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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 12 de setembro de 2024

A grande fratura da política brasileira - Paulo Roberto de Almeida

 A grande fratura da política brasileira 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a divisão do país, iniciada sob o lulopetismo e agravada sob o bolsonarismo.

 

A grande divisão política, ideológica, partidária, no Brasil parece ter se agravado e se consolidado no Brasil nos últimos anos. Ela não começou, contudo, com o desafio da direita – tanto a extrema quanto a liberal – ao predomínio das esquerdas no cenário acadêmico e jornalístico do Brasil desde a explosão de protestos contra o governo Dilma em 2013. Ela começou bem antes, e vinha se afirmando no país desde os anos 1980, com a emergência do PT na política brasileira, se reforçou na redemocratização e praticamente se cristalizou nos anos 1990, época maior dos enfrentamentos entre duas linhas social-democráticas típicas na América Latina: a reformista-capitalista e a socialista-anticapitalista, representadas pelo PSDB e pelo PT respectivamente. 

Essa divisão foi basicamente alimentada pelo sectarismo petista, organizada e dinamizada pelos “gramscianos” do PT, que são diferentes do núcleo sindicalista original do PT, imediatamente “assaltado” pelos “guerrilheiros reciclados” que voltaram do exílio na anistia do 1979 e logo penetraram e dominaram organicamente o PT, como uma das principais forças organizadas e empenhas na montagem do aparelho partidário de tipo “neobolchevique”. Foi essa combinação de representantes do sindicalismo alternativo e dos “gramscianos” das esquerdas derrotadas pelo regime militar que constituiu a força original do PT e que, junto com as bases populares que formaram o seu eleitorado – movimentos sociais, comunidades eclesiais de base, organizações comunitárias vinculadas à “Igreja progressista” (bispos da CNBB, de esquerda) –, estiveram na origem do primeiro e único partido de base ideológica e popular que efetuou sua “média marcha” em direção ao poder, vinte anos depois de sua fundação. Sindicalistas, gramscianos, intelectuais formaram a espinha dorsal do PT, que preservou a linhagem revolucionária estilo cubano, jamais efetuando a transição para a revolução reformista que marcou a transição para a modernidade dos velhos partidos marxistas da esquerda europeia em direção dos movimentos reformistas da II Internacional. O PT permaneceu deformadamente marxista, mimeticamente cubano e supostamente socialista.

Ao lado do populismo demagógico do seu principal líder – supostamente operário, mas na verdade um apparatchik sindicalista -, os intelectuais gramscianos levaram o PT aos seus primeiros triunfos eleitorais, ao mesmo tempo em que o líder se encarregava de construir uma imagem de líder social popular comprometido com as causas clássicas dos partidos socialistas: a luta pela igualdade social, pelos direitos dos trabalhadores, pelo reformismo radical de nítida feição estatizante e alinhado com as causas da revolução cubana na região. Esse foi o cenário no qual emerge e se consolida a fratura política nacional: de um lado o povo puro, classes C e D, inclusive E na parte urbana, de outro as elites, as oligarquias, os ricos em geral, responsáveis presumidos pela miséria e pelas desigualdades sociais.

A divisão “nós e eles”, o “povo” e as “elites” começa aí, num sentido classista típico, que torna praticamente impossível uma grande aliança entre petistas e tucanos para iniciar e empreender um conjunto de reformas modernizantes capazes de mudar o cenário político oligárquico tradicional em direção de uma coalizão de centro-esquerda, com condições de mudar o país, como feito em alguns experimentos da socialdemocracia europeia ou mesmo latina. O PT obstruiu completamente, pelo seu não aggiornamento, a possibilidade dessa união de cunho progressista, continuando a hostilizar as forças moderadas da esquerda tucana. O PSDB teve de se aliar à direita para realizar muitas das reformas constitucionais e outras que teriam de ser feitas, depois que uma Constituição elaborada antes da queda do muro de Berlim congelou no país um modelo estatizante, intervencionista, assistencialista, e que, na verdade, reproduziu velhos mecanismos da oligarquia tradicional numa roupagem de tipo socialista moderna. 

Isso durou durante todos os anos 1990, depois os dois primeiros mandatos do PT, Lula 1 e 2, quando o sectarismo e os equívocos petistas levaram uma boa experiência de redistribuição social ao impasse de uma política econômica desastrosa, pelo excesso de gastos públicos e pelo intervencionismo exagerado na economia. A Grande Destruição Econômica do terceiro mandato petista abriu espaço para uma direita vingativa, ainda dividida em várias vertentes ideológicas, indo dos saudosistas da ditadura e dos fascistas involuntários (na verdade inconscientes) até os liberais moderados, mas que rejeitavam o molde petista na economia. Foi o agravamento, a exacerbação e o extremismo dessas correntes que inauguraram um outro tipo de divisão no país, não mais a “elite” e o “povo”, mas uma esquerda supostamente “comunista” e uma direita liberal e conservadora, sendo que esta nunca teve o seu equivalente de “intelectuais gramscianos” para oferecer-lhe uma doutrina política coerente ou capaz de organizar e conduzir um movimento reformista moderno, capitalista, liberal social avançado.

O extremismo venceu, pois que as direitas desorganizadas juntaram agora as velhas oligarquias, saudosistas da ditadura militar e os liberais muito fracos para dispor de seu próprio movimento ou partido capaz de levá-los ao poder. O petismo sectário criou e alimentou o antipetismo, onde vieram se abrigar todos aqueles que recusam o sectarismo petista, e com isso se consolidou a divisão do Brasil tal como a observamos atualmente. Os militares desempenharam um papel importante nessa ascensão da extrema-direita, pois eles reagiram contra o revanchismo das esquerdas a partir da Comissão Nacional da Verdade, que  de fato só considerou os crimes da repressão do regime militar, deixando completamente de lado os movimentos guerrilheiros, que incitaram a repressão violenta da ditadura, atingindo inclusive o pacífico Partidão, totalmente descomprometido com a luta armada dos anos 1960-1970, núcleo do “guerrilheiros reciclados” que afluíram no PT. 

Esse é o quadro da divisão atual entre duas metades do país, desiguais na composição social, na organização, nas doutrinas e nas motivações políticas estatais. Juntando tudo isso à casta política consolidada nas instâncias de representação e de comando político, temos o pior cenário de convivência política entre contrários, congelando os blocos opositores.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4729, 12 setembro 2024, 3 p.


terça-feira, 5 de março de 2024

Um dos grandes truques deles é dar migalhas aos miseráveis, enquanto frequentam os coquetéis dos milionários - Luiz Felipe Pondé (FSP)

 O PT é profissional, os bolsonaristas são amadores e cafonas

Um dos grandes truques deles é dar migalhas aos miseráveis, enquanto frequentam os coquetéis dos milionários

Luiz Felipe Pondé, Folha de São Paulo (03/03/2024)

Se Boulos levar a prefeitura de São Paulo,  a cidade será uma importante cabeça de ponte para o PT levar o estado  em 2026. Com as mãos nos cofres federais e de São Paulo — estado mais  rico da federação — o PT sangrará o país por 100 anos.

Não há oposição legítima ao PT entre nós. Os "conservadores" do legislativo  estão a venda sempre. Oferecem oposição até a próxima mesada. Os  evangélicos, em última instância, também estão a venda. Mas, estes  seriam a última resistência em termos de população comum, apesar de que,  como são evangélicos, ninguém os levaria a sério: tudo que creem é fake news. No final do dia, toda oposição ao PT é apenas manobra de barganha fisiológica.

As  redes poderiam fazer frente ao domínio universal do PT porque, como  dizem por aí, "as redes são da direita", mas, o resultado disso seriam  idiotas quebrando tudo nas ruas e os "democratas" gritando em uníssono:  Golpe! Golpe!

A Europa tem leis que regulam a internet. Mas  esses países não são corruptos como o Brasil. Aqui, a regulação da  internet servirá apenas para o PT destruir qualquer oposição popular a  ele — com ajuda da "Justiça". Não é à toa que a infantaria da imprensa  — 99% de esquerda — fica com água na boca quando ouve a expressão  "regulação das redes". 

Pessoalmente, penso que um Estado corrupto como o  nosso é muito mais perigoso para a liberdade do país do que as  plataformas digitais.

A  colonização do STF é mais complexa, mas possível e em curso — basta ver a  emoção da chegada ao Supremo dos terrivelmente lulistas, assim como nos  tempos do Bolsonaro, a chegada do terrivelmente evangélico. Os  salamaleques nesse caso são mais longos. O processo de redução do poder  de freio e contrapeso que o STF poderia oferecer ao PT viria regado a  muitos discursos empolados sobre o "império da lei" e sobre a democracia  ser um regime jurídico e, por isso mesmo, sustentada no princípio do  Estado de Direito — o que é pura verdade.

Aqui  está uma cartada sofisticadíssima da ameaça a democracia que traz o PT,  uma vez tendo colonizado o STF — colonização esta por simpatia  ideológica ou mero oportunismo de ocasião: o "golpe" aconteceria de modo  invisível e dentro do Estado de Direito. A máquina de censura jurídica  operaria na velocidade da luz e na densidade de um enxame de abelhas.  Processos, perda de patrocínio, de emprego, apagamento e cancelamento de  qualquer resistência publicamente mais significativa.

As  "minorias identitárias" chorariam juntas pelo Brasil "progressista".  Nenhuma resistência seria oferecida por essas minorias a um golpe na  democracia dado pelo PT, pelo contrário, ajudariam a esmagar qualquer  reação sob a rubrica de crítica a uma fobia qualquer.

A  virada diplomática brasileira no sentido de regimes totalitários é  muito clara: Rússia, Venezuela, Irã, Hamas. O país piorou: até a  diplomacia hoje é miserável.

Os  ricos vivem bem com qualquer governo. Viveram bem no Lula 1 e 2, e no  Dilma 1, e viverão bem nos 100 anos do PT. Um dos grandes truques deles é  dar migalhas aos miseráveis, com discursos açucarados, enquanto  frequentam os coquetéis dos milionários, oferecendo "descontos" nos  encargos e empréstimos generosos. Em Brasília, não existe vergonha na  cara.

A  sociabilidade na elite intelectual que reúne acadêmicos, jornalistas,  psicanalistas, editores, artistas e agentes culturais, funciona como um  método difuso de repressão.

Maledicência,  exclusão, inviabilização do dia a dia de trabalho e lazer entre colegas  são suas marcas. Isso foi bem mostrado pelo historiador Tony Judt no  seu impecável "Passado Imperfeito" sobre a sociabilidade intelectual  francesa na primeira metade do século 20. Tendo essa sociabilidade a seu  favor, a "democracia petista absoluta" caminharia segura para o domínio  da "cultura".

Uma  das misérias do país é não ter uma cultura decente que não mame nas  tetas do PT, não chore lágrimas de crocodilo e que não seja disposta a  apoiar um regime totalitário que abrace suas opções políticas e garanta  suas carreiras profissionais. O PT é profissional, os bolsonaristas são  amadores e cafonas.


quinta-feira, 19 de maio de 2016

Debate sobre o gramscismo e as ideias liberais e conservadoras no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Ainda como consequência das perguntas e debates ocorridos a propósito das nossas palestras no Instituto de Direito Público, respondo aqui a uma pergunta muito interessante de um dos presentes no auditório.
Houve também uma resposta do segundo (ou primeiro) palestrante, mas só postarei se e quando autorizado por ele.
Paulo Roberto de Almeida

Questão: Quais, na opinião do senhor, serão os próximos passos da esquerda gramsciana brasileira após a atual derrota marcada pelo impeachment e pelo renascimento dos movimentos conservadores e liberais no Brasil.

PRA: Impossível responder essa questão objetivamente, uma vez que “esquerda gramsciana” não é uma organização com local, pessoal, CNPJ, e sim o que poderia ser chamado de “estado de espírito”. Trata-se daquilo que alguns masturbadores sociais, também chamados de sociólogos, tratam como um “constructo social”, ou seja, uma lenta acumulação de tendências e orientações “filosóficas” – geralmente inconscientes – que traduzem um padrão comportamental de análise de questões sociais e de práticas políticas que convergem para aquele universo militante (mesmo involuntariamente) que foram resumidas em obras do comunista italiano (luta de posições conquista do Estado, hegemonia ideológica, processo educacional, etc.), especialmente nos Cadernos do Cárcere e também em Moderno Príncipe.

Quem foi derrotado pela aprovação da abertura do processo de impeachment foi, em primeiro lugar, o PT e todos os seus militantes que aparelharam o Estado e que agora estão sendo afastados do governo (mas nem todos poderão ser devidamente identificados e extraídos de cargos públicos), depois todas as organizações daquilo que pode ser chamada de “nebulosa PT”, um amálgama de membros confirmados do partido e de militantes diversos do partido e associados, todo um arquipélago de satélites e de pedaços diversos dos tentáculos do PT na sociedade civil, correias de transmissão formais e informais desse partido “neobolchevique” (mais em espírito do que em organização rígida, como era o antigo PSODR, depois Partido Comunista da URSS). Essas correias de transmissão vão perder, progressiva ou repentinamente, suas fontes de financiamento e continuarão sendo “gramscianas” mais em intenção do que na prática, pois vai faltar “mortadela” para sustentar todo o ativismo político nos meses à frente. Estas organizações possuem, sim, sedes, pessoal permanente, toda uma agenda de atividades, que agora serão reduzidas ou desativadas. Ou seja, o gramscismo “prático” vai sim diminuir, mas isso não significa um retraimento do “espírito gramsciano”, aquilo que está, há anos, ou décadas, nos corações e mentes de todos esses militantes ou apenas apoiadores eventuais, ou permanentes, da nebulosa da esquerda em nosso país, que é imensa, quase indestrutível no futuro previsível.

Registre-se que os sindicatos, todos eles, inclusive as centrais, preservam as suas fontes de financiamento, e podem assim não apenas continuar suas atividades alinhadas ao PT ou às suas causas similares, como poderão, eventualmente, ajudar a manter algumas das organizações gramscianas “práticas”, sustentando suas ações, provendo os manifestantes de “mortadela” e outras facilidades tópicas. Os “gramscianos duros”, dentro e fora dos sindicatos continuarão, portanto, com suas atividades, ainda que em ritmo e dimensões reduzidos. Mas esta não é o conteúdo principal do gramscismo no Brasil, que é bem mais presente e mais diáfano, nas consciências de professores (as chamadas “saúvas freireanas”) ou de simples cidadãos, true believers nas crenças de milhares, milhões de pessoas, quanto a projetos de reformas sociais, distribuição de renda, ascensão dos mais pobres, derrota das elites predadoras, reforma agrária, taxação dos ricos e todo um conjunto de medidas que apontam inevitavelmente para um Estado controlado por essas forças não elitistas, não oligárquicas, necessariamente de esquerda e alinhadas com as propostas de “redenção” que figuram no núcleo das mensagens publicitárias do PT e seu chefe populista (e mafioso).

Respondendo mais diretamente à pergunta, podemos pois “prever” que as organizações materiais do gramscismo político no Brasil continuarão em suas tarefas, agora numa missão de “resistência” e de tentativa de reconquista do poder, pela via eleitoral ou qualquer outra que se apresente taticamente. A estratégia é a mesma, e se conforma totalmente àquela que tinha sido sugerida pelo teórico italiano: em lugar de guerra frontal, eventual putsch, ou até revolução, o lento crescimento do partido e de suas organizações subordinadas e associadas em direção do poder “mental” e depois do poder real da sociedade, o governo e o aparelho de Estado.

Mais difícil prever é o comportamento dos milhares, milhões de “gramscianos inconscientes”, ou seja, pessoas que foram educadas, desde o jardim da infância, nas teses associadas à corrente: a justiça social, a reforma agrária, a expulsão das elites perversas do poder, e a conquista do Estado pelo povo, para então aplicar todas aquelas soluções simplistas que eles têm a oferecer, que passam sempre pelo distributivismo mais exacerbado, eventual socialização ou estatização de atividades ditas “essenciais”, ou “estratégicas” – saúde, educação, setores fundamentais da economia, etc. – o que representaria o triunfo do gramscismo na construção de sua hegemonia ideológica.

Esse “gramscismo espiritual” vai continuar durante longos anos, pois ele está ligado, estruturalmente, aos sistemas de ensino (todos eles), e espiritualmente a uma “ideologia nacional”, que é desenvolvimentista e estatizante e distributivista, antes de ser produtivista, poupadora ou investidora. As esquerdas – mesmo que o PT perca a sua atual hegemonia partidária e no controle de dezenas de correias de transmissão – continuarão de certa forma hegemônicas na sociedade brasileira, em virtude das desigualdades e da pobreza persistentes, o que justifica o seu discurso salvacionista, redentor e transformador. Vão perder apoio eleitoral nas camadas médias baixas, um pouco mais educadas, e que rejeitam o espetáculo da corrupção protagonizado pelo PT e suas organizações, mas um porção significativa do eleitorado, tanto pobres quanto aqueles instruídos completamente no “gramscismo educacional”, permanecerão apoiando as principais teses dessas esquerdas, que são geneticamente gramscistas.

Quanto ao alegado “renascimento de forças conservadoras ou liberais” no Brasil, não sou muito otimista a esse respeito, por razões mais de ordem prática do que no plano filosófico ou teórico (que está restrito a um punhado extremamente reduzido, sendo redundante, de acadêmicos consistentemente liberais). Existe o efeito da conjuntura política, o rescaldo do estelionato eleitoral de 2014, as revelações bastante chocantes da Lava Jato, e finalmente a crise econômica que atinge a todos e cada um. Muitos brasileiros médios, portanto, mesmo sem muita educação política, ou sem qualquer formação teórica ou fundamentos filosóficos de crença em alguma doutrina liberal ou conservadora, se “descobrem” repentinamente ser liberais ou conservadores, mesmo que isto não tenha muita coerência ou consistência prática. Em outros termos, não atribuo muita importância a este “renascimento” conjuntural do liberalismo ou do conservadorismo, que correspondem, em minha opinião, mais a rótulos, ou emblemas, do que a movimentos consistentes e permanentes, ou seja, organizações e doutrinas instalados solidamente na sociedade (com locais, pessoal e CNPJ).

Existem, é claro, movimentos tendenciais nesse sentido, como o Estudantes pela Liberdade, a crescente multiplicação de “institutos liberais” em vários estados do Brasil e os movimentos que atuaram de maneira decisiva nos últimos dois anos para expulsar o PT do poder. Mas não está claro que isso resulte em partidos ou organizações liberais de maneira consistente e ativos na vida política do país. Existe ainda muita confusão mental quanto a valores, princípios, programas e agendas de atividades, e muita gente que se diz conservadora ou liberal tende ainda a “importar” ideias, slogans e até medidas de outros países – sobre armas, aborto, drogas, questões de gênero e uma grande variedade de outros temas – e tentam adaptá-los ao Brasil, sem perceber que s realidades nos EUA ou na Europa são marcadamente diferentes das nossas realidades. Creio que o liberalismo e o conservadorismo, ou qualquer outro conjunto de ideias não gramscistas precisam enfrentar um longo e lento caminho de esclarecimento, de depuração de ideias, de formulação doutrinal, o que depende, obviamente, de que acadêmicos, intelectuais, jornalistas e outros formadores de opinião identificados com essas correntes deixem de ser a minoria que são atualmente para tornar-se, não digo majoritários, mas pelo menos presentes num espectro mais amplo dos espaços públicos.

Por fim, não acredito que a “derrocada” do gramscismo prático, representando pelo impeachment da presidente, tenha algo a ver com esse hipotético renascimento de “ideias” liberais ou conservadoras. Ela tem muito mais a ver com a indignação de uma imensa classe média – que não tem ideologia, mas sentimentos e percepções – contra a corrupção e o estelionato eleitoral, junto com a ação da “República de Curitiba”, ou seja, o ativismo do pessoal da Operação Lava Jato, mas isso só teve o impacto decisivo a partir do agravamento da crise econômica, do descrédito do governo do PT, e da aceleração de movimentos que precipitaram essa “ladeira abaixo” do governo, inclusive com episódios “acidentais” ou circunstanciais (como a eleição de Eduardo Cunha na Câmara, por exemplo); portanto, a dinâmica das ruas e a República de Curitiba foram determinantes nessa derrocada, bem mais do que o Congresso ou o STF (que aliás tiveram um papel de delonga, e até de entorpecimento, nesse processo).

As ideias liberais ou conservadoras não são propriamente ascendentes na atual fase do processo político-partidário brasileiro, ainda que possam ser emergentes – mesmo de forma confusa, difusas, como já mencionei – no atual cenário político. Será preciso um grande e lento trabalho de reeducação das mentalidades, em direção desses formadores de opinião já mencionados: professores (do pré-primário à pós-graduação), jornalistas, “intelectuais públicos”, líderes políticos e outros personagens da vida pública. Não é para amanhã, nem para a próxima década, pois o Brasil, como acredito, é um país geneticamente distributivista, estatizante, dirigista, protecionista, e isso há décadas; certas crenças não são vencidas ou superadas facilmente. Prefiro ser realista, mas entendo que esta minha atitude possa decepcionar alguns amigos.

Esse realismo não me impede de trabalhar pelas “boas ideias”, e de contribuir para a formação dos “formadores de opinião”, pelo meu trabalho didático e acadêmico. Mas não creio que as ideias liberais, menos ainda as conservadoras, venham a ter um papel decisivo na política brasileira no futuro previsível, mesmo que líderes “liberais” venham a ser eleitos para posições importantes no cenário político-eleitoral: eles sempre serão minoria no quadro geral das políticas públicas. Digo isto porque mesmo em países de economia avançada, tidos por “liberais”, o peso do Estado continua determinante, e em todos eles crises fiscais estão sempre ameaçando no horizonte, ou seja, despesas públicas com saúde e educação, ou ainda gastos previdenciários e assistenciais. Ao fim e ao cabo, não acredito no “triunfo” das ideias liberais no Brasil, mas sim num lento avanço, aliás não muito diferente das táticas gramscianas de luta de posições, de conquista de hegemonia, de aparelhamento do Estado. Será que veremos isso?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de maio de 2016.