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quarta-feira, 16 de abril de 2025

A posição do Brasil objetivamente pró-Rússia na guerra de agressão contra a Ucrânia- Vitor Correia (Correio Braziliense)

Zelensky recusa telefonemas de Lula por viagem do petista à Rússia

Segundo interlocutores do governo ucraniano ouvidos pelo Correio, a recente declaração de Lula sobre conversar com Zelensky foi recebida com surpresa e revolta, especialmente porque ocorreu às vésperas de ida do brasileiro a Moscou

Correio Braziliense, 15/04/2025

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, recusou dois pedidos de telefonema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas para conversarem sobre um possível acordo de paz.

Conforme apurou o Correio com interlocutores do governo ucraniano, a recente declaração do chefe de Estado brasileiro sobre conversar com Zelensky foi recebida com surpresa e revolta, especialmente porque ocorreu às vésperas de uma viagem a Moscou, onde se reunirá com o presidente russo, Vladimir Putin.

Lula e Zelensky não conversam há um ano e sete meses, desde que encontraram-se pessoalmente em Nova York, às vésperas da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 2023. Segundo uma fonte do governo ucraniano, desde então Zelensky fez 15 pedidos de ligação para Lula e enviou seis cartas oficiais, mas não recebeu resposta.

O presidente da Ucrânia ficou "furioso" com a declaração dada por Lula, em Hanói, no Vietnã, em 29 de março, quando o presidente anunciou a ligação e acusou o ucraniano de não querer tratar do fim da guerra.

O comentário pegou o governo ucraniano de surpresa, já que não havia, naquele momento, conversa entre Brasília e Kiev para combinar o contato — o que ocorreu depois. A primeira tentativa do Ministério das Relações Exteriores (MRE) foi em 4 de abril e a segunda, em 11 de abril. Ambas foram rejeitadas.

Convite russo


A "gota d'água" para a recusa de Zelensky foi Lula ter aceitado o convite de Putin para participar em Moscou, em maio, da cerimônia dos 80 anos da vitória na Grande Guerra Patriótica — que é como os russos definem a II Guerra Mundial, a partir do momento que os alemães invadiram o antigo território soviético.


O evento vai incluir um desfile militar em frente à Praça Vermelha. "Lula vai saudar os mesmos soldados russos que estão matando civis na Ucrânia", disse um interlocutor que faz a ponte entre as chancelarias ucraniana e brasileira. Para Kiev, o comentário do petista sobre conversar com Zelensky foi interpretado como uma tentativa de amenizar o impacto negativo na imagem do presidente brasileiro sobre a ida à Rússia.

"Houve pedido do governo da Ucrânia para uma conversa com o presidente Lula. Ainda está sendo avaliada uma data compatível com a agenda dos dois presidentes", respondeu a Secom.

A reportagem procurou o MRE para comentar a posição ucraniana. O ministério orientou contato com a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência.

sábado, 22 de março de 2025

Os Serviços Secretos do Itamaraty - Claudio Dantas Sequeira (Correio Braziliense, 2007)

Os Serviços Secretos do Itamaraty

Claudio Dantas Sequeira

Correio Braziliense, 2007

Uma das fontes para a redação de meu ensaio sobre o Itamaraty sob o AI-5, foi a série de artigos do jornalista Cláudio Dantas sobre os "serviços secretos" criados pelo embaixador Manoel Pio Correa para intimidar os diplomatas mais à esquerda, digamos assim. Meu ensaio está disponível como  segue:

1847. “Do alinhamento recalcitrante à colaboração relutante: o Itamaraty em tempos de AI-5”, Brasília, 31 dezembro 2007, 32 p. Ensaio histórico sobre os efeitos institucionais e o impacto do AI-5 na política externa. Publicado em Oswaldo Munteal Filho, Adriano de Freixo e Jacqueline Ventapane Freitas (orgs.), "Tempo Negro, temperatura sufocante": Estado e Sociedade no Brasil do AI-5 (Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, Contraponto, 2008; 396 p. ISBN 978-85-7866-002-4; p. 65-89). Disponível em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44479134/Do_alinhamento_recalcitrante_a_colaboracao_relutante_o_Itamaraty_em_tempos_de_AI_5_2008_) 


O artigo de Claudio Dantas, por sua vez, está disponível como segue: 


Os Serviços Secretos do Itamaraty

 Claudio Dantas Sequeira, Correio Brasiliense (2007)

By Claudio Dantas Sequeira


Os Serviços Secretos do Itamaraty – Claudio Dantas Sequeira, Correio Brasiliense (2007) Série de artigos de Claudio Dantas Sequeira, então jornalista do Correio Braziliense, publicados nos dias 22 a 26 de julho de 2007, reportagem “sobre os serviços secretos do Itamaraty”, depois contemplada com o Prêmio Esso de Jornalismo, pelo conjunto das matérias, com base nos arquivos do CIEX, o Centro de Informações do Exterior, do Ministério das Relações Exteriores. Série publicada por Paulo Roberto de Almeida no blog Diplomatizzando Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Tristes tempos aqueles, nos quais diplomatas era levados a colaborar com um regime de exceção.


https://www.academia.edu/104861759/Os_Servi%C3%A7os_Secretos_do_Itamaraty_Claudio_Dantas_Sequeira_Correio_Brasiliense_2007_?email_work_card=view-paper 

A mesma matéria foi ivulgada em meu blog:

quarta-feira, 25 de julho de 2007 

757) O Itamaraty colaborando com a ditadura... https://diplomatizzando.blogspot.com/2007/07/757-o-itamaraty-colaborando-com.html


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

O jornalismo como história da política externa brasileira: - Paulo Roberto de Almeida (Correio Braziliense)

 Correio Braziliense, 28/10/2024

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/10/6974261-o-jornalismo-como-historia-da-politica-externa-brasileira.html 

OPINIÃO

O jornalismo como história da política 

externa brasileira

O livro Política externa e jornalismo é uma  historiografia da política externa brasileira, 

assim como da evolução do sistema internacional, nas décadas mais intensas 

da reinserção mundial do Brasil.

 Paulo Roberto de Almeida

Os primeiros historiadores são os jornalistas, antigamente chamados de cronistas dos eventos correntes ou de memorialistas do cotidiano. Não importa muito o nome; se não fosse por eles, não teríamos outra história que não aquela feita nos gabinetes de Estado, nos atos da imprensa governamental, reportando a atividade dos donos do poder e suas interpretações exclusivas. Sem eles, a história se resumiria a um longo desfilar de relatos oficiais.

Na política externa, sobretudo, a atividade jornalística é fundamental, uma vez que relações exteriores são conduzidas basicamente pelos governos, em nome do seus Estados. Em meus exercícios de historiador da diplomacia brasileira, além de recorrer ao exame dos documentos oficiais, sempre apelei aos relatos dos fatos correntes feitos por jornalistas brasileiros e estrangeiros. Mas esse tipo de material sempre foi mais abundante nas questões de política interna ou de economia, do que na informação e discussão dos fatos relativos à política externa. No plano interno, Carlos Castelo Branco talvez tenha sido o mais importante cronista da política brasileira, mas faltava alguém na área da política externa que pudesse competir com o seu padrão. Agora não falta mais: Maria Helena Tachinardi acaba de ocupar com maestria, e constância, um espaço que poucos jornalistas brasileiros souberam até aqui preencher: o relato circunstanciado, meticuloso, bem-informado, mas também opinativo, sobre mais de três décadas de política externa brasileira, um verdadeiro manancial de relatos objetivos que constituem um aporte decisivo a todos os historiadores que necessitam reconstruir os passos de nossa diplomacia desde os anos 1970 até nossa própria época. 

Entre fevereiro de 1974, data de sua primeira matéria, e junho de 2015, o último artigo catalogado no anexo do livro Política externa e jornalismo, foram 305 reportagens no total, selecionadas dentre milhares de outras, geralmente veiculadas na Gazeta Mercantil, entre 1980 e 2003, incluindo sua fase como correspondente em Washington, de 1996 a 1988. O núcleo do livro está organizado por governos e décadas, começando pela Guerra Fria, ainda nos anos 1980, que compreende também a nossa "década perdida", seguida pela globalização, nos anos 1990, logo agitada pelas manifestações antiglobalizadoras, até adentrar nos anos problemáticos da "guerra ao terror", nos anos 2000, que também testemunharam os primeiros desajustes nas relações internacionais, com novas tensões surgindo no horizonte. 

 

Mas, antes de percorrer todas essas décadas e governos, com base nas três centenas de trabalhos que redigiu ao longo de reportagens, viagens e estágios no exterior, ela oferece em três dezenas de páginas introdutórias os seus Princípios de política externa nas reportagens, com as ênfases sucessivas e as definições fundamentais dessa política: "soberania, autodeterminação, realismo, pragmatismo, autonomia e não intervenção" (página 33), que são também os eixos diretrizes com os quais sempre trabalhou a diplomacia brasileira. Para isso, ela se valeu não só de investigações e estudos próprios, bem como de ensaios acadêmicos e de declarações de diplomatas — entre eles, os embaixadores Rubens Barbosa (que assina o prefácio) e Fernando de Mello Barreto, que ofereceu uma orelha. 

Acompanhei alguns atos de "fabricação" dessas matérias, sobretudo ao longo das negociações comerciais multilaterais da Rodada Uruguai, da difícil construção do Mercosul e dos embates da Alca. Maria Helena interrogou pacientemente diplomatas, empresários, autoridades estrangeiras e glosou notícias que vinham do mundo todo, em coberturas sempre certeiras. O resultado é uma historiografia da política externa brasileira, assim como da evolução do sistema internacional, nas décadas mais intensas da reinserção mundial do Brasil, desde o período final da ditadura militar até o capítulo conclusivo, que remete à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e ao primeiro ano de Lula III.

As notas, ao final, complementam a informação sobre alguns episódios e fornecem alguma bibliografia. A obra termina por onde começou, ao citar Gabriel Garcia Marques, que relatou sua "paixão insaciável" pela "melhor profissão do mundo". Maria Helena possui essa paixão, e conseguiu convertê-la num livro essencial aos historiadores do passado, assim como aos diplomatas do futuro.   

 

O jornalismo como história da política externa brasileira - Paulo Roberto de Almeida (Correio Braziliense)

 O jornalismo como história da política externa brasileira

Paulo Roberto de Almeida

Correio Braziliense, 28/10/2024

Resenha do livro:

Maria Helena Tachinardi

Politica Externa e Jornalismo

São Paulo: Contexto, 2024


Os primeiros historiadores são os jornalistas, antigamente chamados de cronistas dos eventos correntes ou de memorialistas do cotidiano. Não importa muito o nome; se não fosse por eles, não teríamos outra história que não aquela feita nos gabinetes de Estado, nos atos da imprensa governamental, reportando a atividade dos donos do poder e suas interpretações exclusivas. Sem eles, a história se resumiria a um longo desfilar de relatos oficiais.

Na política externa, sobretudo, a atividade jornalística é fundamental, uma vez que relações exteriores são conduzidas basicamente pelos governos, em nome do seus Estados. Em meus exercícios de historiador da diplomacia brasileira, além de recorrer ao exame dos documentos oficiais, sempre apelei aos relatos dos fatos correntes feitos por jornalistas brasileiros e estrangeiros. Mas esse tipo de material sempre foi mais abundante nas questões de política interna ou de economia, do que na informação e discussão dos fatos relativos à política externa. No plano interno, Carlos Castelo Branco talvez tenha sido o mais importante cronista da política brasileira, mas faltava alguém na área da política externa que pudesse competir com o seu padrão. Agora não falta mais: Maria Helena Tachinardi acaba de ocupar com maestria, e constância, um espaço que poucos jornalistas brasileiros souberam até aqui preencher: o relato circunstanciado, meticuloso, bem-informado, mas também opinativo, sobre mais de três décadas de política externa brasileira, um ver- dadeiro manancial de relatos objetivos que constituem um aporte decisivo a todos os historiadores que necessitam reconstruir os passos de nossa diplomacia desde os anos 1970 até nossa própria época.

Entre fevereiro de 1974, data de sua primeira matéria, e junho de 2015, o último artigo catalogado no anexo do livro Política externa e jornalismo, foram 305 reportagens no total, selecionadas dentre milhares de outras, geralmente veiculadas na Gazeta Mercantil, entre 1980 e 2003, incluindo sua fase como correspondente em Washington, de 1996 a 1988. O núcleo do livro está organizado por governos e décadas, começando pela Guerra Fria, ainda nos anos 1980, que compreende também a nossa “década perdida”, seguida pela globalização, nos anos 1990, logo agitada pelas manifestações antiglobalizadoras, até adentrar nos anos problemáticos da “guerra ao terror”, nos anos 2000, que também testemunharam os primeiros desajustes nas relações internacionais, com novas tensões surgindo no horizonte.

Mas, antes de percorrer todas essas décadas e governos, com base nas três centenas de trabalhos que redigiu ao longo de reportagens, viagens e estágios no exterior, ela oferece em três dezenas de páginas introdutórias os seus Princípios de política externa nas reportagens, com as ênfases sucessivas e as definições fundamentais dessa política: “soberania, autodeterminação, realismo, pragmatismo, autonomia e não intervenção” (página 33), que são também os eixos diretrizes com os quais sempre trabalhou a diplomacia brasileira. Para isso, ela se valeu não só de investigações e estudos próprios, bem como de ensaios acadêmicos e de declarações de diplomatas — entre eles, os embaixadores Rubens Barbosa (que assina o prefácio) e Fernando de Mello Barreto, que ofereceu uma orelha.

Acompanhei alguns atos de “fabricação” dessas matérias, sobretudo ao longo das negociações comerciais multilaterais da Rodada Uruguai, da difícil construção do Mercosul e dos embates da Alca. Maria Helena interrogou pacientemente diplomatas, empresários, autoridades estrangeiras e glosou notícias que vinham do mundo todo, em coberturas sempre certeiras. O resultado é uma historiografia da política externa brasileira, assim como da evolução do sistema internacional, nas décadas mais intensas da reinserção mundial do Brasil, desde o período final da ditadura militar até o capítulo conclusivo, que remete à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e ao primeiro ano de Lula III.

As notas, ao final, complementam a informação sobre alguns episódios e fornecem alguma bibliografia. A obra termina por onde começou, ao citar Gabriel Garcia Marques, que relatou sua “paixão insaciável” pela “melhor profissão do mundo”. Maria Helena possui essa paixão, e conseguiu convertê-la num livro essencial aos historiadores do passado, assim como aos diplomatas do futuro.


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Escalada de Maduro na Venezuela pressiona Lula a subir o tom com o ex-aliado - Henrique Lessa (Correio Braziliense)

 Escalada de Maduro na Venezuela pressiona Lula a subir o tom com o ex-aliado

Henrique Lessa
Correio Braziliense - Online | Política
11 de setembro de 2024



Oposição venezuelana organizou protestos em frente à representação brasileira em Caracas. Para especialistas, o Brasil perdeu oportunidade de se posicionar de forma adequada em relação à postura autocrática do regime de Maduro

Com as ameaças de invasão da embaixada da Argentina em Caracas, hoje sob a guarda do , e o aumento da pressão internacional contra Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cada vez mais é pressionado para subir o tom com o regime bolivariano. Também a coalizão opositora ao governo atual protestou, nesta quarta-feira (11/9), em Caracas, em frente à embaixada brasileira no país, para pedir que Lula interceda pelos presos políticos do país.

"Nos mobilizamos, na Venezuela e no mundo, para a sede diplomática do governo brasileiro para solicitar sua mediação na libertação de todos os presos políticos e o fim da repressão", dizia uma das convocações nas redes sociais, atribuída a María Corina Machado, principal líder da oposição. O protesto ocorreu em uma praça do centro da cidade. Os manifestantes encerraram o protesto em frente da representação diplomática brasileira.

Com o recente cerco à embaixada da Argentina, sob responsabilidade do governo venezuelano, a situação do governo Lula fica ainda mais difícil, aponta o embaixador aposentado Paulo Roberto de Almeida. "O Lula tem a sua diplomacia personalista, diminuída sistematicamente desde que ele começou. Convocou uma reunião em maio de 2003, para refazer a Unasul, que foi um fracasso. O Celso Amorim e Lula têm uma postura dúbia em relação à , que se mantém até hoje", criticou o diplomata.



Itamaraty ressalta que o vem se posicionando contra os desmandos de Maduro, e alertam que a postura tem sido a do diálogo, e apontam como prioridade manter a inviolabilidade das instalações da embaixada da Argentina em Caracas. "O que nos cabe é manter a inviolabilidade das instalações e a integridade física de quem está ali dentro", disse ao Correio uma fonte da diplomacia, sob reserva.

Para a professora de relações internacionais da ESPM Denilde Holzhacker, a postura do governo é cautelosa, mas aponta que Lula falha em não cobrar de forma mais enfática a manutenção da democracia no país vizinho. "O governo brasileiro tem usado aí uma estratégia de manter uma certa cautela nas ações com relação a ao , para não ampliar ainda mais o conflito. Mas a gente já poderia ter, por exemplo, sinalizado um apoio maior para a oposição nos órgãos internacionais é ter feito uma nota mais contundente com relação a questão da embaixada", avalia a professora.

Para especialistas ouvidos pelo Correio, o cenário mais provável é a permanência de Maduro no comando da e um agravamento da situação no país vizinho.

"O cenário é a permanência do Maduro e o aumento da repressão criando mais fissuras, mas são impactos na oposição. A oposição deve se enfraquecer, a saída de (Edmundo) González (candidato da oposição) já demonstra uma fragilidade para a manutenção do processo (de oposição). A oposição, ainda que bastante unida e com capacidade de mobilização, com, cada vez mais, apoio internacional, pode gerar mais pressão e repressão", aponta a professora Holzhacker.

Segundo a organização não governamental venezuelana Foro Penal, o país contabiliza quase 1,8 mil prisões políticas - 1.659 desde o final de julho, após o início dos protestos contra os resultados divulgados da eleição dando a vitória a Nicolás Maduro.

O não reconhece a vitória de Maduro nem da oposição, como já fizeram os Estados Unidos e outros países. Mesmo com o interesse da diplomacia brasileira em preservar os canais de comunicação com o governo de Caracas, analistas avaliam que falta ao governo Lula uma postura mais enérgica e alinhada aos compromissos brasileiros com a democracia.

"Está feio, e o vai sair feio. Qualquer coisa que o faça agora em relação ao Maduro, perdeu o tempo, vai ficar feio. Muito tarde e muito pouco", disse o embaixador Paulo Roberto Almeida. Para o diplomata, ninguém espera que  Lula venha a romper as relações com o país vizinho.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

O Brasil no admirável mundo dos BRICS - Luiz Carlos Azedo Correio Braziliense

Análise: 

O Brasil no admirável mundo dos BRICS

"Essa mudança geopolítica está por trás da crise da Venezuela, que rompeu com o Ocidente. Essa não pode ser a nossa, defendemos a democracia e nossos interesses", observa o jornalista

Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense, 27/08/2024

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/08/6928465-analise-o-brasil-no-admiravel-mundo-dos-brics.html#google_vignette

O economista Paulo Gala, professor da economia da EESP/FGV, é um dos maiores especialistas em política industrial e comércio exterior do Brasil. Muito ativo nas redes sociais, vem chamando a atenção do grande público para a importância dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em particular, para o Brasil. Estabelecido em 2006, o grupo pesa cada vez mais nas relações internacionais, com destaque para a China e a Índia.

Segunda maior economia do mundo, depois dos Estados Unidos, segundo Gala a China se estabeleceu como um líder global em inovação e tecnologia, com empresas como a Huawei, Tencent e Alibaba, que atuam em setores como telecomunicações, comércio eletrônico e inteligência artificial. E passou por um grande avanço na infraestrutura, com a construção de sua rede de ferrovias de alta velocidade e projetos ambiciosos de logística, como a iniciativa do Cinturão Econômico da Rota da Seda.

A Índia também emergiu como líder global em serviços de tecnologia da informação e terceirização de processos de negócios. Cidades como Bangalore são centros tecnológicos, com empresas de TI de renome.

O país é um dos maiores produtores de medicamentos genéricos do mundo. Destaca-se, também, na pesquisa espacial, com realizações notáveis, incluindo a Missão Marte Orbiter (Mangalyaan) e o lançamento de inúmeros satélites para diversos fins.

Em postagem recente no X (antigo Twitter), Gala elencou diversas razões para que o G-7 (Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, Alemanha e Japão), o grupo de países mais desenvolvidos e industrializados do mundo, passe a levar mais a sério a existência dos BRICS, que somarão, em breve, 3,7 trilhões de habitantes — ou seja, 46% da população mundial. Vamos a elas.

China, Índia e Brasil estão entre as 10 maiores economias do mundo. Os indianos também pousaram na Lua, e os BRICS (Rússia, oito; China, três; e Índia, um) estão quase igualando o número de missões lunares dos EUA (15).

Os BRICS representam 32,1% do PIB global contra os 29,9% do G-7. Em 2024, cinco países se associaram: Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia, Egito e Irã.

Em 2023, a Índia tornou-se a maior população do mundo, com o maior número de usuários do Facebook, Instagram, You- Tube e WhatsApp, e exportou mais em software (US$ 133 bilhões) do que a Arábia Saudita em petróleo (US$113 bilhões). Em 2022, a China comprou 97% de todo o lítio da Australia, o maior produtor mundial, e responde por 57% dos carros elétricos do planeta.

A maioria das pessoas no Ocidente não conhece a Saudi Aramco, a petroleira da Arábia Saudita, que, agora, faz parte dos BRICS e fatura U$ 48 bilhões/ano, mais do que a Tesla, Meta, Apple e Microsoft juntas, que somam US$ 45 bilhões/ano. As duras sanções do Ocidente contra a Rússia são quase inúteis, porque os russos estão inundando a Ásia com petróleo — e os chineses inundando a Rússia com produtos industrializados.

Pragmatismo

Os chineses lideram a distribuição de supercomputadores. A indiana Tata Motors comprou a Jaguar e a Land Rover. A chinesa Geely comprou a Volvo, e a vietnamita Vinfast abriu capital na Bolsa de Nova York e já vale mais do que a General Motors.

O leste da Ásia (China, Índia, Coréia do Sul, Taiwan e Japão) formam o bloco econômico mais importante do mundo, maior do que os EUA ou a Zona do Euro, pois 70% do crescimento do mundo este ano vem da Ásia — a China, sozinha, responde por 1/3 do crescimento mundial.

Mais de 20 países querem entrar nos BRICS. Bangladesh, por influência da Índia; Egito, Etiópia e Marrocos, da Rússia; Belarus e Cazaquistão, antigas repúblicas soviéticas, também fizeram a solicitação.

Tailândia e Vietnã pediram para ingressar no bloco, e Argélia busca aproximação. Países ligados aos Emirados Árabes Unidos — como a Palestina, Nigéria e Bahreim — já manifestaram interesse. O Irã não fica atrás.

Na América Latina, países como Cuba, Honduras e Venezuela querem ingressar no bloco. O próximo encontro do BRICS será em Moscou e caminha nessa direção.

É uma grande mudança geopolítica. Entretanto, há contradições políticas relevantes entre esses países. Exemplo: a Rússia é aliada da China, porém, a Índia é aliada dos Estados Unidos. É um erro avaliar que esses países formam um bloco monolítico, tanto quanto é insensato, no caso do Brasil, um alinhamento que não leve em consideração as relações históricas com os EUA e a União Europeia.

Nosso principal parceiro comercial é a China, que compra nossas commodities minerais e de alimentos, e nos vende a maior parte dos produtos industrializados que consumimos. Isso está matando a nossa indústria e nos toma mercado. Essa mudança geopolítica está por trás da crise da Venezuela, que rompeu com o Ocidente democrático e se tornou aliada incondicional da China.

Essa não pode ser a nossa. Defendemos a democracia e uma política externa independente e pragmática, cujo eixo são nossos interesses. Devemos nos relacionar igualmente com os países dos BRICS e o Ocidente democrático, ao qual pertencemos.


segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Livro esmiúça 'primeiro golpe' do Brasil, liderado por D. Pedro: Ricardo Lessa (CB)

 Livro esmiúça 'primeiro golpe' do Brasil, liderado por D. Pedro

Segundo o jornalista e escritor Ricardo Lessa, D. Pedro I "estava longe de ser a figura ideal de libertador, como algumas correntes históricas o definem


Correio Braziliense, 20/08/2024

Nas salas de aula, quando se fala em golpes de Estado no Brasil, os atos de 1930, que levaram Getulio Vargas ao poder, e os de 1964, com o início dos governos militares, são sempre os mais lembrados. No entanto, o jornalista e escritor Ricardo Lessa volta ao início do século XIX para contar sobre o processo conturbado da independência do Brasil e a primeira Assembleia Nacional Constituinte, que culminaram no que ele defende ser o "primeiro golpe" do país.

"É um golpe militar que, na época, foi caracterizado assim, inclusive por alguns monarquistas. Um golpe violento, tal como eu cito no livro, e ele abre uma história de golpes militares", afirma Lessa ao Correio Braziliense, em referência ao recém-lançado O primeiro golpe do Brasil. O jornalista foi apresentador do programa Roda Viva, na TV Cultura, além de ter passado por redações de alguns dos veículos de imprensa do país, como o Correio.

Após a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, uma série de episódios tomaram conta dos bastidores do alto escalão da monarquia brasileira. Com o retorno de D. João VI a Portugal, o filho mais velho, D. Pedro I, decidiu ficar no país para manter o legado do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, que antecedeu o período do Império brasileiro.

Com o Brasil independente e Pedro de Bragança no trono, era necessário formar uma constituição para o novo país. Uma primeira assembleia constituinte foi convocada para maio de 1823, motivada por ideias liberais que pretendiam alinhar o Brasil com os novos países que surgiram na América desde o fim do século XVIII. Apesar disso, lembra Lessa, a assembleia foi dissolvida pelo imperador, que perseguiu republicanos, promoveu censura aos meios de imprensa e alimentou-se do escravismo, como trata o autor, em sua obra.

No ano seguinte, o próprio monarca liderou uma nova assembleia constituinte que culminou na Carta Magna de 1824, outorgada, e a primeira do país, que vigorou até o fim do Império, em 1899. "D. Pedro I fez uma constituição outorgada em que ele estava acima da Lei. Então, isso é uma contradição, em termos de você ter um rei acima da Constituição. As constituições foram inventadas para submeter os reis. A gente está cercado de repúblicas por todos os lados e ficamos sendo uma monarquia escravista no ocidente, enquanto não havia mais isso no mundo", frisa Lessa.


O jornalista faz uma comparação do ocorrido em 1823, no Brasil, com o que se passou anos antes, na França, com Napoleão Bonaparte. O déspota francês destituiu o Diretório da Revolução e substituiu-o por um consulado, no que ficou conhecido como o "Golpe do 18 Brumário". "Isso é conhecido como 'coup d'etat' na França e, aqui, nós chamamos de golpe de Estado. Houve o fechamento de um órgão constitucional pela força das armas. Isso é um golpe militar no dicionário de política que todo mundo segue", acrescenta o autor.

No livro, ele também desmistifica a figura heroica do primeiro imperador do Brasil. Na sua visão, D. Pedro I estava longe de ser o ideal de libertador, como algumas correntes históricas o definem. "A monarquia é do gosto de quem quer o despotismo. Quem quer governar acima das leis, que foi o que Dom Pedro I fez. Porque a Constituição que ele outorgou não era igual à que estava sendo discutida e que foi apresentada a ele em setembro", sugere Lessa.

Dias atuais

Com o avanço do autoritarismo em países de diferentes continentes ao redor do mundo, como Venezuela, Coreia do Norte e Nicarágua, a definição de déspota pode ser atualizada para os tempos modernos. Na visão de Lessa, o sonho dos déspotas é o governo de um homem só, como está subentendido na formação da palavra "monarquia", que vem da junção do prefixo "mono" e significa "um" com o termo grego "arquia", que indica "chefia".

"Os déspotas modernos não têm uma raiz de família como era na Idade Média, quando a Igreja abençoava uma família, como os Habsburgo ou os Bragança. Eram famílias aristocráticas que tinham o poder divino de governar grandes territórios, só que o 'trem da história' tirou o poder dessas famílias", sustenta o jornalista. "O que você tem hoje é o ressurgimento de déspotas, que querem submeter o Legislativo e o Judiciário, que são bases para a República, às suas vontades", completa.

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Terei o prazer de coordenar os debates em torno da obra do jornalista Ricardo Lessa em torno de um assunto bastante atual, mas que começou lá atrás, em 1823. "O Primeiro Golpe do Brasil", Dom Pedro I fecha a Constituinte - Lançamento do livro, IHG-DF, 22/08, 19hs. Ricardo Lessa: O Primeiro Golpe do Brasil: Dom Pedro I fecha a Constituinte - Lançamento de livro, IHG-DF, 22/08, 19hs 







segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Lula e Boric não devem formar consenso sobre Maduro durante encontro - Ingrid Soares, Victor Correia (Correio Braziliense)

Ao final, transcrição de algumas declarações minhas aos jornalistas.

Lula e Boric não devem formar consenso sobre Maduro durante encontro

Mesmo sendo ambos de esquerda, chefes de Estado divergem quando o assunto é Venezuela. Petista busca reafirmar papel de liderança em viagem ao Chile nesta segunda-feira (5/8)

Ingrid Soares, Victor Correia

Correio Braziliense,  04/08/2024 03:55 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa nesta segunda-feira (5/8) com o líder chileno Gabriel Boric em meio à tensão regional causada pelas eleições venezuelanas. Apesar de o Itamaraty afirmar que o assunto não configura como temática central do encontro, a expectativa é de que os chefes de Estado aproveitem a ocasião para debater o cenário. Do ponto de vista da política externa e interna, o petista enfrenta um dos maiores testes diplomáticos e de gestão de seu mandato enquanto busca manter o papel de liderança política na América do Sul. Na avaliação de especialistas, porém não haverá concordância política na visita.

"É mais do que natural que dois presidentes conversem sobre a região, especialmente em um encontro privado. É o momento de falar mais livremente", respondeu a secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, embaixadora Gisela Maria Figueiredo Padovan, ao ser questionada por jornalistas durante o briefing da viagem.

Os presidentes divergem. Boric adotou uma posição mais dura contra o regime Maduro, dizendo ser "difícil de acreditar" na reeleição do ditador. O Chile se alinhou com países, como a Argentina, Uruguai, Estados Unidos e Peru.

Como consequência, as nações tiveram seus corpos diplomáticos expulsos. O Brasil assumiu a embaixada argentina a pedido do governo de Javier Milei, para proteger os seis opositores de Maduro que estão refugiados no local, e que foram ameaçados de prisão pelo governo chavista. Questionada se o Brasil pode assumir a Embaixada do Chile, que também foi esvaziada, Gisela não comentou.

Lula e Boric dificilmente vão formar um consenso sobre as eleições na Venezuela, mesmo sendo ambos líderes de esquerda. Vale lembrar que o chileno já fez, publicamente, duras críticas à proximidade entre o petista e Maduro.

Em março do ano passado, quando Lula chamou de "narrativas" as acusações de violação dos direitos humanos pelo regime chavista, Boric rebateu. "É uma realidade séria. Eu tive a oportunidade de vê-la nos olhos de centenas de milhares de venezuelanos que vivem na nossa pátria e que exigem uma posição firme e clara de respeito aos direitos humanos em todo o lugar, independentemente da coloração política do governante do momento", disse na ocasião.

Cooperação bilateral

Segundo a embaixadora Gisela, a visita de amanhã marca a reaproximação entre os dois países e o objetivo é diversificar uma relação que já é sólida. O Brasil é o terceiro maior sócio comercial da nação vizinha, com um fluxo de US$ 12 bilhões, levemente superavitário para o lado brasileiro. "Temos um comércio relativamente equilibrado com o Chile, mas acho que falta um pouco de diversificação. Nós exportamos basicamente petróleo, automóveis e carne, e importamos cobre, pescados e minério."

Um dos objetivos do Brasil é construir uma base de indústria de Defesa na região, considerando que os dois países já possuem parcerias militares. Por exemplo, o Chile negocia com a Embraer desde os anos 1970, e opera 22 caças brasileiros Super Tucano. O Brasil se coloca à disposição para quando o governo chileno renovar sua frota, e pretende também vender o cargueiro C-390.

Por sua vez, os interesses chilenos incluem segurança pública, segurança cibernética, combate ao crime e atuação em desastres naturais, já que o país é frequentemente atingido por terremotos, deslizamentos e outras catástrofes.

Segundo o chefe da divisão de Argentina, Uruguai e Chile, ministro Carlos Fernando Gallinal Cuenca, pelo menos 17 acordos de cooperação estão prontos para serem assinados em Santiago, e outros 10 estavam na fase final de negociação. "Nesse sentido, o adiamento facilitou para que uma lista que já era grande ficasse ainda mais longa", brincou o diplomata.

Os acordos incluem a certificação eletrônica de vinhos e bebidas, na agricultura, mineração, turismo, cooperação entre as academias diplomáticas dos dois países sobre questões de gênero — área em que o Chile lidera — cooperação em saúde pública, direitos humanos, governo digital, ciência espacial, e um novo acordo de extradição.

Outro projeto de interesse que será discutido com o governo chileno é a finalização do Corredor Bioceânico de Capricórnio, que ligará Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, ao litoral norte do Chile. A meta é criar um caminho rodoviário mais barato para escoar a produção do Centro-Oeste para a China e outros países da Ásia, por meio do Oceano Pacífico. A rota envolve Brasil, Chile, Argentina e Uruguai, e a estrada já está praticamente pronta. As nações discutem agora a modernização dos serviços aduaneiros e logísticos.

"Sem contar o desenvolvimento do próprio corredor. Ou seja, ao existir uma estrada, tem posto de gasolina, restaurante, então você vai criando um movimento ao longo da própria estrada", argumentou Gisela. 

Sem concordâncias

Para a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, a tomada de posição brasileira e da América Latina sobre a situação do pleito venezuelano certamente será tema da reunião.

"Lula deve buscar uma posição concertada. Daí porque Chile, Colômbia, Bolívia e Peru são países importantes. O Brasil não pode ficar numa posição isolada de apoio a Maduro nem de neutralidade. Terá que se posicionar. A guerra da Ucrânia e os últimos acontecimentos no Oriente Médio também estarão na pauta das reuniões", acredita.

O Brasil reivindica o papel de líder regional e usa essa estratégia para se cacifar como player global, como um representante dos países da região nos fóruns multilaterais e como representante de países periféricos de modo geral. Para tanto, precisa costurar um consenso representativo na América do Sul, analisa a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart.

"Para que Lula seja bem-sucedido nessa dinâmica é fundamental que exerça um papel de ente estabilizador nos conflitos da região, ele não pode ser visto como um ator que coloca fogo na disputa, mas sim um player que atua para garantir a institucionalidade, e é dessa maneira o presidente brasileiro tem buscado se posicionar", observa.

"Lula tem deixado bem claro que nenhum outro país ou mesmo a OEA pode intervir de modo a exigir recontagem ou interferir de maneira deliberada na realização de processos e escolhas de outros países, no sentido de respeitar a autodeterminação dos povos. Para exercer essa função de liderança, cabe ao presidente fazer o que ele está fazendo no Chile, encontrar-se com as outras lideranças, articular um posicionamento o mais comum possível, o mais representativo de todos os entes aqui da região. Acredito que essa viagem deve ser entendida nessa direção", acrescenta.

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida ressalta que Boric e Lula pertencem a duas famílias diferentes da esquerda.

"Boric é de uma esquerda renovada, democrática. Lula, pela formação do PT, que é um partido socialista esquerdista atrasado, adere a concepções anacrônicas do velho anti-imperialismo latino-americano. No caso da Venezuela, desde a reunião de líderes da América do Sul feita em Brasília no fim de maio de 2023, alguns representantes da esquerda e vários da direita condenaram a leniência com que Lula recebeu o ditador Nicolás Maduro. Ali, já ficaram bastante claras as diferenças entre as concepções dos dois dirigentes", aponta.

Na visão de Almeida, não há que se esperar concordância entre os presidente sobre questões políticas. "Veremos a retórica vaga geral em favor da integração, do desenvolvimento, da unidade latino-americana e do tratamento político dos conflitos, mas o encontro não configura uma reaproximação, uma vez que Lula e o PT continuam confirmando o apoio ao ditador Maduro enquanto que Boric e outros dirigentes já reafirmaram que as eleições não foram legítimas", frisa

"Não cabe esperar uma aproximação simpática entre ambos. Na minha previsão, será um encontro um pouco hipócrita da parte de ambos. O Boric vai se esforçar pra não chocar muito o Lula sobre o apoio que este dá a Maduro e outras ditaduras. Evidentemente, o presidente vai se esforçar para não confrontar a posição mais decisiva de Boric no confronto com a Venezuela", conclui.


segunda-feira, 22 de julho de 2024

Relembre a passagem do pai de Kamala Harris pela UnB nos anos 1990 - Jéssica Moura Correio Braziliense

Relembre a passagem do pai de Kamala Harris pela UnB nos anos 1990

Pai da vice-presidente dos Estados Unidos, Donald Harris esteve no Distrito Federal nos anos 1990. Ele deixou sua marca em cursos na Universidade de Brasília e levou consigo as impressões da cidade

Jéssica Moura

Correio Braziliense, 21/07/2024

https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/01/4901593-relembre-a-passagem-do-pai-de-kamala-harris-pela-unb-nos-anos-1990.html

(crédito: Universidade de Stanford/Divulgação)

A história de família da primeira mulher a ocupar a vice-presidência dos Estados Unidos carrega um pedacinho de Brasília. O motivo? O pai de Kamala Harris passou várias vezes pelo Brasil e pelo Distrito Federal. Quando aquele homem esguio, de óculos e roupa social entrou no auditório do departamento da Faculdade de Economia da Universidade de Brasília (UnB), em abril de 1997, houve um grande frisson entre os estudantes e professores que se reuniram para acompanhar seu seminário. Nas horas seguintes, eles ouviram Donald J. Harris discorrer sobre suas ideias consideradas heterodoxas sobre economia política e teoria econômica.

O convite para palestrar veio do então chefe do Departamento de Economia da UnB, Joanílio Teixeira. “Queria dinamizar a perspectiva de economia heterodoxa”, explica. Naquele período de início da internet, em que a conexão era precária e discada, e as ligações internacionais custavam pequenas fortunas, toda a comunicação entre os dois foi por e-mail. “Naquele tempo, ainda não era comum usar celular”, lembra Joanílio. Ainda que jovem, Harris tinha uma produção frutífera, era considerado um economista de corrente marxista, e seus textos integravam a bibliografia de cursos de graduação.

Ao desembarcar na capital federal, Donald Harris se surpreendeu com a geografia da cidade de avenidas largas. “Ele achou muito interessante que aqui, em Brasília, a gente ficava muito dependente de automóvel”, diz Teixeira, já que, em seu trabalho, Harris desenvolveu uma crítica em relação aos problemas da acumulação de capital e distribuição de renda. Também se espantou diante da organização da universidade pensada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. “Ele achou surpreendente encontrar uma universidade bem organizada em um país em desenvolvimento”.

Mas, a surpresa durou pouco e ele logo se misturou aos colegas economistas e também aos alunos, que apresentaram os costumes da comunidade universitária: às sextas-feiras, depois do pôr do sol, o grupo de intelectuais cruzava a L2 Norte rumo a algum dos restaurantes da Asa Norte para se refrescar com uma cerveja gelada após uma semana inteira de atividades acadêmicas.

Àquela altura, Donald e Shyamala Gopalan, mãe de suas duas filhas, Kamala e Maya, já estavam separados. Uma de suas obras mais célebres, Capital Accumulation and Income Distribution (1978), é dedicada às filhas. O processo do divórcio foi conturbado, e as garotas foram morar com a mãe. Uma das pretensões de Donald foi continuar a transmitir às filhas a herança jamaicana, e as levava para shows de Bob Marley quando passavam férias juntos nos Estados Unidos, onde vivia desde 1960, quando emigrou do país de origem.

Nos Estados Unidos, Harris cursou o doutorado e ficou internacionalmente conhecido pela pesquisa de abordagem neo-keynesiana, e por ser o primeiro homem negro a conquistar uma cátedra de economia na universidade americana de Standford, em 1972. “Quando fui para Stanford, ele era o único negro do departamento. Mesmo no Brasil, no departamento de economia, era muito raro encontrar pessoas negras como professores. Ainda é difícil hoje, naquele tempo, você nem imagina”, pondera Teixeira. “Um economista heterodoxo, negro, em uma universidade conservadora, não é surpreendente?”, indaga.

Feijoada aos sábados

E foi com a ajuda desse título que ele desembarcou no Brasil para atuar como professor visitante em cursos nos departamentos de economia da UnB e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre 1990 e 1991. “Ele gostou muito da UnB, tanto que quis voltar”, assegura Teixeira, de quem ficou amigo. Ele foi bolsista pela Fundação Fullbright por dois anos e depois voltou ao país para ministrar seminários. 

Em meio a esses debates, Harris acabou hospedado na casa de Joanílio Teixeira, no Lago Sul, onde ocupou o segundo andar do sobrado por quase dois meses. Além das discussões acadêmicas, Harris se agregou à vida familiar, mas, como ele não sabia nada de português, toda a comunicação era na língua inglesa, inclusive com os filhos e a esposa de Joanílio. A falta de traquejo com o idioma não o impediu de compreender com satisfação que, aos sábados, era dia de feijoada.

Depois de partir, Harris chegou a convidar docentes da UnB para uma temporada em Stanford, no Vale do Silício. Teixeira chegou à cidade como bolsista para desenvolver uma pesquisa de pós-doutorado e se encontrou com o amigo. Naquele tempo, Kamala Harris já era adulta e não estava mais com o pai, que morava sozinho. O divórcio foi concluído quando ela tinha sete anos. “Ele não cozinhou. Pediu uma pizza e ficamos jantando e batendo papo”, lembra o professor, que não conheceu a filha do amigo pessoalmente.

Discreto

Em 1990, Kamala cursava economia na universidade de Howard, no estado da Califórnia, seu reduto político. Após aquela visita, os dois amigos perderam o contato. Quando soube da candidatura de Kamala, os colegas da UnB chegaram a tentar retomar o contato, mas não conseguiram. “Foi difícil”, sentencia o professor. Mesmo na imprensa americana, Donald Harris é discreto ao comentar sobre a carreira política da filha. “Certamente, ele deve ter trocado ideia com ela sobre América Latina, Brasil e também Brasília”, diz Teixeira.

Há quase 30 anos, Donald Harris, hoje com 82 anos, não poderia imaginar que sua filha mais velha chegaria a um dos cargos mais importantes do mundo. “Quando Kamala ficou tão famosa, o pessoal da UnB ficou surpreso e contente por ele ter passado aqui e deixado essa marca. Alguns se lembravam com grande prazer da presença dele”, recorda Teixeira. Há dois meses, poucos poderiam crer que, após o governo do republicano Donald Trump, seria Kamala a primeira mulher, negra e descendente de indianos e jamaicanos, a compor o comando do país. E menos ainda que seu pai tivesse passado pela UnB.


quarta-feira, 17 de julho de 2024

Memórias de Rubens Ricupero: Diplomata humanista - Cristovam Buarque (Correio Braziliense)

 Diplomata humanista

Memórias, de Rubens Ricupero, tem todas as oito qualidades que se deseja em um bom livro sobre a vida do autor: deslumbra, descreve, ensina, informa, aproxima, sensibiliza, declara e inspira.

Cristovam Buarque
Correio Braziliense, 17/07/2024


A primeira qualidade de um livro é deleitar ao leitor. Rubens Ricupero consegue a façanha da primeira à última das 700 páginas de seu livro Memórias, publicado pela Editora da Unesp.

A segunda é contar boa história de vida. Ricupero lembra o nascimento, resultado da ousadia migratória dos quatro avós desde a Itália. Descreve sua infância em bairro pobre na cidade de São Paulo. Conta a saga de um homem que viveu a aventura de seu tempo como estudante, diplomata, estadista, professor, autor e cientista de relações internacionais.

A interligação da biografia com a história é a terceira qualidade do Memórias. Ao ler, vamos colecionando informações sobre o que se passou ao longo dos 87 anos em que sua vida coincidiu com a história do Brasil e do mundo no incrível período de meados do século 20 à terceira década do 21. Uma vida entrelaçada com o período histórico do pós-guerra até o atual mundo global integrado e dividido.

O livro tem a quarta qualidade de nos apresentar grandes personagens, lugares especiais e ideias marcantes. São mais de mil personagens com as quais sua vida se entrelaçou: autores do passado ou contemporâneos, estadistas, políticos, artistas, amigos, colaboradores e colegas, alguns muito conhecidos, outros anônimos, que ele cuida com respeito e carinho. Sobre cada um, Ricupero tem uma história para contar e um reconhecimento a fazer.

Mas, dificilmente, temos memórias interessantes se o autor não conta fatos importantes dos quais participou. O Memórias tem essa quinta qualidade: muito jovem, Ricupero participou da concepção da nossa política externa independente, assistiu por dentro à renúncia de Jânio Quadros, junto a San Tiago Dantas viu o regime parlamentarista em funcionamento, esteve presente em momentos decisivos das relações do Brasil com a Argentina, acompanhou Tancredo Neves no giro internacional depois da eleição para presidente, marcou o mundo como secretário geral da Comissão das Nações Unidas para o Comércio, a Indústria e o Desenvolvimento, foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia quando o mundo e o Brasil começavam a tomar conhecimento desses temas. E, sobretudo, foi o ministro da Fazenda que coordenou a implantação do Plano Real. Sua vida está ligada à vitória contra a inflação endêmica no Brasil, nosso maior equívoco e empecilho ao progresso, depois da escravidão e da desigualdade educacional.

Além dessas cinco qualidades, dificilmente um livro de memórias tem grandeza sem tragédia. Apesar da sua vida feliz, Ricupero descreve o drama na noite em que ele, em momento relaxado no estúdio de televisão, disse a frase que nada tinha do que ele sentia, em nada sintonizada com seu caráter e sua maneira de ser, mas gravada por acaso, vista inesperadamente, divulgada indiscretamente, que o transformou de "santo do real" em um "demônio da política". A descrição dessa tragédia, a candura como a analisa, 30 anos depois, é a sexta qualidade do Memórias.

Bom livro de memórias exige também uma boa história de amor. Isso não falta no Memórias de Ricupero. Ele declara seu amor por Marisa, companheira de todo tempo, conselheira em cada momento, impedindo, como ele descreve, erro que estava prestes a cometer; amor ao Brasil, à Itália, à cidade de São Paulo, à cultura, ao Instituto Rio Branco, a Brasília, da qual ele foi um dos pioneiros; assim como aos avós, pais, filhos e netos.

Memórias de Ricupero tem a sétima qualidade de revelar sentimentos íntimos que ele transmite ao reconhecer períodos de depressão, expressar sua  espiritualidade cristã e seu sofrimento com a pobreza e com a desigualdade social.

A oitava qualidade, rara em outras memórias, é concluir a descrição da vida apontando para o futuro, na esperança de um mundo melhor. Ele deixa entrever a necessidade de uma nova diplomacia. Ricupero é um dos primeiros diplomatas no mundo que percebe o fato de que, atualmente, "cada país é um pedaço do mundo", diferentemente do tempo em que o "mundo era a soma de países". Ele faz parte daqueles ainda raríssimos diplomatas, como André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente, no Itamaraty, que defendem o seu país sem esquecer que ele é parte do mundo ao qual estamos ligados. O Memórias lembra o nacional apontando para o futuro planetário. Não é por acaso que repete (páginas 598 e 612) o poema de Khalil Gibran: "A Terra é minha pátria, a humanidade é minha família".

O Memórias de Ricupero tem todas as oito qualidades que se deseja em um bom livro sobre a vida do autor: deslumbra, descreve, ensina, informa, aproxima, sensibiliza, declara, inspira. E lembra que tudo foi resultado da boa educação que recebeu.