembrar justamente essa prática do mestre italiano:
Bobbio, ao fazer, em 1994, um balanço de sua trajetória, observou que a sua obra caracterizava-se por livros, artigos, discursos sobre temas diversos, ainda que ligados entre si [nota: a referência aqui é à obra de Bobbio, O Futuro da Democracia]. Parte muito significativa e relevante da sua obra é constituída por volumes que são coletâneas de ensaios, reunidos e organizados em função dos seus nexos temáticos. Esses volumes de ensaios cobre os diversos campos do conhecimento a que se dedicou: a teoria jurídica, a teoria política, a das relações internacionais, a dos direitos humanos e o vinculo entre política e cultura, rubrica que abrange a discussão do papel do intelectual na vida pública. Esses volumes são representativos do contínuo work in progress da trajetória intelectual de Bobbio, esclarecendo como, no correr dos anos, por aproximações sucessivas, foi aprofundando a análise dos temas recorrentes do seu percurso de estudioso. (p. 23)

A partir da transcrição desse introito se poderia perfeitamente dizer: Ecce homo (talvez menos na linhagem nietzscheiana, e mais na do original bíblico). A afirmação se aplica inteiramente à própria trajetória acadêmica e profissional de Celso, ao seu percurso intelectual, à sua visão do mundo, com uma vantagem adicional sobre o jurista italiano, devido ao fato de Lafer ter sido bem mais do que um “simples professor”, ao ter exercido por duas vezes (até aqui) o cargo de ministro das relações exteriores (e uma vez o de ministro do desenvolvimento e de comércio exterior), funções certamente mais relevantes, para o Brasil, do que o cargo largamente honorífico concedido a Norberto Bobbio, já quase ao final da sua vida, de senador da República italiana.

O percurso de Celso Lafer, no Brasil e no mundo, sua postura filosófica, de defensor constante dos direitos humanos e da democracia política, suas aulas na tradicional Faculdade de Direito (e em muitas outras conferências em universidades e várias instituições em incontáveis oportunidades), sua luta pela afirmação internacional do Brasil nos mais diversos foros abertos ao engenho e arte da diplomacia nacional, todos esses aspectos estão aqui refletidos em mais de uma centena de trabalhos carinhosamente reunidos sob a direção do próprio mestre e oferecidos agora ao público interessado. Não apenas o reflexo de uma vida dedicada a construir sua própria trajetória intelectual, esses textos são, antes de qualquer outra coisa, aulas magistrais, consolidadas numa obra unitária, enfeixada aqui sob a tripla dimensão do título do livro.
Mais do que uma garrafa lançada ao mar, como podem ser outras coletâneas de escritos dispersos oferecidos a um público indiferenciado, a centena de “mensagens laferianas” aqui reunidas constituem um útil instrumento de trabalho oferecido aos profissionais da diplomacia, ademais de ser uma obra de referência aberta à leitura dos pesquisadores, dos professores e dos estudantes dessas grandes áreas de estudos e de trabalho acadêmico. Ao disponibilizar essa massa de escritos da mais alta qualidade intelectual ao grande público, esta obra faz mais do que reunir estudos dispersos numa nova coletânea de ensaios conectados entre si: ela representa, também e principalmente, um tributo de merecido reconhecimento ao grande mestre educador que sempre foi, e continuará sendo, Celso Lafer.
Vale!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de julho de 2018