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sábado, 8 de outubro de 2016

Quem sao os liberais e o que eles tem a dizer? - Paulo Roberto de Almeida

Um leitor deste escrevinhador -- que escreve tanto que esquece muitas vezes o que escreveu (et pour cause: estou atualmente no meu trabalho número 3.046) -- relembra numa repostagem um "antigo" trabalho que fiz para liberais do cerrado central e publicado depois no site do Instituto Millenium, que explica um pouco da minha concepção atual sobre o liberalismo e sobre os liberais.
Atenção: disse "minha concepção atual" porque acredito que circunstâncias, crenças, situações políticas e econômicas vão mudando com o tempo, e devemos estar sempre abertos a rever nossas concepções sobre o mundo, as sociedades e seus problemas, de acordo com essas, e dependendo dessas condições cambiantes.
Atenção 2: quem escreve sobre o liberalismo e os liberais não se classifica como tal, pois acredito que todo rótulo é um pouco redutor, como eu argumento ao final deste pequeno texto.
Atenção 3: Quão antigo é este artigo? Ele foi escrito em Hartford, em 26 de fevereiro de 2015, 3 p. Considerações sobre o que são, e o que não são, os liberais, para circulação no âmbito do Instituto Liberal do Centro Oeste. Depois é que ele foi publicado, nem sei como, pelo Instituto Millenium.
Atenção 4: Depois que escrevi que liberais não têm religião, no sentido puramente formal da expressão, recebi vários comentários a respeito, o que indico, e discuto, no final deste texto e em outra postagem, indicada. 
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2016

Quem são os liberais e o que eles têm a dizer? Paulo Roberto de Almeida explica


O liberalismo é uma doutrina forjada mais sistematicamente em meados do século 19, embora possa ter raízes mais antigas, seja no iluminismo escocês (David Hume, Adam Smith) e na filosofia política britânica (John Locke é o mais distinguido, mas o economista John Stuart Mill também é representativo da corrente), seja já no constitucionalismo francês (Benjamin Constant, Alexis de Tocqueville), e mesmo em algumas correntes da filosofia e do pensamento social alemão (como Immanuel Kant e Wilhelm Humboldt, por exemplo). No século 20, ele está mais identificado, no terreno econômico, com Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Milton Friedman, e com Isaiah Berlin e Raymond Aron, na filosofia da história e no pensamento político. Há também uma vertente do liberalismo social, que poderia ser representada pelo italiano Norberto Bobbio, que sempre tentou fazer uma ponte entre o pensamento liberal clássico e a moderna socialdemocracia, de corte reformista, ou socialista liberal. Já nos Estados Unidos, esse conceito se identificou de modo negativo com a socialdemocracia em sua vertente intervencionista, mas republicanos conservadores, como Ronald Reagan (que não era nada teórico), encarnaram uma vertente prática da doutrina liberal. Na Grã-Bretanha, Margaret Thatcher havia lido Hayek e tentou aplicá-lo, tanto quanto possível.
Existem, portanto, variantes do liberalismo, nas vertentes filosóficas, políticas ou econômicas, mas todas elas parecem exibir certos traços, ou compromissos, comuns: uma desconfiança do poder e a resistência a Estados muito fortes; uma crença básica no progresso social, ou seja, que os homens e suas instituições podem ser melhorados pela aplicação racional de políticas respeitando as liberdades políticas e econômicas; uma aceitação inquestionada do fato que mercados livres sempre funcionarão melhor do que suas alternativas planejadas ou dirigidas pela via do Estado; uma tolerância fundamental em relação às crenças e sentimentos pessoais, no simples entendimento de que sempre haverá algum tipo de conflito entre os interesses concretos dos indivíduos e suas crenças subjetivas, ou religiosas (que sempre são o resultado de construções humanas e sociais).
Em resumo, liberais não são absolutamente conservadores, e sim progressistas e adeptos de reformas contínuas. Eles não são religiosos, ou não é isso que os distingue no plano doutrinal, pois aceitam que as pessoas possam ter fé em doutrinas ou crenças religiosas. Eles são profundamente democráticos, pois acreditam que sempre se deve recorrer a consultas na comunidade, com vistas a um largo debate e o encaminhamento negociado de soluções racionais aos desafios sociais e aos problemas humanos. Eles têm um compromisso fundamental com as liberdades econômicas as mais amplas, base indispensável de sistemas políticos abertos e responsáveis.
Em resumo, liberais não são absolutamente conservadores, e sim progressistas e adeptos de reformas contínuas
Liberais se posicionam contra todos os privilégios, de qualquer tipo e origem, e acreditam na educação e na experiência do aprendizado prático como a melhor via para desenhar soluções a questões que emergem nas interações humanas. Por isso mesmo, eles confiam em que a pesquisa científica de boa qualidade, eticamente responsável, pode oferecer respostas tentativas aos problemas que aparecem na relação do homem com o ambiente. São pacifistas por convicção, não como princípio imutável, mas no sentido de sempre buscar o entendimento racional em caso de disputas ou de conflitos entre interesses e posturas divergentes; não repugnam, porém, o uso da força, quando alguma vontade autoritária tenta impor soluções com uso de violência. Os valores da democracia e os direitos humanos devem ser resolutamente defendidos contra tiranos e usurpadores, se preciso for pela coerção física dos seus inimigos e contraventores.
Dito isto, os liberais verdadeiros não possuem respostas definitivas para todos os problemas de organização social ou dilemas humanos, com base justamente na modesta crença de que os homens são capazes de encontrar as soluções as mais adequadas, por vezes apenas aproximativamente, a certos problemas complexos, que envolvem não apenas crenças religiosas, mas também sentimentos morais e conflitos éticos. Por exemplo, os liberais deveriam ser a favor ou contra a liberação das drogas? Eles devem ser a favor ou contra a descriminalização do aborto? Eles são por um Estado laico irredutível, ou defendem a total liberdade religiosa, inclusive de catequese e exercícios de conversão de crianças no ensino público? Eles são por casamentos de pessoas do mesmo sexo? Concordam em que bebês e crianças sejam adotadas por tais casais?
Não é seguro que existam respostas unívocas, liberais ou de qualquer outra extração, a determinadas questões, que colocam pessoas em choque umas com as outras, independentemente de suas outras crenças políticas ou econômicas. Os liberais não pretendem ter respostas prontas e soluções “definitivas” a todos os problemas humanos e conflitos sociais, sobretudo de crenças, que devem ser deixados para a esfera dos sentimentos individuais. Na dúvida, ou na incerteza, eles propugnarão acompanhar a evolução dos costumes sociais, que já foram bem mais intolerantes no passado, nos terrenos referidos, do que aparentemente são hoje, com os progressos civilizatórios acumulados ao longo do tempo. Liberais são tolerantes e sempre defenderão a total liberdade das pessoas de adotar suas opções individuais, sem prejuízo de direitos e obrigações estabelecidas democraticamente pela comunidade.
O liberalismo é antes de mais nada uma construção social em constante estado de aperfeiçoamento doutrinal – nos campos do direito, da economia, da política – e por meio de experimentos de “ensaio e erro” no campo mais prático das políticas públicas, pois não existem respostas simples, ou universais, para problemas tão corriqueiros na vida das nações como educação, saúde, sistemas securitários, normas laborais ou para a política fiscal (que envolve um debate sobre o peso do Estado, o sistema tributário e, sobretudo, os desejos de certas correntes respeitáveis por maior igualitarismo social). Nesse campo de escolhas econômicas e de políticas públicas, os liberais procuram sempre privilegiar as mais amplas liberdades econômicas, com total garantia para a propriedade legítima e para a acumulação de riquezas que sejam fruto do trabalho (e não de privilégios administrados pelo Estado), mas também reconhecem a existência de diferenças sociais e de fortuna que merecem encontrar respostas adequadas no quadro de um amplo debate democrático sobre as melhores alternativas a esses problemas. Os liberais entendem que as melhores respostas a essas questões se situam na organização voluntária da sociedade, e não na distribuição pelas mãos de burocratas estatais, que sempre serão volúveis a alguma “taxa de intermediação” pelo “trabalho social”.
Liberais têm dúvidas, sobretudo quanto a projetos de engenharia social, contra os quais eles se posicionam racionalmente, com base na experiência histórica: tentativas de moldar a sociedade, ou de “corrigir os mercados”, sempre resultaram em desastres maiores do que os problemas supostamente na origem de imperfeições de mercado ou de desigualdades sociais. Também se opõem a todos os fundamentalismos, inclusive o do liberalismo, concebido como verdade inquestionável, e infenso ao debate aberto e tolerante com marxistas ou keynesianos, por exemplo, que exibem alguma legitimidade com base em suas propostas de “correção” dos problemas econômicos e sociais. Todas as sociedades apresentam componentes ideológicos e filosóficos os mais diversos e os liberais são herdeiros de uma das correntes da teoria social, o das liberdades individuais, contra o igualitarismo principista (e irrealizável) dos marxistas e contra pretensão dos keynesianos de erigir o Estado em guia e orientador supremo das forças econômicas.
Por fim, quem escreveu estes argumentos não se classifica em absoluto como liberal, pois entende que todo rótulo pode ser redutor ou simplificador das realidades necessariamente complexas do mundo concreto. Se algo poderia ser dito sobre o que guia o seu pensamento, apenas duas palavras o definem: racionalista e irreligioso.
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Ah, a religião, essa força desintegradora.
Sou uma pessoa absolutamente irreligiosa, e nem discuto o que possa ser isso. Sou totalmente indiferente a qualquer religião, mas acredito, sim, que as religiões estão necessariamente presentes na vida de 99,99% das pessoas, e são uma das mais importantes forças da história humana.
Mas, insisto, os verdadeiros liberais, e o liberalismo, não têm absolutamente nada a ver com isso. Liberdades humanas são "coisas" universais, irredutíveis, absolutas, ou deveriam ser, pelo menos.
As religiões não são nada disso: elas são "coisas" humanas, sociais, ou civilizatórias, são redutíveis a um tipo de pensamento ou proposta espiritual, e tendem a ser excludentes (de outras religiões), mas não necessariamente agressivas (como penso que o budismo, ou o confucianismo, acredito, sejam essencialmente "pacifistas"). Mas, as religiões, especialmente as monoteístas, as "conversionistas", as totalitárias, podem ser opressoras, e mesmo terrivelmente "mortais", daí que um verdadeiro liberal deveria ser indiferente às religiões, no que toca o seu "liberalismo".
No mais, um liberal pode ser o que quiser no plano das crenças individuais e pessoais, desde que não ataque, ofenda ou prejudique as liberdades de outrém.
Minha resposta às críticas ao meu texto acima, e meus comentários sobre a problemática estão nesta nova postagem, de 28/02/2015, do meu blog (da qual eu havia me esquecido também):
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/02/debate-os-liberais-precisam-ser.html
Brasília, 8/10/2016

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Debate sobre o gramscismo e as ideias liberais e conservadoras no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Ainda como consequência das perguntas e debates ocorridos a propósito das nossas palestras no Instituto de Direito Público, respondo aqui a uma pergunta muito interessante de um dos presentes no auditório.
Houve também uma resposta do segundo (ou primeiro) palestrante, mas só postarei se e quando autorizado por ele.
Paulo Roberto de Almeida

Questão: Quais, na opinião do senhor, serão os próximos passos da esquerda gramsciana brasileira após a atual derrota marcada pelo impeachment e pelo renascimento dos movimentos conservadores e liberais no Brasil.

PRA: Impossível responder essa questão objetivamente, uma vez que “esquerda gramsciana” não é uma organização com local, pessoal, CNPJ, e sim o que poderia ser chamado de “estado de espírito”. Trata-se daquilo que alguns masturbadores sociais, também chamados de sociólogos, tratam como um “constructo social”, ou seja, uma lenta acumulação de tendências e orientações “filosóficas” – geralmente inconscientes – que traduzem um padrão comportamental de análise de questões sociais e de práticas políticas que convergem para aquele universo militante (mesmo involuntariamente) que foram resumidas em obras do comunista italiano (luta de posições conquista do Estado, hegemonia ideológica, processo educacional, etc.), especialmente nos Cadernos do Cárcere e também em Moderno Príncipe.

Quem foi derrotado pela aprovação da abertura do processo de impeachment foi, em primeiro lugar, o PT e todos os seus militantes que aparelharam o Estado e que agora estão sendo afastados do governo (mas nem todos poderão ser devidamente identificados e extraídos de cargos públicos), depois todas as organizações daquilo que pode ser chamada de “nebulosa PT”, um amálgama de membros confirmados do partido e de militantes diversos do partido e associados, todo um arquipélago de satélites e de pedaços diversos dos tentáculos do PT na sociedade civil, correias de transmissão formais e informais desse partido “neobolchevique” (mais em espírito do que em organização rígida, como era o antigo PSODR, depois Partido Comunista da URSS). Essas correias de transmissão vão perder, progressiva ou repentinamente, suas fontes de financiamento e continuarão sendo “gramscianas” mais em intenção do que na prática, pois vai faltar “mortadela” para sustentar todo o ativismo político nos meses à frente. Estas organizações possuem, sim, sedes, pessoal permanente, toda uma agenda de atividades, que agora serão reduzidas ou desativadas. Ou seja, o gramscismo “prático” vai sim diminuir, mas isso não significa um retraimento do “espírito gramsciano”, aquilo que está, há anos, ou décadas, nos corações e mentes de todos esses militantes ou apenas apoiadores eventuais, ou permanentes, da nebulosa da esquerda em nosso país, que é imensa, quase indestrutível no futuro previsível.

Registre-se que os sindicatos, todos eles, inclusive as centrais, preservam as suas fontes de financiamento, e podem assim não apenas continuar suas atividades alinhadas ao PT ou às suas causas similares, como poderão, eventualmente, ajudar a manter algumas das organizações gramscianas “práticas”, sustentando suas ações, provendo os manifestantes de “mortadela” e outras facilidades tópicas. Os “gramscianos duros”, dentro e fora dos sindicatos continuarão, portanto, com suas atividades, ainda que em ritmo e dimensões reduzidos. Mas esta não é o conteúdo principal do gramscismo no Brasil, que é bem mais presente e mais diáfano, nas consciências de professores (as chamadas “saúvas freireanas”) ou de simples cidadãos, true believers nas crenças de milhares, milhões de pessoas, quanto a projetos de reformas sociais, distribuição de renda, ascensão dos mais pobres, derrota das elites predadoras, reforma agrária, taxação dos ricos e todo um conjunto de medidas que apontam inevitavelmente para um Estado controlado por essas forças não elitistas, não oligárquicas, necessariamente de esquerda e alinhadas com as propostas de “redenção” que figuram no núcleo das mensagens publicitárias do PT e seu chefe populista (e mafioso).

Respondendo mais diretamente à pergunta, podemos pois “prever” que as organizações materiais do gramscismo político no Brasil continuarão em suas tarefas, agora numa missão de “resistência” e de tentativa de reconquista do poder, pela via eleitoral ou qualquer outra que se apresente taticamente. A estratégia é a mesma, e se conforma totalmente àquela que tinha sido sugerida pelo teórico italiano: em lugar de guerra frontal, eventual putsch, ou até revolução, o lento crescimento do partido e de suas organizações subordinadas e associadas em direção do poder “mental” e depois do poder real da sociedade, o governo e o aparelho de Estado.

Mais difícil prever é o comportamento dos milhares, milhões de “gramscianos inconscientes”, ou seja, pessoas que foram educadas, desde o jardim da infância, nas teses associadas à corrente: a justiça social, a reforma agrária, a expulsão das elites perversas do poder, e a conquista do Estado pelo povo, para então aplicar todas aquelas soluções simplistas que eles têm a oferecer, que passam sempre pelo distributivismo mais exacerbado, eventual socialização ou estatização de atividades ditas “essenciais”, ou “estratégicas” – saúde, educação, setores fundamentais da economia, etc. – o que representaria o triunfo do gramscismo na construção de sua hegemonia ideológica.

Esse “gramscismo espiritual” vai continuar durante longos anos, pois ele está ligado, estruturalmente, aos sistemas de ensino (todos eles), e espiritualmente a uma “ideologia nacional”, que é desenvolvimentista e estatizante e distributivista, antes de ser produtivista, poupadora ou investidora. As esquerdas – mesmo que o PT perca a sua atual hegemonia partidária e no controle de dezenas de correias de transmissão – continuarão de certa forma hegemônicas na sociedade brasileira, em virtude das desigualdades e da pobreza persistentes, o que justifica o seu discurso salvacionista, redentor e transformador. Vão perder apoio eleitoral nas camadas médias baixas, um pouco mais educadas, e que rejeitam o espetáculo da corrupção protagonizado pelo PT e suas organizações, mas um porção significativa do eleitorado, tanto pobres quanto aqueles instruídos completamente no “gramscismo educacional”, permanecerão apoiando as principais teses dessas esquerdas, que são geneticamente gramscistas.

Quanto ao alegado “renascimento de forças conservadoras ou liberais” no Brasil, não sou muito otimista a esse respeito, por razões mais de ordem prática do que no plano filosófico ou teórico (que está restrito a um punhado extremamente reduzido, sendo redundante, de acadêmicos consistentemente liberais). Existe o efeito da conjuntura política, o rescaldo do estelionato eleitoral de 2014, as revelações bastante chocantes da Lava Jato, e finalmente a crise econômica que atinge a todos e cada um. Muitos brasileiros médios, portanto, mesmo sem muita educação política, ou sem qualquer formação teórica ou fundamentos filosóficos de crença em alguma doutrina liberal ou conservadora, se “descobrem” repentinamente ser liberais ou conservadores, mesmo que isto não tenha muita coerência ou consistência prática. Em outros termos, não atribuo muita importância a este “renascimento” conjuntural do liberalismo ou do conservadorismo, que correspondem, em minha opinião, mais a rótulos, ou emblemas, do que a movimentos consistentes e permanentes, ou seja, organizações e doutrinas instalados solidamente na sociedade (com locais, pessoal e CNPJ).

Existem, é claro, movimentos tendenciais nesse sentido, como o Estudantes pela Liberdade, a crescente multiplicação de “institutos liberais” em vários estados do Brasil e os movimentos que atuaram de maneira decisiva nos últimos dois anos para expulsar o PT do poder. Mas não está claro que isso resulte em partidos ou organizações liberais de maneira consistente e ativos na vida política do país. Existe ainda muita confusão mental quanto a valores, princípios, programas e agendas de atividades, e muita gente que se diz conservadora ou liberal tende ainda a “importar” ideias, slogans e até medidas de outros países – sobre armas, aborto, drogas, questões de gênero e uma grande variedade de outros temas – e tentam adaptá-los ao Brasil, sem perceber que s realidades nos EUA ou na Europa são marcadamente diferentes das nossas realidades. Creio que o liberalismo e o conservadorismo, ou qualquer outro conjunto de ideias não gramscistas precisam enfrentar um longo e lento caminho de esclarecimento, de depuração de ideias, de formulação doutrinal, o que depende, obviamente, de que acadêmicos, intelectuais, jornalistas e outros formadores de opinião identificados com essas correntes deixem de ser a minoria que são atualmente para tornar-se, não digo majoritários, mas pelo menos presentes num espectro mais amplo dos espaços públicos.

Por fim, não acredito que a “derrocada” do gramscismo prático, representando pelo impeachment da presidente, tenha algo a ver com esse hipotético renascimento de “ideias” liberais ou conservadoras. Ela tem muito mais a ver com a indignação de uma imensa classe média – que não tem ideologia, mas sentimentos e percepções – contra a corrupção e o estelionato eleitoral, junto com a ação da “República de Curitiba”, ou seja, o ativismo do pessoal da Operação Lava Jato, mas isso só teve o impacto decisivo a partir do agravamento da crise econômica, do descrédito do governo do PT, e da aceleração de movimentos que precipitaram essa “ladeira abaixo” do governo, inclusive com episódios “acidentais” ou circunstanciais (como a eleição de Eduardo Cunha na Câmara, por exemplo); portanto, a dinâmica das ruas e a República de Curitiba foram determinantes nessa derrocada, bem mais do que o Congresso ou o STF (que aliás tiveram um papel de delonga, e até de entorpecimento, nesse processo).

As ideias liberais ou conservadoras não são propriamente ascendentes na atual fase do processo político-partidário brasileiro, ainda que possam ser emergentes – mesmo de forma confusa, difusas, como já mencionei – no atual cenário político. Será preciso um grande e lento trabalho de reeducação das mentalidades, em direção desses formadores de opinião já mencionados: professores (do pré-primário à pós-graduação), jornalistas, “intelectuais públicos”, líderes políticos e outros personagens da vida pública. Não é para amanhã, nem para a próxima década, pois o Brasil, como acredito, é um país geneticamente distributivista, estatizante, dirigista, protecionista, e isso há décadas; certas crenças não são vencidas ou superadas facilmente. Prefiro ser realista, mas entendo que esta minha atitude possa decepcionar alguns amigos.

Esse realismo não me impede de trabalhar pelas “boas ideias”, e de contribuir para a formação dos “formadores de opinião”, pelo meu trabalho didático e acadêmico. Mas não creio que as ideias liberais, menos ainda as conservadoras, venham a ter um papel decisivo na política brasileira no futuro previsível, mesmo que líderes “liberais” venham a ser eleitos para posições importantes no cenário político-eleitoral: eles sempre serão minoria no quadro geral das políticas públicas. Digo isto porque mesmo em países de economia avançada, tidos por “liberais”, o peso do Estado continua determinante, e em todos eles crises fiscais estão sempre ameaçando no horizonte, ou seja, despesas públicas com saúde e educação, ou ainda gastos previdenciários e assistenciais. Ao fim e ao cabo, não acredito no “triunfo” das ideias liberais no Brasil, mas sim num lento avanço, aliás não muito diferente das táticas gramscianas de luta de posições, de conquista de hegemonia, de aparelhamento do Estado. Será que veremos isso?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de maio de 2016.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Os liberais e as desigualdades sociais na América Latina - Juan Carlos Hidalgo (El Pais)

Los liberales ante la desigualdad en América Latina

JUAN CARLOS HIDALGO 
El País (Espanha), 12/02/2014

El debate sobre la desigualdad promete dominar la discusión política este año. En Washington, el presidente Obama hizo del tema el eje central de su discurso del Estado de la Unión. En Davos, líderes políticos y empresariales reunidos en el Foro Económico Mundial discutieron sobre los retos que implica la creciente disparidad de ingresos en los países desarrollados. Y en La Habana, los presidentes de América Latina enfatizaron su compromiso para luchar contra dicho flagelo durante la cumbre de la CELAC.

El tema reviste particular relevancia en América Latina, al ser la región que presenta la mayor desigualdad del planeta. Paradójicamente, desde el 2000 la brecha en los ingresos, medida por el coeficiente de Gini, viene disminuyendo en todos los países latinoamericanos, con excepción de Costa Rica, Guatemala y República Dominicana. Aun así, las diferencias significativas que todavía persisten entre ricos y pobres constituyen un constante foco de fricción social y político.

Para los abanderados del liberalismo económico, el debate sobre la desigualdad en América Latina presenta un serio reto académico y político: nuestro énfasis siempre ha sido el combate a la pobreza, no la lucha por sociedades materialmente igualitarias. Siempre y cuando la gente salga de la miseria y prospere, no debería importarnos que otros aumenten sus fortunas. Es más, el mismo concepto de “distribución de la riqueza” nos resulta problemático, ya que da a entender que esta es una constante que simplemente hay que repartir, no generar. La historia está llena de ejemplos de naciones que optaron por distribuir la riqueza y más bien terminaron dilapidándola.

Sin embargo, los liberales no podemos obviar las causas de la persistente desigualdad en la región. Friedrich Hayek, uno de los grandes pensadores liberales del siglo XX, sostenía que siempre y cuando las reglas del juego fueran justas, el resultado sería justo. Esto nos lleva al hecho de que en América Latina el sistema económico imperante desde tiempos de la colonia se ha caracterizado por ser mercantilista. Es decir, el Estado escoge a los ganadores y perdedores.

Por ejemplo, una de las políticas más regresivas fue la manera en que por muchos años los Gobiernos latinoamericanos recurrieron a sus Bancos Centrales como fuente fácil de financiamiento, atizando altos niveles de inflación. Según datos de Steve Hanke, de la Universidad Johns Hopkins, en las últimas cuatro décadas han ocurrido siete episodios hiperinflacionarios en la región. La inflación es el impuesto más regresivo, ya que castiga a los pobres más que a ningún otro sector de la población. A diferencia de las clases altas y medias, que pueden protegerse de manera más efectiva a través de la posesión de activos o el cambio de sus ahorros a divisas, los pobres no tienen activos ni ahorros significativos. Afortunadamente, reformas en los últimos 15 años han traído estabilidad monetaria a América Latina (con las conocidas excepciones de Argentina y Venezuela): la mediana de inflación en el 2013 fue de apenas 3,9%.

El proteccionismo y las altas barreras de entrada a la competencia en diversos mercados han sido otra herramienta de privilegio. A pesar de los procesos de liberalización de las últimas dos décadas, la ausencia de competencia aún persiste en numerosos sectores agrícolas e industriales. Por lo general, la finalidad de estas trabas es la protección de vastos emporios corporativos a expensas de los consumidores. Muchas de las grandes fortunas latinoamericanas pueden trazarse a empresarios que han sido más exitosos en cosechar conexiones políticas que en ofrecer productos y servicios de calidad a un buen precio.

Pero es en la política regulatoria donde encontramos los mayores obstáculos para que los sectores de menos ingresos salgan adelante. En 1986, Hernando de Soto llamó la atención sobre el problema en su libro El Otro Sendero. En él, documentó los enormes costos burocráticos que enfrentaban las clases populares del Perú para emprender un negocio. Los ricos y, en cierta medida, la clase media pueden contratar abogados y contadores para sortear dicho viacrucis regulatorio, pero a los pobres no les queda otra que engrosar la economía informal.

El informe Haciendo Negocios del Banco Mundial ha revelado la extensión del problema: la nuestra es consistentemente la región del mundo que pone más obstáculos a la gente que quiere abrir una empresa. Once países latinoamericanos se encuentran por debajo del puesto 100 en el ranquin que reúne a 189 economías. Solo tres, Chile, Perú y Colombia, están en las primeras 50 posiciones. Esta realidad contrasta con los lugares que ostentan en dicho índice naciones desarrolladas como Nueva Zelanda (3), Suecia (14) o Canadá (19). No en vano, mi colega Johan Norbeg ha señalado que en los países desarrollados, si uno se quiere hacerse rico, se pone un negocio, mientras que en América Latina hay que ser rico para poder abrirse uno.

Según un estudio publicado el año pasado por la Organización Internacional del Trabajo (OIT), el 47,7% de los latinoamericanos que laboran en actividades no agrícolas trabajan en la economía paralela. La informalidad limita seriamente las perspectivas de desarrollo, al imponer una suerte de apartheid legal y económico a la gente que se encuentra en ella. Por ende, la capacidad de la región para reducir significativamente la brecha de ingresos enfrentará graves dificultades hasta el tanto casi uno de cada dos latinoamericanos esté empleado en el sector informal.

Como vemos, en América Latina la desigualdad es, en gran medida, un resultado injusto porque las reglas del juego nunca han sido justas. La solución no consiste en agrandar aún más unas burocracias nacionales elefantiásicas; sino en recortar las múltiples distorsiones estatales en la economía que perjudican a los que menos tienen. En eso, los liberales tenemos mucho que contribuir a la discusión.


Juan Carlos Hidalgo es analista de políticas públicas sobre América Latina en el Centro para la Libertad y Prosperidad Global del Cato Institute en Washington, DC.