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domingo, 30 de março de 2025

O batom de Bolsonaro - Marcelo Godoy (Estadão)

O batom de Bolsonaro

Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo, 30/03/2025

Atentar contra as liberdades é o pior dos crimes que alguém pode cometer em uma República

Marco Mânlio Capitolino aspirou à realeza e acabou precipitado da Rocha Tarpeia. É o que Tito Lívio conta no livro VI da História de Roma – Ab urbe condita libri. A República condenou Mânlio, apesar de suas ações nobres, porque – movidas pela “vergonhosa paixão de reinar” – deixavam de motivar recompensa e glória para se tornarem odiosas.

Bolsonaro, como os antigos acusados em Roma, compareceu ao fórum. Sua presença não constrangeu os ministros – Lula não esteve lá quando o STF definiu que os condenados em 2.ª instância deviam ir para o cárcere, antes do trânsito em julgado.

Bolsonaro sabe o significado de seu gesto. É de manipular as redes e de explorar meias-verdades que o bolsonarismo é sempre acusado pelos adversários.

A última delas foi o caso da cabeleireira Débora dos Santos, que foi a Brasília se unir aos acampados em frente ao QG do Exército, onde a palavra de ordem era a sediciosa “intervenção das Forças Armadas”. O ataque às sedes dos Poderes tinha o fim de ocupá-las para obter a adesão dos militares. Tudo provado à exaustão por centenas de mensagens entre os réus. A cabeleireira tem dois filhos. Uma condenação a 14 anos resultaria em dois de cadeia antes da progressão ao semiaberto.

Aqui é preciso diferenciar dois tipos de reações: a dos que procuram corrigir os excessos de uma Justiça afrontada e pedem aos julgadores equilíbrio e respeito ao estado democrático de direito e a da miríade de oportunistas que usa o caso de Débora para atacar o dever que a Justiça tem de mandar para a cadeia os golpistas que cometeram o pior dos crimes em uma República: aspirar à tirania e atentar contra as liberdades.

Há políticos que, em vez de se preocuparem com o gangsterismo em suas cidades e Estados, resolveram “salvar” a cabeleireira. Mal conseguem esconder o verdadeiro interesse: herdar os votos de Bolsonaro, o réu que, em breve, será atirado pelo STF, não da Rocha Tarpeia, mas ao malfadado rol dos culpados.

O batom da cabeleireira é parecido com o qual a Procuradoria diz que Bolsonaro escreveu sua participação no golpe. Era chefe supremo das Forças Armadas. Tomou conhecimento da conspiração para anular as eleições. Militares puseram em execução duas operações por fora da cadeia do comando. Iniciariam a empreitada. Bolsonaro não os impediu. Como seria beneficiado, aderiu à conduta. Está no Código Penal: comete-se crime por ação ou omissão. Essa é a lei. Eis o batom de Bolsonaro.

Negar o golpe é como negar o petrolão. Há muito este país espera uma revolução: a do cumprimento das leis. É isso que os Poderes da República e cada cidadão devem ao Brasil. Quando as leis são cumpridas, nenhuma anistia é “necessária”.


Jair é réu - Celso Rocha de Barros (FSP)

Jair é réu

Celso Rocha de Barros

O azar do mundo é que a democracia dos EUA não foi capaz de produzir coisa semelhante depois do 6 de janeiro

Folha de S. Paulo, 29 mar. 2025 

Jair Bolsonaro agora é réu no processo que julgará se ele fez o que obviamente fez e passou quatro anos deixando claro que faria.

Ninguém que não receba suborno para dizer o contrário nega que Jair é culpado: seu governo foi um flagrante de quatro anos do crime de tentativa de extinção do Estado de Direito. Comparado ao nível de certeza da frase "Bolsonaro tentou um golpe de Estado", o teorema de Pitágoras é apenas um boato.

Diante da obviedade da culpa, o que está em julgamento é a capacidade das instituições brasileiras de punir os obviamente culpados. 

Na quarta-feira, a Primeira Turma do STF passou no teste.

A ministra Cármem Lúcia foi feliz em citar o livro de Heloísa Starling ("A Máquina do Golpe. 1964: Como foi desmontada a democracia no Brasil". Companhia das Letras, 2024) sobre o golpe de 64.

Não foi só um floreio ou uma demonstração de erudição. 

Foi um forte argumento jurídico: Starling mostra que a história do último golpe foi um processo bem mais longo que os dias que antecederam a tomada do poder pelos golpistas de 1964. 

O golpe foi um longo processo, lutado em várias frentes, por muito tempo, em que golpistas diferentes desempenharam papéis diferentes. 

Quando algum dos acusados disser que só participou de uma parte da ofensiva golpista, sem nunca ter se comprometido com a coisa toda, não caia nessa.

Alexandre de Moraes fez bem em apresentar o vídeo mostrando o quão violento foi o 8 de janeiro — não, não foi um passeio de mães de família —, mas Flávio Dino fez melhor: lembrou que o golpe tentou instaurar uma ditadura com o objetivo de matar, censurar e torturar muito mais gente.

A Débora do batom, como todos os outros golpistas, foi à praça dos Três Poderes para pedir que o Exército anulasse os votos de dezenas de milhões de brasileiros pobres que elegeram Lula, muitas vezes tendo que andar grandes distâncias para votar porque o acusado Anderson Torres bloqueou estradas no dia da eleição.

Os criminosos do 8 de janeiro também pediam que o Exército matasse o candidato vencedor, as autoridades que impediram o golpe bolsonarista e qualquer um se opusesse ao novo regime.

Como a maior parte da Redação da Folha de S.Paulo, eu teria sido assassinado se o golpe tivesse dado certo.

Em seu voto, Luiz Fux lembrou que "embaixo da toga bate um coração". Esse, para os bolsonaristas, era o problema. O golpe teria garantido que vários corações sob as togas do STF parariam de bater abruptamente.

O voto de Luiz Fux, aliás, foi mais confuso que os outros.

Não tenho problema com a proposta de revisar a dosimetria das penas, se a cada revisão de pena para baixo dos soldados-rasos houver uma revisão para cima da pena dos líderes. 

Se Débora não é tão culpada assim, Jair só pode ser mais culpado ainda. O batom que interessa é o do Jair na cueca do golpe.

Mas Fux ensaiou um argumento sobre "tentativa do ato consumado de tentar" que dói no nervo da lógica e é muito perigoso para o resto do julgamento. 

Espero que o ministro atente para não ser tentado a tentar a tentativa de continuar por esse caminho.

Foi uma boa semana para a democracia brasileira. 

O azar do mundo é que a democracia americana não foi capaz de produzir coisa semelhante depois do 6 de janeiro deles.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2025/03/jair-e-reu.shtml 

sábado, 23 de setembro de 2023

A tentativa de golpe de Bolsonaro: quase televisionada (Valor Econômico)

 Bolsonaro quis dar o golpe, está provado. Só conseguiu o apoio do camandante da Marinha. Matéria do Valor Econômico:

“NA REUNIÃO EM QUE GARNIER ADERIU AO GOLPE, COMANDANTE DO EXÉRCITO AMEAÇOU PRENDER BOLSONARO

A delação do tenente-coronel Mauro Cid jogou luz sobre o personagem que melhor ilustra a cooptação promovida pelo EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO nas Forças Armadas. Quando foi alçado ao comando da Marinha, o almirante ALMIR GARNIER nunca havia comandado nenhuma das duas esquadras da Marinha, a do Rio e a da Bahia. Já havia passado pelo comando do Segundo Distrito Naval, que fica em Salvador, mas pelas esquadras, cujo comando sempre foi uma pré-condição informal, não.

Foi assim, já devedor do presidente da República, que ele assumiu o posto. Jair Bolsonaro bancara sua indicação a despeito de ele não integrar o topo da lista. Para demonstrar lealdade, em 2021 protagonizou um exercício extemporâneo dos fuzileiros navais em Formosa, Goiás. E, finalmente, em 2022, virou conselheiro de Bolsonaro. O ex-presidente ligava pra ele em toda encruzilhada em que se via no governo. Garnier havia chegado onde jamais imaginara.

Por isso, quando o ex-presidente, naquela noite de 24 de novembro, em reunião com o comando das três Forças no Palácio do Alvorada, perguntou se os comandantes estariam fechados com ele na contestação ao resultado, Garnier foi o único a responder de bate pronto que sim.

O brigadeiro CARLOS BATISTA, da Aeronáutica, ficou calado, e quem enfrentou o presidente foi o comandante do Exército, general FREIRE GOMES. Ele não apenas disse a Bolsonaro que o Exército não compactuava com um golpe como afirmou à queima-roupa: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”.

Não é exatamente porque setores das Forças Armadas não tenham querido dar o golpe, é porque não havia condições fazê-lo. Freire Gomes sabia que os comandantes do Sul (Fernando Soares), do Sudeste (Thomaz Paiva), do Leste (André Novaes) e do Nordeste (Richard Nunes) não apoiariam. Além disso, os americanos — civis e militares — já haviam dado fartas demonstrações de que não apoiariam. Seis comitivas desembarcaram no Brasil ao longo de 2022 com esta missão.

Um amigo que esteve com Garnier um mês depois desta reunião, numa sala da Marinha, já o encontrou à paisana, com a barba por fazer, indisposto a participar da cerimônia de transmissão do cargo.

“Será melhor para a Marinha, para o novo comandante e para você”, disse, sem sucesso, ao almirante. Este amigo fez chegar a informação ao ministro JOSÉ MÚCIO, já escolhido pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, para a Defesa.

Múcio tentou convencer Garnier a transmitir o cargo e tampouco teve sucesso. Os dois se encontrariam durante um almoço na casa do novo comandante da Marinha, MARCOS OLSEN, já sob o novo governo.

 * Delação gerou apreensão nas Forças Armadas, mas declaração de Múcio serenou ânimos

 * Marinha diz não ter tido acesso à delação

A partir daí Garnier começou a ter uns problemas de saúde e a pedir a amigos que lhe sugerissem um advogado. O almirante, de fato, vai precisar de um. Porque se esta delação do coronel Cid for confirmada, estaria sujeito a pelo menos dois crimes, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. E a Justiça Militar? No limite, pode lhe tirar a patente. Ainda que venha a perder a titularidade do soldo de almirante da reserva, o recurso passaria a ser depositado na conta de sua esposa.

O coronel Cid, em sua delação, aparentemente escolheu virar seus holofotes para Garnier, mas há um outro almirante quatro estrelas,que tinha sala no Palácio do Planalto, como assessor direto dopresidente, o almirante Flavio Rocha, que era titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Com o fim do governo Bolsonaro, foi reincorporado ao Alto Comando da Marinha. Procurado, não atendeu à chamada do VALOR.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Exercito foi no mínimo conivente com o golpismo - Rodrigo Rangel (Metropoles)

 Uma adesão aberta ao bolsonarismo da parte de boa parte do Exército

Rodrigo Rangel

Oficial do Exército que defendeu invasores chefia batalhão encarregado de proteger o Planalto

A constatação é só uma das faces da tensão reinante entre Lula e a cúpula militar. Entenda

 atualizado 12/01/2023 19:47

O coronel do Exército Paulo Jorge da Hora, comandante do Batalhão da Guarda Presidencial

É delicado o ponto da tensão entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o comando do Exército desde a eclosão dos atos golpistas do último domingo.

O Palácio do Planalto trata do assunto com contenção e comedimento para não acirrar os ânimos, mas a avaliação reinante, inclusive no gabinete presidencial, é a de que o Exército não agiu a contento para evitar a tragédia — seja por ter sido condescendente com os acampamentos bolsonaristas à porta dos quartéis, seja por sua cota de responsabilidade nas falhas de segurança que permitiram aos radicais vandalizar o coração do poder.

Em condições normais de temperatura e pressão, providências já teriam sido adotadas para afastar oficiais, de alta patente inclusive, que na avaliação do entorno presidencial teriam sido no mínimo coniventes com os golpistas.

Prevalece, porém, o entendimento de que neste momento é preciso agir com cautela para não ampliar o estresse e escalar a crise.

O diagnóstico de Lula

Nesta quinta-feira, num café da manhã com jornalistas, Lula avançou na crítica aos militares pela primeira vez desde a invasão das sedes dos três poderes .

Queixou-se do engajamento da caserna com a cartilha bolsonarista e do envolvimento do Exército no questionamento das urnas eletrônicas, das ameaças de militares contra ele próprio e contra outros petistas e da participação de familiares de generais nos acampamentos que pediam intervenção das Forças Armadas.

“Não quero saber se um soldado qualquer votou no Bolsonaro ou Lula, se um general não votou no Lula. Minha preocupação é que quem participa de carreira de Estado tem que pensar e servir ao país. Não pode ter lado”, declarou.

 lado deles é cumprir o que está garantido nLula admitiu, também pela primeira vez, que se recusou a assinar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem — a propalada GLO — nas horas que se seguiram aos atos golpistas para não transferir para os generais o poder de governar.

“As Forças Armadas não são poder moderador como eles pensam que são”, afirmou. Ele também se disse convencido de que a porta do Planalto foi aberta para que os bolsonaristas radicais entrassem.

“Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não tem porta quebrada. Ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui”, declarou.

Comandante do BGP protegeu golpistas?

Esse é um ponto especialmente sensível — e é uma das questões que, não fosse o momento delicado, já teria resultado em corte de cabeças.

O presidente não disse com todas as letras, mas era do Exército a tarefa de proteger o palácio — mais especificamente, do Batalhão da Guarda Presidencial, o BGP.

Imagens da invasão ao Planalto publicadas pelo Metrópoles mostram um coronel da corporação, devidamente fardado, discutindo com policiais que tentavam prender os invasores.

O vídeo indica que o coronel do Exército estava agindo para proteger os radicais bolsonaristas.

O coronel em questão é ninguém menos que o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, a unidade do Exército responsável pela proteção dos palácios presidenciais. Paulo Jorge Fernandes da Hora (foto em destaque) é o nome dele.


Se o que ocorreu foi mesmo o que o vídeo dá a entender, não é algo trivial. Pelo contrário, é um escândalo: em vez de atuar para deter os manifestantes, o oficial que deveria guardar o Planalto teria agido em defesa dos golpistas. Ali, o oficial era o Exército.

Perguntas sem respostas

Desde segunda-feira a coluna tenta falar com o coronel, sem sucesso.

Ao Exército e ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, perguntamos se ele permanece no posto. Sobre isso, não houve resposta oficial.

Extraoficialmente, nesta quinta um militar da ativa ligado ao comando do Exército disse que Paulo Jorge da Hora segue no comando do BGP.

Esse mesmo militar tratou de defender o coronel. Disse que os ânimos estavam exaltados e que o colega “não impediu” a prisão dos invasores.

Em nota, o Exército limitou-se a dizer que “os fatos estão sendo apurados pelas autoridades competentes”.

A “guerra fria” entre GSI e Exército

Embora todas as evidências corroborem a impressão de Lula e de seu entorno de que a ação dos criminosos foi facilitada, inclusive pelos militares, para o Planalto adotar providências como a saída imediata do coronel e de outros integrantes de sua cadeia de comando poderia agravar ainda mais a tensão com a cúpula das Forças Armadas.

Na prática, a medida seria entendida como uma condenação ao Exército.

Em outra frente, igualmente ilustrativa da tensão reinante neste momento, o Exército e o GSI, comandado desde 1º de janeiro pelo general da reserva Marco Gonçalves Dias, homem de confiança de Lula, têm tratado com dedos tudo o que diz respeito às responsabilidades pela proteção do palácio.

Desde segunda, a coluna enviou uma série de perguntas tanto ao comando do Exército quanto ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência para tentar entender, com precisão, a sucessão de erros que permitiu a invasão.

Sem dar detalhes, o Exército jogou a responsabilidade para o GSI: ao responder se houve demora ou inação do BGP, afirmou em nota que “a segurança do Palácio do Planalto é coordenada pelo Gabinete de Segurança Institucional” e que “todas as demandas do GSI nesse sentido, apresentadas ao Exército Brasileiro, foram atendidas oportunamente na ocasião”. O GSI não respondeu.

José Múcio e a cara da crise

Outro faceta da crise entre Planalto e militares (leia mais aqui) envolve o ministro da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro, que nos bastidores tem sido torpedeado por petistas graduados e outros aliados do governo.

A leitura desses críticos é a de que Múcio, escolhido por ter perfil moderado e ser bem aceito entre os comandantes militares, está agindo para blindar as Forças Armadas e deixando de levar em conta os interesses do governo.

Nos últimos dias, petistas e seus satélites fizeram circular o rumor de que o ministro estaria demissionário. Múcio negou. Lula também — até porque perder o ministro a esta altura seria outro fator capaz de degradar ainda mais o já deteriorado ambiente.

À coluna, uma pessoa próxima do ministro disse que ele está trabalhando “na conciliação”. Um general que até pouco tempo cerrava fileiras com o núcleo do bolsonarismo e transita bem entre os integrantes da atual cúpula militar dá a medida do ponto da crise: “A sociedade precisa se unir e jogar água na fervura”. Fervura define.