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segunda-feira, 21 de maio de 2012

A guerra DO terror: contra a propria populacao

Muitos acreditam que -- e condenam -- a política americana inaugurada por George W. Bush, de "guerra ao terror", era exagerada, mal orientada, e suscetível de causar mais mal do que bem à estratégia americana de segurança.
Obviamente que o fato de ter deixado o Afeganistão entregue à sua própria sorte, depois da expulsão dos soviéticos do país e dos comunistas do poder,  revelou-se contraproducente, uma vez que os talibãs, treinados e armados pelos agentes da CIA, acabaram levando à últimas consequências seus propósitos e ideologia: um regressismo fundamentalista especialmente danoso para a inserção internacional desse país no mundo, para a continuidade das suas instituições políticas, um retrocesso absoluto para suas mulheres e educação, de forma geral, e, importante para o Ocidente, uma mentalidade anti-Ocidental e anti-cristã que se revelaria fatal do ponto de vista da logística da segurança.
Os terroristas fundamentalistas ali se instalaram e passaram a planejar ataques contra alvos ocidentais, contra tudo o que era cristão, na região e no próprio coração do Ocidente, com a ajuda de seus "afiliados" espalhados um pouco em todas as partes.
O obscurantismo fundamentalista islâmico não tem dificuldades em recrutar agentes do terror: existe, como diriam os economista, uma oferta ilimitada de mão de obra para atentados terroristas.
O fato é que mais muçulmanos do que ocidentais pereceram em todos os ataques combinados, alguns (poucos) no Ocidente) e a maioria nos países desestabilizados pelo terror: o próprio Afeganistão, o Paquistão, o Yemen e o Iraque, com vários outros países islâmicos servindo de alvo para os ataques suicidas.
Agora que as tropas ocidentais deixam o Iraque e se preparam a deixar o Afeganistão, pode-se aguardar ataques como esse, de atualidade.
Vai ser difícil terminar esse ciclo infernal: as mentalidades ainda não estão preparadas para renunciar a táticas que produzem impacto, mesmo negativo.
Sem qualquer tipo de animosidade religiosa -- mas sendo absolutamente irreligioso, como nunca escondi -- não tenho nenhuma hesitação em dizer que o fim desse ciclo pavoroso depende, fundamentalmente, de uma reforma religiosa no Islã, algo que no entanto está longe de ocorrer.
Esse tipo de terrorismo tem sustentáculos especificamente religiosos.
Paulo Roberto de Almeida 



By ROBERT F. WORTH and ALAN COWELL
May 21, 2012

An attacker dressed as a soldier killed more than 90 people when he blew himself up in the midst of a military parade rehearsal in the capital on Monday

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Um terrorista sincero, e transparente: "vamos atacar..."

Bem, pelo menos não se pode dizer que eles atacarão de surpresa...



Les pirates ayant attaqué le site Web de "Charlie Hebdo" menacent celui de "Libération"

LEMONDE.FR avec AFP | 06.11.11
Capture d'écran de la page d'accueil du site Web de l'hebdomadaire "Charlie Hebdo" piratée par Akincilar.
Capture d'écran de la page d'accueil du site Web de l'hebdomadaire "Charlie Hebdo" piratée par Akincilar. D.R.

L'un des membres du groupe de hackers turcs qui ont revendiqué le piratage mercredi du site Internet de Charlie Hebdo, mis hors service, affirme, dans unentretien au Journal du Dimanche"défendre son pays" et menace le quotidienLibération. Les locaux de l'hebdomadaire satirique ont été détruits par un incendie criminel mercredi, le jour où paraissait un numéro dont la "une" représentait le prophète Mahomet, "rédacteur en chef" d'un journal rebaptisé Charia Hebdo. Le site internet du journal a en outre été victime d'un piratage informatique. "Si "Libération" continue à publier ces dessins, nous nous occuperons d'eux aussi", déclare Ekber, un jeune homme de 20 ans, rencontré par Le Journal du Dimanche à Istanbul."Nous défendons notre pays et nos institutions", justifie Ekber auprès du JDD.

Ekber, membre du groupe de pirates turcs Akincilar et surnommé Black Apple, explique : "Nous ne pensons pas avoir fait quelque chose de mal, ce n'est pas comme si nous avions siphonné des comptes bancaires. C'est une protestation contre une insulte à nos valeurs et nos croyances."
Cependant, selon le JDD, Ekber a tenu à se désolidariser de l'attaque au cocktail Molotov qui a ravagé le journal. "Nous ne soutenons pas la violence. L'islam est une religion de paix. Ces actes sont le fait de gens qui se servent de la religion", affirme le jeune homme, étudiant à l'université Isik et futur ingénieur informatique. Ekber explique qu'il n'avait jamais entendu parler de Charlie Hebdo auparavant. Mais, après avoir lu sur internet des articles de journaux parlant de la sortie du numéro spécial baptisé Charia Hebdo, raconte-t-il, le groupe Akincilar a décidé deréagir. A la suite du piratage du site du journal satirique, la société Bluevision, qui assure son hébergement, l'avait mis hors service après avoir "reçu des menaces de mort".

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Timothy Garton Ash e a "decada perdida" dos EUA pos-11/09


"Não foi a maior história da nossa época"
Entrevista / Timothy Garton Ash
Renata Summa
O Globo, 12/09/2011

Historiador britânico destaca a ascensão da Ásia e constata que a maior potência militar não conseguiu vencer as guerras

Para o historiador britânico Timothy Garton Ash, a década que seguiu o 11 de Setembro marcou um (importante) desvio na História. Mas a estrada principal da história do nosso tempo, por assim dizer, será marcada pelo deslocamento de poder do Ocidente ao Oriente. Isso não significa que os atentados não tenham deixado um legado desafiador, como demonstra em seu novo livro, “Os fatos são subversivos: escritos políticos de uma década sem nome”, lançado pela Companhia das Letras. Em entrevista ao GLOBO por telefone da Califórnia, o professor da Universidade de Oxford diz que o custo da Guerra ao Terror foi alto demais para poucos resultados, e não hesita em afirmar que década foi perdida para os EUA.

O GLOBO: Em 2001, falou-se dos ataques como um novo marco na História, assim como a queda do Muro de Berlim. O senhor ainda concorda com essa visão?

TIMOTHY GARTON ASH: O período que vai entre o 9 de novembro de 1989 (a queda do Muro de Berlim, ou 9/11 no estilo europeu de escrever as datas) e o 11 de setembro de 2011 (ou 9/11 na forma americana), é um momento muito importante. Mas estou convencido de que o primeiro 9/11 foi mais marcante do que o segundo. Apesar de ter sido um evento de importância extraordinária, não acho que o 11 de Setembro represente o início de uma nova grande era. Não acredito que nossa época será marcada pela luta contra o terrorismo. Esta ameaça foi reduzida pelo que já foi feito contra ela, mas também pela Primavera Árabe. A grande história do nosso tempo não será essa, e sim a ascensão da Ásia, além do deslocamento do poder do Ocidente ao Oriente. Esta, sim, é a grande história do nosso tempo, que define a política de hoje.

● Dez anos após o 11 de Setembro, o senhor considera que o mundo é um lugar mais seguro ou mais perigoso?

GARTON ASH: O mundo sempre foi um lugar perigoso, e sempre será. Mas o risco ligado ao terrorismo será reduzido. Há outros, no entanto. Estados nucleares, aquecimento global, superpopulação, falta d’água... Além disso, como falei, estamos num período de deslocamento de poder. Na História, podemos observar que costumam ser períodos de riscos crescentes, e estou certo de que este também será.

● Como você avaliaria os anos de guerra contra o terror?

GARTON ASH: O governo Bush cometeu grandes erros. Acredito que a invasão do Afeganistão tenha sido necessária, mas poderíamos ter saído de lá mais cedo. O Iraque foi um erro. Além do custo humano altíssimo, houve um custo financeiro altíssimo. US$ 4 trilhões... dá para imaginar o que poderia ter sido feito com esse dinheiro?

● O que devemos esperar do Iraque e do Afeganistão?

GARTON ASH: Temos a maior potência militar do mundo nesses dois países, mas em nenhum deles a guerra acabará em vitória. Houve uma incrível perda de vidas humanas, mais de sete milhões de refugiados de Afeganistão, Paquistão e Iraque. E o Iraque, hoje, não é um país livre. Não tenho nenhuma hesitação em dizer que o mundo seria um lugar melhor hoje se EUA e Reino Unido não tivessem ido ao Iraque. Mesmo no Afeganistão, o que teremos conquistado será muito modesto. Além disso, é o Paquistão o maior desafio hoje. Talvez no futuro vamos perceber que Obama deveria ter se concentrado no Paquistão.

● Mas, nesse caso, haveria um fim? Um dia Afeganistão, depois Paquistão...

GARTON ASH: Em geral, os problemas não são resolvidos, eles são ultrapassados por outros problemas. Estou aqui nos EUA, e o Iraque não é mencionado nenhuma vez na TV. Há dois anos, só se falava nisso. Talvez os problemas não sejam resolvidos, mas eles acabam desaparecendo da mídia.

● Diria que foi uma década perdida para os EUA?

GARTON ASH: No meu livro, digo exatamente isso. Foi uma década perdida. Se os EUA soubessem no início da década para onde estávamos indo, talvez tivessem gastado esses trilhões em educação, desenvolvimento, e estariam em situação melhor.

● Ainda não há uma definição internacional do terrorismo...

GARTON ASH: Terrorismo deveria ser usado no plural: terrorismos. Matar civis é errado, mas há uma diferença entre as mortes causadas pelo movimento antiapartheid liderado por Mandela, por exemplo, e o terrorismo internacional. No caso do terrorismo nacional, se você resolver o problema político, o terror pode acabar. No caso de Bin Laden, não há nada a fazer. Você tem que lutar contra ele.

● Você era um crítico da política de George W. Bush para o Oriente Médio. Como avalia Obama nesse quesito?

GARTON ASH: Bom, há um comentário famoso em Washington: “Na Primavera Árabe, Obama tem liderado por trás.” Há uma ponta de verdade nisso. Ele não deu uma grande prioridade à democracia na região, mas as pessoas de lá deram. Com o tempo, ele melhorou, e acho que tem feito um ótimo trabalho em empurrar a solução de dois Estados para Israel e Palestina.

● Para o senhor, a integração de imigrantes muçulmanos nos EUA e na Europa é um dos principais fatores para prevenir ataques terroristas nesses países. Como estão lidando com isso?

GARTON ASH: Esse é um problema muito maior para a Europa, que tem uma população envelhecendo dramaticamente enquanto, do outro lado do Mediterrâneo, há uma população constituída em sua maioria por jovens. Já nos EUA, esse é um problema menor, pois os muçulmanos são mais integrados, educados. Para nós, na Europa, é um grande desafio, e estamos lidando muito mal com isso.

● A Primavera Árabe pode resultar num fortalecimento de islamistas e tornar a região mais radical ou é o contrário?

GARTON ASH: Esse é o episódio mais esperançoso do século. Devemos acolhê-lo sem hesitação. Mesmo se o Islã político subir ao poder, teremos que aceitá-lo. Claro que falo num tipo de islamismo moderado, ao estilo turco. Se radicais começarem a colocar bombas, será diferente.

● Tony Blair chegou a dizer que a Primavera Árabe justificou, a posteriori, a invasão ao Iraque, mostrando que as pessoas queriam mudanças...

GARTON ASH: É completamente diferente. De um lado temos um movimento espontâneo, vindo de baixo. Do outro, o que os neoconservadores viam como democracia no Oriente Médio. O que vemos hoje na Síria, por exemplo, é uma resistência civil impressionante. Essa população que está na rua tem menos de 30 anos. No final, se eles ficaram desapontados após terem arriscado suas vidas, vão deixar o país. E vão aonde? A Europa está tão obcecada com a crise do euro que não está em condições de dar uma resposta à altura. Mas é ela que será afetada se der errado. Como num ciclo vicioso.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Revista Espaço Acadêmico - Dossiê Onze de Setembro

Na verdade, o dossiê se resume a três artigos, um dos quais escrito por mim, o outro pelo próprio organizador do dossiê. Apenas um artigo a mais, para um assunto tão importante. Fiquei verdadeiramente surpreendido. Pensei, antes, que muito mais gente se disporia a escrever sobre tema tão relevante das relações internacionais.
Ou apenas não escrevem mesmo, o que não parece ser o caso, pois todos querem publicar para acumular pontos, ou então não dão nenhuma importância ao evento em questão:



Meu artigo: 
Onze de Setembro, dez anos: recepção no mundo, reações no Brasil

Revista Espaço Acadêmico, dossiê especial Onze de Setembro
(ano 11, n. 124, setembro de 2011, p. 21-26; ISSN: 1519-6186, link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14042/7731). 
Relação de Originais n. 2290; Publicados n. 1043

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Islam nao apresenta problemas - um especialista ex-CIA

Bem, se o Islã não apresenta problema nenhum, por que é que o essencial, a quase totalidade dos atentados terroristas no mundo, atualmente, estão, de alguma forma, vinculados ao fundamentalismo islâmico, ocorrem em países muçulmanos, são cometidos por pessoas que supostamente se apresentam (e se legitimam) como devotos do Islã, se orgulham de seu gesto -- como se pode comprovar por dezenas de vídeos, dos próprios terroristas e de suas famílias, que louvam o gesto cometido em nome do Islã, contra os "infiéis" -- e são perpetrados fundamentalmente contra alvos identificados, de perto ou de longe, com autoridades e representantes de países não islâmicos (ainda que potências supostamente agressoras, invasoras e colonialistas ou imperialistas) e atingem, na grande maioria dos casos, alvos islâmicos, ou seja, matam muito mais civis inocentes de religião islâmica do que os "infiéis" visados???
Se esse especialista souber me explicar essas razões, vou concordar com ele. Se não, vou continuar acreditando que existe, sim, um problema com o Islã, a começar pelo fato de que raramente vi, ou ouvi, qualquer autoridade religiosa do Islã condenar esses atos e atentados, que supostamente seriam "anti-islâmicos".
Ou seja, para esse "especialista" (me perdõem as aspas, mas não consigo vê-lo apenas como acadêmico), tudo estaria bem se as potências ocidentais não tivessem se metido com o Oriente Médio e com os países islâmicos, se elas os tivessem deixado em seu esplêndido isolamento e jamais ido à conquista de terras, petróleo, poder e influência, no mundo. Infelizmente, o mundo não funciona assim, com cada povo metido nos seus próprios assuntos, se dedicando a vida pacífica, quase pastoril e inerte, sem qualquer desejo de conhecer outros lugares, eventualmente de se apropriar de riquezas de outros povos, para construir sua própria riqueza. Desde os albores da humanidade, tivemos guerras de conquista, busca de escravos, de ouro, de mulheres, de terras, de recursos, enfim, e esta lógica está no coração dos processos civilizatórios. Pode ser que algum zelo religioso figure nessas aventuras de conquista, mas tampouco se pode esquecer que o Islã, tal como existiu de fato (não na cabeça dos relativistas culturais), também partiu à conquista do mundo tão pronto sistematizado enquanto "fé verdadeira", saiu pela África, Oriente Médio, Europa e Ásia, conquistando povos, convertendo-os, submetendo-os à jurisdição dos "verdadeiros fiéis" e fazendo com que os dominados pagassem pela dominação, em outros termos praticando colonialismo, imperialismo e até terrorismo (matando no fio da espada, e depois apedrejando os idólatras, iconoclastas ou simples transgressores da palavra escrita no Corão).
Tudo o que esse "especialista" diz sobre o Ocidente, pode ser revertido contra o Islã, mesmo se em outra época...
Paulo Roberto de Almeida

Graham Fuller: “O islã não é o problema”
Letícia Sorg
Revista Época, 23/08/2010

Em seu novo livro, o especialista em Oriente Médio recorre à história para defender que a religião não é a causa dos conflitos da região

Por ter trabalhado de 1964 a 1987 para a CIA, ter morado na Turquia, no Líbano, na Arábia Saudita, no Afeganistão e no Iêmen e falar cinco línguas árabes, o ex-espião Graham Fuller tem razões para ser considerado um especialista em Oriente Médio. Hoje, Fuller dá aulas sobre o assunto no departamento de história da Universidade Simon Fraser, em Vancouver, no Canadá, onde mora, e acaba de lançar mais um livro sobre a questão, A World Without Islam, em que argumenta que o islamismo está longe de ser a causa dos conflitos atuais entre Ocidente e Oriente. "É mais fácil culpar o islã, dizer que eles são fanáticos."

ÉPOCA – O senhor afirma que a religião não é a causa dos conflitos no Oriente Médio. Como chegou a essa conclusão?
Graham Fuller – Desde muito cedo me interesso pelo Oriente Médio, morei lá vários anos e, na última década, tenho pensado cada vez mais sobre as raízes dos problemas da região. E muitas delas não têm relação com o islã. Especialmente depois dos atentados ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, surgiram vários artigos tentando entender qual era o problema com o Oriente Médio, com a Arábia Saudita, com o islã. Eles diziam que o islã talvez fosse a origem do problema, a questão maior. Minha primeira irritação foi com as tentativas de todos em Washington, não só políticos mas "think tanks", de escrever essas análises sobre as dificuldades desses países, da dificuldade de reformar o islã. Essas análises não deixam de ter razão, mas ninguém disse, em nenhum momento: "Espere um minuto! Não é possível que os Estados Unidos - o único super poder mundial hoje, com quase mil bases militares espalhadas pelo mundo e intervenções em praticamente tudo - tenham causado algum impacto nos acontecimentos a região?" Era isso que estava faltando de quase todos os debates nos EUA. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais claro ficava que havia problemas no Oriente Médio; mas eles não estavam vindo do islã. O islamismo é o veículo, a bandeira, o símbolo, não a origem. Assumindo que o islã é uma bandeira, e não a causa do conflito, é preciso repensar a solução. Se o problema é o islã, a solução passa pelo Islã. Mas se o problema não é o Islã, a solução passa por outras coisas – e isso não é conveniente para o Ocidente. É mais fácil culpar o islã, dizer que eles são fanáticos.

ÉPOCA – Em seu livro, o senhor diz que o mundo teria conflitos bastante semelhantes, mesmo se o Islã não existisse e a religião predominante no Oriente Médio fosse o Cristianismo. O que, então, causa os conflitos na região?
Fuller – Há elementos geopolíticos por trás da maioria deles. Retomando a história, mesmo antes do surgimento do Cristianismo já havia conflitos entre o Oriente Médio e o Ocidente. Considerando a Grécia como o Ocidente em relação ao Império Persa, houve embates por centenas e centenas de anos. Alexandre, o Grande, por exemplo, marchando a partir da Grécia, conquistou tudo quase até a Índia, travando várias batalhas pelo domínio de Anatólia. Depois do surgimento do Cristianismo houve o conflito da Igreja Oriental em Constantinopla, hoje Istambul, com a Igreja Ocidental, em Roma. Os dois lados eram católicos mas houve muita rivalidade, brigas e conflitos até que eles se dividiram completamente. Isso antes do Islamismo e depois do seu aparecimento. As Cruzadas também eram motivadas por razões políticas e econômicas. Levar a bandeira do Cristianismo para o Oriente Médio era muito conveniente para justificar uma campanha militar, mas não era exatamente a verdade. Jerusalém estava sob o domínio islâmico há 500 anos. Os cristãos levaram 500 anos para notar isso e para tomar uma atitude? Analisando o período mais moderno de colonialismo ocidental e imperialismo, europeus dominando várias partes do mundo, incluindo o Oriente Médio, e, então, há guerras pela independência dos países muçulmanos. A Primeira e a Segunda Guerras Mundiais começaram com os europeus, que acabaram arrastando o Oriente Médio para o conflito. Durante a Guerra Fria, o Oriente Médio foi novamente arrastado ao conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética. E há também as empresas de petróleo que querem controlar o petróleo da região sem pagar. E quando o Irã tentou nacionalizar a indústria petrolífera, em 1953, as inteligência americana e britânica derrubaram o primeiro-ministro democraticamente eleito [Mohammed Mossadegh]. A região conviveu com a constante intervenção política e militar americana promovendo golpes de Estado, apoiando líderes impopulares, ditadores... A lista é interminável. E nenhum dos conflitos tem a ver com o islã.

ÉPOCA – É possível dissociar completamente o Mundo Muçulmano do Islamismo?
Fuller – É importante esclarecer que meu livro é sobre as relações entre o Oriente Médio e o Ocidente. Não estou tentando imaginar como seria o Oriente sem o islã. Estou só dizendo que, sem o islã, a relação entre o Oriente Médio e o Ocidente não seria muito diferente. Quando a região foi dominada por árabes, depois por turcos, por otomanos, os estados adotaram as políticas dos períodos anteriores. Não houve grandes mudanças. O Império Otomano cobria quase a mesma área que o Império Bizantino, que era Cristão, cobria. As relações com o Ocidente não mudaram muito. Não acho que seja o islã que esteja causando o conflito, embora seja muito conveniente para justificar a guerra. Nenhum país quer admitir que entra em guerra por causa de petróleo, com o objetivo de dominar. É sempre pela liberdade, pela democracia, pelos direitos humanos, pela cristandade ou pelo islã. Todos os Estados e religiões usam essas bandeiras, mas não devemos confundir as bandeiras com as verdadeiras causas dos conflitos.

ÉPOCA – O senhor trabalhou para a CIA entre 1965 e 1987 e viveu na Turquia, no Líbano, na Arábia Saudita, no Afeganistão e no Iêmen. Poderia imaginar que as relações entre os Estados Unidos e o Oriente Médio chegariam no ponto em que estão hoje, com duas guerras?
Fuller – Sim e não. Quem trabalhou no Oriente Médio todos aqueles anos sabia que a situação estava ficando cada vez pior. Quando voltava aos Estados Unidos, via que as pessoas não percebiam nenhuma mudanças. As pessoas diziam em Washington: "Eles estão sempre infelizes. Talvez aconteçam algumas revoltas, mas nada de mais". E assim foi por um bom tempo. Mas, de repente, um dia, tivemos o 11 de setembro. Foi um choque, mas não uma surpresa. Sabíamos que, um dia, algo ruim ia acontecer. Ninguém sabia o que, quando, onde, mas claro que seriam os elementos mais radicais os primeiros a agir numa situação desse tipo. Osama Bin Laden vinha avisando sobre os atentados há algum tempo. Não disse que ia atacar os Estados Unidos, mas vinha falando há anos sobre o ódio no Oriente Médio por causa da presença de tropas americanas na Arábia Saudita.

ÉPOCA – Mas os atentados de 11 de setembro poderiam ter sido evitados?
Fuller – Muitos problemas poderiam ter sido evitados. Os sauditas discutiram muito antes de permitir a presença americana no país. Mas concordaram sob a condição de que as tropas americanas se retirassem assim que a guerra do Kuwait acabasse. Mas elas não saíram. Isso, é claro, foi uma questão. A presença militar americana só cresceu antes dos atentados de 11 de setembro. Nesse período, os Estados Unidos apoiaram quase incondicionalmente a política israelense, o que gerou raiva em outros países do Oriente Médio. Esse ódio poderia ter sido evitado se os Estados Unidos se dispusessem a ser um intermediário equilibrado entre os dois.

ÉPOCA – Em um artigo, o senhor diz que a política externa americana é, provavelmente, a maior contribuição para a unidade do Mundo Muçulmano desde o profeta Maomé. Por quê?
Fuller – Nos dias de Maomé não havia comunicação, mas, hoje, com a internet e outros meios, o mundo islâmico - inclusive o norte da África, a Malásia, a Indonésia - sabe o que está acontecendo. Agora, quando os Estados Unidos decidem tomar uma atitude como a "guerra contra o terrorismo", todo mundo fica sabendo. Os palestinos veem na TV afegãos sendo mortos. Indonésios veem iraquianos sendo mortos. Hoje, a consciência de ser muçulmano é global. E há comunidades islâmicas nos Estados Unidos, na Europa. A maioria delas é pacífica, mas pode estar infeliz com a política americana. A identidade islâmica, portanto, é um resultado da política externa americana - e não a sua causa.

ÉPOCA – O presidente Barack Obama disse que os Estados Unidos deveriam buscar uma nova relação com o Mundo Árabe, em um discurso celebrado pela comunidade internacional, no Egito, em maio do ano passado. Há motivos para comemorar?
Fuller – Sim. Mesmo durante a campanha presidencial, estava claro que Barack Obama, até por seu histórico pessoal, tinha sensibilidade para tratar de questões étnicas e raciais. O problema é que os Estados Unidos nos últimos 50 anos ou mais se tornaram um império. E o país é, agora, como um navio petroleiro. É muito difícil mudar a sua direção. Obama pode ver o problema e querer mudar a direção. Mas vai conseguir corrigir o rumo em poucos graus. O discurso de Obama foi bom e necessário, mas criou expectativas no Mundo Árabe. E ele não tem correspondido a essas expectativas.

ÉPOCA – Embora Obama não tenha fechado a possibilidade de diálogo com o Irã, as chances de isso acontecer vêm diminuindo. E, em agosto, o almirante Mike Mullen admitiu que os Estados Unidos têm planos para um ataque ao país. Como o senhor avalia as relações dos Estados Unidos com o Irã?
Fuller – Os planos de ataque são uma notícia irrelevante. Os Estados Unidos têm planos para atacar todos os países do mundo. Não porque isso vá acontecer, mas porque essa é a função da inteligência. Muitos burocratas com muito tempo à disposição... Não fiquei particularmente interessado pela notícia. Até porque, a essa altura, depois de 30 anos de hostilidade ao Irã, há pelo menos 50 planos diferentes de atacar o Irã. A declaração foi apenas uma tentativa de elevar o tom, de intimidar.

Obama claramente quis melhorar as relações com o Irã mas a situação é muito mais complicada do que já foi. Os Estados Unidos perderam uma bela oportunidade de negociar quando o país era liderado por Mohammad Khatami, que era moderado. Mas nós nos recusamos a lidar com ele. Agora temos Mahmoud Ahmadinejad e uma situação muito pior no Irã. A situação é pior e os Estados Unidos ainda não são flexíveis o suficiente para lidar com ela.

ÉPOCA – Mas os Estados Unidos deveriam ser mais flexíveis para negociar com um líder considerado radical, como Mahmoud Ahmadinejad?
Fuller – É preciso negociar com o líder que existe, não dá para esperar vir um outro melhor. É preciso enfrentar as questões, negociar. Hoje a situação é muito mais complexa, envolve identidades, emoções, ressentimentos, os problemas psicológicos, além dos políticos.

ÉPOCA – Enquanto Obama se distanciava de Ahmadinejad, o presidente brasileiro, Lula, abriu diálogo com o iraniano, um movimento que recebeu críticas porque poderia, entre outras consequências, isolar o país no cenário político internacional. Qual a sua opinião sobre a aproximação de Brasil e Irã?
Fuller – O ato de Lula foi inspirado, criativo, corajoso, eficiente, um novo passo na diplomacia brasileira, uma forma de sair do isolamento na América do Sul e ter um papel no mundo. A aproximação do Irã e a parceria com a Turquia devem trazer outros benefícios no futuro. O mundo precisa de países maturos, razoáveis, que ajudem a dividir a responsabilidade pelos eventos globais. Nenhum país do mundo deveria ser o grande responsável pelos rumos do mundo. Nem Washington, nem China, nem Rússia, nem Brasil. Gostaria de ver mais poderes sérios e pragmáticos envolvidos na diplomacia.

ÉPOCA – Um dos esforços do Departamento de Estado americano para melhorar a relação entre o Ocidente e o Oriente Médio tem sido enviar imames americanos a países muçulmanos para falar de pluralismo religioso e tolerância nos Estados Unidos. Na semana passada, o imã Feisal Abul Rauf, responsável pelo projeto Cordoba House, a ampliação da mesquita próxima ao Marco Zero, em Nova York, estava em uma dessas missões. Como o senhor vê essa iniciativa do governo americano?
Fuller – O papel dos imames é muito importante, especialmente aqueles que cresceram na cultura ocidental e a entendem. Os muçulmanos nascidos no Ocidente podem ser fundamentais na construção de um diálogo com o Mundo Árabe. Desde que esses imames não sejam vistos como instrumentos de Washington e mantenham sua credibilidade. Precisam manter sua independência, sua voz – não fazer parte de um programa do governo americano. Não estou dizendo que, em princípio, a ideia do governo não é boa. Mas, hoje em dia, há tantas suspeitas sobre a intenção dos Estados Unidos que alguns podem acreditar que é apenas mais uma desculpa para pressão e intervenção. Alguns imames ocidentais podem manchar suas reputações se forem ao Oriente Médio em viagens pagas pelo governo americano. É importante que eles vão para lá, mas é melhor que vão como indivíduos e enriqueçam o pensamento sobre a religiosidade no mundo muçulmano.

ÉPOCA – O senhor acredita que a polêmica em torno da construção da mesquita pode abalar ainda mais a relação já estremecida entre os Estados Unidos e o Oriente Médio?
Fuller – A fúria e a controvérsia a respeito da mesquita em Nova York e a tentativa de criar um dia para queimar o Corão em outros estados americanos ajudam a destruir mais e mais a imagem dos Estados Unidos perante o Mundo Árabe. É bastante prejudicial.

ÉPOCA – Pressionado a falar sobre a polêmica da mesquita próxima do Marco Zero, Obama fez um discurso sobre a liberdade religiosa nos Estados Unidos. No dia seguinte, ele disse que não havia feito referência à mesquita, o que foi visto como uma meia retratação. Qual a sua opinião sobre a posição de Obama a respeito do assunto?
Fuller – Obama tem sido cauteloso demais em vários assuntos internacionais e muitos americanos progressistas têm se decepcionado com ele por causa dessa cautela constante. Mas gostei muito do fato de ele ter se posicionado a respeito da mesquita porque ele não precisaria fazê-lo. Não foi algo popular a dizer, ele não ganhou nenhum voto por isso, provavelmente perdeu alguns, por isso respeito a atitude dele. Ele sabia o que estava dizendo e só espero que ele não se torne, de novo, cauteloso demais, porque é uma questão importante de princípios.

ÉPOCA – Qual a sua opinião sobre o projeto da mesquita que vem causando tanta celeuma?
Fuller – Em primeiro lugar é preciso lembrar que a mesquita está lá há muitos anos e o projeto atual é apenas uma expansão. E uma expansão para unir as três religiões monoteístas. É importante lembrar que o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que é judeu, apoiou veementemente o centro, assim como vários rabinos. Eles se lembram dos dias em que os judeus eram proibidos de construir sinagogas nos Estados Unidos. O projeto, a longo prazo, é ótimo, mas o momento para a sugestão é delicado porque a questão seria politizada.

ÉPOCA – Existe uma tentativa, por parte de alguns radicais americanos, de criar um dia para queimar edições do Corão em protesto à construção da mesquita. Os Estados Unidos estão ficando mais intolerantes?
Fuller – É possível encontrar pessoas em qualquer país dispostas a queimar alguma coisa. A vasta maioria dos americanos sabe que isso é estúpido e ignorante. Mas cria uma má imagem e exacerba um problema que não tem melhorado nada, mesmo durante o governo Obama.

ÉPOCA – Mas, na Suíça, a população votou, em plebiscito, contra a construção de novas minaretes. E a França proibiu o uso da burca em lugares públicos.
Fuller – Não acredito que esse resultado na Suíça tenha a ver com o islã. O islã se tornou um símbolo para os dois lados. No caso da Europa há uma situação econômica delicada, uma população envelhecendo e trabalhadores vindo de outros países. A Europa nunca foi, verdadeiramente, multicultural, e especialmente países pequenos se sentem ameaçados pela entrada de estrangeiros. Poderiam ser de qualquer lugar, da China, da Índia, do Brasil, e causariam estranhamento por ter outra cultura, outra língua, outro estilo de vida. Os europeus estão se tornando xenofóbicos e os muçulmanos estão entre os grupos de estrangeiros mais numerosos e evidentes, pelo jeito de se vestir, por exemplo. Mas acredito que a questão de fundo sejam os problemas sociais europeus. O caso da burca é um pouco diferente, porque ela é um símbolo negativo do islã. Ela não é exigida pelo Corão. Ela deixa uma má impressão para o Ocidente sobre a religião. Mas os franceses deveriam proibir essa manifestação primitiva ou deveriam deixar que ela morresse de morte natural? Será que os franceses estão proibindo a burca ou estão banindo os problemas de que ela se tornou símbolo – o problema da imigração? É um fenômeno muito mais amplo do que o islã.