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domingo, 2 de agosto de 2015

Contra todos os maniqueismos; pela total liberdade de opcoes - Paulo Roberto de Almeida


Contra todos os maniqueísmos; pela total liberdade de opções

Paulo Roberto de Almeida


Tomar banho é uma das minhas grandes aventuras intelectuais. Digo isto sem qualquer ironia: quando estou debaixo da ducha, me ensaboando ou passando shampoo nos cabelos, que é quando justamente não consigo ler nem escrever – atividades que, como todos sabem, distraem o espírito e nos impedem de pensar direito –, aí sim é que costumo ter algumas ideias novas, como a deste artigo, por exemplo. Penso em coisas que não poderia pensar, ao ter em frente de mim uma página de livro, jornal ou revista, ou telas de um computador, que servem apenas para consolidar ideias já concebidas anteriormente, ou seja, sem qualquer inovação momentânea ou surpreendente. A ducha é o momento da centelha inovadora. Tentem a aventura vocês também: ao tomar banho, na próxima vez, experimentem pensar em coisas nunca antes pensadas. É o que faço regularmente, e o que me dá mais prazer; daí certas duchas prolongadas...
Pois bem, ao tomar a minha ducha num hotel na Filadélfia, terra de Benjamin Franklin, o maior, talvez único, filósofo americano (sans blague), estava pensando em como é chato ter de se classificar de alguma forma para se fazer entender pelos outros. Não só os jornalistas – que são maniqueístas e simplificadores por profissão, e vocação estupidamente entranhada nas faculdades de jornalismo –, mas também as pessoas comuns, aquelas como eu e você – que passamos a vida lendo e escrevendo – sentem uma necessidade para mim incompreensível de catalogar a si mesmas, e aos outros, segundo certos cânones pré-fabricados: “ah, você agora é liberal?”; ou então: “mas você ainda é marxista, de esquerda?” A coisa avança por aí: “Não sou de direita, mas...”, ou “Desculpe, mas isso é muito neoliberal; você acha mesmo que o mercado resolve tudo?; certas coisas têm de ser feitas pelo Estado.”
Faz muito tempo que cansei de todos os maniqueísmos. Tendo vindo do, ou me criado no marxismo acadêmico – até por força da literatura e dos debates disponíveis no mercado intelectual dos anos 1960, eu naturalmente me classificava à esquerda, sempre identificado com a “justiça social” – até por uma questão de situação de família – e com as causas “progressistas’’, o que sempre significou, naquela e em todas as épocas, com a contenção do mercado e a regulação estatal de grande parte das atividades produtivas. Mesmo quando eu estava lendo o meu Marx, ou achando o Ché Guevara um grande sujeito, eu não deixava de ler o Roberto Campos e refletir sobre tudo aquilo que estava sendo feito pela ditadura militar, teoricamente a serviço do imperialismo e do capitalismo monopolista internacional (era assim que definíamos as polaridades naqueles anos conturbados). Ao partir para a Europa, no início dos anos 1970, continuei a ler Jean-Paul Sartre, mas nunca deixei de também ler Raymond Aron, ainda que buscando recusar, bestamente, os bons fundamentos dos argumentos que defendiam, respectivamente, Roberto Campos ou Raymond Aron (nunca consegui, confesso).
Como eu sempre li muito, demasiadamente talvez, mas justamente aproveitava os momentos de não leitura – no banho, ou na penumbra das vigílias noturnas – para pensar, refletir sobre o que havia visto e lido, durante o dia, para, a partir daí, formar a minha própria opinião sobre as coisas do mundo. Por isso mesmo, cansei rapidamente de todos os fundamentalismos, de todos os tipos, e um dos primeiros foram os dogmas religiosos da Igreja Católica. Como leitor precoce de Monteiro Lobato, era impossível aceitar aquelas explicações furadas do padre no preparatório da primeira comunhão: eram tão primárias e risíveis as “verdades da fé”, que desisti de prestar atenção ao catecismo para começar a pensar sobre aqueles ritos que me pareciam ridículos. Por isso comecei por me definir como ateu – ou algo próximo disso – já entre 12 e 13 anos, mas como isso causasse certa suspeição entre os próximos, o jeito era apelar para algo mais aceitável: o agnosticismo. Mais tarde, verifiquei que tudo isso continha uma referência inevitável à religião, ou a um deus – ateu, aquele que nega a existência de deus – e passei simplesmente a me classificar como irreligioso. Pronto, isso resolve a questão.
No que se refere aos dogmas políticos e às escolas econômicas, ao aderir ao marxismo e ao socialismo, eu nunca deixe de estudar a história do capitalismo e de examinar, com lupa e sofreguidão, as supostas conquistas do socialismo e dos regimes de esquerda, em todas as partes do mundo que fui dado visitar e conhecer diretamente. O problema dos marxistas brasileiros, ou latino-americanos, assim como de acadêmicos em quase todos os países de economia capitalista, é que eles nunca vivenciaram, de fato, o socialismo real, em toda a sua extensão. Este não foi o meu caso. Tanto por força do exílio voluntário, quanto de minha profissão adulta, o nomadismo, a compulsão por viagens, a sede de conhecimento, a busca pela razão última das coisas me levaram, todas elas, a conhecer, e a refletir sobre, todos os regimes políticos, todos os sistemas econômicos realmente existentes, do capitalismo ideal (onde?) ao socialismo surreal (depois eu conto onde), das economias de mercado as mais avançadas do mundo ao estatismo mais subdesenvolvido, da prosperidade insolente à miséria alucinante. Creio ter visto um pouco de tudo em minhas andanças – por todos os meios disponíveis de locomoção, nos últimos 38 anos sempre com Carmen Lícia – e reflexões peregrinas.
Isso me tornou mais modesto em certos julgamentos “definitivos” sobre certos arranjos econômicos e sociais, me ensinou a ser mais tolerante com a opinião de outros estudiosos ou atores sociais, mas também mais crítico em relação a certos “engenheiros sociais” das academias, geralmente os seres mais alienados que encontrei em uma vida repleta de boas e más experiências (estas últimas costumam ensinar bem mais do que as primeiras). Passei a recusar modelos ou projetos de qualquer coisa, esses mesmos saídos das pranchetas desses ideólogos da felicidade alheia, ou apenas considerar experimentos fracassados como dignos de serem objetos de reflexão ponderada. E passei a recusar essas classificações simplistas e maniqueístas que costumam dividir os interlocutores em dois campos opostos (e desprezo aquelas páginas de jornal com artigos a favor e contra qualquer coisa que esteja na agenda do momento).
Com isso, passei a surpreender, ou a decepcionar muita gente, de todas as latitudes e quadrantes do espectro político. Já recebi vários convites para escrever um capítulo de livro, ou um artigo de opinião, de publicações marxistas, ou progressistas, para depois ser confrontado a uma recusa de aceitação, pelo fato de minhas opiniões ou argumentos não se encaixarem no molde conceitual dos organizadores. Uma revista acadêmica de esquerda, com a qual colaborei durante dez anos – certamente irritando os colegas do conselho editorial – me “demitiu” sumariamente depois de dois ou três artigos provocadores: “A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos que atrapalham seu desenvolvimento” (http://www.espacoacademico.com.br/047/47pra.htm); “Falácias acadêmicas, 15: o modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil” (http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/13823/7221); “Pode uma pessoa inteligente pretender-se comunista, hoje em dia?; Reflexões sobre um paradoxo acadêmico brasileiro” (http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14334/7601). Assim ocorreu em outras instâncias, igualmente, quando os companheiros começaram a me classificar como de direita, ou “neoliberal”, apenas porque ousei contestar certos dogmas estatizantes – mais por serem estúpidos economicamente, do que propriamente estatais – que se encontram disseminados em pasquins medíocres.
Mas isso aconteceu igualmente no espectro da direita, ou daquilo que se entende como tal no Brasil: grupos liberais, ou conservadores, me convidaram para palestras ou para escrever artigos, e depois devem ter se decepcionado com o fato de eu não me classificar politicamente à direita, ou sequer como liberal econômico. Sou apenas e tão somente, como eu sempre digo, um racionalista e um praticante do ceticismo sadio, o que me habilita a ser um questionador de todo e qualquer fundamentalismo político ou de quaisquer dogmatismos econômicos que possam existir. Na verdade, não tenho uma filosofia determinada, a não ser essa sadia desconfiança questionadora, e não pretendo que minhas ideias, ou “soluções” tentativas para qualquer coisa sejam justamente outra coisa que não tentativas racionais de ensaio e erro para ver o que pode ser feito de mais eficiente, e eficaz, no encaminhamento dos grandes problemas da humanidade.
E quais são eles? Os de sempre: segurança alimentar, segurança física, liberdade de pensamento, de inovação, de empreender, direito de propriedade, de acumulação de bens, de prosperidade, de bem-estar, de felicidade pessoal, capacidade de ser aceito e ser reconhecido por seus méritos próprios, sem necessitar de pertencer a um grupo, a uma tribo,  sem a obrigação de aderir uma religião, ponto e paro por aí. Esses são os grande problemas e as grandes tragédias da humanidade, pelo menos daquela parte (certamente imensa) que ainda não construiu sua prosperidade com base nas liberdades individuais, o que inclui o direito de empreender sem a mão extratora dos Estados intrusivos e cerceadores da liberdade de empreender, justamente.
Esses são meus critérios e esta é a minha filosofia: existem certas coisas que funcionam, no mundo, e outras coisas que não funcionam. Prefiro, obviamente, ficar com as primeiras, e rejeito tolerantemente as segundas, que entendo serem patrocinadas por mentes simples, ignorantes, ou de má-fé. Por exemplo: educação universal, de boa qualidade, aberta a todos os talentos, capacidades e condições sociais, é uma boa coisa em si: populações educadas sempre serão mais prósperas, mais propensas a rejeitar políticos demagogos e tiranos sanguinários (o que nem sempre é o caso, como vimos no triste exemplo do nazismo alemão, mas ele surgiu numa situação de profunda crise social e econômica, de exacerbação dos espíritos, justamente, com maniqueísmos bem implantados por todos os lados). Se essa educação vai ser feita pelas famílias – ou seja, pelos mercados – ou pelo Estado, esse é um bom debate econômico, que aceito com prazer, pois disso depende o futuro da humanidade, e modestamente do Brasil.
As questões certamente não são simples: certos serviços coletivos – água, saneamento, infraestrutura, transportes e segurança – devem ser buscados nos mercados ou fornecidos pelo Estado? Tudo depende de como a sociedade se organiza, e de como os seus agentes privados – indivíduos e empresas – podem ser habilitados e liberados para se exercerem nessas áreas, sob concessão, monopólio, competição aberta? Tudo isso é muito difícil, e não é possível ter respostas prontas – liberais ou estatais – para cada um dos desafios que se apresentam em sociedades complexas, altamente burocratizadas como as nossas. Não tenho a pretensão de ter todas as respostas corretas, ou definitivas, e por isso mesmo costumo repetir: vamos raciocinar juntos, vamos nos munir dos melhores estudos e testes de proficiência, de análises custo-benefício e de simulações de desempenho antes de adotar uma solução de âmbito parcial, de escopo estritamente dirigido ao objeto em questão, e de temporalidade variável (ou seja, podendo ser modificada assim que se modificarem as circunstâncias que determinaram a escolha de uma ou outra solução). Isso é puro pragmatismo, ou apenas racionalidade instrumental, ou seja, adequação entre meios e fins, como todo engenheiro verdadeiro poderia determinar.
O problema tampouco se colocar como sendo o da melhor teoria, ou o do melhor argumento racional que deveria prevalecer. Não existem respostas teóricas a problemas práticos, que tenham a virtude de ganhar um debate apenas porque são superiores em sua racionalidade intrínseca às respostas de menor qualidade que são oferecidas, e implementadas, por quem tem o poder de fazê-lo. Apenas relembrando um famoso debate intelectual – um dos poucos – que ocorreu no Brasil, três gerações atrás: aquele que opôs o intelectual, economista, Eugênio Gudin, liberal, ao industrialista, e também intelectual, Roberto Simonsen, protecionista e estatal-industrializante. Esse debate refletia, de certo modo, aquele que ocorria no mesmo momento entre o economista, e filósofo social, John Maynard Keynes e o filósofo social, e economista, Friedrich Hayek, a propósito das mesmas questões: o que devemos privilegiar, as soluções de mercado, ou os arranjos dos governos.
Quem ganhou o argumento teórico? Certamente Hayek e Gudin, do ponto de vista puramente racional, intelectual. Mas quem ganhou o argumento prático, com “respostas” que foram implementadas pelos governos, foram Keynes e Simonsen. O mundo ficou melhor? Impossível de dar uma resposta simples a essa questão, pois as outras soluções, as liberais, não foram implementadas, e não sabemos, assim, se teriam tido a melhor eficácia resolutiva, a melhor adequação entre meios e fins, a maior dose de prosperidade com a menor cota de sacrifícios pessoais. As liberdades certamente recuaram, mas talvez a maior parte dos indivíduos prefiram a segurança prometida pelos Estados do que a concorrência aberta oferecida pelos mercados. Esses são os dilemas. É isso que eu tento resolver todos os dias. Sempre tentando, sempre refletindo, sempre pensando no que pode ser melhor para todos, na maior extensão possível.
Isso é liberalismo? Provavelmente, mas não no sentido comum da expressão, enquanto doutrina ou conjunto de princípios guardando certa coerência com seus pressupostos básicos e objetivos finalistas. Liberdade a mais completa possível, por certo, com a menor intrusão possível por parte do Estado, que cede precedência aos direitos e liberdades individuais. Estado mínimo, por que não?, já que devemos pagar ao Estado apenas para que ele faça aquilo que não podemos fazer enquanto indivíduos ou a própria sociedade civil, organizada tanto quanto possível diretamente. Mercados livres, certamente, mas de uma forma não dogmática e não fundamentalista, pois no caso de sociedades complexas, as nossas, com muitas assimetrias de informação, alguma regulação estatal pode, ou deve, ser necessária. Tudo isso sempre considerando o que pode ser feito da melhor forma, ao menor custo, o que indica para soluções de mercado mesmo no caso de prestações públicas. Algumas soluções serão provavelmente estatais, por impossibilidade prática de fazer de outra forma. Mas que o seja da forma menos coercitiva possível, com o maior grau de liberdade para todos...
Vale!

Filadélfia, 2851: 2 agosto 2015, 6 p.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Liberalismo, breve sintese - Carlos Alberto Montaner

Lib

Autor Carlos Alberto Montaner

Carlos Alberto Montaner nasceu em Havana, Cuba. É professor universitário, jornalista e autor de vários ensaios e obras.
Montaner


O liberalismo é um modo de entender a natureza humana e uma proposta destinada a possibilitar que todos alcancem o mais alto nível de prosperidade de acordo com seu potencial (em razão de seus valores, atividades e conhecimentos), com o maior grau de liberdade possível, em uma sociedade que reduza ao mínimo os inevitáveis conflitos sociais. Ao mesmo tempo, o liberalismo se apóia em dois aspectos vitais que dão forma a seu perfil: a tolerância e a confiança na força da razão.
Em quais ideias se baseia o liberalismo?
O liberalismo se baseia em quatro simples premissas básicas:
– Os liberais acreditam que o Estado foi criado para servir ao indivíduo, e não o contrário. Os liberais consideram o exercício da liberdade individual como algo intrinsecamente bom, como uma condição insubstituível para alcançar níveis ótimos de progresso. Dentre outras, a liberdade de possuir bens (o direito à propriedade privada) parece-lhes fundamental, já que sem ela o indivíduo se encontra permanentemente à mercê do Estado.
– Portanto, os liberais também acreditam na responsabilidade individual. Não pode haver liberdade sem responsabilidade. Os indivíduos são (ou deveriam ser) responsáveis por seus atos, tendo o dever deconsiderar as conseqüências de suas decisões e os direitos dos demais indivíduos.
– Justamente para regular os direitos e deveres do indivíduo em relação a terceiros, os liberais acreditam no Estado de direito. Isto é, crêem em uma sociedade governada por leis neutras, que não favoreçam pessoas, partido ou grupo algum, e que evitem de modo enérgico os privilégios.
– Os liberais também acreditam que a sociedade deve controlar rigorosamente as atividades dos governos e o funcionamento das instituições do Estado.
O liberalismo é uma ideologia?
Não. Os liberais têm certas idéias – ratificadas pela experiência – sobre como e por que alguns povos alcançam maior grau de eficiência e desenvolvimento, ou a melhor harmonia social, mas a essência desse modo de encarar a política e a economia repousa no fato de não planejar de antemão a trajetória da sociedade, mas em liberar as forças criativas dos grupos e dos indivíduos para que estes decidam espontaneamente o curso da história. Os liberais não têm um plano que determine o destino da sociedade, e até lhes parece perigoso que outros tenham tais planos e se arroguem o direito de decidir o caminho que todos devemos seguir.
Quais são as idéias econômicas em que se baseiam os liberais?
A idéia mais marcante é a que defende o livre mercado, em lugar da planificação estatal. Já na década de 20 o filósofo liberal austríaco Ludwig von Mises demonstrou que, nas sociedades complexas, não seria possível planejar de modo centralizado o desenvolvimento, já que o cálculo econômico seria impossível. Mises afirmou com muita precisão (contrariando as correntes socialistas e populistas da época) que qualquer tentativa de fixar artificialmente a quantidade de bens e serviços a serem produzidos, assim como os preços correspondentes, conduziria ao desabastecimento e à pobreza.
Von Mises demonstrou que o mercado (a livre concorrência nas atividades econômicas por parte de milhões de pessoas que tomam constantemente milhões de decisões voltadas à satisfação de suas necessidades da melhor maneira possível) gerava uma ordem natural espontânea infinitamente mais harmoniosa e criadora de riquezas que a ordem artificial daqueles que pretendiam planificar e dirigir a atividades econômica. Obviamente, daí se depreende que os liberais, em linhas gerais, não acreditam em controle de preços e salários, nem em subsídios que privilegiam uma atividade em detrimento das demais.
O mercado, em sua livre concorrência, não conduziria à pobreza de uns em benefício de outros?
Absolutamente não. Quando as pessoas, atuando dentro das regras do jogo, buscam seu próprio bem-estar costumam beneficiar a coletividade. Outro grande filósofo liberal, Joseph Schumpeter, também austríaco, estabeleceu que não há estímulo mais positivo para a economia do que a atividade incessante dos empresários e industriais que seguem o impulso de suas próprias urgência psicológicas e emocionais. Os benefícios coletivos que derivam da ambição pessoal superam em muito o fato, também indubitável, de que surgem diferenças no grau de acúmulo de riquezas entre os diferentes membros de uma comunidade. Porém, quem melhor resumiu tal situação foi um dos líderes chineses da era pós-maoísta ao reconhecer, melancolicamente, que “ao impedir que uns poucos chineses andassem de Rolls Royce, condenamos centenas de milhões de pessoas a utilizar bicicletas para sempre”.
Se o papel do Estado não é planejar a economia nem construir uma sociedade igualitária, qual seria sua principal função de acordo com os liberais?
Essencialmente, a principal função do Estado deve ser a de manter a ordem e garantir que as leis sejam cumpridas. A igualdade que os liberais almejam não é a utopia de que todos obtenham os mesmos resultados, e sim a de que todos tenham as mesmas possibilidades de lutar para conseguir os melhores resultados. Nesse sentido, uma boa educação e uma boa saúde devem ser os pontos de partida para uma vida melhor.
Como deve ser o Estado idealizado pelos liberais?
Assim como os liberais têm suas próprias idéias sobre a economia, também possuem sua visão particular do Estado: os liberais são inequivocamente democratas, acreditando no governo eleito pela maioria dentro de parâmetros jurídicos que respeitem os direitos inalienáveis das minorias. Tal democracia, para que faça jus ao nome, deve ser multipartidária e organizar-se de acordo com o princípio da divisão de poderes.
Embora esta não seja uma condição indispensável, os liberais preferem o sistema parlamentar de governo porque este reflete melhor a diversidade da sociedade e é mais flexível no que se refere à possibilidade de mudanças de governo quando a opinião publica assim o exigir.
Por outro lado, o liberalismo contemporâneo tem gerado fecundas reflexões sobre como devem ser as constituições. Friedrich von Hayek, Prêmio Nobel de economia, produziu obras muito esclarecedoras a esse respeito. Mais recentemente, Ronald Coase, também agraciado com o Prêmio Nobel (1991), tratou em seus trabalhos da relação entre a lei, a propriedade intelectual e o desenvolvimento econômico.
Essa é a idéia sucinta de Estado liberal; mas como os liberais vêem o governo, ou seja, aquele grupo de pessoas selecionadas para administrar o Estado?
Os liberais acreditam que o governo deve ser reduzido, porque a experiência lhes ensinou que as burocracias estatais tendem a crescer parasitariamente, ou passam a abusar dos poderes que lhes são conferidos e empregam mal os recursos da sociedade.
Porém, o fato de que o governo tenha tamanho reduzido não quer dizer que ele deva ser débil. Pelo contrário, deve ser forte para fazer cumprir a lei, manter a paz e a concórdia entre os cidadãos e proteger a nação de ameaças externas.
Um governo com essas características não estaria abdicando da função que lhe foi atribuída, de redistribuir as riquezas, eliminar as injustiças e de ser o motor da economia?
Os liberais consideram que, na prática, infelizmente os governos não costumam representar os interesses de toda a sociedade, e sim que se habituam a privilegiar seus eleitores ou determinados grupos de pressão. Os liberais, de certa forma, suspeitam das intenções da classe política e não têm muitas ilusões a respeito da eficiência dos governos. Por isso o liberalismo sempre se coloca na posição de crítico permanente das funções dos servidores públicos, razão pela qual vê com grande ceticismo essa função do governo de redistribuidor da renda, eliminador de injustiças ou “motor da economia”.
Outro grande pensador liberal, James Buchanan, Prêmio Nobel de economia e membro da escola da Public Choice (Escolha Pública), originária de sua cátedra na Universidade de Virgínia, EUA, desenvolveu esse tema mais profundamente. Resumindo suas idéias sobre o assunto, qualquer decisão do governo acarreta um custo perfeitamente quantificável, e os cidadãos têm o dever e o direito de exigir que os gastos públicos revertam em benefício da sociedade como um todo, e não dos interesses dos políticos.
Isso quer dizer que os liberais não atribuem ao governo a responsabilidade de lutar pela justiça social?
Os liberais preferem que essa responsabilidade repouse nos ombros da sociedade civil e se canalize por intermédio da iniciativa privada, e não por meio de governos perdulários e incompetentes, que não sofrem as conseqüências da freqüente irresponsabilidade dos burocratas ou de políticos eleitos menos cuidadosos.
Finalmente, não há nenhuma razão especial que justifique que os governos se dediquem obrigatoriamente a tarefas como transportar pessoas pelas estradas, limpar as ruas ou vacinar contra o tifo. Tais atividades devem ser bem executadas e ao menor custo possível, mas seguramente esse tipo de trabalho é feito com muito mais eficiência pelo setor privado. Quando os liberais defendem a primazia da propriedade não o fazem por ambição, mas pela convicção de que é infinitamente melhor para os indivíduos e para o conjunto da sociedade.
Em inglês a palavra liberal tem aparentemente um significado diverso do que aqui se descreve. Em que se diferencia o liberalismo norte-americano daquilo que na Europa ou na América Latina se chama de liberalismo?
O idioma inglês se apropriou da palavra liberal do espanhol e lhe deu um significado diferente. Em l inhas gerais, pode-se dizer que em matéria de economia o liberalismo europeu ou latino-americano é muito diferente do liberalismo norte-americano. Isto é, o liberal norte-americano costuma tirar a responsabilidade dos indivíduos e passá-la ao Estado. Daí o conceito de estado de bem-estar social ou “welfare state”, que redistribui por meio de pressões fiscais as riquezas geradas pela sociedade. Para os liberais latino-americanos e europeus, como se viu antes, esta não é uma função primordial do Estado, pois o que se consegue por essa via não é um maior grau de justiça social, mas apenas níveis geralmente insuportáveis de corrupção, ineficiência e mau uso de verbas públicas, o que acaba por empobrecer o conjunto da população.
De qualquer forma, o pensamento dos liberais europeus e latino-americanos coincide com o dos liberais norte-americanos em matéria jurídica e em certos temas sociais. Para os liberais norte-americanos, europeus e latino-americanos o respeito das garantias individuais e a defesa do constitucionalismo são conquistas irrenunciáveis da humanidade.
Qual a diferença entre o liberalismo e a social-democracia?
A social-democracia realça a busca de uma sociedade igualitária, e costuma identificar os interesses do Estado com os dos setores proletários ou assalariados. O liberalismo, por seu turno, não é classista e sobrepõe a seus objetivos e valores a busca da liberdade individual.
Em que se diferenciam os liberais dos conservadores?
Embora haja uma certa coincidência entre liberais e conservadores no que se refere à análise econômica, as duas correntes se separam no campo das liberdades individuais. Para os conservadores o mais importante é a ordem; já os liberais estão dispostos a conviver com aquilo de que não gostam e são sempre capazes de tolerar respeitosamente os comportamentos sociais que se afastam dos padrões das maiorias. Para os liberais, a tolerância é a chave da convivência, e a persuasão é o elemento básico para o estabelecimento das hierarquias. Essa visão nem sempre prevalece entre os conservadores.
Em que se diferenciam os liberais dos democrata-cristãos?
Mesmo quando a democracia cristã moderna não é confessional, uma certa concepção transcendental dos seres humanos aparece entre suas premissas básicas. Os liberais, por sua vez, são totalmente laicos e não julgam as crenças religiosas das pessoas. Pode-se perfeitamente ser liberal e crente, liberal e agnóstico ou liberal e ateu. A religião simplesmente não pertence ao mundo das preocupações liberais (ao menos em nossos dias), embora seja essencial para o liberal respeitar profundamente esse aspecto da natureza humana. Por outro lado, os liberais não compartilham com a democracia cristã (ou, pelo menos, com algumas das tendências que se abrigam sob esse nome) um certo dirigismo econômico que normalmente é chamado de social-cristianismo.
Este texto, publicado em português pelo ¿Que és el liberalismo?, originalmente publicado em Centro de Estudios Economicos-Sociales.
Matéria extraída do website Ordem Livre

domingo, 26 de janeiro de 2014

Liberais, liberalismos, diversos e contraditorios - Mario Vargas Llosa

Liberais e liberais
Mario Vargas Llosa* 
O Estado de S.Paulo, 26 de janeiro de 2014

Assim como os seres humanos, as palavras mudam de conteúdo dependendo do tempo e do lugar. Acompanhar suas transformações é instrutivo, embora, às vezes, como ocorre com o vocábulo "liberal", semelhante averiguação possa fazer com que nos extraviemos num labirinto de dúvidas.
No Quixote e na literatura de sua época, a palavra aparece várias vezes. O que significa em tal contexto? Homem de espírito aberto, bem educado, tolerante, comunicativo; em suma, uma pessoa com a qual se pode simpatizar. Nela não há conotações políticas nem religiosas, apenas éticas e cívicas no sentido mais amplo de ambos os termos.
No fim do século 18, esse vocábulo muda de natureza e adquire matizes que têm a ver com as ideias sobre a liberdade e o mercado, dos pensadores britânicos e franceses do Iluminismo (Stuart Mill, Locke, Hume, Adam Smith, Voltaire). Os liberais combatem a escravidão e o intervencionismo do Estado, defendem a propriedade privada, o livre comércio, a concorrência, o individualismo, e declaram-se inimigos dos dogmas e do absolutismo.
No século 19, um liberal é acima de tudo um livre pensador: ele defende o Estado laico, quer separar a Igreja do Estado, emancipar a sociedade do obscurantismo religioso. Suas divergências com os conservadores e os regimes autoritários geram, às vezes, guerras civis e revoluções. O liberal de então é o que hoje chamaríamos um progressista, defensor dos direitos humanos (conhecidos desde a Revolução Francesa como Direitos do Homem) e da democracia.
Com o aparecimento do marxismo e a difusão das ideias socialistas, o liberalismo passa da vanguarda para a retaguarda, por defender um sistema econômico e político - o capitalismo - que o socialismo e o comunismo querem abolir em nome de uma justiça social que identificam com o coletivismo e o estatismo (essa transformação do termo liberal não ocorre em todas as partes). Nos Estados Unidos, um liberal é ainda um liberal, um social-democrata ou pura e simplesmente um socialista. A conversão da vertente comunista do socialismo para o autoritarismo impele o socialismo democrático para o centro político e o aproxima - sem juntá-lo - ao liberalismo.
Nos nossos dias, liberal e liberalismo significam, dependendo das culturas e dos países, coisas distintas e às vezes contraditórias. O partido do tiranete nicaraguense Anastacio Somoza dizia-se liberal, e assim se denomina, na Austrália, um partido neofascista. A confusão é tão extrema que regimes ditatoriais como os de Pinochet no Chile e o de Fujimori no Peru são chamados às vezes "liberais" ou "neoliberais" porque privatizaram algumas empresas e abriram mercados. Desta degeneração da doutrina liberal não são totalmente inocentes alguns liberais convencidos de que o liberalismo é uma doutrinaessencialmente econômica, que gira em torno do mercado como uma panaceia mágica para a solução de todos os problemas sociais. Estes logaritmos viventes chegam a formas extremas de dogmatismo, e se dispõem a fazer tais concessões no campo político à extrema direita e ao neofascismo que contribuem para desprestigiar as ideias liberais e para que sejam vistas como uma máscara da reação e da exploração.
Dito isso, é verdade que alguns governos conservadores, como os de Ronald Reagan nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha, realizaram reformas econômicas e sociais de inequívoca raiz liberal, impulsionando a cultura da liberdade de maneira extraordinária, embora em outros campos a fizessem retroceder. Poderíamos dizer o mesmo de alguns governos socialistas, como o de Felipe González na Espanha ou o de José Mujicano Uruguai, que, na esfera dos direitos humanos, promoveram o progresso em seus países reduzindo injustiças inveteradas e criando oportunidades para os cidadãos de renda inferior.
Nos nossos dias, uma das características do liberalismo é que pode ser encontrado nos lugares mais impensados e, às vezes, brilha pela ausência onde certos ingênuos acreditam vê-lo. Pessoas e partidos devem ser julgados não pelo que dizem e pregam, mas pelo que fazem. No debate que se desenrola nos dias de hoje no Peru sobre a concentração dos veículos de comunicação, alguns defensores da aquisição pelo grupo El Comercio da maioria das ações deEpensa, o que lhe confere quase 80% do mercado da imprensa, são jornalistas que silenciaram ou aplaudiram quando a ditadura de Fujimori e Montesinos cometia seus crimes mais hediondos e manipulava toda a informação, comprando ou intimidando donos e redatores de jornais. Como poderíamos levar a sério esses novíssimos catecúmenos da liberdade?
Um filósofo e economista liberal da chamada escola austríaca, Ludwig vonMises, opunha-se à existência de partidos liberais, porque, na sua opinião, o liberalismo devia ser uma cultura que irrigasse um leque muito amplo de formações e movimentos que, embora tivessem importantes discrepâncias, compartilhavam de um denominador comum sobre certos princípios liberais básicos.
Algo disso ocorre há bastante tempo nas democracias mais avançadas, onde, com diferenças mais de matiz do que de essência, entre democratas-cristãos esocial-democratas e socialistas, liberais e conservadores, republicanos e democratas, há alguns consensos que dão estabilidade às instituições e continuidade às políticas sociais e econômicas, um sistema que só se considera ameaçado por seus extremos, o neofascismo da Frente Nacional na França, por exemplo, ou a Liga Lombarda na Itália, e grupos e grupelhos ultra comunistas e anarquistas.
Na América Latina, esse processo se dá de maneira mais pausada e com maior risco de retrocesso do que em outras partes do mundo, em razão da debilidade em que se encontra ainda a cultura democrática, que tem uma tradição somente em países como Chile, Uruguai e Costa Rica, enquanto nos demais é muito maisprecária. Mas começou a acontecer, e a maior prova disso é que as ditaduras militares praticamente se extinguiram e que, dos movimentos armados revolucionários, sobrevive a duras penas o das Farc colombianas, com um apoio popular decrescente. É verdade que há governos populistas e demagógicos, deixando de lado o anacronismo que é Cuba, mas a Venezuela, por exemplo, que aspirava a ser o grande fermento do socialismo revolucionário latino-americano, vive uma crise econômica, política e social tão profunda, com a grande desvalorização de sua moeda, a carestia demencial - falta tudo, comida, água, até papel higiênico - e as iniquidades da delinquência, que dificilmente poderia agora ser o modelo continental no qual queria transformá-la o comandante Chávez.
Há certas ideias básicas que definem um liberal. Por exemplo, a liberdade, valor supremo, é una e indivisível, e deve atuar em todos os campos para garantir o verdadeiro progresso. A liberdade política, econômica, social cultural, é uma só e todas elas permitem o avanço da justiça, da riqueza, dos direitos humanos, das oportunidades e da coexistência pacífica em uma sociedade. Se a liberdade se eclipsa em apenas um desses campos, ela se encontra armazenada em todos os outros. Os liberais acreditam que o Estado pequeno é mais eficiente do que o que cresce demasiado e, quando isso ocorre, não só a economia se ressente, como também o conjunto das liberdades públicas. Eles acreditam que a função do Estado não é produzir riqueza, e essa função é melhor desempenhada pela sociedade civil, num regime de livre mercado, no qual são proibidos os privilégios e a propriedade privada é respeitada. Indubitavelmente, a segurança, a ordem pública, a legalidade, a educação e a saúde competem ao Estado, mas não de maneira monopólica, e sim em estreita colaboração com a sociedade civil.
Estas e outras convicções gerais de um liberal têm, na hora de serem aplicadas, fórmulas e matizes muito diferentes relacionados ao grau de desenvolvimento de uma sociedade, de sua cultura e de suas tradições. Não há fórmulas rígidas e receitas únicas para que as ponhamos em prática. Forçar reformas liberais de maneira abrupta, sem consenso, pode provocar frustração, desordens e crises políticas que põem em risco o sistema democrático. Este é tão essencial ao pensamento liberal como o da liberdade econômica e o do respeito pelos direitos humanos. Por isso, a difícil tolerância - para quem, como nós, espanhóis e latino-americanos, tem uma tradição dogmática e intransigente tão forte - deveria ser a virtude mais apreciada entre os liberais. Tolerância significa simplesmente aceitar a possibilidade do erro nas próprias convicções e de verdade nas alheias.
Por isso, é natural que haja entre os liberais discrepâncias, e às vezes muito sérias, sobre temas como o aborto, os casamentos gays, a legalização das drogas e outros. Sobre nenhum desses temas existem verdades reveladas. A verdade, como estabeleceu Karl Popper, é sempre provisória, válida apenas enquanto não surgir outra que a qualifique ou a refute. Os congressos e encontros liberais costumam ser frequentemente parecidos com os dos trotskistas (quando existia o trotskismo): batalhas intelectuais em defesa de ideias contrapostas. Alguns veem nisso um traço de inoperância e irrealismo. Acredito que essas controvérsias entre o que Isaias Berlin chamava de "as verdades contraditórias"fizeram com que o liberalismo continue sendo a doutrina que mais contribuiu para melhorar a coexistência social, promovendo o avanço da liberdade humana.
*Mario Vargas Llosa é Prêmio Nobel de Literatura.
E-mai: llosa@estado.com.br / Site: www.llosa.com.br

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Meira Penna: o mais longevo liberal brasileiro - Podcast do Instituto Mises Brasil

PODCAST 101 - J. O. DE MEIRA PENNA

Nascido num país onde a liberdade nunca foi um dado cultural e justamente no ano da revolução bolchevique em 1917, José Osvaldo de Meira Penna se transformou num ícone das ideias da liberdade no Brasil. Diplomata de carreira, Meira Penna construiu uma vida intelectual brilhante com livros fundamentais para entender o Brasil, como Em Berço Esplêndido - Ensaios de psicologia coletiva brasileira, Opção Preferencial Pela Riqueza, O Brasil na Idade da Razão e O Dinossauro. Aos 96 anos, Meira Penna talvez seja o mais longevo liberal brasileiro.

Lúcido e ativo, Meira Penna concedeu esta entrevista histórica ao Podcast do Instituto Mises Brasil para contar uma parte de sua vida e ideias, que também são parte da história do liberalismo no Brasil. Nesta conversa, realizada graças à ajuda valiosa de Bráulio Porto de Matos, Luiz Jardim e Daniel Marchi, o embaixador aposentado conta por que se tornou um liberal, quais foram os primeiros autores que leu, o encontro com Hayek no Brasil e o ingresso na, e as reuniões da, Mont Pelerin Society.

Ele também explicou a concepção psicológica do brasileiro, elaborada a partir das teses de C. G. Jung, a influência do positivismo na política nacional, e a ausência, desde a colonização, de um ambiente favorável à livre iniciativa devido à ausência de capitalismo, resistências burocráticas, patrimonialismo, escravidão, nacionalismo míope e ressentido, elementos que ajudam a explicar a relação de dependência e servidão de parte da sociedade brasileira em relação ao governo e a própria atuação das instituições políticas.

É uma honra para este Podcast compartilhar a entrevista com os ouvintes.


Com vocês, J. O. de Meira Penna

terça-feira, 16 de julho de 2013

A crise do liberalismo, segundo Pierre Manent - por Ricardo Velez-Rodriguez

Ricardo Vélez-Rodríguez


Rocinante, 14/07/2013

Pierre Manent (nasc. 1949), Diretor do Centre de Recherches Sociologiques et Politiques Raymond Aron, em Paris.
Pierre Manent é o herdeiro intelectual de Raymond Aron. O conheci em Paris quando desenvolvia, nos anos noventa do século passado, a minha pesquisa de Pós-doutorado, no Centro Raymond Aron (ligado à Haute École de Sciences Sociales). Fui apresentado a ele pela minha orientadora, Françoise Mélonio, uma das mais importantes estudiosas da obra de Tocqueville e seguidora das pegadas de Aron e de François Furet na Haute École. Manent tinha ocupado a direção do Centro, no lugar de Furet, recentemente falecido. Li o artigo dele sobre a crise do liberalismo, publicado na Revista Commentaire, que o meu mestre Antônio Paim me envia com regularidade. Esta abordagem visa a resumir os aspectos básicos desse artigo, intitulado: “La crise du libéralisme”[1], a fim de compreender as razões do pessimismo de Manent e fazer um balanço crítico da sua posição no debate contemporâneo.

Sintetizarei o artigo de Manent ao redor de oito pontos, a saber: I - O liberalismo, um mecanismo de governo. II - O liberalismo é, também, uma doutrina política centrada na representação. III - Liberalismo político e liberalismo econômico. IV - A regulação da energia econômica. V - Perplexidade em face da liberdade de mercado. VI - Império e globalização. VII - Um novo estado do mundo. VIII - O fim do domínio ocidental.

A minha avaliação crítica do texto de Manent centrar-se-á em cinco itens: 1 – A liberdade econômica não é um assunto secundário na temática liberal, como sugere Pierre Manent. 2 – Falta, na versão do liberalismo de Manent, a valorização da liberdade como condição ontológica, no indivíduo, para o seu desenvolvimento como pessoa. 3 – Manent insiste na perda de energia dos Franceses, atualmente, no cenário internacional, devido a uma causa externa. 4 – Adoção, por Manent, de uma concepção mercantilista da economia internacional, abandonando a visão macroeconômica iniciada por Adam Smith. 5 – Concepção sociológica que indica uma causa única para os fenômenos sociais.

I - O liberalismo, um mecanismo de governo. Este é o primeiro aspecto ressaltado por Manent. Ter sido formulado por Locke (no final do século XVII) como mecanismo de governo, possibilitou ao liberalismo superar aquilo que Benjamin Constant chamava de “a democracia dos antigos” e fundar a “democracia dos modernos”. O liberalismo, circunscrito até então à experiência britânica, impôs-se na França no final do século XVIII e permitiu, às sociedades continentais europeias, “escapar finalmente à alternativa característica dos séculos precedentes”, consistente “(...) de um lado, numa república esgarçada pelas facções e, de outro, numa monarquia oprimida pelo Príncipe, pelo seu aparelho de dominação ou pelos dois ao mesmo tempo”. Assim, frisa Manent, “(...) foi somente depois de um dispositivo representativo e liberal ter sido concebido e posto em prática, que a democracia conseguiu sair do seu descrédito secular de ser um regime enfraquecido pelas facções e condenado a uma rápida decomposição”.[2]

O liberalismo, em tanto que dispositivo ou esquema prático de governo, tornou-se realidade na República Americana, sendo O Federalista o documento mais completo da política democrática liberal. Esta, na Europa, herdou das monarquias a feição centrípeta do poder presente no Executivo como força animadora. A respeito, frisa Manent: “O liberalismo como melhor governo aparece, pois, na qualidade de solução por fim encontrada para as dificuldades da história européia, concretizadas na divisão entre os postulados republicano e monárquico”.[3]

II - O liberalismo é, também, uma doutrina política centrada na representação. Este ponto é válido, frisa Manent, apesar de Carl Schmitt considerar, na sua obra intitulada: La notion de politique,[4] que o liberalismo consiste, apenas, na associação de dois elementos não políticos: a economia e a cultura. Embora os próprios pensadores liberais, a começar por Locke, tenham introduzido a idéia de “freios e contrapesos” no exercício do poder, isso não constitui, certamente, uma “despolitização” do liberalismo. O “bom governo” não constitui um poder fraco, mas uma autoridade legitimada pelos cidadãos que dele participam, através da representação.

A partir da Revolução Gloriosa (1688) ficou claro que governar com base na representação constituía um bom governo. Isso aparentemente despolitizou o liberalismo, na medida em que se passou a considerar o poder como referido às instâncias da representação de interesses. Mas isso não constitui, propriamente, uma negação do liberalismo como doutrina política. As sociedades contemporâneas, herdeiras dessa tradição liberal, deram continuidade a essa aparente feição não política. Em relação a este ponto, Manent escreve: “De resto, deve-se notar que a nossa expectativa de cidadãos é de sermos bem governados, de termos um bom governo liberal, ou socialista, ou cristão, ou seja lá o que for. O propósito do cidadão consiste em ser bem governado e em participar, se for escolhido, num bom governo. Somos politicamente liberais porque a experiência tende a provar que as instituições e os costumes liberais conduzem a um melhor governo. Isto é verdade no pano de fundo do longo período que começa com a Revolução Gloriosa inglesa do fim do século XVII, mas esta experiência não é sentida com a mesma intensidade em outras épocas”.[5]

Manent se refere, aqui, aos governos de índole autoritária, fascista e totalitária que se espraiaram pela Europa ao longo das décadas de 20 e 30 do século passado. No seio dessa vaga antiliberal, difundiu-se a idéia da incapacidade crescente dos regimes liberais para assumirem as suas funções de governo. É a idéia que está presente, segundo Manent, no ensaio de Raymond Aron intitulado: “États democratiques et États totalitaires” (1939).[6]

III - Liberalismo político e liberalismo econômico. Do ponto de vista conceitual (lógico e moral) o liberalismo político é um bem primário, em tanto que o liberalismo econômico revela-se como um bem secundário. Efetivamente, “ser bem governado” constitui, segundo pensavam os filósofos gregos, “o bem mais próprio da natureza humana”. Já a liberdade econômica não possui o mesmo rango lógico e moral que a liberdade política, pois é um bem que pode produzir efeitos negativos (como a destruição da natureza ou o reforço à paixão desmoralizante pelo bem-estar material, tão criticada por Tocqueville). Pelo contrário, ser bem governado não traz, diretamente, efeitos negativos. Isso não significa, no entanto, que o bom governo possa prescindir de uma base econômica.

Referindo-se às complexas relações existentes entre liberalismo político e liberalismo econômico, frisa Manent: “(...) Se o liberalismo político é preferível ao liberalismo econômico – no sentido que tenho tratado de caracterizar, ou seja, mais desejável em si mesmo que a prosperidade econômica – os dois são, numa certa medida, inseparáveis. Os cidadãos que se governam a si próprios por intermédio dos seus representantes estão, por outra parte, ocupados em fazer valer os seus talentos, como diz Montesquieu, no terreno das atividades livres que dão ensejo à sociedade civil, na qual o mercado apenas constitui um aspecto. Há uma espécie de conveniência entre os motivos que animam ao cidadão que quer se governar a si próprio e os motivos que animam ao membro da sociedade que quer fazer valer os seus talentos e a sua independência”.[7]

A liberdade econômica produz um resultado indispensável para a liberdade política: ela origina o crescimento que possibilita estabelecer um equilíbrio entre as aspirações da grande maioria e as pretensões das minorias elitistas. A liberdade econômica torna possível o crescimento que permite o acordo entre o pequeno número e o grande número, sendo que, nos dias atuais, a guerra contra a natureza joga o mesmo papel que em épocas passadas tinha a expansão exterior. Assim aconteceu em Roma com a dilatação do Império romano, que constituiu expressão e solução para a luta de classes entre patrícios e plebeus. De forma semelhante, a guerra contra a natureza desempenha, no Ocidente moderno, um papel equivalente. Manent conclui: “(...) O mercado livre (...) produz uma energia social considerável que ele próprio contribui a pôr em ordem”. [8]

IV - A regulação da energia econômica. Para Manent, é necessário regulamentar a energia econômica que, sozinha – à maneira da energia guerreira – só visa a se reforçar. Qual seria o caminho a tomar nessa tentativa de regulamentar as forças econômicas? O pensador francês considera que o caminho seria o da formulação de políticas econômicas que pautem a atividade produtiva. É um tema, frisa Manent, que os doutrinários do liberalismo rejeitam. [9]

A atividade econômica, considera Manent, tem a sua própria dinâmica que se expressa nas leis do mercado. Este é entendido como a concorrência pura e não limitada que, no Ocidente, virou objeto de uma veneração religiosa. A respeito frisa: “(...) A mola desta veneração, que não é razoável, ao meu modo de ver, é a convicção de que tal concorrência maximiza a energia econômica e de que esta energia é de tal forma boa em decorrência dos seus efeitos, que é necessário, absolutamente, remover todos os obstáculos que se encontram no seu caminho. O postulado vigente é que, se forem removidos todos os obstáculos para esta concorrência pura e não limitada, o mundo converter-se-ia num paraíso [le pays de Cocagne]. Infelizmente, existem sempre entraves e é necessário, pois, sem cessar, lutar contra os obstáculos à concorrência”.[10]

O pensador francês destaca que, não sendo economista, não pretende fazer uma crítica “técnica” à concorrência. Considera que o mais importante, no seu entender, consiste em levar em consideração o fato de que a atividade humana é condicionada por fatores diferentes da simples concorrência. Em relação a este ponto, Manent escreve: “(...) É permitido querer produzir em casa bens que poderiam ser adquiridos fora por um melhor preço. Esta conduta suscita a indignação dos doutrinários do liberalismo. Trata-se, em termos da teoria econômica, de uma má alocação de recursos, mas pode haver boas razões de cunho político, social, moral e mesmo econômico para fazer, dentro de certos limites, uma má alocação de recursos, ou uma alocação menos rentável, sub-optimable, como eles dizem, dos recursos”. [11]  

V - Perplexidade em face da liberdade de mercado. Segundo Manent, as condições em que funcionava a lei do livre mercado, na época de Adam Smith, são bem diferentes daquelas em que navega, hoje, a economia mundial. No século XVIII, quando o pai do liberalismo econômico formulou a sua teoria da “mão invisível”, as condições da concorrência entre os países eram bem diferentes das que vigoram hoje. Todos os possíveis concorrentes estavam em pé de igualdade. A concorrência do mercado funcionava, entre eles, como um estímulo à produção. Hoje, contudo, não é mais assim. Países com milhões de braços de trabalho disponíveis a preços ínfimos colocam os mais desenvolvidos contra a parede. De outro lado, as empresas nacionais se volatilizaram graças à globalização. As multinacionais francesas, por exemplo, produzem a maior parte dos seus produtos fora da França, enquanto os Franceses, no seu país, somente fazem três coisas: tratam da saúde, se aposentam e morrem.

A situação é, portanto, de perplexidade dos intelectuais em face desse complexo quadro. O autor registra assim a sua perplexidade: “De que maneira, países em que os custos do trabalho são tanto mais elevados porquanto incluem prestações sociais massivas, resistiriam a concorrentes cujos custos são tanto mais baixos, em virtude de a proteção social ser mais baixa ou inexistente? Creio de bom grau que é necessário acabar, como dizem os liberais, com as trinta e cinco horas, mas mesmo que trabalhássemos setenta e duas horas, nas condições atuais que nos são apresentadas como irreversíveis e inevitáveis, apenas retrasaríamos a ruína”.[12]

VI - Império e globalização. Embora Manent considere que a situação de “autarquia” (presente em países com uma economia nacional sólida, com instituições políticas independentes) não seja praticável hoje, destaca que algo de anormal acontece no mundo. Essa anomalia está associada ao divórcio entre atividade econômica e realidade política nacional. O autor constata que, do ângulo europeu, não há suficientes empregos. Mas esta situação negativa está acompanhada por outra igualmente nefasta: a energia social, no sentido amplo do termo, está acabando.

Eis a forma em que o pensador francês sintetiza a sua perplexidade: “Fico impressionado com a facilidade com que a conscrição foi abolida na França. O metabolismo da República consistia em transformar o jovem francês em trabalhador e também em defensor da pátria. Os nossos melhores especialistas, hoje em dia, trabalham no estrangeiro e os nossos soldados são, de forma semelhante, especialistas que trabalham também no exterior. Há, pois, uma separação inédita entre a energia que os membros dos diferentes países gastam fora das suas fronteiras e a energia que subsiste no interior das fronteiras. Trata-se, considero eu, do aspecto mais impactante daquilo que se chama globalização”.[13]

A globalização, frisa Manent, não é causa de si própria. Este fenômeno, “(...) para uma parte considerável, é o efeito direto e deliberado da política americana. Os Estados Unidos são um país europeu de um tipo bem peculiar”.[14] A nação europeia, no seu momento de maior força, encarou o divórcio entre energia social e quadro político próprio, mediante a colonização. Os europeus conquistaram impérios e estabeleceram a “tarifa” que deformava as condições do jogo econômico e obstaculizava a concorrência. Os críticos liberais dessa situação tinham certamente a razão. A grande prosperidade econômica europeia veio na trilha do fim dos grandes impérios coloniais.

Os Estados Unidos, considera Manent, não desenvolveram uma política colonialista: a marcha para o oeste foi, para eles, o grande empreendimento que permitiu a canalização construtiva da energia social. Uma vez consolidadas as fronteiras continentais do país, os Americanos partiram para um ousado empreendimento de conquistar mercados para os seus produtos. De forma muito hábil foram ocupando o espaço econômico aberto pelos extintos impérios coloniais europeus. Os Americanos têm feito a guerra dentro desse grande empreendimento de alargamento das suas fronteiras econômicas. Foi assim como se tornaram presentes no Vietnam (1954), no Irã (1953), no Egito (1956), seguindo depois  com o Iraque, o Afeganistão, etc. Eles forçaram o Japão a se abrir ao mundo exterior (1854), justamente quando os Europeus haviam renunciado a isso. A energia imperial americana toma o legado da energia imperial inglesa, inclusive fazendo ocasionalmente a guerra, mas renunciando (salvo o caso talvez das Filipinas) ao controle imperial direto. Este é substituído pela expansão comercial. A ordem do dia para os Americanos, ao longo do século XX, foi: To pry open-markets. Trata-se de dominar num mercado mundial aberto. Este projeto americano conheceu o seu auge nas décadas de 80 e de 90 do século passado, com o acesso ao mercado chinês, que constituiu a retomada da Guerra do Ópio, já numa escala muito maior porquanto projetada para a conquista de novos mercados.

Trata-se, no sentir de Manent, de uma “peripécia capital”, que descreve da seguinte forma: “(...) A partir da junção com a reforma econômica chinesa, assistimos à desarrumação do capitalismo americano, ou do capitalismo fordista. Em lugar de pagar altos salários capazes de comprar os produtos fabricados nos Estados Unidos, as empresas americanas tentam importar massivamente os produtos baratos que eles fabricam na China, mantendo assim, de alguma forma, o poder de compra dos salários já defasados. Mas que garrafa mágica tem sido aberta dessa forma? A transferência, para a China, das capacidades produtivas é de tal tamanho que os Americanos causaram em si próprios uma ferida profunda que não sabem como curar. Trata-se de um desequilíbrio exterior ameaçador, de uma dívida soberana em mãos da China, de um desequilíbrio interior desmoralizante. Ao longo dos últimos anos, os Estados Unidos conheceram uma oligarquização que parece incorrigível. Somos quinhentos milhões de Europeus e eles não são mais do que trezentos milhões de Americanos, mas a nossa situação está determinada pela dos Estados Unidos que é o país eixo do Ocidente e, portanto, do mundo, por algum tempo ainda”. [15]

VII - Um novo estado do mundo. Para Manent, o mundo seguiu as pegadas dos Americanos após 1917, na trilha do sucesso atingido pelos Estados Unidos nos terrenos militar, financeiro, moral, que terminou alavancando o otimismo americano, traduzido como a disposição do consumidor para se endividar e comprar os produtos do resto do mundo. Ora, o pensador francês observa que essa situação positiva mudou radicalmente, ao longo das últimas décadas. Hoje não há mais vantagens, só restando a supremacia militar. Mas esta declinou também de forma considerável. Os Americanos, constata Manent, encontram-se, hoje, largamente imobilizados num grande espectro geopolítico, econômico e financeiro. Eles experimentam uma fraqueza que se assemelha àquela que afeta aos Europeus.

O quadro desenhado por Manent não poderia ser mais desolador. Eis as suas palavras a respeito: “De qualquer forma que se interprete o fenômeno da globalização, eu vejo que os países que o promulgaram e estimularam, os Estados Unidos e a Europa, se encontram consideravelmente enfraquecidos depois de vinte anos. A globalização sob a batuta americana é o último acontecimento da colonização, ou seja da dominação ocidental do mundo. Ela encontra limites. Esse é, creio, o sentido principal da crise global que nós conhecemos e que é, de entrada, uma crise política e inseparavelmente espiritual, com o Ocidente encontrando os limites da sua capacidade de ordenar o mundo. Acabo de dize-lo, os Americanos encontram-se dispersos e imobilizados num largo front político e nós estamos dispersos e imobilizados junto com eles”.[16]

Os Europeus, considera Manent, perderam força no cenário internacional (Afeganistão, Egito) apoiando os seus protetores Americanos no limite mais exposto do mundo ocidental (no caso afegão), ou compartilhando o temor dos Estados Unidos em face da instabilidade egípcia, diante do risco de derrubada de um dos pilares em que ainda se escora a estabilidade no Meio Oriente. Seria melhor que os Europeus compreendessem o governo livre como uma transformação do regime republicano, mais do que como a preparação de um mundo sem governo ou “para além do político”. Seria melhor que se compreendessem os corpos políticos “liberais ou governados por um governo liberal” como uma realização hodierna das antigas repúblicas, mais do que como pregoeiros de um homem reconciliado além do campo político. Raymond Aron, lembra Manent, identificou a política externa americana como deflagrada pela “República imperial” [17]. A “República imperial” francesa encontrou a sua realização na Terceira República, a qual, frisa Manent, “(...) longe de ser o infeliz acidente de uma triste realidade contrária aos nossos valores, explicita mais o tipo clássico da nossa forma e do nosso regime político e, eu diria, a verdade efetiva da ordem liberal”.[18]

Pierre Manent faz um “mea culpa” em relação à denúncia por ele formulada contra a política americana. Faz isso, não pelo fato de achar que essa denúncia não deveria ter sido feita, mas porque ela põe a nu o abandono, pelos intelectuais franceses, da tradição republicana autóctone, presente na Terceira República.

Eis as suas palavras a respeito: “Ao denunciar asperamente a política americana como fomos levados a fazê-lo, estamos projetando sobre nós mesmos uma terrível falta de lucidez acerca do que somos, uma terrível falta de conhecimento de nós mesmos: estamos denunciando a última República europeia. Esforçamo-nos para negar o que fomos e aquilo que não temos mais a energia nem a coragem de ser”.[19]

VIII - O fim do domínio ocidental. O autor é pessimista em face das perspectivas que o Ocidente, presidido pelos Estados Unidos, tem no mundo atual. Considera, de outro lado, que a sua análise ancora na melhor tradição do liberalismo, expressa no pensamento de Montesquieu. Segundo este pensador, a grande inovação da modernidade consistiu na saga dos Ingleses, que repetiram o caminho percorrido pelos Romanos, ao darem ensejo a “uma feliz transformação da República romana, se convertendo no Império romano”. É o que Manent denomina de a “República liberal imperial”. Os Romanos, frisa, não tinham nenhuma prevenção contra o comércio, acerca do qual, aliás, faziam pouco caso. A “República liberal imperial”, encarnada no Império britânico, pelo contrário, fez do comércio a ponta de lança da sua penetração e da consolidação do seu poder no mundo. Ora, os Americanos herdaram dos Britânicos essa tendência.

A respeito desse processo, frisa Manent: “(...) A República comercial imperial, ao liberar e conquistar os poderes do comércio, pôde conquistar parecendo e sendo também largamente construtiva. Essa foi a grande mola, o grande segredo do liberalismo anglo-americano que tem constituído, de entrada, o eixo da história ocidental moderna e, por isso mesmo, da história da humanidade moderna. A América prolonga o movimento inglês. O Império se realizando sem nenhuma dominação explícita, o Império americano – emprego este termo sem lhe conferir nenhuma conotação polêmica ou pejorativa – o Império americano funcionando não pelo comando direto, salvo excepcionalmente como tem acontecido no Iraque em tempos recentes, mas sobretudo pelo controle das condições e dos fluxos do intercâmbio comercial”.[20]

Por um momento, lá pelo ano 2000, pensa Manent, os Americanos pareceram impor a Lei ao mundo. Mas o sonho acabou e eles se perguntam, perplexos, pelo que aconteceu. Os Europeus ficaram presos nessa armadilha de defender os interesses de um Império que se desfaz. Escreve a respeito: “(...) Nós, Europeus, combatemos sempre sobre o limes (limiar). Os Americanos o fazem cada vez com menos convicção, talvez pelo fato de, no interior deles, se acentuar a pressão de populações cuja opção pelo Império parece duvidosa”. [21]

Os Europeus ainda falam, com sinceridade, uma linguagem de defesa dos princípios liberais e democráticos. Mas talvez o façam não tanto por convicção, mas para defender “a sombra ideológica” de uma dominação que se esvai. A conclusão a que chega o pensador francês é definitivamente pessimista: “No exato momento em que os Europeus se esforçam, a meu ver tolamente, para institucionalizar a interpretação utópica e apolítica dos princípios liberais, os homens para lá do limes descobrem as reservas de poder contidas no trabalho e no intercâmbio comercial. A concorrência pura e não limitada tem sido, durante longo tempo, a porta falsa, não tão secreta, da dominação ocidental. Ela converteu-se, por uma reviravolta que para mim permanece enigmática, na justificativa para o nosso esvaziamento industrial e para a nossa mutilação moral. O recurso da nossa força converteu-se na máxima da nossa fraqueza e o argumento do nosso fracasso. Dissolvemo-nos sob o impulso do princípio que tínhamos imposto ao mundo e que continuamos a promover, como nossa mais valiosa contribuição, para o bem da humanidade. Por quanto tempo? Não sei se vocês possuem a resposta. Eu não a tenho”. [22]

Conclusão - Avaliação crítica do texto de Manent. Cinco pontos gostaria de destacar.

1 – Em primeiro lugar, a liberdade econômica não é um assunto secundário na temática liberal, como sugere Pierre Manent. Do ponto de vista do primeiro formulador do liberalismo, John Locke, o direito à propriedade, bem como a livre iniciativa no terreno econômico, é algo essencial na preservação da liberdade das pessoas.  O pensador inglês considerava que sobre aqueles (como os escravos) que carecem de propriedades, somente seria possível exercer um poder despótico, não um poder político. “O poder político – frisa – existe apenas (...) quando os homens têm a propriedade à sua disposição”.[23]O fato de Locke admitir que a propriedade de objetos naturais misturados no trabalho representasse os direitos abstratos do indivíduo, revela por que esse conceito entrou de forma tão decisiva na concepção da sociedade civil. A propriedade, para o filósofo, simboliza de maneira concreta os direitos do indivíduo, e explicita o alcance e limites dos poderes e atitudes deste. Justamente porque podem ser simbolizados sob a ideia de propriedade, ou seja, como algo que pode ser representado como diferente de si próprio, os atributos humanos (liberdade, igualdade, poder executivo da lei da natureza) podem ser objeto do seu consentimento. Não temos, segundo Locke, o poder de alienar parte alguma de nossas personalidades, mas podemos, sim, alienar aquilo “(...) com que escolhemos misturar as nossas personalidades”. [24]

A respeito deste pensamento do filósofo, frisa Peter Laslett: “Pouco importa se era exatamente isso que Locke tinha em vista; evidencia-se, daquilo que em outro lugar ele afirma sobre a sociedade civil em oposição à sociedade espiritual, que ela apenas pode se ocupar dos interesses civis, expressão que, quando examinada, parece equivaler ao termo propriedade, na acepção mais ampla que recebe no Segundo tratado. De certa forma, portanto, é através da teoria da propriedade que os homens podem passar do mundo abstrato da liberdade e igualdade, baseado na relação deles com Deus e a lei natural, para o mundo concreto da liberdade política garantida por acordos políticos”. [25]

O peso que a propriedade tem na concepção política de Locke não poderia, segundo a interpretação de alguns estudiosos como Laslett, conduzir à ideia de que ela constitui um direito natural e inalienável, à maneira de uma extensão da personalidade, como por exemplo, pensa o filósofo sueco Karl Olivecrona (1897-1980).[26]Dele diverge Laslett, para quem, na concepção lockeana, “(...) a propriedade é precisamente aquela parte de nossos atributos (...) que podemos alienar, mas, somente, é claro, por nosso próprio consentimento”.[27]O que é líquido e certo em Locke é que, através da teoria da propriedade, o homem passa do mundo abstrato da liberdade e da igualdade (fundamentado na relação dele com Deus e com a lei natural), para o mundo do dia a dia da liberdade política, garantida por acordos políticos.

2 – Falta, na versão do liberalismo de Manent, a valorização da liberdade como condição ontológica, no indivíduo, para o seu desenvolvimento como pessoa. O pessimismo de Manent em face da livre iniciativa individual insere-se, a meu ver, na tendência à “colbertização” da liberdade no pensamento de muitos autores franceses; ela passa a ser entendida como doação do Estado. Consequência dessa atitude é, no século XX, a proclamação da “morte do sujeito” no estruturalismo, ou esse pessimismo radical expresso na frase com que Sartre conclui L´Être et le néant: “L´Homme est une passion inutile”.[28] Lucien Jaume, na obra intitulada: L´Individu effacé [29]ilustrou esse clima negativo em face do indivíduo no pensamento político francês. Tal clima é, sem dúvida, consequência da herança rousseauniana que aniquilou a liberdade individual, a fim de garantir a unanimidade de todos ao redor do Legislador que encarna a “vontade geral”. Lembremos a crítica levantada por Benjamin Constant contra tal modo de pensar, que ergue a soberania popular ao rango de um poder que não tem limites e que pode invadir todos os aspectos da vida privada dos indivíduos, lhes subtraindo a liberdade.[30]

A verdadeira tradição liberal francesa não tem como eixo a Terceira República, ao contrário do que pensa Manent. Essa tradição ancora nos Doutrinários, se prolonga em Tocqueville e aflora, no século XX, com Raymond Aron e a plêiade de pensadores que fazem da defesa incondicional da liberdade o seu credo político, tendo como pano de fundo a ameaça que os totalitarismos erguem em face dela.[31] Diante do perigo que se levanta no século XXI como maior ameaça à liberdade, identificado desta vez com as ditaduras do islamismo fundamentalista, não se pode flertar com os totalitários. Esse expediente custou caro aos Franceses nas desgraças ensejadas pelos colaboracionistas da República de Vichy, ou nas componendas da política posterior à Segunda Guerra mundial, que entregaram vergonhosamente parte importante do Estado (o ministério da Função Pública) aos comunistas, como muito bem denunciou Maurice Druon na sua obra La France aux ordres d´un cadavre.[32] O problema consiste certamente no fato de a ciência social francesa ter se solidificado, já no século XIX, como apêndice de uma proposta político-ideológica em favor de um vaporoso socialismo, aproximando o legado de Durkheim, bem como o de Comte e o de Saint-Simon, da herança despótica de Marx, como Antônio Paim mostrou, com grande lucidez, na sua clássica obra Marxismo e descendência. [33]

3 – Manent insiste na perda de energia dos Franceses, atualmente, no cenário internacional, devido a uma causa externa. Essa perda deve-se, segundo ele, ao esgotamento produzido por duas Guerras Mundiais, ao longo do século XX. A respeito escreve: “ (...) Há causas gerais, mas a primeira, precisamente, é que temos despendido tantos esforços que nos encontramos fatigados. As perdas da Primeira Guerra Mundial fizeram com que o ardor, não apenas dos soldados, mas também do comando,  não fosse o que deveria ter sido no início da Segunda Guerra mundial. Neste desencadeamento de forças, houve um desperdício e chega um momento em que os recursos energéticos são limitados; é necessário escolher. Após a experiência de duas guerras mundiais os Franceses fizeram ainda duas guerras coloniais extremadamente duras, na Indonésia e na Argélia. Retrospectivamente, é uma das coisas que mais me surpreende, pois mesmo que a ideia de guerra hoje nos pareça uma esquisitice antropológica e o colonialismo um horror ontológico, o fato de a França de 1947 se engajar em guerras coloniais ou na manutenção do Império prova, de qualquer forma, a força desse dispositivo que tenho tratado de reconstituir rapidamente”.[34]

Mas a causa real da perda da energia espiritual francesa situa-se, antes, no aniquilamento do indivíduo efetivado pelos Philosophesdo século XVIII, notadamente por Jean-Jacques Rousseau, pai doutrinário do totalitarismo hodierno. Justamente por não acreditarem nas forças do indivíduo, na sua criatividade e na liberdade individual, muitos intelectuais franceses perdem-se na busca de uma salvação que virá não se sabe de onde ou, mais trágico ainda, de uma redenção que termina sufocando a liberdade na reedição do pensamento totalitário.

Manent escreve em relação a este ponto: “(...) O enfraquecimento é, pois, devido ao desperdício de energia e a todos esses fenômenos que os sociólogos têm descrito e que Tocqueville já descrevia: o poder do conforto, a melhoria das condições de vida, os prazeres privados, o enfraquecimento dos compromissos coletivos... Mas tudo isso não vem à superfície senão nos anos 1960-1970, quando os grandes projetos coletivos se debilitam progressivamente. Há, se ouso dizê-lo, um começo de dissipação energética que está a caminho. De resto, os fatores de enfraquecimento são perceptíveis por todos. Não é necessário insistir acerca do fator demográfico. E, além do mais, permanece este imponderável espiritual que é o sentimento de que, no fundo, já temos dito tudo quanto deveríamos dizer; esperamos, sempre, que a renovação chegue de algum lugar, quer seja este lugar a revolução proletária ou a revolução cubana, ou agora não sei o que, pode ser a revolução islâmica. Essas coisas são bem decisivas, mas não são suscetíveis de uma formulação científica”. [35]  

Concepção que é paradoxalmente colonialista no seguinte sentido: os Franceses devem buscar a sua salvação fora do seu âmbito cultural, preferencialmente entre aquelas culturas que negam os valores apregoados pelo Ocidente cristão. Contrasta com este pessimismo a visão liberal de Aron, de moderado otimismo e de defesa incondicional da liberdade. No que tange ao segundo ponto, a fé inabalável na liberdade, Aron considera que o cientista social e o historiador devem partir, sempre, do pressuposto básico da civilização ocidental, o homem como ser consciente e livre. [36] É interessante destacar que essa pressuposição está presente, no seio da filosofia de Ocidente, mesmo entre aqueles que levantam a sua voz contra a liberdade humana: não se nega com tanto afinco senão aquilo que é tão evidente para todos nós. A respeito, frisa Aron: "Por que se mantém com tanta energia essa permanência do homem, palavra que ganha, na boca dos incrédulos, uma ressonância solene e como que sagrada? Sem dúvida pretende-se salvar um dos elementos da herança cristã, fundamento da democracia moderna, o valor absoluto da alma, a presença em todos de uma razão idêntica. Ao mesmo tempo, espera-se desvalorizar as particularidades de classe, de nação e de raça, a fim de chegar a uma reconciliação total dos homens, em si mesmos e de uns para com os outros". [37]

Em face ou dos pessimismos radicais que invadiram o século XX, ou do excesso de otimismo que fez enxergar uma idade de ouro à luz dos "30 gloriosos anos" do welfare state americano e europeu ocidental, Aron situa-se num termo meio de otimismo moderado: acredita na possibilidade de o homem construir um projeto que respeite a liberdade e a dignidade, conservando os progressos econômicos e técnicos feitos, sem por isso negar os riscos que pendem sobre a Humanidade. "Pessoalmente, e vocês não ficarão inteiramente surpresos, - frisa o pensador no seu depoimento na Universidade de Brasília - eu não estou de acordo nem com o otimismo de Hermann Kahn nem com o pessimismo do Clube de Roma. Se eu tivesse um revólver na cabeça e fosse obrigado a escolher entre os dois, eu escolheria o otimismo de Hermann Kahn. Se é preciso escolher, prefiro a versão otimista à versão pessimista, e creio que é o mais provável, e creio ainda que é uma situação baseada em melhores argumentos. Dito isto, de qualquer maneira são perspectivas a longo prazo e pessoalmente eu tomaria uma posição intermediária: não advogo nem o happy endnem o paraíso econômico, e descarto neste instante a hipótese da catástrofe total em função da penúria generalizada".[38]

4 – Adoção, por Manent, de uma concepção mercantilista da economia internacional, abandonando a visão macroeconômica iniciada por Adam Smith. A crítica do pensador francês em face da hodierna economia de mercado parte do pressuposto que entende o jogo econômico como soma zero: se alguém se enriquece é porque roubou de outrem. Ora, tal concepção anacrônica situa-se no contexto do mercantilismo e não é raro encontra-la entre os críticos de esquerda que esconjuram o liberalismo. Essa concepção distancia-se da proposta macroeconômica formulada por Adam Smith: para se enriquecer alguém não precisa roubar de outrem; deve, pelo contrário, produzir a riqueza, fazendo florescer a sua criatividade individual, bem como o seu trabalho. A crítica de Manent pressupõe que o comércio internacional empobrece alguém e que esse alguém são os Franceses! Visão colonialista que, certamente, não se coaduna com uma concepção macroeconômica liberal. É uma tese que peca pela sua infantilidade matemática: se os que ganham com o comércio mundial surrupiaram essas riquezas, é de se presumir que elas estivessem, antes, em mãos dos que foram delas despidos. Não se pensa que tais riquezas possam ter sido produzidas. As bilionárias riquezas do comércio internacional foram retiradas brutalmente dos despossuídos! Tese que põe a descoberto outra pérola do pensamento político rousseauniano: o ressentimento. A sociedade é culpada pelo fracasso dos indivíduos, ou as nações mais desenvolvidas são culpadas pela pobreza das que não atingiram esse patamar.

5 – Concepção sociológica que indica uma causa única para os fenômenos sociais. Ao indicar a globalização comercial produzida pelos Americanos, como causa fundamental para a crise que o mundo enfrenta, Pierre Manent termina caindo na hipótese do monocausalismo em ciências sociais. Ora, a verdade é que não existem causas únicas. Há um conglomerado delas, no contexto da complexidade das sociedades. Identifica-las monograficamente, eis o papel das ciências sociais. Essa é, aliás, a tese fundamental da escola culturalista brasileira fundada por Sílvio Romero e retomada por Oliveira Vianna. Posição bem diferente, por exemplo, do monocausalismo professado pelos cientistas sociais de inspiração marxista, que pretendem reduzir tudo ao confronto entre opressores e oprimidos. A posição de Manent fica bem próxima destes, ao identificar o livre comércio como causa básica para os problemas do mundo globalizado. A consequência prática dessa posição é a ideologização das ciências sociais, ao redor de uma proposta que visa a instaurar o regime socialista como solução mágica para todos os problemas. A ciência social na França que sofreu, como a brasileira, esse tipo de simplificação, terminou desaguando na proposta de um vago socialismo que, a julgar pelas dificuldades com que atualmente se defrontam os partidos no poder, em ambos os países, parece se aproximar do imperativo pouco interessante que inspirava ao ditador português Salazar: “vamos empobrecer em ordem”.
Contrasta com essa entropia epistemológica a rica variedade aberta pelas ciências sociais no contexto anglo-saxão. Para interpretar a complexidade com que se defronta, do ângulo econômico, o mundo globalizado, vale lembrar as hipóteses levantadas por cientistas como Samuel Huntington [39] ou Francis Fukuyama, [40]que apontam para a elaboração de tipologias que, tentando traduzir as múltiplas variáveis que se entrecruzam na realidade, oferecem um cardápio de teorias que melhor explicam o que acontece atualmente no mundo, sem apelar para soluções miraculosas, e conservando, sempre, os olhos abertos para a realidade, fugindo de simplificações ideológicas.




Bibliografia citada

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[1] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”. In: Commentaire, nº 141 (Primavera de 2013): p. 91-103.
[2] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 91.
[3] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit.,  p. 91.
[4] SCHMITT, Carl. La notion de politique. Théorie du partisan. (Tradução francesa de M. L. Steinhauser). Paris: Flammarion, 1992.
[5] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 92.
[6] ARON, Raymond. “États démocratiques et États totalitaires” (1939), in: ARON, R. Penser la liberté, penser la démocratie, Paris: Gallimard, 2005.
[7] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 93.
[8] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 93.
[9] No meu modo de entender, Manent comete, aqui, uma injustiça com os doutrinários. Refiro-me aos precursores de tal filosofia, notadamente Jacques Necker, Madame de Staël e Benjamin Constant. Para eles, a liberdade econômica não pode se sobrepor ao bem comum, caindo no fosso de um utilitarismo egoísta. Nesse contexto lembremos as críticas levantadas por Necker contra os fisiocratas que, nas vésperas da Revolução Francesa, agravaram terrivelmente a fome da população, ao considerarem o trigo uma simples commodity, sem levar em consideração o impacto que a sua falta produziria na sociedade. Tratava-se, segundo pensava Necker, de um bem estratégico, cuja distribuição deveria ser garantida pelo rei para evitar males maiores. As consequências da tresloucada política dos fisiocratas são conhecidas pelos historiadores: o rei, literalmente, perdeu a cabeça... Também poderia entrar, dentro desta reflexão, o conceito tocquevilliano de “interesse bem compreendido”, que se contrapõe ao de interesse individual puro. Cf., da minha autoria, O liberalismo francês: a tradição doutrinária e a sua influência no Brasil. (Juiz de Fora: Núcleo de Estudos sobre Madame de Staël e o Liberalismo Doutrinário, 2002). Edição digital do Instituto de Humanidades: http://www.institutodehumanidades.com.br/arquivos/o_liberalismo_frances_trad_doutrinaria.pdf
[10] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 93-94.
[11] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 94.
[12]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit.,  p. 94.
[13]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art.  cit., p. 95.
[14]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art.  cit., ibid.
[15]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 96.
[16]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., ibid.
[17] Manent faz referência, aqui, à obra de Aron intitulada: République imperiale. Les États-Unis dans le monde (1945-1972), Paris: Calmann-Lévy, 1973.
[18] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 97.
[19] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 97.
[20] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 97.
[21] MANENT, Pierre, “La crise du libéralisme”, art. cit., ibid.
[22] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 98.
[23] LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. (Tradução de Julio Fischer; introdução de Peter Laslett). São Paulo: Martins Fontes, 1998, II, § 174, p. 541.
[24] LASLETT, Peter. “Introdução”. In: LOCKE, John, Dois tratados sobre o governo. Ob. cit., p. 150.
[25]LASLETT, Peter. “Introdução”. In: LOCKE, John, Dois tratados sobre o governo. Ob. cit., p. 150-151.
[26] Cf. OLIVECRONA, Karl. “Locke on the Origin of Property”.  In: Journal of the History of Ideas, XXXV, 2. Cit. por Peter Laslett, in: “Introdução”, in: LOCKE, Dois tratados sobre o governo, ob. cit., p. 151.
[27] LASLETT, Peter. “Introdução”. In: LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Ob. cit., p. 150, nota 15.
[28] SARTRE, Jean-Paul. L´Être et le néant. Essai d´Ontologie phénomenologique. Paris: Gallimard, 1976.
[29] Cf. JAUME, Lucien.  L’Individu effacé, ou le paradoxe du libéralisme français. Paris: Fayard, 1997.

[30]Cf. CONSTANT, Benjamin. Principios de política. (Tradução ao espanhol a cargo de Josefa Hernández Alonso; introdução de José Alvarez Junco). Madrid: Aguilar. 1970. Foi consultada, também, a edição francesa intitulada Principes de Politique applicables à tous les Gouvernements (version de 1806-1810).(Prefácio de Tzvetan Todorov, introdução de Etienne Hofmann). Paris: Hachette, 1997.
[31] É longa a lista desses pensadores. Apenas para lembrar os nomes de alguns deles poderia mencionar  a Jean-Claude Lamberti, Françoise Mélonio, Raymond Boudon, Alain Peyreffitte, Jean-François Rével, François Bayrou, etc.
[32] DRUON, Maurice. La France aux ordres d´un cadavre. Paris: Éditions Fallois / Rocher, 2000.
[33] PAIM, Antônio. Marxismo e descendência. Campinas: Vide Editorial, 2009.
[34] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 103.
[35] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., ibid.
[36] ARON, Raymond. Introduction à la Philosophie de l'histoire - Essai sur les limites de l'objectivité historique. Paris: Gallimard, 1948, p. 346.
[37] ARON, Raymond. Introduction à la Philosophie de l'histoire - Essai sur les limites de l'objectivité historique. Ob. cit., p.343.
[38] ARON, Raymond. "Raymond Aron por ele mesmo" (I) e (II). In: Raymond Aron na Universidade de Brasília - Conferências e comentários de um simpósio internacional realizado de 22 a 26 de setembro de 1980. (Edição organizada por Carlos Henrique Cardim, Antônio Carlos Ayres Maranhão, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes e outros).  Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981: pg. 79.

[39] Cf. HUNTINGTON, Samuel. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century (1991) . The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order (1996). Publicada no Brasil como O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem mundial. Rio de janeiro: Objetiva, 1997.

[40] Cf. FUKUYAMA, Francis. The Origins of Political Order (2011). Tradução brasileira: As origens da ordem política: dos tempos pré-humanos até a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2013, 590 páginas. Antônio Paim escreveu recentemente ampla análise desta obra. Cf. “A origem da ordem política segundo Francis Fukuyama”, in:  http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/OOPSFF.pdfde