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sábado, 22 de setembro de 2018

1988, 22 de setembro: Texto final da nova Constituição aprovada - livro Paulo Roberto de Almeida

Neste dia, 22 de setembro, em 1988, era aprovada a redação final da atual Constituição, modificada mais de uma centena de vezes depois. Neste dia, neste ano, estão sendo ultimados os trabalhos para a publicação do livro que elaborei com a colaboração de Roberto Campos Jr., com 65 ensaios do grande estadista, economista e diplomata, sobre o processo constituinte e o texto elaborado. Vai ser publicado pela LVM, com este título: "A Constituição Contra o Brasil" (que o título de meu ensaio final sobre o conteúdo econômico da CF-88), e com este subtítulo: "ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituinte de 1988" (selecionei 65 artigos dele, de meados dos anos 1980 a meados da década seguinte.
No intervalo desses 30 anos, fiz vários trabalhos sobre as relações internacionais na Constituição, que devem estar disponíveis na plataforma Academia.edu.
Paulo Roberto de Almeida

Redação final da Constituição de 1988 é aprovada


A elaboração da Constituição de 1988, a sétima na história do Brasil, começou em fevereiro de 1987, com a criação da Assembleia Nacional Constituinte. O processo de criação dos termos que regem o documento durou cerca de 20 meses e teve a participação de 558 constituintes, entre deputados e senadores.
O texto foi aprovado no dia 22 de setembro de 1988 e promulgado em 5 de outubro daquele mesmo ano, ganhando o apelido de “Constituição Cidadã”. Esse nome foi dado por ser o documento mais completo entre todos os outros do tipo, com grande destaque a diversos aspectos que garantem o acesso à cidadania.
A “Constituição Cidadã” foi escrita em nove títulos e contém 245 artigos dedicados a diferentes temas sociais, tais como: princípios fundamentais, direitos e garantias fundamentais, organização do Estado, dos poderes, defesa do Estado e das instituições, tributação e orçamento, ordem econômica, financeira e social.
Uma das grandes diferenças entre a Constituição de 1988 e as outras foram a garantia de direitos como: voto obrigatório para os analfabetos e facultativo para jovens entre 16 e 18 anos; redução do mandato do presidente de cinco para quatro anos; eleições em dois turnos (para os cargos de presidente, governadores e prefeitos de cidades com mais de 200 mil eleitores).
No âmbito trabalhista, a nova Constituição concedeu direitos aos trabalhadores urbanos, rurais e domésticos; direito à greve; liberdade sindical; diminuição da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais; licença maternidade de 120 dias e licença paternidade de cinco dias; abono de férias; décimo terceiro salário para os aposentados; seguro desemprego; férias remuneradas com acréscimo de 1/3 do salário.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

E por falar em Roberto Campos: um artigo feito dois anos depois de seu desaparecimento – Paulo Roberto de Almeida

No momento em que publico um livro sobre os artigos "constitucionais" de Roberto Campos,

Paulo Roberto de Almeida, A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018),

em que também terminei um artigo sobre o seu papel de intelectual no contexto da cultura brasileira, no qual tive de pesquisar a bibliografia sobre ele, e acabei encontrando uma referência adicional, que cito neste meu trabalho recém terminado,

3329. “Roberto Campos, um humanista da economia na diplomacia”,Brasília, 18 setembro 2018, 32 p. Ensaio para a 3ra. edição do livro O Itamaraty na Cultura Brasileira (edição original: 2001), com título definitivo ainda indefinido,

percebo que numa dessas referências bibliográficas sou citado, em um simples artigo de jornal, que escrevi em 2003:

1128. “Roberto Campos: dois anos sem bons combates de ideias”, Washington, 2 outubro 2003, 3 p. Artigo em homenagem a Roberto Campos, por ocasião da passagem do segundo aniversário de sua morte, em 9/10. Publicado no Jornal do Brasil (6.10.03, Seção Opinião). Republicado em 6/01/2017 no Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/01/e-por-falar-em-roberto-campos-fazendo.html) e disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1387163298013783). Relação de Publicados n. 448.

Transcrevo esse artigo aqui abaixo: 

Roberto Campos: dois anos sem bons combates de idéias

Paulo Roberto de Almeida
Jornal do Brasil(6.10.2003, Seção Opinião)

Dia 9 de outubro marca a passagem do falecimento, em 2001, de Roberto Campos, seminarista, diplomata, economista teórico, burocrata, economista prático – dirigente do primeiro órgão público de planejamento econômico no Brasil, o BNDE –, professor, empresário, embaixador, ministro de Estado, diretor de banco de investimento, articulista, embaixador, político, parlamentarista monarquista e aposentado, nessa ordem. Se não bastassem todas essas atividades públicas, e não considerando seu apego a alguns dos prazeres da vida, ele ainda seria um dos mais importantes representantes de uma espécie em desaparecimento no Brasil: o tecnocrata de alto coturno, não apenas um técnico, mas um verdadeiro conselheiro do Príncipe, um insigne pensador e formulador de políticas, um tomador de decisões, um reformista radical, um hábil articulista, um polemista, enfim, um sábio. 
São poucos os que podem ser igualados a esse genial “policrata”, uma mistura de político e tecnocrata, como ele mesmo se definia, que ademais de todas as suas muitas qualidades sabia também ser um frasista e um humorista sem igual, inventando “leis” que tinham, em alguns casos, alcance universal, mas que no mais das vezes eram o resultado obrigatório de suas conclusões lógicas a partir de uma realidade econômica e política brasileira propriamente surrealista. Com todo o seu espírito crítico, sua pena afiada e suas reações rápidas e desconcertantes, ele conseguia ser mais inovador e criativo do que essa mesma realidade de um Brasil sempre surpreendente, tanto para o mais pacato dos economistas, como para o mais afoito dos revolucionários. De fato, Roberto Campos, popularmente conhecido como “Bob Fields” durante minha juventude, nunca perdeu um debate para ninguém, mas ele devia se confessar uma frustração: perdeu para o Brasil, esse gigante desengonçado que desarma o mais agudo espírito cartesiano.
Roberto Campos atravessou por inteiro um breve século XX que começou com o fim do laissez-fairee o começo do socialismo real – nasceu durante a Primeira Grande Guerra, no ano da revolução bolchevique – e terminou com o fim do mesmo sistema que interrompeu, por um “breve” período de apenas setenta anos, o processo de globalização capitalista que já tinha sido analisado por Marx no Manifestode 1848. Ele assistiu à derrota ideológica, econômica e prática de um sistema que, como ele mesmo alertou ainda em sua fase triunfante, tentou distribuir riquezas com uma incompetência ímpar, quando comparado a todos os outros modos de produção. Ele só não assistiu à vitória do bom senso, em favor do qual ele clamou durante três ou quatro repúblicas brasileiras e mais de uma dúzia de governos, aos quais ele serviu, criticou e tentou ajudar.
Roberto Campos deve ter descoberto que o bom senso é a coisa mais difícil de ser alcançada, num mundo que só conheceu o fim das ideologias, das religiões ou da própria história nos escritos dos intelectuais. Fundamentalismos de todos os gêneros, sobretudo econômicos e políticos, se encarregam de enterrar as ilusões de todos aqueles que, como ele, acreditaram ser possível, um dia, fundar as políticas públicas sobre um modesto conjunto de regras simples e auto-evidentes: a escassez dos recursos, o caráter inelástico dos orçamentos, a necessidade de fazer as escolhas dotadas de maior liberdade e de concorrência em mercados semi-livres, os limites do distributivismo, do emissionismo e da regressividade, a preferência pelo multiplicador, em lugar do divisor (daí a insistência no controle de natalidade), enfim, umas poucas verdades que deveriam ser de ampla aceitação entre pessoas medianamente bem informadas como são os políticos, mas que padecem terrivelmente nas mãos de “planejadores sociais” animados do desejo de “fazer o bem” com o dinheiro dos outros. 
Parece incrível que com toda a sua prolífica produção de textos, idéias, aforismas, artigos polêmicos e estudos sérios, Roberto Campos só tenha sido objeto de dois livros algo desiguais: um estudo muito bem embasado sobre o seu “pensamento político” (por Reginaldo Teixeira Perez; Editora FGV) e um outro sobre sua própria vida e “tiradas” geniais (o “retrato” de Olavo Luz; Editora Campus), além de exposições e análises em obras de caráter geral (como em Bielschowsky). Talvez as suas volumosas memórias tenham intimidado eventuais candidatos, mas nada justifica que ele permaneça sem um livro de depoimentos e um outro de excertos de suas obras (como se fez recentemente para Mário Henrique Simonsen, por exemplo). 
Num país que possui mais editoras do que livrarias, não deveria portanto ser difícil de encontrar um editor inteligente – a começar pelo que “obrigou” Roberto Campos a terminar suas memórias – que se dispusesse a editar um volume de testemunhos e estudos analíticos sobre sua obra e um outro de textos escolhidos dentre as dezenas de escritos inteligentes que ele produziu ao longo de uma vida útil que se estende do começo da ditadura Vargas até o final de uma ditadura ainda mais ampla, a das falsas idéias. Nem todas ele conseguiu eliminar com sua pena acerada e língua rápida, mas ele pelo menos forneceu princípios claros e raciocínios diretos a todos aqueles dispostos a aprender a partir da experiência pessoal, de alguma matemática elementar e da simples observação da realidade ambiente, como aliás este que aqui escreve. Roberto Campos foi provavelmente mais atacado do que incensado, num país que ainda ostenta economistas macunaímicos, como talvez ele dissesse, com sua irreverência sempre em riste.
Sim, confesso que fui um daqueles muitos que, no frescor da militância juvenil, se compraziam em chamá-lo de “Bob Fields” e em considerá-lo um “entreguista” a serviço de uma ditadura militar comprometida com o grande capital monopolista internacional. Quanta bobagem podia se abrigar nas mentes e escritos de “solucionistas” ideológicos, como éramos todos aqueles que pretendiamos escapar da aridez pouco complacente da “ciência lúgubre”, em favor de duas ou três receitas de “desenvolvimentismo acelerado”. Aliás, ainda pode. Mas, confesso também que, entre a leitura árida do PAEG, nos meus dezesseis anos incompletos, e o sabor de seus artigos cortantes no Estadão, eu aprendi muito rapidamente a respeitar um “adversário” que me ensinou os primeiros rudimentos de economia (e de lógica “sociológica”). Por isso mesmo, o retorno a alguns dos textos desse humanista tecnocrático e humorístico talvez nos ajudasse a atravessar, sem muitos desgastes, uma nova fase de transição entre algumas poucas verdades incertas de um passado ainda recente e um presente animado por algumas grandes certezas de um passado não muito remoto, mas que não quer passar. 
A racionalidade iconoclástica de Roberto Campos anda fazendo falta. Onde está o editor que poderia trazer de volta uma nova lufada de brisa inteligente ao atual pântano (ou deserto, como queiram) de idéias curtas e soluções rápidas? Que venha o Festschrift, o Mélanges, um In praise ofRoberto Campos, com todas as orientações econômicas e políticas a que ele teria direito em vida: ele adoraria assistir a mais algumas polêmicas em torno de suas idéias: E provavelmente continuaria corrigindo admiradores e adversários com seus argumentos de puro bom senso, como só cabe aos grandes pensadores.

Paulo Roberto de Almeida, sociólogo, diplomata.
(pralmeida@mac.com;www.pralmeida.org)


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

A Constituicao Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 - Paulo Roberto de Almeida

Meu próximo livro, em torno dos ensaios "constitucionais" de Roberto Campos: 

A Constituição Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988
Paulo Roberto de Almeida
(São Paulo: LVM Editora, 2018, 370 p.)


A nova Constituição é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma gazela...

Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa do efêmero.
Roberto Campos

Índice
Prefácio
Roberto Campos e a trajetória constitucional brasileira
Paulo Roberto de Almeida 

Artigos e ensaios de Roberto Campos
Parte I
Irracionalidades do processo de reconstitucionalização 
1. Reservatório de utopias 
2. Nosso querido nosocômio 
3. A transição política no Brasil 
4. A busca de mensagem 
5. Ensaio sobre o surrealismo 
6. Ensaio de realismo fantástico 
7. É proibido sonhar 
8. O radicalismo infanto-juvenil 
9. Pianistas no ‘Titanic’ 
10. Por uma Constituição não biodegradável  
11. O “besteirol” constituinte, I 
12. O ‘besteirol’ constituinte, II 
13. O bebê de Rosemary 
14. O culto da anti-razão 
15. As soluções suicidas 
16. Mais gastança que poupança 
17. O direito de ignorar o estado
18. O “Gosplan” caboclo 
19. Dois dias que abalaram o Brasil 
20. Como extrair a vitória das mandíbulas da derrota 
21. Progressismo improdutivo 
22. A ética da preguiça 
23. O escândalo da universidade 
24. A vingança da História 
25. As consequências não pretendidas 
26. Xenofobia minerária 
27. A revolução discreta 
28. A marcha altiva da insensatez 
29. A humildade dos liberais 
30. O buraco branco 
31. A Constituição-espartilho 
32. Indisposições transitórias 
33. Os quatro desastres ecológicos 
34. A Constituição “promiscuísta” 
35. Desembarcando do mundo 
36. A sucata mental 
37. Loucuras de primavera 

Parte II
As utopias bizarras da nova Constituição
38. Democracia e democratice 
39. Nota Zero 
40. Dando uma de Português 
41. As falsas soluções e as seis liberdades 
42. O avanço do retrocesso 
43. Razões da urgente reforma constitucional 
44. O gigante chorão 
45. A Constituição dos miseráveis 
46. Besteira preventiva 
47. Saudades da chantagem 
48. O fácil ofício de profeta 
49. A modernidade abortada 
50. Brincando de Deus 
51. Como não fazer constituições 
52. As perguntas erradas 
53. Da dificuldade de ligar causa e efeito 
54. O grande embuste... 
55. O nacionalismo carcerário 
56. Da necessidade de autocrítica 
57. Piada de alemão é coisa séria... 
58. O fim da paralisia política 
59. O anacronismo planejado 
60. A Constituição-saúva 
61. Assim falava Macunaíma 
62. Três vícios de comportamento 
63. Quem tem medo de Virgínia Woolf 
64. O estado do abuso 
65. Reforma política 

A Constituição contra o Brasil: uma análise de seus dispositivos econômicos
Paulo Roberto de Almeida

Apêndice: Obras de Roberto Campos
Notas sobre o autor, o organizador e demais colaboradores

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Primeira orelha: 
A Constituição de 1988 é um documento provocativo, inegavelmente criativo, mas, por suas características, desestabilizador da vida nacional. Não há exageros em afirmar-se que seu advento provocou enorme insegurança jurídica, dificultou a governabilidade, inibiu os negócios e investimentos internos e externos, sem falar nos conflitos sociais que gerou, em níveis jamais experimentados entre nós.
São grandes as perplexidades suscitadas pelas inovações da Carta de 1988. Essas perplexidades têm se refletido no Parlamento, no Executivo e nos Tribunais, bem como nos inúmeros seminários e congressos em que as novas instituições vêm sendo analisadas e debatidas. Há quase um geral reconhecimento, que o nosso Magno Diploma Jurídico trouxe mais dúvidas do que certezas, tornando-se, sem duvidas, um entrave à governabilidade e ao desenvolvimento do país.
Ney Prado, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia; ex-membro e secretário geral da Comissão Afonso Arinos.

Segunda orelha:  
Roberto de Oliveira Campos (Cuiabá, 17/04/1917 - Rio de Janeiro, 9/10/2001): 
Diplomata, economista, homem público, mestre em Economia pela George Washington University (1947), foi superintendente, diretor e presidente do BNDE, embaixador em Washington e em Londres, ministro do Planejamento (1964-1967), senador pelo estado do Mato Grosso (1983-1991) e deputado federal pelo Rio de Janeiro (1992-1998). Membro da Academia Matogrossense de Letras, da Academia Brasileira de Filosofia e da Academia Brasileira de Letras. 

Paulo Roberto de Almeida (São Paulo, 19/11/1949): 
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984), mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia (1976), diplomata de carreira desde 1977 e professor dos programas de mestrado e doutorado em Direito do Uniceub desde 2004. Atualmente é diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE. Tem muitos livros e artigos publicados nas áreas de relações econômicas internacionais, integração regional e história diplomática (www.pralmeida.org).

Frases para quarta capa:  

Roberto sempre esteve a frente de seu tempo e lutou com paciência, humor e ironia, para tornar a política brasileira racional e eficaz.
Ives Gandra da Silva Martins, jurista, advogado, professor e escritor

Roberto Campos enxergou desde o primeiro momento para onde a Constituição nos levaria: muito detalhe e pouco princípio, muito coração e pouca cabeça, muito direito e pouco dever, muito imposto e pouco serviço. Essa alquimia acabou transformando nossos piores traços culturais em enormes problemas, uma tragédia de difícil cura.
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (1999-2002)

Roberto Campos, um modernizador eclético, foi, sem dúvida alguma, a figura central na formulação de um projeto modernizador para o Brasil. Participante ativo da discussão sobre patrimonialismo em nossa terra, e como dele livrar-se, contribuiu de modo notável para a constituição de uma elite culta, capaz de promover, como dizia, “a transição da era do fetichismo para a era da razão”.
Antonio Paim, filósofo, escritor.

A Constituição de 1988 resultou ser um testamento de uma ideia de progresso já envelhecida, senão obsoleta quando nasceu, conforme repetidamente demonstrado por Roberto Campos, em cada um de seus escritos sobre a Carta.
Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (1997-1999)

Conversar com Roberto Campos é, ao mesmo tempo, um prazer e uma humilhação. Um prazer, pelos aforismos brilhantes que produz, e dos quais frequentemente me aproprio. Humilhação, porque armazena na memória um montão enciclopédico de fatos que eu não teria a paciência de pesquisar.
Henry Kissinger, estadista americano, conselheiro de segurança nacional, Secretário de Estado (1973-1977)

sábado, 1 de setembro de 2018

Um dialogo sobre A Grande Mudança (fev. 2003) - Paulo Roberto de Almeida

A única resenha efetuada do meu livro foi no Diário de S. Paulo, mas eu não disponho dela neste momento em formato digital. Registrei apenas meu diálogo com o jornalista, respondendo suas muitas perguntas, como registrado aqui: 

1011. “Um diálogo sobre A Grande Mudança”, Washington 21 fevereiro 2003, 9 p. Respostas a questões colocadas por Pablo Pereira, da Editoria de Política do Diário de São Paulo). Matéria publicada sob o título “Livro propõe fim do salário-mínimo para novo país”, Diário de São Paulo (domingo, 16/03/2003). 

O texto é amplamente elucidativo sobre minhas muitas propostas naquele livro.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de setembro de 2018

Um diálogo sobre “A Grande Mudança”

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 21 de fevereiro de 2003.

Respostas a questões colocadas por Pablo Pereira – 
Editoria de Politica – Diário de São Paulo

            Meu caro Pablo,
            Retomando o dialogo eletronico desta tarde, pretendo responder, na maior extensão e detalhamento possiveis, as questões que voce me colocou e que entendo devem servir de subsidio a uma materia sobre o meu livro.
            Gostaria, antes de mais nada, de agradecer sua atenção em relacao a esse livro que se destina ao publico em geral e de forma especifica a todos aqueles interessados em manter uma discussão bem informada sobre os problemas enfrentados hoje pelo Brasil para a continuidade de seu processo de modernização economica e social.
            Vou retomar uma a uma suas questoes e procurar responde-las da maneira mais concisa possivel.

> 1-O senhor aconselha o novo presidente a se afastar da "elite pensante" e promover reuniões abertas e seminários para determinar prioridades nacionais. O Governo Lula criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico para trilhar este caminho, e foi atacado. Estaria querendo substituir o Congresso, o que ele e o secretário Tarso Genro negam, claro. O senhor acredita que o caminho mais curto para solução das mazelas está na democracia direta, e não na democracia representativa?
            PRA: Não existe caminho curto para a solução das mazelas estruturais e conjunturais do Brasil. As primeiras eu sintetizaria como sendo a educação e qualificação profissional da população brasileira, condição essencial para o aumento dos indicadores de produtividade, unica maneira de elevar a renda e diminuir a desigualdade existente. As conjunturais estão relacionadas à manutenção da estabilidade macroeconômica, sem a qual seria impossível o crescimento sustentado, e portanto o aumento da renda e a diminuição da desigualdade.
            Eu vejo com muitos bons olhos a criação e funcionamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico, na medida em que ele, se adequadamente representativo da sociedade, pode atuar como: (a) câmara de ampliação e sistematização das demandas da sociedade para a continuidade das reformas de que ainda necessita o Brasil; (b) “filtro” da miríade de propostas forçosamente contraditórias e opostas que dividem a sociedade em torno de algumas questões cruciais e que são difíceis de serem resolvidas rapidamente num Parlamento, objeto de pressões corporativas e de lobbies setoriais; no Conselho esses interesses diversos também existem, mas terão de ser necessariamente harmonizados se o Conselho quiser apresentar resultados; (c) compatibilização dessas demandas com as possibilidades concretas da sociedade civil, já que o Conselho não se encontra ainda “cristalizado” como corpo dotado de existência independente, uma vez que emergiu da sociedade civil há muito pouco tempo.
            O Conselho de forma alguma representa a democracia direta, pois que não detém funções legislativas ou executivas; ele é sim, mais uma instância da democracia representativa.


> 2-Como montar no Brasil uma maioria no Congresso para fazer as reformas sem distribuir doces?
> 
            PRA: Introduzindo um novo estilo de fazer política: o de falar de modo sincero, claro, direto e objetivo com os parlamentares e mostrar a ncessidade de determinadas reformas sociais, políticas e econômicas e institucionais. O Brasil está preparado para esse tipo de prática e a mudança nas eleicões se deu precisamente em função disso.
> 3-O senhor fala que não existe o conceito de aliança alimentar, que o problema é de distribuição. Ocorre que exatamente isso virou primeira bandeira do Governo Lula .O foco do Governo está errado?
            PRA: Falei que não existe insegurança alimentar no Brasil, e de fato, examinando os dados da produção e a capacidade adaptativa da agricultura brasileira, chega-se exatamente a essa conclusão: o Brasil está totalmente capacitado para alimentar todos os brasileiros e exportar grandes volumes de alimentos. Podem existir pequenos bolsões de insuficiência alimentar em virtude da ocorrências episódicas de rupturas nas condições geoclimáticas (seca no interior do Nordeste, por exemplo), que colocam populações rurais recuadas ante o espectro da falta de alimentos, durante uma estação ou duas. São ocorrências que se combatem com assistência temporária. Mas, nem nas favelas das cidades existe insegurança alimentar, dado que o problema não é de abastecimento e sim de condições de aquisição do alimento, que se encontra disponível poucas quadras adiante.
O problema, portanto, é o de distribuição, o que se traduz, de fato, num problema de renda, que reverte a ser, por sua vez, um problema de emprego ou de “empregabilidade” da população brasileira. O Brasil, como já se disse várias vezes, não é um país pobre, mas um país com muitos pobres. Entendo que o governo deseje minorar o sofrimento dessas camadas pobres que podem enfrentar, sim, desnutrição endêmica (não por insegurança alimentar, repito, mas por ausência de renda) e a esse título o Programa Fome Zero é um catalizador importante de programas sociais, podendo mobilizar setores inteiros da máquina governamental e estimular energias para combater um problema real: o de que muitos brasileiros que não têm condições de se alimentar adequadamente por carências sociais absolutas. 
Como entendo, porém, que o problema é de renda, a melhor solução para a questão da fome no Brasil seria a criação de empregos, via crescimento econômico. Mas isso, obviamente, é muito mais difícil e lento do que o atendimento imediato de carências alimentares por insuficiência de renda.

> 4-O senhor defende o fim do salário mínimo. O que poria no lugar?
> 
            PRA: O salário mínimo é uma “invenção” relativamente recente na história econômica mundial e corresponde a uma tentativa de correção das desigualdades sociais e da “ super-exploração da mão-de-obra” que cumpriu o seu papel no itinerário das políticas públicas. Como toda invenção humana, sua introdução gera outras distorções sociais, como essa da rigidez no mercado de trabalho, funcionando de modo negativo para aqueles que não têm qualificações de qualquer tipo e que acabam sendo substituídos por outros processos produtivos poupadores de mão-de-obra. 
            Por que a livre negociação seria totalmente negativa do ponto de vista da oferta de empregos? Existem países onde não existe salário minímo, ou onde ele não é obrigatório. Em geral, os países com menores exigências legais em termos contratuais são também os menor índice de desemprego. Estou pensando, obviamente, na situação das camadas mais miseráveis da população, que são também os sem qualificação, que não conseguem se empregar nem pelo salário mínimo.

> 5-Sua reforma trabalhista mexe no artigo 7º da Constituição. Como fazer para mudar a lei?
            Esse dispositivo constitucional não é imune a reforma ou emenda, como já ocorreu com tantos outros (monopólios estatais, por exemplo). Pode-se até conservar o princípio do salário mínimo, mas ele não precisaria ser fixado em lei, ou ser nacionalmente unificado, num país com diferentes dotações produtivas como é o Brasil regionalmente diverso, e com tal variedade de índices de produtividade. 

> 6-Um presidente inovador, revolucionário deveria esforçar-se  para  reduzir a necessidade do estado de crédito para forçar os banqueiros a irem à planície lutar  em busca de clientes. Como fazer para deixar banqueiros ao relento?
> 
            PRA: Extremamente simples: o dia em que o Estado não precisar recorrer ao crédito público para prover operações correntes ou renovar empréstimos anteriores, ele terá deixado de concorrer com empresários e o público em geral pela demanda de dinheiro. Os banqueiros serão então obrigados a fazer aquilo que eles fazem em qualquer país normal: disputar clientes no mercado de crédito, deixando de ser “gigolôs” do Estado. Os juros irão baixar simultaneamente.

> 7-Não é injusto acabar agora com a Comunicação Social do Governo logo depois de um período de 8 anos no qual esse foi um dos pilares de sustenção da imagem do ex-presidente FHC?
            PRA: Minha posição contra a chamada “comunicação social” do governo é filosófica e independe do governo em vigor. Serei contra esse tipo de “propaganda institucional” também no próximo governo, qualquer que seja ele. Entendo que o governo deva disponibilizar informações e os meios de comunicação se encarregam de divulgá-la, na medida exata do interesse público. Se houver campanhas de interesse social ou alertas importantes a fazer à população, ele pode mobilizar redes de rádio e TV como já faz atualmente. Campanhas educativas devem ficar a cargo dos ministérios setoriais (saúde, educação, meio ambiente, etc).

> 8-É possível acabar com os direitos adquiridos na Previdência? Fazer por decreto?
            PRA: Não, não é possível fazer isso por decreto, na medida em que vários dispositivos foram constitucionalizados ou se encontram consagrados na legislação infra-constitucional. Não existe, porém, direitos adquiridos absolutos, que se coloquem contra os interesses da sociedade de modo eterno, tanto porque esses “direitos” foram ali colocados em algum momento, geralmente por esperteza ou mobilização de grupos de interesse restrito.
            Não há nenhum problema em regular direitos (ou expectativas) menores para os novos entrantes no sistema previdenciário. Quanto aos atuais e futuros beneficiários, pode-se fazer emendas constitucionais, inclusive uma prevendo a convocação temporária de um congresso dotado de poderes constituintes ou habilitado a fazer reformas constitucionais, de maneira a estabelecer novos patamares de direitos. 
            Nenhuma sociedade é imóvel e eu dou um exemplo: alguns anos atrás, a população suíça, por referendo, aprovou a elevação legal (de 62 a 65 anos, se bem me lembro) da idade mínima da aposentadoria, justamente para corrigir a defasagem entre receitas e despesas do sistema previdenciário.

> 9-O que foi exatamente o Consenso de Washington?
            PRA: Trata-se de uma mera codificação, ex post, de uma série de princípios banais de boa gestão econômica, que deveriam existir em qualquer circunstância no caso de políticas dotadas de bom senso: orçamentos equilibrados, câmbio flexível, concorrência, mercados abertos (mas regulados), respeito aos contratos, etc. Não existe nada de absolutamente demoníaco nessas regras de boa governança e elas são totalmente compatíveis com qualquer regime econômico funcionando em bases sadias.

> 10-O senhor acha que  a equipe de Palocci repete uma ditadura liberal-intervencionista?
> 
            PRA: Ditadura liberal-intervencionista existiu nos tempos da ditadura militar do Brasil. O Brasil não conhece esse tipo de situação há quase 20 anos e não creio que esteja perto de retornar a ela. 

> 11-O que é o neoliberalismo?
            PRA: O conceito tem muitas acepções, algumas absolutamente contraditórias com a realidade histórica ou o simples bom senso. Certas pessoas costumam chamar de neoliberais políticas ou medidas que são absolutamente intervencionistas, como o PROER, por exemplo, que foi feito para evitar uma crise do sistema bancário caso houvesse a quebra de uma ou duas casas do setor. Não poderia haver medida mais autoritariamente intervencionista do que essa: salvar um banco privado (ainda que submetendo-o a controle publico) para evitar a contaminação do setor. Neoliberal, por exemplo, foi o governo inglês, que deixou uma casa centenária como o Barings Bank quebrar, depois de operações arriscadas conduzidas em 1994-95 por um corretor fraudulento em Hong Kong, que deixaram o banco a descoberto em vários milhões de dólares. O governo inglês poderia ter intervido para salvar o banco, como o tinha feito cem anos antes, numa primeira crise do Barings (aliás provocada por um default da Argentina). Ele preferiu deixar o banco quebrar e este foi comprado por uma casa holandesa, o ABN Amro.
            Conceitualmente, o neoliberalismo constitui apenas a aplicação atual de velhas receitas liberais na área econômica. Poucos governos são liberais hoje em dia, e de toda forma o nosso governo, nos últimos cem anos, nunca foi liberal, em qualquer época e sob qualquer governo. Continuamos tão intervencionistas como desde os tempos da colônia. 


> 12-Um livro é sempre o resultado das inquietações do autor. Por que o senhor não publicou antes? O que o senhor acha da lei da mordaça, adotada no Itamaraty nos últimos anos do Governo?
> 
            PRA: O livro não foi publicado antes por falta de oportunidade ou porque ele simplesmente não existia. Se trata de uma coleção de artigos que fui escrevendo ao longo de 2002, todos, com uma única exceção, antes das eleições de outubro. Terminadas as eleições, constatando que eu tinha sido de certa forma premonitório, resolvi juntá-los num livro. Ele sai agora por conveniência ou possibilidades do editor.
            A chamada “lei da mordaça” na verdade sempre existiu no Itamaraty: por sermos funcionários públicos, lidando com informações sensíveis e posições do governo, é natural, de certa forma, que sejamos adstritos a certos controles absolutamente legítimos do ponto de vista do método e da substância: não podemos, por exemplo, discutir questões relativas à formulação ou execução da política externa sem autorização superior, o que eu acho absolutamente normal, assim como não podemos utilizar informações a que tenhamos tido acesso fora do âmbito estrito do trabalho diplomático. O que ocorreu recentemente foi a introdução de controles preventivos, substituindo de certa forma a responsabilidade individual (a posteriori) pela consulta preliminar, o que foi por alguns considerado como censura prévia. Pode ser também considerado um expediente destinado a estimular a criatividade mental e a aumentar a responsabilidade social dos diplomatas. Talvez tenha desvendado algumas vocações.

> 13-É possível hoje ser Governo sem ser keynesiano?
            PRA: Todos os governos são um pouco keynesianos, hoje em dia, no sentido em que a maior parte deles intervem no domínio econômico e utilizam mecanismos indutores da demanda agregada ou corretores de desequilíbrios temporários (medidas de estímulo, por exemplo, para preservar empregos e renda). Mas, o keynesianismo clássico foi testado e encontrou limites nas crises de estagflação dos anos 70 e início dos 80, dando lugar, precisamente, a políticas de tipo hayeckiano, mais próximas do mercado. Hayeck e Friedman, por exemplo, são liberais clássicos, opostos à maior parte dos instrumentos keynesianos que hoje são lugar corrente em qualquer ministério da economia. Existem graus variados de keynesianismo ou de liberalismo nas políticas econômicas dos países desenvolvidos, com governos mais intervencionistas (como o francês, por exemplo, que ainda preserva monopólios estatais em alguns serviços públicos) e menos intervencionistas, como os dos EUA e Grã-Bretanha, que privatizou a maior parte das empresas estatais nacionalizadas no imediato pós-Segunda Guerra.

> 14-O senhor acha que as idéias liberais foram contaminadas pelos cartórios existentes no país, criando aí uma vertente própria, um neoliberalismo de bananas, como sugere a capa do livro?
> 
            PRA: O Brasil sempre foi um país de cartórios, desde a dominação portuguesa e a instalação de um Estado bacharelesco que funciona exatamente ao contrário dos princípios liberais clássicos. Nas sociedades anglo-saxãs, por exemplo, a iniciativa particular pode se exercer em todos os setores de atividade econômica onde não exista uma proibição expressa da autoridade pública. Na tradição cartorialista portuguesa, ao contrário, qualquer atividade econômica só podia ser exercida se amparada num alvará régio, num decreto legal, numa autorização dada por alguma autoridade. Num caso, portanto, tudo o que não é proibido, é permitido, no outro, só o que é expressamente autorizado pode funcionar.
            Não me parece que o Brasil seja um neoliberalismo de bananas, não há nada escrito nesse sentido no livro, e não creio que a capa contenha qualquer alusão nesse sentido. Qualquer um pode fazer sua leitura interpretativa de uma capa “banal” (e não bananal), mas não me parece que ela seja indicativa de qualquer mensagem subliminar. Não conheço o artista e não fiz qualquer tipo de sugestão. Ele trabalhou de modo independente, e não creio que tenha lido o livro para oferecer a capa.

> 15-O senhor diz que a posição dos antialcalinos é uma questão de falta de (in)formação. Um dos principais críticos da Alca nos últimos anos foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, hoje secretário-geral do Itamaraty. É um homem mal-informado sobre o tema?
> 
            PRA: Meu texto sobre o tema remete diretamente a um “manifesto” (cuja fonte está referida nesse ensaio) de um grupo de pessoas manifestamente mal informadas sobre o que representa a Alca, o que não é absolutamente o caso do atual secretário-geral do Itamaraty, a quem prezo muito, com quem já trabalhei e aprendi a respeitar por suas posições econômicas em favor da integração subregional. Ele é extremamente bem informado sobre a Alca e tocou, em alguns de seus escritos, em todos os pontos relevantes para uma discussão bem informada por parte da sociedade. 
            O texto que é objeto de minhas críticas adota uma posição de tipo preventiva, que condena sem exame e sem debate, sem qualquer qualificação mais elaborada.

> 16-O senhor acha que da gestão Fernando Henrique Cardoso, para a qual o senhor trabalhou como diplomata?
            Sou diplomata de carreira desde o período final do regime militar no Brasil, a partir de 1977, e sou portanto um servidor do Estado, mais do que de governos, não tendo, incidentalmente, trabalhado em nenhum cargo de confiança para qualquer governo até o dia de hoje O que eu acho da gestão FHC encontra-se expresso em texto que publiquei no ano passado, infelizmente apenas em francês até agora: “Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain” (Paris: Harmattan, 2002), mas estou preparando uma edição atualizada desse livro para publicá-lo no Brasil, provavelmente sob o título de “Uma introdução ao Brasil contemporâneo”. Se me permito um “julgamento” antecipado sobre a gestão FHC, creio que ela passará para a história do Brasil como um momento de transição, uma fase de intensa mudança institucional, um momento de recriação do Estado (não mais empreendedor, mas gestor) e dos instrumentos modernos de administração pública no Brasil, tão importante quanto o foi, historicamente, a criação do moderno estado empresarial (ou empreendedor) na era Vargas. Mas, isso não tem nada a ver com o meu papel de diplomata (que, repito, serviu ao Estado, não ao governo); trata-se apenas de uma avaliação de tipo sociológica. 

> 17- O que faz um iconoclasta na arte do Barão do Rio Branco?
> 
            PRA: As pessoas privadas e mesmo os funcionários públicos têm direito a ostentarem suas preferências filosóficas ou ideologias particulares, desde que isso não interfira na execução ou no desempenho das suas funções. A Casa de Rio Branco já abrigou, e ainda abriga, as mais diversas vocações: prosadores, poetas, artistas diversos, matemáticos, engenheiros e sociólogos, como este que escreveu o livro “A Grande Mudança”, cujo conteúdo expressa exatamente o que eu penso enquanto pessoa privada, não enquanto funcionário público. O próprio Barão foi um iconoclasta, pois que casou (com uma artista de espetáculos) à margem das convenções sociais da sua época e nunca hesitou em romper hábitos arraigados na velha diplomacia burocrática e quase estagnada que a República herdou da monarquia, produzindo uma das maiores revoluções institucionais que o Itamaraty já conheceu, revolucionando métodos de trabalho e a própria substância da diplomacia brasileira. Ser iconoclasta constitui por vezes uma qualidade para empreender mudanças que podem ser historicamente necessárias. 

Washington, 21 de fevereiro de 2003.


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            Compreendo inteiramente e respeito seu ponto de vista e forma de abordagem. Mas, veja, ate por uma questao de ser coerente, nao pretendo responder as suas perguntas na forma como voce as formulou, como seu estivesse querendo dar licoes a alguem, corrigir politicas praticas do atual govereno, opinar sobre medidas que vem sendo adotadas.
            Repito: meu livro se coloca no plano conceitual e se situa no mesmo estilo das grandes discussoes socraticas: interrogar a realidade, ver quais evidencias empiricas existem para determinadas politicas e depois seguir o caminho da logica e da racionalidade.
            Nao me cabe dizer a quem quer que seja como o Brasil deve ser governado: eu alias nao fui eleito para qualquer cargo e nao tenho portanto legitimidade intrinseca para comecar a julgar politicas e emitir opinioes. Estou apenas formulando posicoes de principio como convem a um cidadao bem informado.
            Se voce quiser, pode colocar que o livro se situa no amago dos problemas que vem sendo enfrentados pelo atual governo, mas ele nao se dirige a este governo, de fato, mas a governos em geral, pois como disse e repito, a quase totalidade dos textos foi escrita antes mesmo de serem conhecidos os resultados do primeiro turno.
            No mais, depois volto as suas questoes concretas, mas pretendo responder genericamente, como alertei antes e agora.

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Paulo R. de Almeida
pralmeida@mac.com   palmeida@unb.br


-----Original Message-----
From: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO [mailto:PabloP@diariosp.com.br
Sent: Friday, February 21, 2003 13:55
To: 'Paulo Roberto de Almeida'
Subject: RES: livro/perguntas




Professor, obrigado pelo retorno.

Eu entendi perfeitamente o livro, professor. Mas a idéia do meu texto é apresentar o livro ao leitor do Diário de S.Paulo; não fazer uma crítica ou resenha da obra. Achei melhor provocar novos comentários do autor, que escreveu num outro momento (ainda de quadro eleitoral indefinido), ligando-o à conjuntura que, aliás, reproduz várias das projeções (?) encontradas no texto. Mas não pretendo fazer uma crítica da obra, repito, e sim mostrar o que pensa o autor à luz das novidades sobre temas abordados no livro. Cabe a cada leitor da obra fazer a própria reflexão. Por isso as questões foram colocadas assim: o autor e a conjuntura. 

Aguardo seu retorno.
Obrigado
Pablo





-----Mensagem original-----
De: Paulo Roberto de Almeida [mailto:pramre@earthlink.net] Enviada em: sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003 15:06
Para: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO
Cc: Paulo Roberto de Almeida
Assunto: Re: livro/perguntas


    Pablo,
    Agradeco suas perguntas e interesse pelo meu livro. Espero poder responder com um certo grau de detalhe assim que puder, mas provavelmente apenas na noite de hoje, pois me encontro trabalhando agora.
    Se ouso entretanto fazer desde ja um comentario seria o seguinte. Voce esta tentando fazer uma leitura orientada do meu trabalho, com perguntas topicas sobre questoes especificas e a tentativa de obter respostas concretas a problemas correntes da agenda governamental.
    Nao creio que essa seja a leitura correta de meu livro, que se dirige mais a questoes conceituais, quase filosoficas, de diretrizes gerais de politicas publicas, do que a problemas concretos da agenda governamental corrente.
    Se voce ler o meu livro atentamente, verá que, a despeito de eu discutir todos os grandes problemas de politicas publicas, ele nao se dirige a este ou aquele encarregado de tal ou qual setor da administracao. Nao ha uma unica expressao que se refira ao Lula ou ao PT e essas palavras sequer figuram em meu livro. A despeito de eu ter uma "carta ao proximo presidente", trata-se de uma discussao ampla da agenda nacional, feita num momento em que sequer se tinha ideia de quem poderia ser concretamente o presidente do Brasil (era uma fase que Ciro Gomes e Garotinho estavam em alta, se voce verificar a data em que foi redigido esse texto).
    Por isso, nao pretendo dar respostas direcionadas a essas questoes concretas que voce coloca, pois meu livro representa, como disse, um conjunto de reflexoes pessoais para um dialogo social, colocando principios, mais do que politicas.
    Ele nao se dirige a pessoas especificas ou a responsaveis governamentais. Ele se destina a questionar atitudes mentais e grandes opcoes de politicas publicas. Nao foi feito para duelar com ninguem e sim para estabelecer quais os principios e valores que me guiam pessoalmente em meu trabalho de reflexao sociologica.
    Volto ao contato.
-- 
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com  palmeida@unb.br

> From: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO 
> <PabloP@diariosp.com.br>
> Date: Fri, 21 Feb 2003 14:22:45 -0300
> To: "'pralmeida@brasilemb.org'" <pralmeida@brasilemb.org>, "'palmeida@unb.br'"
> <palmeida@unb.br>
> Subject: livro/perguntas
> Professor Paulo Roberto de Almeida
Envio-lhe algumas perguntas com questões que acho relevantes para um  texto que preparo sobre seu livro A Grande Mudança. Poderia, por gentileza respondê-las de forma suscinta?
Pablo Pereira
Diário de S.Paulo
> 1-O senhor aconselha o novo presidente a se afastar da "elite  pensante" e promover reuniões abertas e seminários para determinar  prioridades nacionais. O Governo Lula criou o Conselho Nacional de  Desenvolvimento Econômico para trilhar este caminho, e foi atacado. 
> Estaria querendo substituir o Congresso, o que ele e o secretário 
> Tarso Genro negam, claro. O senhor acredita que o caminho mais curto 
> para solução das mazelas está na democracia direta, e não na 
> democracia representativa?
> 2-Como montar no Brasil uma maioria no Congresso para fazer as 
> reformas sem distribuir doces?
> 3-O senhor fala que não existe o conceito de aliança alimentar, que o 
> problema é de distribuição. Ocorre que exatamente isso virou primeira 
> bandeira do Governo Lula .O foco do Governo está errado?
> 4-O senhor defende o fim do salário mínimo. O que poria no lugar?
> 5-Sua reforma trabalhista mexe no artigo 7º da Constituição. Como 
> fazer para mudar a lei?
> 6-Um presidente inovador, revolucionário deveria esforçar-se  para 
> reduzir a necessidade do estado de crédito para forçar os banqueiros a 
> irem à planície lutar  em busca de clientes. Como fazer para deixar 
> banqueiros ao relento?
> 7-Não é injusto acabar agora com a Comunicação Social do Governo logo 
> depois de um período de 8 anos no qual esse foi um dos pilares de 
> sustenção da imagem do ex-presidente FHC?
> 8-É possível acabar com os direitos adquiridos na Previdência? Fazer 
> por decreto?
> 9-O que foi exatamente o Consenso de Washington?
> 10-O senhor acha que  a equipe de Palocci repete uma ditadura 
> liberal-intervencionista?
> 11-O que é o neoliberalismo?
> 12-Um livro é sempre o resultado das inquietações do autor. Por que o 
> senhor não publicou antes? O que o senhor acha da lei da mordaça, 
> adotada no Itamaraty nos últimos anos do Governo?
> 13-É possível hoje ser Governo sem ser keynesiano?
> 14-O senhor acha que as idéias liberais foram contaminadas pelos 
> cartórios existentes no país, criando aí uma vertente própria, um 
> neoliberalismo de bananas, como sugere a capa do livro?
> 15-O senhor diz que a posição dos antialcalinos é uma questão de falta 
> de (in)formação. Um dos principais críticos da Alca nos últimos anos 
> foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, hoje secretário-geral 
> do Itamaraty. É um homem mal-informado sobre o tema?
> 16-O senhor acha que da gestão Fernando Henrique Cardoso, para a qual 
> o senhor trabalhou como diplomata?
> 17- O que faz um iconoclasta na arte do Barão do Rio Branco?
> fim