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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 30 de março de 2024

Posição do Brasil na Conferência de San Francisco sobre o direito de veto garantido às grandes potências - Eugenio Vargas Garcia

Trecho do livro de Eugênio Vargas Garcia – O Sexto Membro Permanente. O Brasil e a Criação da ONU. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012 –, sobre a discussão da composição do Conselho de Segurança e das prerrogativas de seus membros: 

"Se fosse realmente aplicada a fórmula de Yalta para o sistema de votação no Conselho de Segurança, o governo brasileiro considerava injusto o veto em causa própria e a imunidade que isso implicava em benefício dos membros permanentes:

            Se ocorre, por exemplo, a hipótese de que um dos Estados membros permanentes é o próprio violador das obrigações contidas no estatuto básico da organização, como seria possível admitir-se que esse mesmo Estado tenha o direito de veto, quando o assunto referente a tal violação tiver que ser resolvido? Como se poderá aprovar que tal Estado, com o seu veto, possa impedir a ação do Conselho?


Novamente se recorre à interpretação do governo holandês sobre a matéria. Se cada grande potência tivesse o direito de veto nos litígios em que fosse parte, o plano da organização só serviria para dirimir conflitos internacionais entre pequenos Estados. No caso de controvérsias entre grandes potências ou entre uma delas e um país menor, a organização não forneceria proteção alguma a este último (a rigor a nenhum dos pequenos Estados) nem à causa da paz." (p. 127)

quarta-feira, 4 de maio de 2022

O terceiro pós-guerra - Jorge Fontoura (CB)

 Meu amigo Jorge Fontoura publicou nesta quarta-feira 4 de maio de 2022 um rico e denso artigo sobre a atual situação do sistema internacional, a partir da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, como se pode constatar por esta imagem: 


 Entre várias outras considerações bastante válidas, Jorge Fontoura formula uma pergunta básica: 

"Seria a guerra na Ucrânia um fato histórico de transição de era, o fim da Idade Contemporânea?"

Tentarei responder a essa questão mais adiante.

Mas ele também pergunta, na imediata sequência: "Seria a natureza humana irremediavelmente insana?", ao que eu responderia também imediatamente que sim, mas não todos os humanos, só os ditadores mais arrogantes.

Mas, a segunda questão é relativamente secundária, pois sempre teremos insanos, populistas e demagogos entre nós, sendo mais relevante retornar à primeira questão: a guerra de agressão da Rússia e as sanções unilaterais tomadas ao seu encontro por diversos países produziram uma mudança sistêmica no cenário mundial e nas relações internacionais?

Provavelmente sim, mas não na magnitude esperada ao final do seu artigo, quando Jorge Fontoura menciona os acordos de Yalta como o prenúncio de uma nova era. Estávamos então na maior catástrofe geopolítica do século XX e de todos os séculos precedentes, deslocando para um ínfimo terceiro ou quarto lugar a tal "catástrofe geopolítica" da autoimplosão da União Soviética, muito equivocadamente magnificada pelo neoczar Putin. Não se pode esperar que dessa guerra localizada – mas com efeitos mundiais, pelas reações provocadas – saiam grandes arranjos quanto os que resultaram de Dumbarton Oaks, de Bretton Oaks, de Yalta e San Francisco. 

O que ocorrerá será um notável processo de "diminuição" (ou enxugamento) econômico da Rússia, talvez convertida em colônia econômica da China no espaço de alguns anos, dada a sabotagem contra sua oferta conduzida pelas potências ocidentais. Não se pode pensar tampouco numa substituição do dólar no sistema monetário internacional, a não ser marginalmente, já que não existem condições para que outras moedas assumam o seu papel. 

Mas se pode pensar num debate consistente sobre o fim do "direito de veto", um privilégio abusivo, derivado de uma paz armada em 1945, e que poderá ser revisto no espaço da próxima geração de estadistas, em consonância com a experiência presente, de se ter um agressor em condição de impor sua vontade a todos os demais (o que também ocorre, diga-se de passagem, com os EUA, capazes de impor sanções econômicas unilaterais a quase todos os demais países).

É um debate necessário, tanto porque esse poder exorbitante não existia no Conselho da Liga das Nações, e tampouco existe no plano do direito interno dos países, onde juízes com algum interesse no caso são chamados, ou institucionalmente comandados, a não participar de julgamento e decisão.

Vou continuar escrevendo sobre isto.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 4 de maio de 2022


segunda-feira, 21 de março de 2022

Quantos anos mais terá a atual Carta de San Francisco (1945)? - Paulo Roberto de Almeida

Quantos anos mais terá a atual Carta de San Francisco (1945), na verdade desenhada em Dumbarton Oaks (1944)?

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Em vez de teorias fantasiosas sobre um alegado Direito Internacional onusiano, eu prefiro analisar criticamente a concretude do direito da força, sem qualquer ilusão.

 

Muitos cultores acadêmicos do sistema das Nações Unidas apreciam, teórica e abstratamente, o que lhes parece ser uma expressão do Direito Internacional, quando o “grand machin” (apud De Gaulle) é apenas um ajuste de forças entre os vitoriosos de 1945. 

 

A “grande geringonça” precisa mudar. Vai demorar certo tempo até que a verdadeira pressão dos “povos das Nações Unidas” — como está no preâmbulo da Carta, mas todo o resto está reservado unicamente aos Estados nacionais membros da geringonça — consiga eliminar essa excrescência do “direito de veto”, que só defende o poder arbitrário dos poderosos, a vontade exclusiva das grandes potências, mas isso será obtido algum dia.

 

Mas não aguardem para esta geração, agora dominada pelos dois novos donos do poder mundial, um mais velho de um século, o outro tinindo de novo na sua irresistível ascensão econômica. Os dois impérios da antiga Guerra Fria geopolítica de 1947 a 1991 deram lugar aos dois impérios atuais da nova Guerra Fria Econômica. 

Por enquanto a China está ganhando a competição, mas não enterrem o Tio Sam: ele ainda não deu tudo o que pode nos dar, além do iPhone e do Facebook: ele tem muito mais coisas na sua cartola que o novo Império do Meio ainda precisa copiar.

 

Resumo: o mundo dá muitas voltas e não convém fazer manuais de Relações Internacionais com validade superior a 20 anos. Como diria Heráclito, tudo flui, e é por isso que eu nunca acreditei na bobagem da tese do “congelamento do poder mundial”.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4113: 21 março 2022, 1 p.