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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Na faixa dos cem anos (ou seja: 1917-2017): Janio Quadros, por Ricardo Arnt

1917 foi um ano "fértil", para dizer o mínimo: entrada do Brasil na Grande Guerra, revolução russa de fevereiro e bolchevique de outubro (ou novembro), nascimento de Roberto de Oliveira Campos (em 17 de abril), e de Antonio Francisco Azeredo da Silveira (em 26 de setembro), e agora descubro que acaba de se passar o centenário do nascimento do Jânio Quadros, o político possivelmente mais xingado da história política brasileira.
Que seja, vamos redescobri-lo, com Ricardo Arnt.
Paulo Roberto de Almeida

25/01: 100 ANOS DE JÂNIO QUADROS!
RICARDO ARNT
Folha de S. Paulo, 25/01.2017

 1. Na Faculdade de Direito da USP, no Largo do São Francisco, suspeitava-se que Jânio Quadros fosse um agitador esquerdista devido à sua hostilidade à Espanha franquista. O professor de português do Colégio Dante Alighieri morava numa casa pobre, no Cambuci, com poltronas estouradas e molas aparecendo pelo estofamento rasgado. Em 1947, seus alunos se espalharam pela cidade, com mesinhas e cédulas eleitorais, para ajudar a elegê-lo vereador pelo Partido Democrata Cristão, numa campanha sem recursos, nem relações, nem apoios políticos. Conquistou a primeira suplência.
 
2. Jânio, nascido em 25 de janeiro de 1917, conjugava a formação clássica de colégio de padre com hábitos e intuição de pequena burguesia numa mistura incomum de magreza, olhar lunático, deselegância e dentes amarelos, cuja linguagem pernóstica e oratória arrebatada subia a extremos de possessão e da cólera. Numa ascensão sem igual, em 13 anos da sua carreira galgou os cargos de vereador (1947), deputado estadual (1950), prefeito (1953), governador (1954), deputado federal (1958) e presidente da República (1960), sempre condenando a política e defendendo a reforma política e a justiça social. Mal chegava a terminar os mandatos, antes de eles expirarem licenciava-se, candidatava-se a um cargo superior e era eleito de novo, sucessivamente, até alcançar o posto eleitoral mais alto, a Presidência.

3. Era mais eficiente com menos espaço. Foi excelente prefeito, bom governador e mau presidente. Era um reformista radical, anticomunista, aliado a socialistas e trabalhistas, que defendia os excluídos enquanto São Paulo crescia com levas de migrantes nordestinos. Intérprete do imaginário popular, ampliou a cidadania para os pobres defendendo as liberdades democráticas, a autonomia sindical e a meritocracia. Combatia o clientelismo e a corrupção. Foi precursor da responsabilidade fiscal. Multiplicou por quatro a quilometragem de estradas asfaltadas estaduais. Soube adiantar-se e construir hidrelétricas para oferecer energia e atrair a indústria automobilística que Juscelino Kubitschek queria levar para Minas Gerais. Foi o maquinista da locomotiva de São Paulo que puxou a industrialização brasileira. Seu populismo era "responsável", ao contrário de seu rival histórico, Adhemar de Barros. Era do tipo que acordava de madrugada para inspecionar obras.

4. "Eis que se inicia o governo honrado, diligente, inflexível, imparcial, áspero e impiedoso", anunciou-se ao assumir a prefeitura da capital. Gênio do marketing, seu ego transbordava quando chegou a Brasília em 1960. Durante o mandato de deputado federal fora ao Congresso só uma vez –para tomar posse– esnobando a chance de estabelecer relações com os políticos que desprezava - um erro que lhe custaria caro.

5. Jânio foi o pico culminante da cordilheira da vaidade brasileira, aquela formação rochosa de gênios, salvadores da pátria, artistas inquestionáveis e jornalistas prepotentes na qual se destacam os picos talentosos Gilberto Freyre, Assis Chateaubriand, Carlos Lacerda, Darcy Ribeiro, Glauber Rocha, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva. Jânio foi o Pico da Neblina. Ao desmoronar, consagrou-se pelo avesso, tornando-se uma caricatura de si mesmo. Para os brasileiros que não esquecem a história a cada vinte anos, sua renúncia à Presidência, em 1961, precipitou uma quase guerra civil descarrilhando a democracia tombada em 1964.

6. Jânio era sublime e sórdido. Tinha encenações geniais, como tomar injeção na veia em comício para simular esgotamento, ou comer sanduiche de banana para impressionar os pobres. Mas o corifeu da prosódia moralista não prestava contas sobre a sua moralidade. Perseguia as casas de massagem e os maiôs de misses, mas era um mulherengo agressivo. Voltou à política, em 1974, apoiando os militares que o cassaram, condenando a anistia. Reconquistou a prefeitura de São Paulo, em 1985, liderando uma coalização conservadora. Sua vida é um desfile de ironias. Foi denunciado como corrupto pela filha, que internou numa clínica psiquiátrica à força. Morreu em 1992 e a conta do seu internamento no Hospital Albert Einstein foi paga pela construtora Andrade Gutierrez. Deixou 66 imóveis para a família.

7. Nenhum político brasileiro foi tão injuriado, caluniado e difamado. Não é fácil entender uma figura tão complexa. O que diria a psicanálise de uma compulsão pela austeridade cultivada à sombra de um pai infame, o deputado estadual Gabriel Quadros, crítico violento do filho e médico de prostitutas especialista em abortos no Bom Retiro? Em 1957 o pai de Jânio foi morto a tiros, em legítima defesa, por um feirante cuja mulher era sua empregada. Gabriel invadira sua casa, acompanhado por capangas, para sequestrar os filhos da mulher, que alegava serem seus filhos naturais. Houve luta e o pai do governador se deu mal.

8. Quem se escandaliza com a política brasileira deveria conhecer o passado.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Argentina: de Mendoza a Buenos Aires em 12hs exatas

Não há nada mais aborrecido do que uma estrada argentina: não tem absolutamente nada para ver, a não ser estrada, uma longa linha que se estende durante centenas de quilômetros, sem nenhuma paisagem suíca, nenhum cenário canadense, nenhuma aldeia europeia, nenhuma favela brasileira, nada, absolutamente nada. Só campos, infinitos, algumas centenas de vacas aqui e ali, tratores ocasionalmente, caminhões, do tipo remorque, e o aborrecimento de um trajeto absolutamente aborrecedor.

Foram exatas 12hs de recorrido, da saída do Hotel Diplomatic em Mendoza, até o Holiday Inn Puerto Madero, na Av. Leandro Além, em Buenos Aires, com apenas uma parada um pouco mais demorada para comer "dos milanesas de ternera" em uma parrilla do meio do caminho, sem vinho dessa vez, já que eu estava ao volante. O vinho (Malbec Los Alamos) tomamos hoje, neste restaurante tradicional da Av. 25 de Mayo, depois de termos visitado o Museu do Cabildo, e antes de passar num sebo recomendado pelo nosso filho Pedro Paulo Palazzo.


Cortazar era um frequentador da Pasticeria London City, onde escreveu "Los Premios".

Até agora tudo correu bem, inclusive ao descobrir que uma inocente banca de revistas é banca só de fachada: atrás, dentro, da banca, escondida, existe um verdadeiro banco clandestino, para fazer câmbio. Troquei só mais 100 dólares, para completar o dinheiro do bolso, pois as grandes compras liquidamos em cartão de crédito.
Buenos Aires está um pouco mais engarrafado do que costume, pois demoramos mais de 40 mns para voltar ao hotel, quando o trajeto de ida tinha sido inacreditavelmente rápido.
O sebo era uma inacreditável bagunça, com tudo meio misturado, mas Carmen Lícia logo achou três de seu interesse: eu me contentei com uma história das relações entre a Argentina e os Estados Unidos, feita por um historiador americano dos anos 1940-60 (traduzido para o espanhol, em dois volumes, cobrindo todo o período 1810-1960) e um Thomas Sowell sobre a economia política clássica, em espanhol igualmente, perdido no meio da literatura a preços de liquidação.
Ainda temos muita coisa para ver, e não rever o que já visitamos anteriormente, que é um pouco aquelas coisas tradicionais.
Vamos nos encantando, e desencantando, com a Argentina e os argentinos: todos muito simpáticos, falando tanto quanto os italianos (eppur...), e fazendo do país algo inacreditável, como esse gigantesco prédio (Centro Cultural Nestor Kirchner) em homenagem ao homem que, supostamente herdeiro do peronismo, empenhou-se duramente em afundar o país um pouco mais, seguido da sua cara metade (hoje duplamente indiciada por crimes até menores do que a sua colega Madame Pasadena, do Brasil, embora tenha roubado muito mais do que ela).

Ironicamente, o prédio exibe uma frase, ilísivel à luz do dia, de Jorge Luís Borges, o escritor que tinha verdadeiro desprezo por tudo o que fosse peronismo.
A visita ao Museu do Cabildo (o nome oficial é muito maior, e a sugestão foi da Carmen Lícia) foi uma agradável surpresa; a despeito de estar em reforma (e a entrada ser gratuíta), a parte histórico descritiva é muito bem feita, contando todo o período de colonização, a rivalidade com Portugal, em torno do controle das margens do Prata, e a complementaridade com o porto de Montevideo (e Colônia), e o papel da revolução de 1810 no processo de independência das Províncias (des)Unidas, no contexto do antigo virreinato de la Plata. Excelente mesmo a visita ao Cabildo, que recomendamos vivamente. Da sacada da frente, de onde discursaram alguns personagens históricos da Argentina (inclusive aquele destruídor que foi Perón) se tem uma vista da horrível Casa Rosada, que não é bem rosada, e sim pintada de algo parecido a um carmin horroroso.
Gostamos muito do Cabildo e não demos nenhuma pelota para a Casa Rosada.

Bem, ainda temos coisas a ver...
Paulo Roberto de Almeida
Buenos Aires, 25 de janeiro de 2017, 16h30

Addendum importante:  Carmen Lícia me esclarece agora que o imponente Centro Cultural batizado com o nome do falecido presidente peronista (de araque), Nestor Kirchner, não foi, na verdade, construído por ele, para ele, ainda que possa ter sido iniciativa sua a reconstrução (com algum pagamento por fora, nunca sabemos): se tratava, na verdade, de um velho prédio dos Correios, abandonado e depredado, que foi recuperado durante a gestão, e re-inaugurado posteriormente, daí a homenagem a quem tomou a iniciativa. Dentro funcionam várias salas para artes, espetáculos, iniciativas culturais de diversos tipos. Feita a retificação, portanto, com mil desculpas pelos maus pensamentos (que se aplicam inteiramente para outras coisas).

Economia global: livros recentes, resenha de uma coletanea - Joerg Baten (ed.)

Published by EH.Net (January 2017)

Joerg Baten, editor, A History of the Global Economy: 1500 to the Present.  Cambridge:  Cambridge University Press, 2016.  xiv + 369 pp. $40 (paperback), ISBN: 978-1-107-50718-0.

Reviewed for EH.Net by Sumner La Croix, Department of Economics, University of Hawaii-Manoa.

In the past two years, there has been a boomlet in global economic histories targeted to a variety of audiences.  They include a handbook oriented towards academics and graduate students (Francesco Boldizzoni and Pat Hudson, editors, Routledge Handbook of Global Economic History (2016)) and two books more oriented to undergraduates and a general audience (Robert Allen, Global Economic History: A Very Short Introduction (2015) and Larry Neal and Rondo Cameron, A Concise Economic History of the World: From Paleolithic Times to the Present, fifth edition (2015)). A new addition to this field is A History of the Global Economy, a collection of 32 essays edited by Joerg Baten (University of Tübingen), which provides a sweeping introduction to the history of the global economy from 1500.  The volume was commissioned by the International Economic History Association and the editor states that his aim is to organize a “non-Eurocentric history” that presents “economic history in a balanced way.”  The volume is anchored by essays on ten regions that each have “circa 500 million inhabitants today,” although it might have been useful to split the Southeast-Asia-Australia-New Zealand region into two parts given the disparate development paths of economies in Southeast Asia and Australasia.  The regional essays are supplemented by “interlinking notes” that summarize critical debates among economic historians and “take a global perspective” on “core indicators” of development and growth and “highlight notes” that consider particularly interesting puzzles and topics. Senior scholars specializing in each region have written the ten anchor essays, while some of the most distinguished economic historians (e.g., Jeffrey Williamson and Steven Broadberry) were recruited to write some of the interlinking and highlight notes.

Anchor chapters are by Jan Luiten van Zanden (North-western Europe), Joerg Baten (Southern, eastern, and central Europe), Price Fishback (United States and Canada), Luis Bértola and José Antonio Ocampo (Latin America), Osamu Saito (Japan), Debin Ma (China), Rima Ghanem and Joerg Baten (Middle East, North Africa, and Central Asia), Tirthankar Roy (South Asia), Martin Shanahan (Southeast Asia and Australia/New Zealand), and Gareth Austin (Sub-Saharan Africa).  Each author makes a sustained effort to incorporate four measures of the “core dimensions of development” into their analysis: Gross domestic product per capita, height as an indicator of health and the quality of nutrition, basic numeracy as an indicator of education, and the Polity IV index as an indicator of democracy.  Baten argues that while these measures are not available for all regions and times, they are sufficiently available to allow the reader to compare the welfare of populations across regions over at least some of the four dimensions.  The core dimensions of development are presented in each chapter via a unified set of figures and maps.  Another common set of nicely-conceived maps is used to identify directions and compositions of trade flows within and across regions, centers of economic activity in each region, and specialization in production within regions.

One of the strengths of this book is that the text is kept to a manageable length of 355 pages, but this also means that some important topics receive sparse coverage.  For example, the chapter on North-western Europe devotes no space to cataloging major inventions of the industrial revolution while devoting considerable space to more general interpretations of its origins.  Not much space is devoted in any of the chapters to national or international macroeconomic policy.  Instead the emphasis is placed on broader demographic trends, market integration and international trade, and institutional change.  The chapter on Japan is lucid and informative on the 1500-1868 period, but then provides just two pages of analysis for the 1868-2010 period.  This is unfortunate, as a more complete discussion of Japan’s rapid pre-World War II development, its post-war economic miracle, and subsequent stagnation over the 1990-2010 period would surely have been of great interest to many readers.  The effects of war receive little attention except in the U.S./Canada essay.  All that aside, some of the missing topics are filled in by the ten highlight notes and the twelve interlinking notes.  Examples of topics covered by the notes include brain drain from India, the Sputnik shock, the natural resource curse in Latin America, trade and poverty in the third world, women in global economic history, Alfred Chandler’s insights into business history, state finances in civil wars, and Japanese industry during the Second World War.

In sum, Joerg Baten has brought together some of the best people in the field of economic history, and they have written a great set of essays that is surprising unified by the questions they consider as well as by the use of core indications of development and a unified set of maps and figures.  The book is particularly noteworthy for its avoidance of economic jargon and its clear writing.  Authors avoid extensive citation of sources in the text, keep footnotes to a minimum, and provide a brief list of references for each chapter. Students in an introductory or upper-division course in global economic history could easily digest its contents while specialists in economic history could also benefit from reading this volume, as its regional syntheses incorporate the larger literature on regional and economic growth that has emerged in the last 25 years.

Sumner La Croix is the author (with Alan Dye) of “The Political Economy of Land Privatization in Argentina and Australia, 1810-1850,” Journal of Economic History 73(4), 2013.

Copyright (c) 2017 by EH.Net. All rights reserved. This work may be copied for non-profit educational uses if proper credit is given to the author and the list. For other permission, please contact the EH.Net Administrator (administrator@eh.net). Published by EH.Net (January 2017). All EH.Net reviews are archived at http://eh.net/book-reviews/

Significado da vitoria de Trump - Jonathan Haslam (Princeton IAS)

A vitória de Trump é o resultado do poder das ideias, antes que da ideia de poder, como sempre presente nos argumentos dos intelectuais. Podem até ser as más ideias, mas são essas as da maioria do povo americano, quer gostemos ou não.
Aliás, sempre vimos acontecer isso, seja em nossos países -- a América Latina é especialista em eleger os piores elementos, aqueles que praticam a surrada, e sempre frustrada, demagogia política e o populismo econômico -- seja na própria Europa, supostamente ilustrada e educada.
O que aconteceu na Alemanha entre os anos 1920 e 1945, finalmente, não estão tão distante assim, apenas três gerações nos separam da descida ao abismo em uma nação supostamente a mais filosófica, avançada cientificamente, tecnologicamente capaz, em todo o mundo. E os EUA então, que são um país diverso, com todos os tipos de pensamento, dos mais sublimes às piores loucuras de alucinados de carteirinha.
Vamos em frente...
Paulo Roberto de Almeida

POLICY Series
America and the World - 2017 and Beyond
 
The Significance of the Trump Presidency
Essay by Jonathan Haslam, Institute for Advanced Study, Princeton
Published on 24 January 2017 | issforum.org

A production of H-Diplo with the journals Security Studies, International Security, Journal of Strategic Studies, and the International Studies Association’s Security Studies Section (ISSS).

Editors: Robert Jervis, Francis Gavin, Joshua Rovner, and Diane Labrosse
Web and Production Editor: George Fujii

Shortlink:  tiny.cc/PR-1-5H
Permalink:  http://issforum.org/roundtables/policy/1-5H-trump-significance
PDF URL:  http://issforum.org/ISSF/PDF/Policy-Roundtable-1-5H.pdf

Those that did not foresee the likelihood or even the possibility of Donald Trump’s victory are going to find it hard to discipline themselves to a balanced projection of his forthcoming first term. To ardent liberals in the United States - not least most of those at the leading American universities - at worst it represents a conspiracy hatched by Russian President Vladimir Putin and at best a ‘Black Swan’ event that could not have been foreseen.

In which case the critics will not accept that it will have anything much to sustain it other than all the executive power the White House can muster. Need one look any deeper?

But what if the victory represents something much more significant? As someone who thought Trump’s election likely, being a stranger receptive alike to burgeoning blue collar resentment and dissentient opinion among longstanding Democrats, I believe it represents a sea change in American opinion. It signals an abrupt turning inward, entailing a narrower definition of the national interest than hitherto witnessed. No less a harbinger of major change than that other shock to the centre-left, Brexit from Europe.

Indeed, the longer view suggests it may well emanate from the same Zeitgeist responsible for the crumbling of the established postwar order: beginning with the upheaval in Central and Eastern Europe in 1989; continuing with the irresistible rise of Islamic fundamentalism; spurring the re-emergence of traditional Russian chauvinism; and re-energising the spirit of nationalism in Europe which threatens to undermine the top-heavy EU in its entirety; with arguably far greater consequences for the world.

Its impact long remained hidden from view because the Islamic revival seemed, mistakenly as it turned out, containable, even after 9/11 and before the execution of al-Qaeda founder Osama Bin Laden. Moreover, the profitable accession of the Second World and China to the global marketplace eclipsed the longer term impact of associated political realities and the subversive mindset at the very core of the change. In short, too much hope was placed on the triumph of liberal globalisation.

Liberal globalisation rested on assumptions derived from a very specific and by no means universal political culture: that of the English-speaking people. And, bear in mind, it was not its only political culture. As any educated American knows: Presidents Thomas Jefferson, James Monroe and John Quincy Adams may have been reluctant protectionists but their illiberal practices established a tradition of protectionism in the United States which only U.S. industrial supremacy could overcome after 1945, and, even then, reluctantly. The ultimate determinant of the swing of that pendulum was domestic, not international; and that pendulum has been slowly but surely swinging back to the mean.

As a counterpoint, perhaps we should also recognise that the power of ideas has long exerted a more fundamental effect than hitherto allowed. The predominantly materialist interpretation of the twentieth century is arguably misleading, focusing on the idea of power rather than the power of ideas. As such it provides us with few reliable sign posts to future developments. When stock market observers glimpse ‘animal spirits’ at work on the exchanges that have driven them to vertiginous levels, we should not ignore their political counterpart. Not everything is consciously conceived.

And before focusing in on Donald Trump, reflect for a moment on the impact of the Obama presidency. This was certainly not an unalloyed success across the globe.   

Let us not forget that Trump was a unique candidate who met with hysterical resistance to nomination within his own adoptive party, the establishment Republicans, as well as from the opposing Democrat Party, both hopelessly distracted from the emerging reality by an undeserved and complacent sense of entitlement.

The fact was that Trump’s entire campaign was unsavoury and seriously underfunded. He ignored minority interests and focused on states crucial to winning the Electoral College rather than the popular vote. So to say he lost that vote is beside the point since his choice of where to target his campaign showed that it was irrelevant. Trump, adroitly guided by his campaign manager Kellyanne Conway, clearly knew what he was doing. Others, including Hillary Clinton, clearly did not; as Vice President Joe Biden,[1] former President Bill Clinton[2] and Barack Obama[3] have more or less separately admitted without prompting. Hillary Clinton and her team ignored the forgotten, who had unfortunately for her been ignored one too many times before. Instead she paraded celebrities.

Such an unanticipated change in government in the United States for all its undoubted strength cannot, of course, alter overnight the entire course of international relations. The overwhelming fact is that the substance of change must answer the core needs of the neglected: cutting corporate and personal tax rates to re-energise the economy and attain genuine full employment. It has been in anticipation of this that the stock market has risen so fast and so high. But it will only sustain such levels if policy produces results. And those results will depend to some degree on a foreign policy that promotes stability, not disruption, in the international arena.

Certain fixed points of restraint do, of course, exist for U.S. foreign policy, even if an administration rides roughshod over prior treaty commitments: overwhelming American firepower is severely constrained by a strong public reluctance to use it in any way that puts foot soldiers in the line of fire; the massive, longstanding but often unspoken influence exerted by big business and finance on ‘the Hill’ can set its own limits on an administration’s freedom of action; and an unprecedented level of indebtedness on the public account ($20 trillion and growing) acts as a drag on government, including defence, expenditure.

These limiting factors make a reckless foreign policy based on cavalier adventurism and brusque confrontation vis-à-vis Iran, for instance, or directed against President Xi Jinping’s increasingly authoritarian China a costly and tricky enterprise. Though they certainly do not rule out a high degree of tension prior to renegotiating these testy relationships.

Tension is already rising in the case of China and will grow as a result of heavy pressure from Washington exerted to remove the three main irritants: blatant protectionism, the scandalously widespread theft of intellectual property, and the arbitrary use of cyber warfare. This fractious process will inevitably take time and damage commercial relations to some degree. The regime in Beijing is already nervous at such an unappealing prospect, given its own massive indebtedness, public and private - even larger than that of the United States at over $22 trillion - and the dire need to staunch capital flight. And Chinese leverage in the form of ownership of U.S. Treasury debt is no longer what it was, having ceded primacy of place to Japan.

Trump certainly barks a lot, mostly via Twitter. The old saw that barking dogs do not bite, at least not seriously, was in many respects borne out during the Reagan Presidency which, though almost obtusely hawkish, expanded upon the military build-up begun under his predecessor. Recall Britain’s Foreign Secretary Lord Carrington attacking the administration for ‘megaphone diplomacy.’[4]

Yet notoriously the Reagan administration restricted itself in open military engagements to those it was certain to win (Grenada) and pulled out speedily from hopeless situations that threatened incalculable future losses (Lebanon). It was only in covert military action that Reagan felt unconstrained (against Nicaragua), at one desperate point even using sales of arms to hated, fundamentalist Iran for payment. Reagan ratcheted up tension in relations with Moscow (notably, though not only, with the Strategic Defense Initiative) but, consciously or not, as a prelude to resettling relations on terms more favourable to U.S. power and influence. And few remembered the early promises to favour Taiwan over the People’s Republic of China.

Even if Trump follows Reagan’s example, problems do remain, however. A great deal in foreign policy can be attributed to blowback: the unanticipated consequences for relations with others of policies directed at chosen adversaries. It is this that should caution the President strongly against foreign policies made without sustained reflection and discussion and well before any extravagant public promises have been made.

To take one example. A forward policy against China that captures the President’s foreign agenda will inevitably result in Washington easing up on pressure against Russia, just as a more assertive policy in concert with Moscow directed against militant Islam will press the United States in the same direction. If a policy of appeasing Russia because fundamentalist Islam is the greatest threat has already been decided upon as a matter of prudence or if the Treasury is going into battle against Beijing, then no matter; if it has not, however, then the result will be disarray.

And even if appeasing Russia has been decided upon – and early signs are that it has - the European Powers are unlikely to accept entirely passively a weakening of resistance to revanchism by Russia against Ukraine without some hope of reciprocity from Moscow in the form of a lasting settlement. And the sight of the United States making the Pacific the first order of decision will itself have a further unsettling effect, as it always had in the past (not least the policy of non-recognition of China and the disastrous and domestically divisive war in Vietnam).

In current conditions the failure of the European Union collectively to resist and the failure of NATO to act cohesively against Russia will only encourage centripetal effects that may ultimately damage U.S. security interests in the hemisphere. The immediate fall-out, a chaotic collapse of the European Union, would undoubtedly allow Washington the advantage of a free hand and a level of bargaining power unseen for decades, but the resulting bickering and disarray will weaken the West and NATO as a whole and that will provide unforeseen future temptation to those seeking to reconstitute the borders of the former Soviet Union (Putin’s only election promise in 1999).

Jonathan Haslam is the George F. Kennan Professor at the School of Historical Studies, Institute for Advanced Study, Princeton. His most recent book is Near and Distant Neighbors (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2015).

© Copyright 2017 The Authors

Rubens Barbosa: uma agenda completa para a diplomacia brasileira

Tudo o que está "servido" neste artigo constitui uma agenda de trabalho para a diplomacia brasileira, sem tirar nem por.
Paulo Roberto de Almeida

 O BRASIL EM UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 24/01/2017

 

            O sistema internacional - político econômico e comercial - está em acelerada transformação como consequência das mudanças que ocorreram desde o desaparecimento da União Soviética em 1989 e o fim do mundo bipolar existente durante a Guerra Fria.

            A ordem global tradicional foi construída a partir do Tratado de Westfalia em 1648 (Estado/Nação) e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção e das prerrogativas dos Estados. Mais tarde, depois da Segunda Grande Guerra a criação das instituições multilaterais (ONU, Banco Mundial e FMI), serviu para garantir a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira mundial. Decisões dos países desenvolvidos impuseram suas visões geopolíticas e os conceitos de soberania, equilíbrio de poder, áreas de influência, lógica territorial, Ocidente, Guerra Fria, bipolaridade, unipolaridade, multipolaridade, hiperpotência, liderança norte-americana, rogue States, perigo amarelo, conflito de civilizações, protecionismo, entre outros.

            Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização, com a revolução tecnológica e nas comunicações, com o fim do mundo bipolar e agora com o terrorismo estão afetando o processo decisório interno nos países e estão obrigando os governos a repensar a maneira como os desafios externos devem ser encarados. Essa nova atitude forçará uma ampla coordenação que deverá levar em conta os interesses de todos os países.

            A defesa do interesse nacional - político, econômico e social - está levando ao reexame desses conceitos, a superação das obcessões geopolíticas e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos de modo a refletir as necessidades e demandas que surgiram com a nova realidade global. O discurso nacionalista e populista de Trump na posse, anunciando que "os interesses dos EUA estarão acima de tudo" deixa para trás uma época em que os EUA "defenderam outras nações" e "subsidiaram seus exércitos" e indica a aceleração do fim da atual ordem global criada por Washington.

            Essa ordem em formação está adaptando conceitos vigentes até aqui às realidades de um mundo interconectado e às novas ameaças e desafios representados, em especial, pelo aumento da desigualdade, pelo regionalismo, drogas, violência, guerras localizadas, segurança, ataques cibernéticos, não proliferação e mudança de clima. E também pelas terrorismo, pelo nacionalismo xenófobo e pelas questões de imigração e dos refugiados. A soberania não é mais um conceito absoluto, as organizações internacionais, em crise, deverão ser reformuladas. E todos os países, e não apenas um grupo reduzido de países desenvolvidos, passarão a ter participação mais intensa nos problemas que afetam o sistema internacional. 

            No Brasil, ainda estamos presos a conceitos e percepções superadas. Não houve até aqui renovação do pensamento estratégico no âmbito de grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica. Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor. Pouco se discute sobre isso.

            Como pano de fundo, deve-se reconhecer que nossa região (América do Sul) está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, que está longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Asia) e que, até agora, não está contaminada pela ameaça terrorista e por grandes crises sociais (Europa e Oriente Médio). Em compensação, está mas perto dos EUA, principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política, agora com enormes incertezas (Donald Trump) nos próximos anos. 

            Para o Brasil, enfrentar o desafio de encontrar seu lugar no mundo, compatível com o papel que deve desempenhar uma das dez maiores economias globais, não pode ser mais adiado. Urge a definição de nossos reais interesses. O que queremos do novo sistema internacional? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os BRICS? 

            Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de examinar, em especial, como:

            - integrar o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia global e de comércio exterior (o que significa discutir o grau de abertura da economia e sua competitividade);

            - assumir a efetiva liderança na América do Sul, segundo os interesses brasileiros, tendo presente que liderança não é dominação, nem hegemonia (o que significa discutir o papel do Mercosul);

            - ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais de paz e segurança, comércio, mudança de clima, não proliferação, direitos humanos, terrorismo, segurança cibernéticas e refugiados, entre outros (o que implica fortalecer a coordenação interna pelo Itamaraty);

            - colocar fim ao isolamento do Brasil nos entendimentos comerciais com a ampliação das negociações bilaterais e com acordos com megablocos, como a União Europeia e mesmo com a Asia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Trans-Pacífica (com o reforço do papel da CAMEX);

            - aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo BRICS para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros do grupo;

            O atual governo, com o Ministro Jose Serra à frente do Itamaraty, começou esse processo de correção de rumos e de redefinição do papel do Brasil no mundo. Essa ação deveria ser aprofundada nos próximos meses e anos na medida em que a economia voltar a se expandir e crescer. Assim como ocorre com política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018 com os candidatos comprometidos com sua implementação a partir do próximo governo.

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior

 

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Venezuela: o novo Secretario de Estado EUA faz o que os vizinhos nao fazem, dizer a verdade


 NUEVO SECRETARIO DE ESTADO EE.UU TILLERSON:
“CALAMIDAD EN VENEZUELA ES PRODUCTO DE SU INCOMPETENTE GOBIERNO”


“Creo que estamos totalmente de acuerdo en cuanto a la calamidad que ha sucedido a Venezuela, en gran medida producto de su incompetente y disfuncional gobierno -primero bajo Hugo Chávez, y ahora bajo su sucesor designado, Nicolás Maduro. De confirmarse (mi designación como Secretario de Estado) insto a una estrecha cooperación con nuestros amigos del hemisferio, en particular con los países vecinos de Venezuela, Brasil y Colombia, así como con organismos multilaterales como la OEA, para buscar una transición negociada a un gobierno democrático en Venezuela.
Al final, se reconstruirán las instituciones políticas, encabezadas por valientes defensores de la democracia y de los derechos humanos, que allanarán el camino para el tipo de reformas necesarias para poner a Venezuela en el camino de la recuperación económica”
A su juicio, “se reconstruirían las instituciones políticas” con “valientes defensores de la democracia y los derechos humanos”, lo que “abrirá el camino para el tipo de reformas necesarias para poner a Venezuela en el camino de la recuperación económica”, de acuerdo con la Agencia EFE.
Por otra parte, Tillerson sostuvo que “buscaría revisar los detalles del reciente acuerdo de paz” en Colombia y “determinar hasta qué punto Estados Unidos debería seguir apoyándolo”.
También prometió hacer “todo lo posible” para continuar con la “estrecha cooperación” de EE.UU. con el Gobierno colombiano, para que mantengan “sus compromisos de controlar la producción y el tráfico de drogas”.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Pedro Dutra: biografia de San Tiago Dantas (resenha-apresentação, 2014)

Livros


San Tiago Dantas - a razão vencida.

Resenhas
Valor Econômico de 30.09.2014
As variadas cores da vida política de San Tiago Dantas
 
Por Oscar Pilagallo
 
Revista Veja
          Carlos Graieb
“...Não por descuido, mas por falta de evidências, o livro é menos rico na descrição das atitudes e dos sentimentos do jovem Dantas do que na descrição de seu trabalho intelectual. Nesse ponto, contudo, é uma obra notável. ...”
Revista Veja Edição 2410 – 28 de janeiro de 2015


Editora Singular. 

Apresentação:


O homem, que muitos dizem ser o mais inteligente do Brasil, tem pressa. Assim uma reportagem na revista O Cruzeiro, a maior do País, se referia a San Tiago Dantas em 1960. Mas quem foi, ou melhor, quem é San Tiago Dantas?

Brilhante e precoce, sem dúvida. Líder estudantil aos dezessete anos, aos vinte editor de jornal e teórico fascista, um ano depois professor de Direito, a seguir prócer integralista e crítico do nazismo; catedrático aos vinte e cinco, fundador de duas faculdades e titular de três cátedras antes dos trinta anos e ainda diretor da Faculdade de Filosofia, no Rio de Janeiro. Um ano depois, em 1942, repudia publicamente o Integralismo, defende a declaração de guerra ao Eixo, propõe a união nacional das forças políticas, reunindo os comunistas inclusive, para afirmação de um regime democrático, e em 1945 elabora parecer firmado por seus colegas professores que nega fundamento jurídico à proposta continuísta do ditador Getúlio Vargas. E, explicitamente, defende substituir a propriedade privada pelo trabalho como núcleo de uma ampla reforma social.

A acusação de oportunista não demorou a lhe ser lançada, e será renovada e ampliada dez anos depois. Então, o alvo será o jovem jurisconsulto procurado por grandes empresas nacionais e estrangeiras convertido em banqueiro, que se alia aos trabalhadores ao ingressar no partido que Getúlio criara para abrigá-los; e, no início da década de 1960, ministro do Exterior, recusa-se a sancionar o novo regime cubano e reata relações diplomáticas com a União Soviética. No começo de 1964, depois de no ano anterior tentar controlar, sem êxito, a espiral inflacionária à frente do Ministério da Fazenda, já mortalmente doente, e agônica a República de 1946, tenta sensibilizar as forças partidárias e articulá-las em uma frente ampla de apoio às reformas democráticas para resgatá-las da polarização que já engolfara a política nacional. Em vão: a direita o vê como um trânsfuga, os conservadores como um ingênuo, e a esquerda desacredita os seus propósitos.

E quase todos o veem como o manipulador, senão o malversador de seus dotes intelectuais, que, diziam seus críticos, derramavam uma luz fria, que iluminava mas não aquecia, e justificavam todas as capitulações necessárias a satisfazer a sua premente ambição política. Entre essas capitulações, servir o seu talento à causa populista de líderes sindicais cevados nos cofres públicos e a um vice-presidente, depois presidente da República, cuja inépcia e tolerância com a agitação promovida pelo seu próprio partido teriam precipitado o País no descalabro administrativo e na convulsão política que teriam fermentado o golpe militar de abril de 1964.

Mas a trajetória política de San Tiago, que ele confundiu com a sua vida, autoriza ou desmente essa afirmação? Não teria ele senão buscado imprimir racionalidade e consistência ideológica ao debate político de seu tempo, nele intervindo e empenhando desassombradamente o vigor de sua inteligência, dos dezoito anos até a véspera da sua morte, há exatos cinquenta anos?

A resposta a essa questão está na história de sua vida, encerrada, precocemente também, aos cinquenta e três anos incompletos, em plena maturidade intelectual, quando já descera, em abril daquele ano de 1964, uma vez mais, a noite das liberdades públicas no País.

Este primeiro volume da biografia de Francisco Clementino de San Tiago Dantas, nascido no Rio de Janeiro em 1911, estende-se até 1945, um ano divisor em sua trajetória e também no curto século XX. Então, o jovem ideólogo da direita radical, nutrido pela reação ao legado da Revolução Francesa acrescido pela Igreja Católica e reafirmada pelo fascismo italiano, cedera lugar ao defensor de uma social-democracia nascida da dramática experiência da Segunda Guerra Mundial. O “catedrático menino” tornara-se o mestre consumado que desprezava os títulos professorais e amava os alunos e era por eles amado. E o jurisconsulto notável, que via na ciência jurídica nativa o maior entrave à realização do Direito entre nós, já encontrara na advocacia a retribuição material ao seu tenaz aprendizado, em medida raramente alcançada entre os seus pares.

Saber, ter e poder. Dessa tríade que San Tiago tomou para si como metro de sua trajetória, apenas o último elemento – o poder político – ele não alcançaria plenamente. Mas nesses primeiros trinta e quatro anos de vida ele se habilitou, como poucos antes ou depois, a buscar o fugidio poder político que o fascinara já ao pisar no pátio da Faculdade de Direito, aos dezesseis anos.

O aprendizado que lhe permitisse formular um projeto político consistente de reformas estruturais para o País – o saber; e o ter – a conquista dos meios que lhe possibilitassem cursar uma carreira política desembaraçada de sujeições materiais: reviver para o leitor de hoje essa saga invulgar na história da inteligência brasileira é o propósito e o desafio desta biografia que o Autor procura cumprir, com o lançamento deste primeiro de seus dois volumes.

Dar voz a San Tiago inscrevendo seus textos elegantes e precisos na narrativa e situando-o em seu contexto histórico mostrou-se o método indicado a descrever, com a fidelidade possível, a sua espantosa atividade intelectual. Nesse sentido, o recuo no tempo se impôs para identificar as suas origens familiares, cujo exemplo ele exaltava, e para mapear as matrizes ideológicas que cedo San Tiago se esforçou por dominar e o inspiraram a primeiro defender a “moderna obra da reação”: a Revolução Francesa e a reação às suas conquistas; o surgimento da nova direita no começo do século XX, precedendo as revoluções bolchevista, fascista e nazista; e, no rastro sangrento da Primeira Guerra Mundial, o embate ideológico que levaria à Segunda em 1939.

Ao jovem ideólogo somou-se o “catedrático menino” que não frequentou regularmente o ginásio e pouco frequentou a Faculdade de Direito, porém desde cedo acumulou espantosos e sucessivos “tempos de estudo” mais tarde desdobrados inclusive em aulas célebres transcritas em apostilas e ainda hoje, oito décadas depois, editadas em livro.

E sobre essas qualidades inegáveis, sobre a admiração e as controvérsias que se acenderam à sua trajetória, esse homem naturalmente grave e professoral difundia um afeto generoso e franco pela família, vendo nos sobrinhos, sempre próximos, os filhos que não pôde ter, e tendo nos amigos da escola os companheiros inseparáveis de toda a vida.

“De muitos, um”, dizia o sinete que San Tiago estampava em seus livros. Essa síntese ele procurou retirar das ideias e viveu plenamente essa busca, aprendendo para ensinar, ensinando para esclarecer, esclarecendo para transformar. E, no entanto, o poder político não foi alcançado. Mas San Tiago deixou a sua saga intelectual a crédito da história de seu País.


Pedro Dutra: premio da Academia Brasileira de Letras pela biografia de San Tiago Dantas (2015)

Transcrevo do blog do advogado do advogado Pedro Dutra, com data de 2/10/2015:

Agradecimento na recepção do prêmio Senador José Ermírio de Moraes




Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Brasileira de Letras, Acadêmico Geraldo Holanda Cavalcanti.

Excelentíssimo Senhor Presidente da Comissão do Prêmio Senador José Ermírio de Moraes – Acadêmico Marcos Vilaça.

Excelentíssimo Senhor Relator da Comissão do Prêmio Senador José Ermírio de Moraes – Acadêmico Alberto Venâncio Filho.

Excelentíssimas Senhoras Acadêmicas.

Excelentíssimos Senhores Acadêmicos.

Excelentíssimo Senhor Professor José Pastore, digno representante do Instituto Votorantim.

Senhoras e Senhores.

O prêmio Senador José Ermírio de Moraes, que essa Academia vem de outorgar àA Razão Vencida, é uma generosa retribuição ao esforço de seu Autor.

Mas este prêmio tem um outro – e maior – destinatário: Francisco Clementino de San Tiago Dantas.

1.0. Cumprindo mandato de deputado federal, no início de 1964 San Tiago tentou unir, em uma frente parlamentar, as forças políticas de sustentação do presidente da república, João Goulart. Estava San Tiago advertido de que a extremação ideológica em curso, aprofundando o dissídio entre as correntes de direita e de esquerda, iria ter o seu desfecho, como veio a ter, na ruptura da ordem democrática.

Então, a doença já o visitara, e ele sabia contados os seus dias, assim como vencidos estavam os seus dias no poder, breves, mas superiormente exercidos, em meio a maior crise política vivida na frágil república de 1946.

Por essa altura, San Tiago buscou a Academia, onde contava com inúmeros amigos de mocidade, entre eles, Alceu Amoroso Lima e Afonso Arinos; e, ainda hoje, conta nessa Casa com seus jovens amigos, o crítico literário Eduardo Portella e o advogado Alberto Venâncio Filho.

San Tiago formalizou a sua postulação e cumpriu os procedimentos de praxe. Mas a eleição realizou-se a dois de abril de 1964, já vitorioso o golpe militar e deposto o governo João Goulart.

E o nome de San Tiago não alcançou a maioria necessária à sua admissão a essa Casa. Meses depois, a 6 de setembro, morria, aos 53 anos incompletos.

2.0. Não foi a Academia Brasileira de Letras a única Casa a lhe recusar ingresso. Em junho de 1962, os seus pares na Câmara de Deputados lhe haviam negado a chefia do gabinete, no curto interregno parlamentar então aberto na vida política nacional.

O regime parlamentar surdira de um golpe: os militares, estimulados por radicais da UDN, negavam posse ao vice-presidente João Goulart, alegando a sua simpatia e leniência às forças de esquerda, em sequência à renúncia de Jânio Quadros.

Ao aceitar a implantação do regime parlamentarista em troca de sua posse na presidência da república, Jango começou a trabalhar contra a sobrevivência desse regime. E nesse ofício contou com apoio de candidatos que já abertamente postulavam a sua sucessão.

No turbilhão em que a vida política do país se transformou, San Tiago distinguia-se: era um homem de Estado.

3.0. Tinha ele a noção moderna da democracia renovada pelos valores apurados pela experiência dramática da Segunda Guerra.  E entre esses valores renovados, San Tiago reclamava fosse assegurada ao trabalho a mesma ordem de garantias jurídicas havia muito o nosso Direito já assegurava ao capital.

Essa reforma seria a nutriz de outras reformas estruturais, mas estas reformas não poderiam ser, como observou, “ocasionadas pela avulsão de certos valores, pela eclosão revolucionária”; ao contrário, elas deveriam ser, todas elas, debatidas com a sociedade e aprovadas pelo Congresso.

San Tiago mirava as reformas das principais instituições político-jurídicas do país, e estava ciente das palavras de Rui Barbosa, a quem votava justa admiração: a República “não é uma série de fórmulas, mas um conjunto de instituições, cuja realidade se afirma pela sua sinceridade no respeito às leis e na obediência à justiça”.

O homem de Estado era, e é, uma figura estranha à política nacional. Esta, mesmo quando contou com razoável número de parlamentares talentosos, o que certamente não é o caso hoje a ocorrer, não conseguiu afirmar linhas ideológicas, que reclamassem aos partidos a elaboração e a defesa de programas de governo consistentes, a serem oferecidos à consideração do eleitor.

Antes, a política nacional atrai, quando não o celebra, o político que opera distante de temas e de ideias, e sobretudo de procedimentos, que consultem os interesses maiores do Estado brasileiro.

Nesse contexto, em que a ação política é reduzida à destreza em manipular as cordas do governo e o Tesouro Nacional, não surpreende San Tiago ter sido visto como um adversário da cultura política nativa. E, assim, negar-lhe a investidura na chefia do gabinete afigurou-se um imperativo inafastável à maioria dos deputados, para ser evitado o risco de ele conduzir a nação ao regime parlamentar.

San Tiago estava ciente da desconfiança que o seu nome suscitava, ainda que publicamente exibisse a crença em sua aprovação. Defendeu a sua indicação, apresentando, em um dos mais notáveis discursos feitos ao plenário da Câmara dos Deputados, o seu programa de governo, cujo núcleo seria as reformas de estrutura do Estado brasileiro, muitas delas até hoje reclamadas.

A derrota sofrida na Câmara dos Deputados não o desencantou. Já muito doente, serviu ao país à frente do Ministério da Fazenda no primeiro semestre de 1963, buscando a um só tempo combater a inflação e reanimar a economia.

Mas não achou o apoio da classe política; o seu próprio partido, então liderado por Leonel Brizola, somou-se à oposição tradicional da UDN ao governo e promoveu uma agitação social sem precedentes, precipitando o país em uma crise cujo desfecho, dali a pouco, poria termo à ordem democrática.

4.0. Qual o legado desse fidalgo da inteligência, do mestre da sua geração, do advogado excepcional? Qual o legado desse raro homem de Estado, talhado para o exercício superior do poder, mas que acumulou sucessivas derrotas políticas? Qual o legado desse escritor extraordinário, de um estilo de uma severa simplicidade, onde não sobram adjetivos, não se acha o verbo mais exato e não se tem a síntese mais justa?

Não há uma resposta única e precisa, ao se lidar com uma personalidade tão rica e complexa, mas a sua obra pode nos indicar caminhos. Ela é uma obra de circunstância, produto da sua ação múltipla, de professor, de advogado, de jurista, de político, de ensaísta, atividades exercidas simultaneamente, incansavelmente, excelentemente.

A maior parte dessa obra notável está por publicar, e deve compor, como esperamos, os escritos já conhecidos. A esses trabalhos soma-se a sua correspondência, extraordinária pela sua riqueza documental, e é sem dúvida uma obra literária superior.

Nela surge o homem austero e grave, que amava a família e via nos sobrinhos os filhos que não pode ter, e era o companheiro fiel cujos amigos de mocidade com ele estiveram até a última hora.

5.0. O percurso ideológico de San Tiago é riquíssimo, e traz o selo da coerência e do desassombro, como mostram os seus escritos.

Defendeu suas ideias energicamente, publicamente. Foi capaz de rejeitar aquela que primeiro abraçou ao vê-la infiel aos propósitos que ele, como tantos outros, aspirou ver realizados.

Passou a defender uma ordem social democrática, onde o trabalho e o capital se alinhassem em um mesmo plano de direitos e deveres.

Um dos maiores advogados do país e um intelectual justamente respeitado, não hesitou em buscar infundir ao trabalhismo brasileiro – atrelado ao Estado e cevado por suas verbas – as ideias reformistas do trabalhismo britânico, que no poder transformara a vida social e econômica daquele país.

Ao ver de San Tiago, a política não é um conjunto de ações mecanicamente executadas. Ela deve desdobrar, congruentemente, ideias nascidas pela consulta à realidade e aos valores de cada país.

Em um de seus notáveis ensaios, San Tiago desenhou o seu perfil político, ao traçar o de Rui Barbosa: “todo o verdadeiro grande homem, observou, é um ideólogo: seus pensamentos, sua vida pública, vestiram certos imperativos da existência brasileira, deram forma e teoria a impulsos vitais, que se formaram na sociedade de seu tempo”.

Em uma de suas notas pessoais, San Tiago escreveu que sabia ter a inteligência de um grande homem, mas não era um grande homem, pois a sua inteligência ainda não encontrara um norte ao qual deveria concentrar-se.

San Tiago enganou-se, como tantas outras vezes ao falar de si próprio.

A sua luta política, de maior projeção, não durou mais de cinco anos; e, como a de nenhum outro grande politico brasileiro, à exceção de Rui Barbosa, levantou tanta incompreensão, tanta crítica, mesmo daqueles que o admiravam.

San Tiago estaria fora de seu lugar. Aquele homem refinadíssimo, tendo à sua disposição todos os favores materiais que o seu talento reunira, e era uma das máximas expressões da elite do país, assombrava a todos ao defender a causa trabalhista, em meio aqueles que a agitavam com um discurso populista, frenético e irresponsável.

Mas a sua determinação era inabalável. Ali ele deveria estar, pois, como a entendia, “o dever da inteligência é esclarecer”.

San Tiago era um homem só, na política brasileira. Porém ele já se preparara para essa caminhada.

Isso nos disse ainda em 1947 em seu ensaio sobre a obra maior de Cervantes. No cavaleiro manchego, em sua insânia, na entrega delirante a tarefas irrealizáveis, San Tiago viu “o dom de si mesmo”, isto é, o domínio integral sobre a própria existência, subtraindo o cavaleiro ao destino o seu comando.

Contudo, o heroísmo do Quixote é frustro, e ele só pode ser compreendido reversamente, não pelo seu “resultado imediato alcançado, mas pela repercussão do exemplo”. Esse exemplo, diz San Tiago, é o heroísmo qualificado, paradoxalmente, pelo aparente fracasso da empreitada: os atos malogrados do Quixote são recebidos “a crédito, para compensação das injustiças e agravos que ele não soube ver, nem reparar”, nas palavras do próprio San Tiago.

O dom de si mesmo restitui ao homem a sua liberdade suprema, que só a pureza da ação que não busca crédito pode dar, e, por isso, é capaz de frutificar em exemplos transcendentes; o “dom de si mesmo”, conclui San Tiago, “resolve o problema do destino, vence as hesitações que o temor do erro tanto nos infunde, e, fazendo-nos olhar para fora de nós, permite que, um dia, nos reencontremos”.

Estamos certos de que San Tiago reencontra-se a si mesmo nessa Casa, neste dia de hoje.

Muito obrigado.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Argentina: muito bela, mas de servicios precarios nas estradas - de Cordoba a Mendoza

Hoje, Carmen Lícia e eu, fizemos a nossa terceira grande etapa de viagem, quinto dia percorrendo a Argentina.
Pelas serras cordobesas (havia um caminho alternativo por Rio Cuarto, mas o GPS indicou esse, o que foi até interessante para conhecer), entre Córdoba e Mendoza, quer dizer, pelas serras até Vila Dolores, pelo menos, daí a estrada é reta e aborrecida.
Fizemos bem mais do que mostra este Google Map, 750 kms de um hotel a outro.
Tendo partido as 10hs do DoctaSuites de Córdoba, chegamos a Mendoza às 18:20, ou seja, mais de 8 horas de viagem quase sem paradas.

O mais surpreendente é a total precariedade dos serviços ao longo das estradas argentinas, nas quais é comum encontrarmos famílias modestas paradas ao borde da estrada, retirando cadeiras dobráveis, para fazer o seu almoço, mesmo sob sol...
Claro, ambições mais modestas podem sempre parar nos comedores e parrillas que pipocam aqui e ali durante todo o percurso, mas a qualidade do ambiente (e dos toilettes) deixa muito a desejar.
Mesmo nas estradas nacionais (Ruta Nacional 7, por exemplo, que vai de Buenos Aires a Mendoza, e que percorremos a partir de San Luís), ninguém espere achar aqueles imensos restaurantes climatizados estilo Graal ou Frango Assado. Nada disso: a Argentina não tem muito conforto a oferecer a seus viajantes, turistas, curiosos ou simples passantes acima da categoria de caminhoneiros.
Logo na saída de Córdoba, como era sábado de férias, pegamos uma fila enorme de carros, vários ônibus, poucos caminhões, mas muitos daqueles carrinhos estilo Trabant socialistas, atravancados de famílias prolíficas, carregando seus pertences no teto, e obviamente desenvolvendo uma velocidade compatível com a potência do motor (ou com a renda familiar). Assim, durante várias dezenas de kms, fizemos filas atrás desses bravos representantes da classe média argentina (provavelmente peronistas de carteirinha), tentando manter algo em torno dos 60 kms/h. Paisagens muito bonitas no alto da serra cordobesa, mas paradas precárias como já informado.
A solução foi se contentar com um sanduíche de jamon con queso (eu) e alfajores (Carmen Lícia), e depois galletitas sem grandes atrativos gourmands. E muita água ou refrigerante, pois a temperatura, mesmo no alto da montanha, podia ultrapassar 30 graus (40 nas zonas baixas).
Finalmente, chegamos no Hotel Diplomatic (de luxo) em Mendoza, nosso primeiro exagero nesta viagem. Breve descanso, copa de vino de cortesia no hotel, e depois jantar na Estância La Florência, eu gambas al ajillo, com salada de palmito, abacate e cogumelos, Carmen Lícia sua preferida bisteca milanesa, tudo regado a um bom Malbec Tomero 2015, do Valle del Uca, região vinícola próxima a Mendoza, uma casa que remonta a 1884.
O hotel é superconfortável, com visão das cordilheiras a partir do 19. andar, onde estamos.
Dois dias de visitas a vinícolas, aos atrativos culturais e gastronômicos da cidade, antes de encetarmos a aborrecidíssima viagem de volta (a San Luís), ou de ida a Buenos Aires, uma reta sem cessar, com as paradas precárias que já antecipamos, com a única vantagem que o sol da tarde vai estar atrás de nós.
O que tem pelo caminho, entre Mendoza e Buenos Aires? Nada, absolutamente nada, com exceção de San Luis e de umas aldeias sem graça perdidas no meio da pampa. Nada de mais aborrecido do que isso, mas não temos tempo para descer a Rio Negro, Bariloche e atravessar para a costa atlântica por baixo (o que aliás já fizemos, no sentido inverso, entre Trelew e Neuquén, paisagens de filmes de cowboy).
Estou com muito trabalho no meu pipeline (trouxe uma mala inteira de livros) e por isso não tenho muito tempo para digressões filosóficas sobre a Argentina contemporânea (e precisa?; depois de Borges, nada surgiu de novidade, ou estou errado?).
Vamos ao trabalho...
Paulo Roberto de Almeida
Mendoza, 21/01/2017

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O efeito China sobre a industria de manufaturados do Brasil - Estudo do IEDI

Aqui abaixo figura apenas o sumário deste importante estudo.
Para ler por inteiro, os interessados precisam acessar este link: http://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_769.html

Exportação de manufaturados: Concorrência China x BrasilIEDI,  20/01/2017

Sumário
Esta Carta IEDI atualiza nosso estudo de 2013 (Carta IEDI n. 590) sobre a concorrência entre Brasil e China na exportação de manufaturados nos três principais mercados regionais para as empresas brasileiras – Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai), Aladi (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) e Nafta (EUA, Canadá e México). Na edição anterior fizemos uma comparação entre os anos de 2008 e 2012, isto é, após o aprofundamento da crise global; agora, tratamos do quadro em 2015, ano de forte crise da indústria e da economia brasileiras, comparando-o com 2012.

O desempenho da balança comercial brasileira, desde 2003, tornou-se estreitamente vinculado ao crescimento econômico e da demanda externa da China mediante dois efeitos antagônicos. Por um lado, o “efeito complementaridade”, que beneficiou (sobretudo, antes da crise financeira global) as exportações brasileiras tanto de forma direta (impulsionando as vendas externas de commodities), como indireta (aumentando as exportações de bens manufaturados para países latino-americanos exportadores de commodities). Por outro lado, o “efeito concorrência”, associado à consolidação da China como produtora e exportadora de produtos manufaturados, afetou negativamente a indústria brasileira por dois canais: a invasão de importados no Brasil e o crescimento das exportações chinesas para mercados tradicionalmente atendidos pela indústria brasileira.

Após 2008, o “efeito concorrência” ganhou intensidade devido à estratégia da China de aumentar sua presença na periferia para compensar a perda de dinamismo das economias centrais, atingidas pela crise global. No âmbito dessa estratégia, aumentaram as exportações chinesas para as principais regiões de destino das vendas externas brasileiras de bens manufaturados – Mercosul, Aladi e Nafta – a ponto de superarem o valor registrado pelo Brasil em 2012.

Para 2015, entre outros indicadores que são analisados nesta Carta, calculamos o nível de ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras. Foram criadas quatro categorias: Ameaça Direta quando, para um produto, há aumento de market-share da China nas regiões selecionadas, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share; e Ameaça Indireta quando o aumento do market-share da China for maior do que o aumento do market-share do Brasil. Os produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas foram classificados como Sem Ameaça.

Ainda que nos dois períodos analisados (2008-2012 e 2012-2015) o desempenho, em valor, das exportações chinesas e brasileiras para as regiões selecionadas tenha sido bastante diferente, como mostram os itens abaixo, do ponto de vista do dinamismo e do grau de ameaça, várias tendências negativas identificadas em 2012, que eram motivo de preocupação para o Brasil, não se intensificaram ou mudaram de direção e tendências positivas se intensificaram.

     •  Exportações brasileiras: crescimento de +1,9% entre 2008 e 2012 e -21,8% entre 2012 e 2015

     •  Exportações chinesas: crescimento de +47,6% e +8,3%, respectivamente

No que se refere ao grau de ameaça das exportações chinesas, em 2015 elas representavam uma ameaça direta principalmente nos produtos em que o Brasil perdeu oportunidades de mercado, isto é, nos produtos cuja participação na pauta das regiões consideradas neste estudo cresce, mas cuja participação do Brasil cai. Porém, essa ameaça direta da China recuou de 76%, em 2012, para 68,7%, em 2015.

Outro motivo de preocupação em 2012 era a ameaça indireta das exportações da China (de 36,4%) nas exportações de produtos cuja participação na pauta das três regiões estudas crescia assim como a participação do Brasil em tais produtos. Contudo, em 2015, o grau de ameaça indireta das vendas externas chinesas nesses produtos recuou para menos de 5%.

Em termos de região de destino das exportações, no caso dos produtos exportados pelo Brasil que sofriam Ameaça Direta das exportações chinesas e tinham como destino o Nafta, a participação aumentou de 39,5% em 2012 para 45,2% em 2015. Esse resultado é desfavorável, já que no âmbito das três regiões consideradas, o Nafta foi o mercado mais dinâmico no período analisado devido ao desempenho dos Estados Unidos. Em contrapartida, a redução da participação da Aladi neste grupo sob ameaça direta (de 23,4% para 17,3%) é positiva, pois essa região é o principal destino de produtos manufaturados brasileiros.

No que se refere aos produtos que sofreram Ameaça Indireta, o Mercosul foi o principal destino em 2015 (42,2%), assim como nos dois anos anteriores (em 2012 o percentual era um pouco maior, enquanto em 2008 menor). Já as posições do Nafta e da Aladi se inverteram entre 2012 e 2015. A Aladi tornou-se a segunda principal região de destino dessa categoria de produtos em 2015 (29,8%), seguida pelo Nafta (27,9%).

Em suma, considerando os resultados em termos de dinamismo e grau de ameaça, a trajetória de aumento do “efeito-concorrência” das exportações chinesas entre 2008 e 2012 nas principais regiões de destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados não persistiu no triênio subsequente. Esta Carta IEDI também traz informações que contribuem para a compreensão das mudanças no perfil do comércio exterior brasileiro em 2015 mencionadas acima, sobretudo o melhor desempenho das exportações da indústria de transformação.

Embora estudos adicionais sejam necessários para identificar de forma mais precisa os determinantes da interrupção da tendência de perda de dinamismo e de market-share das exportações brasileiras nas regiões selecionadas entre 2012 e 2015, é possível identificar alguns fatores externos e internos que contribuíram para este resultado.

Do lado externo, o contexto internacional foi desfavorável tanto do ponto de vista do crescimento da demanda externa como dos preços das commodities, mas a apreciação do dólar no biênio 2014-2015 favoreceu as exportações brasileiras já que significou, igualmente, apreciação da moeda chinesa (a paridade fixa com o dólar foi abandonada em 2010, mas o regime cambial vigente desde então procura manter a cotação do Renminbi relativamente estável em relação à moeda americana).

Do lado interno, dois fatores atuaram positivamente: a desaceleração da atividade econômica, que culminou na recessão em 2015; e, sobretudo, a desvalorização da moeda brasileira em termos reais. Assim, para que as exportações brasileiras de bens manufaturados não retomem aquela tendência, seria fundamental a manutenção da taxa de câmbio em patamares competitivos. A dependência do câmbio pode diminuir ao longo do tempo, desde que fatores relacionados à produtividade/custo de natureza sistêmica (infraestrutura, tributação, custo financeiro) tenham evolução e que a indústria amplie sua produtividade.

Finalmente, é importante mencionar que as exportações brasileiras de bens manufaturados para os países latino-americanos das regiões analisadas também foram negativamente afetadas pelos múltiplos acordos comerciais que têm sido assinados com países externos à região, que acabam beneficiando produtos provenientes de países com vantagens competitivas, como a China. Assim, o governo brasileiro também deve adotar uma estratégia de política que busque um modelo favorável para a penetração de nossas exportações e estimule a integração da indústria brasileira nas cadeias regionais e globais de valor mediante a diversificação da base industrial e investimentos no mercado regional.

Leia o estudo completo neste link: http://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_769.html