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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 26 de junho de 2019

O Brasil e a China na governança global (2010) - Paulo Roberto de Almeida

Um paper preparado para um seminário do Cebri, apresentado no primeiro trimestre de 2010, mas jamais divulgado ou publicado desde então.


Brasil, China e a arquitetura da governança global
Brazil, China and the Architecture of Global Governance

Paulo Roberto de Almeida
Seminário do Cebri no Rio de Janeiro
17/03/2010; auditório da Fecomercio
(Rua Marquês de Abrantes, 99 Flamengo)
Painel II: Percepções acerca dos Estados emergentes
The Global Readings of Rising States

Sumário:
Introdução: objetivo e metodologia deste ensaio
1. Como o governo brasileiro concebe o sistema mundial e o papel da China?
2. Qual a visão das lideranças brasileiras no tema da segurança internacional?
3. Que futuro para o Conselho de Segurança das Nações Unidas?
4. Crise financeira e estabilidade econômica na atual conjuntura internacional
5. O papel das relações Norte-Sul no debate mundial sobre o desenvolvimento
6. Como reformar o sistema internacional num sentido favorável aos emergentes
7. Percepções e políticas nas prioridades do Brasil e da China: notas conclusivas


Introdução: objetivo e metodologia deste ensaio
O presente exercício pretende examinar, de modo livre – ou seja, sem o suporte de um aparato documental, referências bibliográficas ou dados empíricos –, a posição do Brasil e da China no contexto global, com uma análise mais detalhada das posições da diplomacia brasileira em relação ao país asiático e à agenda de reformas do sistema internacional. Serão discutidas as concepções gerais que orientam a diplomacia do governo Lula em relação aos grandes temas da agenda mundial, quais sejam: segurança, Conselho de Segurança, conjuntura econômica e respostas à crise, a questão das relações Norte-Sul e as percepções quanto à reforma do sistema mundial e à ampliação do papel dos países emergentes. O ensaio toma apoio em argumentos pessoais desenvolvidos com base no estudo acadêmico e na experiência profissional em torno dessas questões, sem, contudo, retomar explicitamente qualquer uma das análises conduzidas em trabalhos anteriores do autor sobre a diplomacia brasileira e sobre o papel dos Brics no sistema mundial.
Sendo um estudo de percepções e de prioridades, ele consolida algumas das percepções do autor sobre as prioridades da diplomacia brasileira na conjuntura da primeira década do século 21, segundo um olhar crítico já desenvolvido em outros trabalhos de escopo similar. Não é preciso dizer que a análise e a visão aqui contidas não correspondem a posições ou políticas do governo brasileiro, nem expressam, a mais forte razão, quaisquer posturas adotadas pela diplomacia brasileira atual.

1. Como o governo brasileiro concebe o sistema mundial e o papel da China?
(...)

Para ler a íntegra, ver este link: 
https://www.academia.edu/s/b50affa6fa/brasil-china-e-a-arquitetura-da-governanca-global-2010

terça-feira, 25 de junho de 2019

A China e a crise econômica de 2008 - entrevista a jornalista chinês - Paulo Roberto de Almeida

A crise de 2008, provocada pela crise imobiliária americana de 2007, e logo disseminada pelo sistema bancário americano e mundial, atingiu fortemente a China: suas exportações tiveram uma súbita redução de quase um terço, o que motivou um pacote de estímulo superior a meio trilhão de dólares. Fui contatado, no final de 2008, por um jornalista chinês, colocando-me várias perguntas basicamente de economia interna chinesa, sendo que eu não me considerava especialmente habilitado para me pronunciar extensamente a respeito. Ainda assim, respondi o melhor que pude, mas desconheço completamente se essas minhas considerações foram ou não aproveitadas.
Como nunca houve publicação de minhas respostas, faço-o agora, esperando que ainda ofereçam interesse aos leitores deste blog. Esclareço que dei muitas outras entrevistas sobre a crise no Brasil (em 2009 tivemos crescimento zero, a despeito do presidente Lula ter desprezado a dimensão da crise no ano anterior, chamado-a de simples "marolinha), assim como sobre as várias crises europeias, com destaque para a Grécia.
Dois anos depois, com o início do desastroso terceiro mandato do lulopetismo, começa a montagem da mixórdia econômica que nos levaria ao que eu chamei de "Grande Destruição", quando os países capitalista já tinham saído da Grande Depressão.
Eis o que escrevi no final de 2008:


A China e a crise econômica mundial

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de dezembro de 2008
Respostas a questões colocadas por
jornalista chinês.

1. The Chinese stimulus package not only seeks an increase in consumer’s spending but also improvements in infrastructure. Besides the economic changes, what consequences will this package bring to China in a long-term basis?

PRA: O pacote econômico de reestruturação da economia chinesa possui elementos coincidentes com outros pacotes de inspiração keynesiana, que estão sendo implementados por outros países em situação de crise, e alguns elementos apenas válidos para a economia chinesa. O extraordinário crescimento econômico da China, nos últimos vinte anos, foi baseado na mobilização de suas vantagens comparativas primárias – abundância de mão-de-obra, fraca organização laboral, mas forte organização política – para atender à demanda mundial por mercadorias baratas, no quadro da grande transformação acarretada pelo fim do socialismo e pela aceleração do processo de globalização. Foram as exportações que puxaram, em grande medida, o grande crescimento chinês, muito embora ela também esteja desenvolvendo, aceleradamente, o seu mercado interno, já que ela precisava absorver, a cada ano, algumas dezenas de milhões de novos (e alguns velhos) trabalhadores no mercado de trabalho. O setor da construção civil – e, portanto, da infra-estrutura – é extremamente relevante não apenas em termos de emprego, mas também como multiplicador – efeitos em cadeia, backward and forward linkages – econômico e como suporte físico do extraordinário crescimento chinês.
Não devemos, no entanto, esquecer, que grande parte do assim chamado “pacote de estímulo” chinês se compõe de programas já existentes, que foram reclassificados como programa de auxílio neste momento de crise. A China, realmente, encontra-se numa situação dramática, uma vez que ela PRECISA produzir empregos e crescimento, apenas para manter a paz social e a tranqüilidade econômica no país. Esse pacote visa, ao menos, compensar em parte as perdas inevitáveis, em termos de produção, emprego e renda, que se configuram como certas em face da crise financeira que já atingiu a economia real. O volume envolvido é expressivo, considerando-se que o PIB chinês, em PPP, já alcançou 4 ou 5 trilhões de dólares, mas, como dito acima, parte do dinheiro já estava comprometida com desembolsos previstos no orçamento do ano.

2. SiChuan communities devastated by May’s earthquake will be rebuilt with money provided by the stimulus package. In one hand, it will create jobs and demand construction material, which all represent a stimulus to the economy. However, should the rebuilt of a city destroyed by an earthquake be part of an economic, social or political plan?

PRA: Pode-se dizer que sim, por um lado, pois se trata, além de uma boa política de reconstrução, em geral, de um dever moral, uma demonstração de solidariedade nacional, nesse caso particular do terremoto e as zonas destruídas. Por outro lado, talvez não, pois se supõe que, num Estado moderno, o orçamento normal do país, em bases anuais, já deveria prever dotações específicas para casos de catástrofes naturais, defesa civil, enfim, fatores imponderáveis, mas que estão sempre presentes na vida dos países. Talvez, apenas motivações políticas dos próprios dirigentes chineses, tenham determinado que essa reconstrução se faça no quadro do pacote de estímulo, eventualmente com o objetivo de “inflar” um pouco artificialmente o montante total do pacote e assim dar a impressão de que a China está fazendo um grande esforço de recuperação e de superação da atual crise econômica.

3. Are investments in rural areas and social welfare projects reasonable solutions to increase GDP per capita in China? If so, how long will it take? How much increase?

PRA: Não apenas razoáveis, como absolutamente necessários para essa elevação da renda per capita e para a diminuição das desigualdades distributivas que são sempre inevitáveis, entre as rendas respectivas do setor rural e urbano. Entretanto, seria preciso ter consciência de que as políticas distributivas – em oposição a investimentos produtivos – são extremamente limitadas na elevação dos patamares de renda em bases permanentes, já que a assistência direta pode ser temporária e incapaz de aumentar a qualidade da oferta de mão-de-obra produtiva. Por outro lado, investimentos diretos, sobretudo em infraestrutura, saúde, educação e treinamento e capacitação técnico-profissional, são sempre a melhor opção para se conseguir essa melhoria no PIB per capita.
Dito isto, não tenho a menor ideia – por desconhecer os dados fundamentais da China – de quanto tempo isso poderia levar e do grau de elevação dessa renda. De toda forma, sabe-se que no ritmo anterior – à crise – de crescimento do PIB per capita da China (em torno de 8% ao ano), a renda pode duplicar em menos de uma geração, e provavelmente em menos de 20 anos. Como isso se distribui desigualmente entre o campo e a cidade, pode-se presumir que a renda urbana cresça mais rapidamente – talvez o dobro – do que a renda rural. O ritmo e a intensidade do crescimento da renda per capita no setor rural dependeriam, em grande medida, da capacidade dessas políticas de investimentos elevarem substancialmente a produtividade do trabalho humano nesse setor, pois este é o principal diferencial de renda que possa existir. Essa produtividade, por sua vez, depende basicamente de uma educação de qualidade, que tende a ser menos positiva nas zonas rurais, justamente. Assim, desse ponto de vista, se justifica esse investimento maior, ou mais focado, nas zonas rurais.

4. Because the US demand for commodities has decreased, Brazilians experts believe the stimulus package is good news. How optimistic can Brazil be towards the Chinese demand?

PRA: Não muito, pois que a demanda chinesa por commodities está em grande medida vinculada à demanda americana por bens manufaturados e outros produtos mais sofisticados. Assim, ao cair a demanda americana, seria inevitável uma queda no fornecimento brasileiro em matérias-primas, desde que vinculados a essa produção manufatureira.
Apenas que, parte dessas commodities são destinadas ao mercado interno chinês, como por exemplo alimentos e minério de ferro para a construção civil. Desse ponto de vista, o pacote chinês pode ser um elemento positivo na demanda externa por exportações brasileiras.

5. It is visible that this stimulus package will boost economic growth in China. What about its consequences for other countries, especially for the US?

PRA: Eu não diria isto, pois o pacote chinês vai apenas compensar parte do decréscimo de crescimento derivado da demanda americana. Ou seja, a queda no crescimento, inevitável, pode não ser mais tão dramática e prejudicial como se espera, à economia chinesa, apenas com base na implementação do pacote de estímulo, mas esse pacote pode não ser suficiente.
Por outro lado, os EUA também exportam muitos bens à China, além da própria interface dos investimentos diretos (ou seja, concepção e marketing dos EUA, e fabricação e demais operações feitas na China). O impacto do pacote chinês pode assim ser limitado para os EUA, mas ainda assim adaptado e adequado à atual conjuntura de recessão, quiçá de depressão.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de dezembro de 2008

Quando o imperialismo impunha tratados desiguais; os da China foram até 1943 - Paulo Roberto de Almeida

Todos lemos, nos livros de história do Brasil, sobre os tratados desiguais aceitos por Portugal na sua relação (de dependência) em relação, primeiro à Inglaterra, depois à Grã-Bretanha, tratados esses que tiveram de ser engolidos pelo Brasil na independência, e mantidos até 1844. Vários outros países colocados na mesma situação de dependência semicolonial também sofreram o mesmo tratamento.
O que eu não sabia, pelo menos até 2006, era que a China teve de suportar esse regime humilhante até a Segunda Guerra Mundial.
Fiz um registro, e umas observações, em meu primeiro blog, numa postagem que reproduzo abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de junho de 2019 

QUARTA-FEIRA, 11 DE JANEIRO DE 2006

150) História recente do colonialismo e do imperialismo


Ao abrir hoje, 11 de janeiro de 2006, um de meus boletins eletrônicos de imprensa, percorrendo as notícias com o mesmo olhar vago de quem já anda saturado de informações, cheguei, finalmente, à seção de "aconteceu nesse dia". Sempre gosto de efemérides, dada minha atração especial pela história.
Mas o que li nesse this day in history?

Esta singela entrada, sem maiores explicações:
"Em 1943, Estados Unidos e Grã-Bretanha firmaram tratados para abandonar seus direitos extraterritoriais na China" (In 1943, the United States and Britain signed treaties relinquishing extraterritorial rights in China.)

Ou seja, exatamente 63 anos atrás, os EUA e o Reino Unido, então aliados da China na luta contra as potências do Eixo (Alemanha nazista, Itália mussoliniana e Japão militarista), davam finalmente por terminados os iníquos tratados desiguais que eles tinham extorquido do antigo regime imperial chinês em pleno século XIX. Em suma, pouco mais de duas gerações antes da nossa, a China era um país praticamente ocupado pelos principais países ocidentais, que ali dispunham de prerrogativas de, e se comportavam como, potências ocupantes.
O Japão já tinha entrado nessa brincadeira no final do século XIX, ao derrotar a China pelo controle de certos territórios (inclusive Taiwan), e novamente no início do século XX, ao derrotar novamente a China e a Rússia imperial, pelo controle do norte da China e pela tutela da Coréia (pouco depois convertida em simples colônia). Ele deu continuidade à sua política expansionista em 1931, invadindo e ocupando a Manchúria, e novamente em 1937, ao lançar-se à conquista de novos territórios chineses.
Bem antes dessa época, as grandes potências ocidentais já tinham extraído da China tratados e concessões iníquas, que representavam cessão de soberania e status de extraterritorialidade, que só vieram a termo, em 1943, em função das necessidades da guerra no Pacífico. Do contrário, é possível que a China permanecesse um país tutelado até praticamente os anos 1960, como ocorreu com a maior parte de outros territórios asiáticos e africanos.

Os contrastes entre essa situação humilhante e, de um lado, o antigo prestígio da China imperial dos tempos de Kublai Khan e de Marco Polo e, de outro, o novo respeito adquirido atualmente pela China no cenário internacional, em termos de poder econômico e possível desafio estratégico, não poderiam ser mais chocantes.
O interessante, porém, mais do que constatar a “perversidade” do colonialismo e do imperialismo contemporâneo, seria refletir sobre a marcha da história, aplicada ao caso chinês.
A ocupação e a humilhação da China não foram apenas o infeliz resultado da prepotência e da arrogância das potências colonialistas ocidentais. Elas foram, igualmente, o resultado da própria incapacidade da China de defender-se e de equiparar-se, econômica, tecnológica e militarmente às principais potências ocidentais.
E como isso foi possível, tendo em vista os precedentes chineses? De fato, até o século XVII, mais ou menos, a China detinha um dos melhores registros históricos em termos de inventividade humana (tendo oferecido ao mundo inovações fabulosas), uma das histórias políticas, artísticas e culturais mais longas do ponto de vista de sua continuidade, uma institucionalidade administrativa quase “weberiana”, enquanto Império unificado, bem como constituía a maior economia do mundo, pelo menos em termos de volume bruto.
Se as potências ocidentais, que tinham, em suas fases diferenciadas de modernização, aproveitado invenções chinesas geniais como a pólvora e a imprensa, puderam vencer, ocupar e “esquartejar” a China tão “facilmente” no decorrer do século XIX, foi porque a China deixou-se, de certo modo, dominar pela superioridade militar e tecnológica do Ocidente. Ou seja, ela já tinha entrado em decadência bem antes, parado de avançar na escala tecnológica e se convertido à introversão econômica.
Colonialismo e imperialismo nunca são atos (ou processos) unicamente unilaterais, pois eles dependem de determinado contexto econômico e político para se imporem e se “exercerem”.
Prova indireta disso pode ser oferecida pelas demandas atuais de certos grupos humanitários ou de intelectuais “imperialistas” para que de certos países, membros da ONU, enfrentando o caos político e um imenso sofrimento humano decorrente de seus Estados falidos, sejam colocados novamente sob “tutela internacional”, ou seja, que eles sejam recolonizados e submetidos a algum tipo de poder imperial.
A China atravessou seu “calvário” colonial de praticamente um século e meio de provações e humilhações. Macau e Hong-Kong, colonizadas pelos portugueses e pelos britânicos nos séculos XVI e XVIII, respectivamente, foram devolvidas à China apenas na segunda metade dos anos 1990. Taiwan configura um outro problema, dada sua população nativa, sua antiga ocupação japonesa, reconquista chinesa e nova ocupação pelas tropas “nacionalistas” do general Chiang Kai-Tchek, derrotado por Mao Tse-tung em 1949 na luta pela hegemonia política quando da reemergência da China enquanto potência independente.
Do ponto de vista político, Hong-Kong já não é mais independente, embora ainda tenha soberania econômica, enquanto território aduaneiro membro do GATT desde a origem. É possível que Hong-Kong exerça hoje certo “colonialismo” e “imperialismo” econômico sobre a China, uma vez que são os seus padrões econômicos, comerciais e financeiros, da mesma forma que os de Taiwan, que estão sendo adotados pela China continental e não o contrário. Como se vê, a dominação política e a “exploração” econômica nunca são partes de uma relação unicamente unidirecional, sendo antes uma interação bem mais complexa, que deita raízes na própria história.
Por isso é que eu gosto da história e é por isso que vou continuar lendo as páginas de efemérides nos jornais diários.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de janeiro de 2006, Blog 150.