O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 17 de janeiro de 2010

1701) Como a internet mudou a minha vida...

A crônica de Janer Cristaldo se refere às perguntas anuais do site The Edge.
Para quem não conhece, é um forum de debates sobre questões científicas, que todo ano faz uma provocação com seus associados, instando-os a responder uma pergunta incisiva.
Já fiz, de minha parte, uma resposta unilateral, aqui consignada:

Em que você mudou de opinião? E por quê?, Via Política, 17.02.2008 (Trabalho 1861)

Janer Cristaldo é um colunista independente, no sentido mais libertário da palavra. Vale uma visita ao seu site.
O que vai abaixo é sua resposta à pergunta do final de 2009 do The Edge.
Paulo Roberto de Almeida (17.01.2010)

COMO A INTERNET MUDOU MINHA VIDA
Janer Cristaldo
Terça-feira, Janeiro 12, 2010

Um amigo me envia um site chamado Edge, que funciona como um "salão" de pensadores (físicos, psicólogos, neurocientistas, matemáticos, artistas, jornalistas, filósofos...) do qual fazem parte alguns nomes relativamente famosos como Nassim Taleb, Richard Dawkins e Steven Pinker. Durante todo o ano os participantes escrevem sobre assuntos relacionados especialmente ao seu trabalho, e a cada ano o fundador, John Brockman, faz uma pergunta que todos, ou quase todos, respondem com um texto. Este ano a pergunta foi "Como a Internet mudou a sua forma de pensar?", e apareceu em diversos lugares das media mundiais.

Para quem quiser dar uma olhada, a página inicial do site, relacionada à pergunta do ano, é http://www.edge.org/q2010/q10_index.html. Os textos realmente começam em http://www.edge.org/q2010/q10_1.html. Perguntas passadas do site incluem:

- No que você acredita, mas não pode provar?
- Qual é sua idéia perigosa?
- A respeito de quê você mudou de idéia? Por quê?


São questões que fazem pensar. Quanto à pergunta deste ano, minha resposta é singela. A Internet não mudou em nada minha forma de pensar. Quando cheguei à Internet já tinha bem mais de 50 anos e uma visão de mundo consolidada. A questão não é muito feliz. Não vejo como uma forma de comunicação possa mudar a maneira de pensar de alguém. Se me perguntassem o que mudou em minha vida, bom, aí eu teria muito a dizer.

Para começar, na vida de um jornalista a Internet se tornou sinônimo de liberdade de expressão. Os jornais enchem a boca falando de imprensa livre, mas nenhuma imprensa é realmente livre. Todos os jornais têm interesses a defender – que mais não seja, os interesses dos anunciantes – e sempre censuram, de uma ou outra forma, seus redatores. Você até pode xingar o governo. Mas não pode xingar o anunciante. Nos dias em que escrevi em papel, sempre me autocensurei um pouco. Sabia que certas afirmações não podiam ser publicadas. Então, para não incomodar-me, as deixava de lado.

Hoje, mudou o trote da mula. Na Internet, você pode escrever o que quiser. Claro que continua submetido à legislação. Se cometer crime de calúnia ou difamação, estará incurso nas mesmas penalidades que um conversador de boteco. Mas pode-se xingar o papa à vontade, denunciar a manipulação da grande imprensa, abordar temas-tabu. Verdade que alguns juízes já se alertaram para esta brecha e começam a censurar blogs. Mas, uma vez destapada a garrafa, o gênio não volta à garrafa. Censurar a Internet é como tentar parar a chuva a golpes de sabre.

Neste sentido, minha vida mudou e muito. Nossas vidas mudaram. Hoje, qualquer jornalista pode fazer jornalismo sem depender de jornal algum. Furar um jornal não exige maior esforço. Os jornais saem sempre amanhã. O blogueiro escreve agora. Além do mais, faz sua própria pauta e não depende de patrão algum. A liberdade de imprensa, tão apregoada pelos jornais, só surge a meu ver com a Internet.

Outra mudança em meus dias: hoje, não recebo mais cartas. A não ser de bancos e empresas ou entidades públicas. Carta virou peça de museu. Em 2000, passando por Évora, em Portugal, comprei dois pesados estribos de madeira. Não que pretendesse cavalgar. É que me pareceram muito adequados para guardar cartas. O que não me ocorreu é que, naqueles dias, eu já não recebia cartas. Enfim, para algo servem. Para guardar aqueles papeluchos que infestam minha escrivaninha, contas de luz, água e telefone.

Posso até ter saudades das cartas, mas não me queixo. Email é mais rápido e não precisamos ir ao correio, entrar em filas, lamber selos, postar. Podemos enviar sons e imagens em poucos segundos. Neste sentido, a Internet mudou a vida de todo mundo.

Outra mudança fundamental, particularmente para quem vive em pequenas cidades: você quer um livro ou filme que jamais iria encontrar em sua aldeia? Simples. Alguns cliques e uma ou duas semanas depois chega em sua casa aquele livro ou DVD que só existem em Paris ou Nova York. Isso sem falar nos ebooks. Por um livro eletrônico não preciso esperar uma semana. Ele chega em segundos às minhas mãos. Você precisa consultar já uma obra de Platão? Estão todas na rede. Alguns toques de teclado e o livro está em suas mãos, mesmo que você viva na mais remota aldeia do país.

Sim, havia um certo charme na correspondência epistolar. Em meus dias de Paris, na correspondência com minhas amigas, eu escolhia um papel bonito, envelope idem, comprava um selo significativo, caprichava na datilografia e tinha um especial prazer em despachar minhas cartas. Sem falar na tensão da espera. Uma semana depois, a resposta. Buscar correspondência na caixa do prédio era sempre uma expectativa prazerosa. Hoje, basta ligar o computador.

Não, não deploro os tempos modernos. Mas aqueles outros tempos também eram muito bons. De minha epistolografia parisiense fiz um grosso volume, de umas trezentas páginas. (Hoje caberia num disquete, se é que disquete ainda existe). Guardo este volume como uma relíquia do passado, uma espécie de diário de dias em que era feliz e não sabia.

Passagens, reservas de hotéis, roteiros de viagem. Hoje, posso fazer tudo isto sentado em minha casa. Antes da Web, estas diligências exigiam horas de consultas a um agente de turismo. Outra mudança importante em minha vida foi o reencontro de amigos e amigas que não via há trinta ou mais anos. (Já encontrei pessoa que não via há 45 anos). Sem a Internet, jamais os reencontraria.

Isso sem falar nos amigos que surgem. Se nem sempre temos idéia do que pode interessar a nosso vizinho de porta, é muito fácil encontrar na rede quem participe de nossa Weltanschauung, mesmo que viva nas antípodas. Hoje, alguém que vive em outro continente está potencialmente mais perto de mim do que alguém que vive a meu lado. Nestes dias, temos mais amigos no planetinha do que no prédio onde vivemos.

A Internet não mudou em nada minha forma de pensar. Mas tornou minha vida mais ágil e rápida. Acho que voltarei ao assunto.

- Enviado por Janer @ 8:28 PM

sábado, 16 de janeiro de 2010

1700) Carreira diplomatica: especializacao e escolha de lotacao e postos...

Carreira Diplomática: Geral ou Especializada?
Respondendo a dúvidas legítimas

Paulo Roberto de Almeida

Um leitor de meu blog, eventualmente de meu site, interessado na carreira diplomática, me escreve para formular perguntas em torno de uma das mais legítimas dúvidas que assaltam candidatos à carreira, e que já possuem algum interesse por áreas específicas, tentando saber, ou antecipar, se poderão, ou não, se dirigir, no trabalho profissional, para essas áreas de interesse, ou se terão de seguir o itinerário normal de uma carreira passavelmente burocrática, mas, também, amplamente diversificada. Na verdade, muitas pessoas gostariam de poder continuar fazendo, na diplomacia, o que já vem fazendo na vida profissional, ou acadêmica, ou então enveredar por um tipo determinado de trabalho, à exclusão de alguns outros, que poderiam lhe ser atribuídos sem possibilidade de escolha ou de recusa, trabalho que seria uma extensão preferencial de seus desejos pessoais, o que é amplamente legítimo e respeitado em diversas outras esferas de trabalho.
Concretamente, meu correspondente me coloca a seguinte questão:
“A minha dúvida não é sobre a prova, mas sim sobre o encaminhamento da carreira. Por mais que o senhor diga que o diplomata é um generalista, é possível direcionar a carreira para a área de interesse - formação? No meu caso, meu sonho é trabalhar com cooperação cultural internacional, na interface cultura e desenvolvimento - como se daria este caminho dentro do Ministério das Relações Exteriores?”
Continua ainda o meu correspondente, candidato à carreira:
“Se não for inconveniente (ou seja, pedir demais), também gostaria de saber em que ponto anda a atuação do Departamento Cultural do MRE em relação às discussões e parâmetros da UNESCO. Acompanho os Informes Mundiais de Cultura, e gostaria de saber se isso está no dia-a-dia da prática do referido departamento, ou se ele está voltado unicamente à ação cultural. Eu pesquisei no site do MRE na internet mas gostaria de uma impressão mais ‘de dentro’ a respeito do assunto. Além de eu querer entrar para a carreira, meu TCC da pós-graduação deverá ser a respeito de algum desses temas, para não criar um ‘estudo esquizofrênico’.”

Muito bem, expostas as dúvidas e colocadas as questões, vejamos o que eu poderia elaborar em torno delas. Eu o farei na medida de minhas possibilidades, posto que nunca trabalhei na área cultural, tendo orientado minha carreira para a área econômica, que constitui, justamente, uma de minhas afinidades eletivas.
A primeira pergunta, portanto, seria esta: “é possível direcionar a carreira para a área de interesse - formação?”
Respondo de imediato: é possível, sim, mas isso dentro de certos parâmetros e condicionantes, nem todas administráveis pelo jovem diplomata segundo seus interesses primários ou imediatos. Concretamente, como se dá o processo de escolha ou atribuição de funções, dentro da Secretaria de Estado (MRE, em Brasília) ou nos postos no exterior?
Toda a carreira diplomática, ou quase toda, é guiada por uma (famigerada?) lista de antiguidade, um expediente de tipo confuciano que nos posiciona no processo de ascensão funcional e nas movimentações ao longo do tempo. Concretamente, quando se faz o concurso e se é admitido na carreira – atualmente desde o ingresso no Instituto Rio Branco, a alma mater de formação e de socialização do jovem diplomata – se entra numa fila, cuja ordem de precedência é dada pela colocação nos resultados finais do exame de ingresso. Ou seja: os novos ingressantes terão o número que lhes cabe, em função das vagas disponíveis no Serviço Exterior, o que significa que os entrantes se distribuirão nos últimos postos da classe de Terceiro Secretário.
Ao sair do Instituto Rio Branco, aprovados obviamente, eles continuam a ter um número, mas este resultará de sua classificação final. Ainda durante o curso, eles farão estágios nas diversas Divisões ou Coordenadorias do MRE, uma escolha ou atribuição supostamente segundo essa classificação inicial e continuada: ou seja, os primeiros colocados provavelmente terão maior amplitude de escolha, e os últimos terão de se conformar com as vagas existentes: se for na Divisão do Arquivo terá de ser, pelo menos inicialmente na Divisão do Arquivo. Nada de muito dramático, pois sempre será possível solicitar e negociar uma mudança ao cabo de algum tempo, digamos depois de um ano. Em princípio, havendo vaga e disposição do chefe na Divisão de interesse, sempre será possível negociar a ida para essa área. A rigor, a burocracia se combina com certo grau de liberdade para determinar a lotação – esta a palavra técnica – do funcionário, numa determinada área.
Da mesma forma, a destinação exterior em algum posto também depende, em grande medida, da classificação do candidato em questão e das vagas disponíveis: todo e qualquer posto tem um quadro de funcionários relativamente estável (tantos secretários, alguns conselheiros, um ou dois ministros, para os maiores, e assim por diante). Nem sempre é possível, digamos, ir para a Unesco em Paris segundo sua própria vontade, mas é possível negociar uma ida em algum momento da carreira, desde que se consiga planejar e consolidar algumas escolhas nos momentos certos.
Digo isto porque o Itamaraty, ademais de ser essencialmente burocrático, num sentido institucionalmente weberiano, tem algum grau de arbítrio, o que o aproxima de uma burocracia feudal, no sentido de responder a determinações dos “barões” da Casa: a chefia política (ministro de Estado, secretário-geral) dispõe de grande poder de “lotação”, assim como a própria chefia do Serviço Exterior. Algumas regras estão codificadas (tempo de posto no exterior, alternância entre postos A, B, C etc.), outras regras dependem mais de um processo político de negociação e de mérito.
De fato, a carreira toda é marcada por algumas características próprias a toda carreira de Estado – como a dos militares, por exemplo – e algumas peculiaridades da diplomacia: em princípio, o mérito é reconhecido, mas as relações humanas, ou sociais, também contam na trajetória funcional. Um diplomata reconhecidamente sério e trabalhador receberá convites para trabalhar em determinadas funções de responsabilidade, embora outros possam receber esses convites também em função de algum vinculo familiar ou o famoso QI, quem indica (ou pistolão). Isso existe e não se pode negar: aliás, mesmo no setor privado, as relações humanas se combinam a trabalho para determinar o sucesso, ou não, de um determinado funcionário.
Portanto, a lotação de um diplomata, no começo ou no meio da carreira, dependerá tanto de seu posicionamento na lista de antiguidade, quanto de seu reconhecimento funcional, tanto por mérito próprio como pela rede de relacionamento que ele possa ter, sendo este último fator mais importante, talvez, nos escalões mais avançados da carreira. Isto vale para a área cultural como para qualquer outra área.
Em meu caso, tanto por preferência pessoal, como por convites, fui orientado e orientei-me bem mais para os setores de economia do que outras áreas, mas talvez eu pudesse ter trabalhado em áreas diferentes (política, cultural, jurídica), se tivesse interesse ou inclinação para fazê-lo. De minha parte, eu poderia facilmente trabalhar numa área política, de segurança internacional, de tecnologia, mas jamais teria me orientado, por vontade própria, para áreas jurídicas (por incompetência, talvez), para o cerimonial (falta de jeito, provavelmente) ou para a administração (simples falta de gosto, confesso, embora reconheça a importância).
Da mesma forma, nunca procurei, nem nunca pedi, para trabalhar em New York, na sede da ONU, pois (provavelmente por preconceito) eu acho o “grand machin” (como a ela se referia o General De Gaulle) essencialmente burocrática e “enrolativa”, preferindo Genebra (também ONU, mas mais orientada a temas econômicos, como o GATT e outros organismos). Da mesma forma, me dei muito bem na área de integração (Aladi, em Montevidéu, e em Brasília, idem) e na econômico-financeira (em Brasília e Washington, acompanhando FMI e Banco Mundial). Se alguém me convidasse para chefiar o cerimonial ou a administração em Brasília, eu provavelmente recusaria, mas nem sempre se pode recusar essas áreas no exterior, quando o posto é pequeno e as escolhas mais reduzidas.
No geral, é possível sim, mesmo se a carreira não oferece, oficialmente, nenhuma especialização, construir a sua própria especialização: de minha parte isso foi possível, não todo o tempo, mas most of the time... Esse debate, ou dilema, entre generalidades e especialização é em grande medida artificial, pois, a despeito de certas limitações inerentes a qualquer carreira burocrática, é possível manter certo gosto por certas áreas e ser capaz de exercer (e desfrutar) essas preferências.

Em contrapartida, eu não consigo responder adequadamente a questão do trabalho na área cultural, e suas relações com a Unesco, posto que nunca trabalhei nessa área. Suponho, como no caso de outros organismos internacionais, que existe um mix de formulação de agenda de trabalho que combina o peso burocrático desses organismos – e alguns deles são verdadeiramente “dinossáuricos”, stricto et lato sensi – e sugestões ou exigências dos países membros. Todo e qualquer organismo internacional possui uma agenda própria de trabalho, derivada de seu mandato original, e uma agenda composta das demandas dos países, formuladas nas delegações ou nas capitais. Pessoalmente eu considero a Unesco um desses dinossauros parisienses, que provavelmente gasta mais dinheiro em Paris do que na destinação final, e suposta, de seu trabalho de promoção da cultura ‘universal’. Mas, esse deve ser outro preconceito meu. Gostaria de poder responder mais concretamente, mas não consigo fazê-lo sem um conhecimento preciso (e “especializado”) da área.
Voilà, eis o que eu poderia responder e espero que satisfaça meu correspondente candidato à carreira.
Felicidades na carreira, muito estudo até ingressar e sucesso em sua vida pessoal e profissional.

Brasília, 16 de janeiro de 2010.

1699) Transversalidade: argh!... eu também tenho horror dessas bobagens

Sempre tive uma bronca particular de certos modismos culturais, certas inovações terminológicas, certas importações falsificadas, que vem direto de Paris, como se descessem de algum nirvana filosófico, algum nec plus ultra intelectual, ao qual devêsssemos aderir de maneira contemplativa, beata, submissa, apenas porque representariam, sei lá, a mais recente benfeitoria conceitual da qual não poderíamos nos passar.
Sempre considerei esse tipo de colonialismo acadêmico uma impostura intelectual, e me revolto com esses universitários ingênuos que não fazem nenhum esforço de compreensão da realidade à sua volta, e que preferem "soltar" o seu Foucault, o seu Derrida, o seu Deleuze, como se esses gurus tivessem algo de inteligente a dizer para este pobres tupinambás que somos nós.
Passons!. Esta pequena introdução pedante, apenas para transcrever um post do Reinaldo Azevedo que encontro particularmente feliz em face do festival de bobagens conceituais que nos vem servido sob a forma do último Programa (!) Nacional (!!) de Direitos Humanos (!!!). Sinto pelas exclamações, mas é que tenho alergia à burrice e mais alergia ainda à estupidez, e o PNDH nosvem apresentado com fortes doses de ambos...
Paulo Roberto de Almeida (16.01.2010)

TRANSVERSALIDADE, A CARA DO MODERNO TOTALITARISMO. OU: VOCÊ ENTREGARIA TODO O PODER AOS CARDIOLOGISTAS?
Reinaldo Azevedo, 15/01/10

Caras e caros, vamos dar seqüência a nosso trabalho, que é demonstrar que, se a essência das coisas coincidisse com a sua aparência, os idiotas seriam os cientistas, e os cientistas, os idiotas. Acho que o texto que segue é daqueles que ajudam, sei lá, a formar o pensamento. Avaliem.

Aqui e mundo afora, uma palavrinha e sua derivação substantivada entraram na ordem do dia dos movimentos sociais e das ONGs, que roubaram, não raro, o público das antigas esquerdas (tornando-se as novas esquerdas): “transversal” e “transversalidade”. Em francês: “transversal/transversalité“. No inglês, conserva a sua origem latina: “transversal/transversality“. A palavra é o xodó das tentações totalitárias contemporâneas. Na origem, designa o que tem sentido oblíquo em relação a um referente qualquer. Nas ciências humanas, passou a designar um tema que atravessa perpendicularmente a sociedade. Dou exemplos:
- “Os direitos humanos devem ser vistos na sua transversalidade”;
- “O meio ambiente deve ser visto na sua transversalidade”;
- “A igualdade é um tema transversal da sociedade humana“.

O que isso significa? Que todas as ações e todas as áreas da vida teriam de estar pautadas segundo a agenda dos direitos humanos, do meio ambiente ou da igualdade — apenas para citar os mais famosos fetiches do pensamento contemporâneo. E antes que alguém resolva dar pulinhos de ignorância, sem paciência para ler o que vem, recomendo sossego. Pense, só para se acalmar, que os direitos humanos, o meio ambiente, a igualdade ou qualquer outro assunto tornado influente NÃO SÃO manifestações da natureza, MAS construções humanas. Estão sempre sujeitos ao controle de grupos de pressão. SÃO UMA ESCOLHA, NÃO UMA VERDADE ABSOLUTA. Adiante.

Tive o capricho de ver quantas vezes essas palavras aparecem naquele texto comuno-fascistóide que se quer um Programa Nacional de Direitos Humanos. Vejam o resultado:
1 - (…) Direitos Humanos constitui princípio transversal a ser considerado em todas as políticas públicas.
2 - As diretrizes deste capítulo discorrem sobre a importância de fortalecer a garantia e os instrumentos de participação social, o caráter transversal dos Direitos Humanos (…)
3 - (…)monitoramento das políticas públicas em Direitos Humanos, num diálogo plural e transversal entre os vários atores sociais (…)
4 - Garantia da participação e do controle social das políticas públicas em Direitos Humanos, em diálogo plural e transversal entre os vários atores sociais.
5 - Fortalecimento dos Direitos Humanos como instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática.
6 - PNDH-3 orienta-se pela transversalidade, para que a implementação dos direitos civis e políticos transitem pelas diversas dimensões;
7 - No PNDH-3, essa concepção se traduz em propostas de mudanças curriculares, incluindo a educação transversal e permanente nos temas ligados aos Direitos Humanos
8 - transversalização incluída nos projetos acadêmicos dos diferentes cursos de graduação e pós-graduação,
9 - cursos com a transversalização dos Direitos Humanos nos projetos políticos pedagógicos;
10 - Incentivo à transdisciplinariedade e transversalidade nas atividades acadêmicas em Direitos Humanos.

Acho que chegarei ainda mais perto do meu objeto se der uma exemplo, para voltar depois para a conceituação mais pura. Pensem, leitores: vocês acham que deveríamos, por exemplo, deixar os cardiologistas governar o mundo? Ou alguém aí não considera, por acaso, a saúde cardíaca um tema “transversal”. Não devemos consumir bacon em excesso — na verdade, quanto menos, melhor; de preferência, nada! Sal provoca retenção de líquidos e eleva a pressão sangüínea. A vida sedentária faz mal para o coração. Excesso de peso provoca sobrecarga e eleva os fatores de risco… O estresse e o cigarro são um veneno…

Imaginem como poderia ser a vida se déssemos todo poder aos cardiologistas. A saúde do coração seria um tema TRANSVERSAL, a atravessar perpendicularmente todas as nossas atividades. E seria impossível dizer que eles estariam buscando o nosso mal. Ao contrário. Comitês de especialistas se formariam para, por exemplo, examinar se as novelas estariam sendo “cadiologicamente corretas”. As feijoadas seriam atividades clandestinas, já que é impossível alegar que aquela, afinal de contas, é uma comida saudável. Os sedentários seriam denunciados como fatores de elevação do custo da saúde pública, dado que sua preguiça os predispõe a determinados males que têm repercussão da vida da coletividade. O mesmo se diga dos fumantes (bem, isso já está em curso, é bom notar).

Músicas e manifestações culturais que induzissem a comportamentos alimentares de risco deveriam ser consideradas manifestações de preconceito contra a saúde. As seções de culinária dos jornais e revistas teriam de ser submetidos a uma comissão de acompanhamento editorial. A vigilância sobre as TVs, que são concessões públicas, seria redobrada. Quem insistisse em exibir comportamento que ameaçasse a saúde do coração teria a licença cassada. Em uma década, o Brasil poderia ser o país com os corações mais saudáveis do planeta, embora a vida pudesse ser uma merda de tão chata. Algum rebelde se lembraria de perguntar: “Pô, tudo bem, é legal esse papo de proteger o coração, mas como fica a liberdade?” E alguém poderia responder, também com uma indagação, à moda de Lênin: “Liberdade pra quê?”

Estamos longe disso? Nem tanto, é bom deixar claro. A Confecom, aquela porcaria inventada por Franklin Martins reunindo pequenos candidatos a tiranos, aprovou resolução contra a publicidade que induza o consumismo — seja lá o que isso signifique — e produtos atentatórios à saúde. A Anvisa já andou encrencando com propaganda de biscoito e refrigerante. É que a saúde, gente, vocês sabem, é uma “tema transversal”…

Ditadores
“Transversalidade” é a palavra de ordem dos novos candidatos a ditadores. Aproveitam-se do fato de que certos temas são consensos da sociedade — porque, na verdade, são matéria de mero bom senso — e transformam a sua particular leitura do assunto num valor absoluto. Ora, quem é ou há de ser contra os direitos humanos, a preservação do meio ambiente ou a saúde? Ninguém! Mas que outros valores da nossa cultura, inclusive a política, temos a preservar?

É aceitável que, em nome da suposta “transversalidade” de um tema, se jogue, por exemplo, a democracia no lixo? Ou o Estado de Direito? Quando o sr. Paulo Vannuchi, ex-terrorista da ALN, propõe que se casse dos juízes o chamado “poder de cautela”, tentando impedir que concedam liminares de reintegração de posse, ele está, como já demonstrei aqui, TENTANDO FRAUDAR A CONSTITUIÇÃO. E de várias maneiras. Em nome do quê? “Ah, da transversalidade dos direitos humanos”. O que se esconde nesse discurso vigarista é que o direito de propriedade também é, afinal, um… direito humano! Foi Vannuchi e a aliança ALN-VPR-MR-8 que decidiram transformar uma agenda ideológica em “direitos humanos”, cassando, para tanto, os direitos de outros humanos.

Também é assim no caso do meio ambiente. Em muitos momentos, o que se tem é nada menos do que uma agenda autoritária e atentatória… aos direitos humanos! Se o Brasil aplicasse todas as leis ambientais que aí estão, faltaria terra para a agricultura. São Paulo, por exemplo, teria de perder uns 20% da área plantada. A economia iria para a breca, o preço dos alimentos subiria, os pobres seriam os mais prejudicados. “Ah, ele é contra o meio ambiente!” Uma ova! Sou contra a “transversalidade” que não tem um respeito mínimo pela realidade.

O único tema “transversal” que eu realmente reconheço é a liberdade, nos marcos de uma sociedade democrática. O resto é tentativa de imposição de uma agenda de grupos consideram a sua metafísica superior à de outros. Sei que os tempos andam bicudos para falar nesse assunto. Não dou a mínima. Não me importaria, se fosse o caso, em ser o último homem do século passado — o século que venceu os velhos totalitarismos.

Não darei, neste século, consentimento a ninguém para novos totalitarismos.

1698) Haiti: um artigo iconoclastico

Haideti, país desolado!
Mario Guerreiro
(16.01.2010)

Como todo mundo sabe, o Haiti não é uma ilha como aquela que seus nativos chamavam de Cubanacan e hoje se chama simplesmente Cuba, La Perla del Caribe. O Haiti não é uma ilha: é metade de uma, a outra metade chama-se República Dominicana, que nada tem a ver com a Ordem Dominicana de Frei Betto, grande teólogo da opressão e amigo pessoal de Fidel Castro.
A ilha em que ficam os dois países tem outro nome: Hispaniola, nome este dado por Colombo ao aportar por aquelas plagas navegando para o Ocidente, mas para nunca chegar ao Oriente... Teoricamente, al Levante por el Poniente era um princípio corretíssimo, porém na prática a teoria foi outra, por causa da América Central interpondo-se entre o Atlântico e o Pacífico...
Como nem todo mundo sabe, o Haiti pertenceu durante muito tempo à douce France, de quem herdou a péssima administração e a língua oficial do país, convivendo com um dialeto créole, assim como New Orleans convive com outro. Entra o inigualável Fats Domino cantando Jambalaya...

Good-bye Joe, me gotta go, me o my o.
Me gotta go pull the pirogue down the bay o.
Jambalaya and a crawfish pie and a fillet gambo,
‘Cause tonight I’m gonna see my cher ami o.


Compare-se o Haiti com Barbados, ilha do Caribe e ex-colônia britânica, para que se tenha uma boa idéia da vantagem de ser colonizado pela Inglaterra e não pela França. Até Karl Marx elogiava o espírito de entrepreneurship e a eficiência administrativa britânicos na Índia...
Importa saber que o Haiti ficou independente da França em 1804, antes mesmo do Brasil ficar independente de Portugal em 1822. O vizinho da República Dominicana foi um dos primeiros países do Novo Mundo a ficar independentes de países colonizadores europeus.
No entanto, é difícil dizer se sua independência foi um bem ou um mal; pois, apesar da sua péssima colonização de orientação puramente extrativista, enquanto os franceses estavam por lá havia ao menos um esqueleto administrativo e um mínimo de ordem, sem a qual homo homini lupus, como já dizia o doce e sereno Thomas Hobbes.
Este pequeno país com sua população formada de uma maioria de negros africanos, trazidos pelos franceses para plantações de cana e de fumo – culturas predominantes em todo o Caribe – é o país mais pobre da América Latina, conseguindo a proeza de ser mais pobre do que a Bolívia - túmulo de São Che Guevara cultuado por Primevo Inmorales - e a Cuba de El Coma Andante, atualmente El Coma Acostante.
Não bastasse a miserabilidade em que vive o povo haitiano – a não ser os privilegiados membros de sua Nomenklatura não-comunista – ele tem sido governado por ditaduras crudelíssimas, como as dos insaudosos Papa Doc e seu filho, Baby Doc, devidamente servidos pela Gestapo caribenha: os Ton Ton Makut, verdadeiros assassinos de aluguel alugados pelos respectivos facínoras.
Recentemente, o último déspota inesclarecido foi apeado do Poder e o Haiti teve uma curta fase de tumultos e arruaças com as gangues dos Monstros e dos Canibais – assim se autodenominavam eles - em sangrentos conflitos e incessantes atitudes predatórias dos bens públicos e privados. Todavia, com o envio de uma força-tarefa de paz da ONU, liderada pelo Exército Brasileiro, estava sendo pacificado, até onde se faz possível sê-lo.
Só não sei dizer por que estranha razão o Comandante Supremo das Forças Armadas – que vem a ser o mesmo que o Presidente do Brasil - enviou tropas para aquele país gastando dinheiro dos contribuintes e colocando em risco a vida de militares brasileiros em conflitos com gangues urbanas, quando tem se recusado a empregar o Exército para combater nossas quadrilhas aqui mesmo no Brasil.
Ora, na realidade, combater criminosos aqui ou no Haiti é função da polícia de lá ou de cá e não atribuição constitucional das Forças Armadas cuja função precípua é a segurança nacional. Só consigo vislumbrar um motivo, não uma razão, para o envio de tropas ao Haiti: a tolíssima pretensão de conquistar votos de países do terceiro mundo para um assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Se for mesmo isso, pode esperar sentado...
Mas além da catástrofe social - de natureza política, econômica e cultural - recentemente o Haiti foi devastado por uma catástrofe natural: terremotos de até 7.8 na Escala Richter, cujo limite que é 9, atingiram o país, principalmente Port au Prince, a capital do mesmo, com milhares de mortos e feridos, hospitais em escombros, falta de luz e água, ameaça de doenças, etc. – uma indizível desgraça que não poupou nem mesmo o belo palácio do governo haitiano em estilo colonial francês!
Estava eu assistindo o noticiário O’Reilly Factor no canal da Fox quando apareceu uma ampla reportagem sobre a tragédia haitiana. Ela dizia que diversos países, inclusive o Brasil - que já perdeu 14 soldados mortos pelos terremotos - estavam enviando ajuda de todos os tipos para o Haiti, numa bela demonstração de solidariedade global, sem nenhuma dúvida.
O âncora do noticiário entrevistou várias pessoas. Considerando que o governo americano e ONGs, além de água, comida, assistência médico-hospitalar, especialistas em remoção de escombros, etc, mandou também cerca de 7 milhões de dólares de ajuda emergencial ao Haiti, o âncora não se cansava de repetir - visivelmente indignado! - a mesma pergunta para quase todos os entrevistados: I only want to know where is the money [Só quero saber onde está o dinheiro], ou seja: “Onde foi parar toda aquela grana?”
Na realidade, uma indagação puramente retórica, pois a resposta ele já estava careca de saber: para os bolsos das corruptas autoridades haitianas.
É assaz desolador e revelador da miséria espiritual humana, porém dolorosamente verdadeiro: não é a primeira vez nem será a última que políticos e funcionários públicos corruptos constroem palácios e se banqueteiam nos mesmos com recursos destinados às vítimas de uma grande tragédia.
Neste particular, todos nós conhecemos essa velha estória. Afinal de contas, o Caetano Veloso até que tinha razão: o Haiti é mesmo aqui!

1697) A Fraude do Aquecimento Global


Livro: A fraude do aquecimento global: Como um fenômeno natural foi convertido numa falsa emergência mundial
Geraldo Luís Lino (*)
Prefácio de Luiz Carlos Baldicero Molion
(Rio de Janeiro: Capax Dei, 2009, 160 p. (il.), R$ 28; ISBN: 978-85-98059-12-9)

(*) Geraldo Luís Lino é geólogo, especializado na aplicação de estudos geológicos a projetos de engenharia civil e avaliações de impactos ambientais. É fundador e diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e co-autor dos livros Máfia Verde 2: ambientalismo, novo colonialismo (2005) e A hora das hidrovias: estradas para o futuro do Brasil (2008), ambos publicados pela Capax Dei Editora.

Apresentação:
O aquecimento global não é uma ameaça à humanidade – a histeria “aquecimentista”, sim!

As mudanças climáticas são fenômenos naturais que ocorrem há centenas de milhões de anos e contra as quais a humanidade pouco pode fazer no seu atual estágio de conhecimento, além de entender melhor a sua dinâmica e adaptar-se adequadamente a elas. O infundado alarmismo “aquecimentista” é promovido por interesses políticos e econômicos, que transformaram um debate científico em uma obsessão mundial e uma verdadeira indústria. Por isso, o público em geral ignora que:

- não há qualquer evidência científica concreta que vincule os combustíveis fósseis aos aumentos de temperaturas ocorridos desde o final do século XIX;
- as temperaturas mundiais pararam de subir no final da década de 1990 e estão em queda;
- os níveis do mar já foram mais altos que os atuais;
- as atuais concentrações atmosféricas de CO2 estão entre as mais baixas da história geológica da Terra;
- temperaturas e níveis de CO2 mais altos que os atuais seriam benéficos para a maioria dos seres vivos, inclusive o homem.

A fraude do aquecimento global supostamente causado pelo homem está sendo manipulada para converter a atividade científica em um processo de “assembléia de consenso”, apoiado por uma mídia geralmente acrítica e anestesiada e pelos recursos técnicos de Hollywood. Neste livro, encontram-se argumentos para ajudar a devolver essa discussão crucial ao campo do qual ela jamais deveria ter sido subtraída: o da boa ciência e do bom senso.

Trechos do prefácio de "A Fraude do Aquecimento Global", escrito por Molion:

"O clima da Terra é um sistema muito complexo e que tem variado naturalmente ao longo de sua existência [...] O clima não está e jamais esteve em equilíbrio, estático."
"Entre cerca de 800 e 1250, no chamado Ótimo Climático Medieval, as temperaturas mais altas permitiram aos nórdicos (vikings) colonizar as regiões do norte do Canadá e o sul de uma ilha por eles denominada Groelândia (Terra Verde), hoje coberta de gelo."

"[...] não há dúvidas que ocorreu um aquecimento global nos últimos 100 anos, uma recuperação da PIG (Pequena Idade do Gelo). No entanto, há um movimento muito forte, com apoio de governos e da mídia, afirmando que esse aquecimento foi provocado pelo homem, por meio da queima de combustíveis fósseis - petróleo, gás natural e carvão mineral."

"Entre 1947-76, apesar de ter havido um crescimento acelerado na economia global, com maiores geração de energia elétrica e emissões de GEE, ao contrário do que propala a teoria do aquecimento global antropogênico (AGA), ocorreu um ligeiro resfriamento global, cerca de -0,2 grau C, possivelmente devido ao resfriamento dsa águas do oceano Pacífico"

"No início da década de 1970, o 'consenso científico' afirmava que uma nova era glacial era iminente. Entretanto, por razões desconhecidas, o Pacífico se aqueceu bruscamente em meados de 1976 e as temperaturas voltaram a subir."

"Em 1988, o IPCC, organismo dsa Nações Unidas, foi criado para ser o grande propagador do aquecimento global antropogênico, que adquiriu contornos de uma crença fundamentada em dogmas, 'achismos' e projeções elaboradas com modelos matemáticos rudimentares de simulação do clima global e baseadas em cenários hipotéticos totalmente desprovidos de bases científicas sólidas."

"O aquecimento global, agora, eufemisticamente denominado 'mudanças climáticas' - pois as temperaturas estão diminuindo na última década -, deixou de ser um tema científico e passou a ser uma plataforma político-econômica, uma fraude para a implantação de uma nova ordem global, de possíveis estruturas globalizadas de 'governança' mundial."

"Reduzir as emissões de carbono significa reduzir a geração de energia elétrica, a mola propulsora do desenvolvimento e do bem-estar social, e condenar os países subdesenvolvidos à pobreza eterna e aos baixos Índices de Desenvolimento Humano (IDH)."

"Reduzir as emissões humanas de carbono em 5% ou 50% (0,3 ou 3 gigatoneladas/ano) de nada adiantará, uma vez que as fontes naturais somam 200 Gt/ano, com uma incerteza que é de cerca de 40 Gt/ano, ou seja, cerca de 30 vezes superior ao maior percentual citado. As concentrações de CO2 já foram mais altas que as atuais no passado e não provocaram catástrofes no mundo. O CO2 não é um poluente, é o gás da vida!"

"Finalmente, já é fato comprovado que o CO2 não controla as temperaturas globais. Como foi dito, o clima da Terra é complexo e, sem exagero, depende de tudo que ocorre no planeta e no Universo. [...] observações mostraram que os oceanos, em particular o oceano Pacífico, que são os principais controladores do clima global, ao lado do Sol, estão se resfriando. Portanto, nos próximos 20-25 anos, é muito mais provável que o clima global vá se resfriar, como ocorreu entre 1947-76, em vez de se aquecer. É possível, pois, que a fraude do aquecimento global esteja com os dias contados."

1696) Socialismo do seculo 21 - Rodrigo Constantino

Socialismo do Século XXI
Rodrigo Constantino

“Aqueles que ignoram o passado estão condenados a repeti-lo.” (George Santayana)

A Venezuela caminha a passos acelerados rumo ao completo abismo, fruto do modelo socialista cada vez mais imposto pelo caudilho Hugo Chávez. Cuba está logo ali. Empresas privadas, estrangeiras ou nacionais, foram tomadas pelo governo. A imprensa foi amordaçada. Os petrodólares foram usados de forma populista para comprar apoio da população. A inflação foi usada como mecanismo de estímulo à economia. Com a situação saindo de controle, culminando na maxidesvalorização de sua moeda, vimos essa semana a patética cena do Exército fechando lojas para combater a “especulação”. Para os socialistas, a inflação ainda é um fenômeno derivado da ganância dos empresários, não da emissão descontrolada de moeda pelo governo. Tem quem nunca aprenda com as lições da história mesmo.

Na Babilônia, há cerca de quarenta séculos, o Código de Hamurabi impôs um rígido sistema de controle de preços. Na Grécia Antiga, Atenas estava constantemente enfrentando escassez de cereais, dos quais pelo menos metade tinha que ser importada. Para combater a alta dos preços, um exército de inspetores dos cereais, chamados Sitophylakes, foi nomeado com o objetivo de estabelecer um preço “justo” para os cereais. Em ambos os casos, as medidas fracassaram. Apesar da pena de morte que o governo de Atenas aplicava aos desobedientes, era quase impossível fazer respeitar as leis que controlavam o comércio dos cereais.

No Império Romano, sob o tribuno Caio Graco, foi adotada a Lex Sempronia Frumentaria, que conferia a cada cidadão romano o direito de adquirir certa quantidade de trigo a um preço oficial muito inferior ao preço de mercado. O resultado, naturalmente, foi contrário ao que o governo esperava: a maioria dos agricultores do campo migrou para Roma, para lá viver sem trabalhar. Para resolver os problemas crescentes, os imperadores começaram a desvalorizar a moeda. Nero começou com pequenas desvalorizações, e Marco Aurélio intensificou o ritmo. O auge do controle de preços se deu no reino do imperador Diocleciano. Em vez de cortar os gastos do governo, Diocleciano preferiu desvalorizar a moeda, inflacionando a economia. Como os preços fugiam de controle, ele apelou para o tabelamento, e prescreveu a pena de morte para os que vendessem as mercadorias acima dos preços oficiais. O resultado foi um fracasso total.

Como se pode observar com esses exemplos, a tentativa de governos de controlar os preços das mercadorias com base em decretos não é novidade alguma. Para os brasileiros, a memória é recente, com os famosos fiscais do Sarney averiguando os preços praticados nos supermercados, em nome do combate à inflação. Claro que foi um fiasco. Afinal, como os economistas austríacos e de Chicago já tinham explicado faz tempo, a inflação é sempre um fenômeno monetário.

Mises explicou de forma sucinta o processo que ocorre quando um governo inflaciona a economia. O primeiro passo será a sensação de prosperidade causada pelo aumento dos gastos provenientes da impressão de moeda nova. Será uma prosperidade ilusória. Quando os preços de alguns produtos começam a sair de controle, a tendência é o governo partir para o controle daqueles preços específicos, os “vilões” da inflação. Mas isso irá gerar apenas escassez desses produtos no mercado, estimulando um mercado negro para eles. Outros produtos substitutos ou que usam tais produtos como insumos começam a disparar de preço também, e o governo precisa estender cada vez mais seu controle, até chegar à totalidade da economia.

Como exemplo, podemos pensar no minério de ferro. Supondo que ele seja alvo de uma expressiva alta de preços causada pelo excesso de moeda no mercado, o governo resolve tabelar seu preço. Logo começará a faltar minério no mercado. O preço do aço vai disparar também. O governo decide controlar o preço do aço então. Falta aço agora, e o preço de todos os produtos derivados do aço dispara, assim como o preço de seus substitutos. Em pouco tempo, o governo terá que tabelar quase todos os preços da economia, gerando uma escassez generalizada. O regime soviético, ícone dessa experiência de controle estatal da economia, conseguiu produzir apenas armas para o próprio governo oprimir o povo, e prateleiras vazias.

Eis a essência do socialismo. Miséria ao povo e armas para o governo controlar os miseráveis. Milênios atrás, ou em pleno século XXI. As leis econômicas não costumam ligar muito para esses detalhes. Pobre povo venezuelano. Servindo como cobaia de um experimento que cheira à naftalina de tão velho. E esse é o modelo que o governo Lula fez tanta questão de convidar para fazer parte do Mercosul. O povo venezuelano não aprendeu nada com a história. Resta saber se o povo brasileiro vai aprender com o triste exemplo do vizinho aquilo que não se deve fazer!

1695) Socialismo: um teste em sala de aula

Eu já tinha recebido esse texto anteriormente, aliás, algumas vezes. Sempre li, achei "interessante", e descartava em seguida, posto que eu sei de tudo isso e nada do que está aqui representa alguma grande contribuição, do meu ponto de vista, para meu esclarecimento pessoal, ou para meus argumentos de caráter econômico, utilizados em meus textos mais "sérios".
Refletindo uma segunda vez, porém, creio que ele pode interessar a um público mais vasto, não necessariamente treinado em economia, e podendo aprender alguma coisa com base em analogias, como as que são aqui feitas.
Apenas por isso eu o reproduzo.

UM EXPERIMENTO SOCIALISTA EM SALA DE AULA

Um professor de economia na universidade Texas Tech disse que ele nunca repetiu um só aluno antes, mas tinha, uma vez, repetido uma classe inteira.
Esta classe em particular tinha insistido que o socialismo realmente funcionava: ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e ''justo."
O professor então disse, "Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe. Ao invés de dinheiro, usaremos suas notas em testes."
Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e, portanto seriam "justas." Isso quis dizer que todos receberiam as mesmas notas, o que significou que ninguém repetiria. Isso também quis dizer, claro, que ninguém receberia um A...
Depois que a média das primeiras provas foram tiradas, todos receberam Bs. Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.
Quando o segundo teste foi aplicado, os preguiçosos estudaram ainda menos - eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Portanto, agindo contra suas tendências, eles copiaram os hábitos dos preguiçosos. Como um resultado, a segunda média dos testes foi D.
Ninguém gostou.
Depois do terceiro teste, a média geral foi um F.
As notas não voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, buscas por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por 'justiça' dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala. Portanto, todos os alunos repetiram... Para sua total surpresa.
O professor explicou que o experimento socialista tinha falhado porque ele foi baseado no menor esforço possível da parte de seus participantes.
Preguiça e mágoas foi seu resultado. Sempre haveria fracasso na situação a partir da qual o experimento tinha começado.
"Quando a recompensa é grande", ele disse, "o esforço pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós.
Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros sem seu consentimento para dar a outros que não batalharam por elas, então o fracasso é inevitável."

O pensamento abaixo foi escrito em 1931.
"É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a idéia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação.
É impossível multiplicar riqueza dividindo-a."

Adrian Rogers, 1931

1694) Alca: alguem ainda se lembra desse zumbi?

Volta e meia algum estudante me escreve para perguntar sobre a Alca. Sim, aquele velho projeto americano de "Área de Livre Comércio das Américas", que soçobrou nos embates levados a cabo por seus opositores ao sul do Rio Grande (e do norte também), entre 2003 e 2005, depois de quase dez anos vagando pelos foros negociadores hemisféricos.
Concordo em que esse cadáver ambulante ainda não foi enterrado de vez, vagando como um zumbi -- ops, desculpem-me pelo lapso politicamente incorreto -- nos meios diplomáticos do continente, mas que pode, talvez, ser ressucitado em alguma nova modalidade de ofensiva imperialista em algum momento do futuro. Melhor, assim, estar preparado.
Mas esses estudantes que me escrevem pretendem apenas saber o que é a Alca, ou o que foi esse projeto "imperialista", pois certamente se levantariam novamente contra ele, impulsionados por seus professores militantes, se por acaso algum gaiato tivesse a má idéia de retomar o projeto sob outra roupagem.
Eu cansei de tentar levar um debate racional sobre esse projeto, ou seja, tentar explicar o que ele era, realmente, e qual deveria ser, a meu ver, a posição do Brasil. Em resumo: examinar detidamente as propostas na mesa, considerar o interesse nacional brasileiro no sentido da interdependência dos mercados -- ou seja, liberalização comercial e abertura econômica -- e, depois, bem depois de se fazer uma análise de como tudo isso impactaria o Brasil - para o bem, isto é, com acesso a novos mercados e aumento do comércio, e para o mal, com desafios a nossos setores não competitivos --, decidir então se aderir, como aderir, por que aderir. Aderir não é bem a palavra, pois se tratava não de uma carta de adesão (ou de anexação, como gostam de repetir certos opositores), mas de uma construção de um projeto de área de livre comércio hemisférica, com todas as vantagens e desvantagens que qualquer esquema desse tipo apresenta para qualquer país que resolve embarcar numa aventura integradora dessa amplitude (e existem várias no mundo, a começar pela UE, mas o Brasil também participa de uma, no Mercosul).
Pois bem, hoje, por puro acaso, "redescobri" um texto meu dessa época hoje longínqua, ao remexer num site tipicamente esquerdista, chamado "Gramsci e o Brasil". Nem sei como eles publicaram esse meu texto, pois todo ele é uma condenação direta e implacável dos argumentos canhestros, dos raciocínios simplistas, vários deles de má-fé, dos opositores da Alca.
Não que eu fosse a favor, longe disso.
Mas é que eu sou um ser racional (pelo menos penso ser). Eu quero debater racionalmente qualquer problema que se apresenta a mim e ao Brasil.
Tenho horror de simplismos e simplificações deliberadas, tenho alergia à desonestidade intelectual, detesto a má-fé num debate qualquer.
Apenas essas motivações me levaram a escrever o texto abaixo, que para surpresa minha foi reproduzido nesse site esquerdista, onde provavelmente nenhum frequentador concordaria com meus argumentos (se os lessem atentatamente).
Não importa, vai aqui reproduzido, pois sempre deve existir alguém interessado em arqueologia diplomática, e sempre tem estudante solto por aí pedindo ajuda para algum trabalho...
Paulo Roberto de Almeida (16.01.2010)

Sinais trocados na Alca
Paulo Roberto de Almeida
Site Gramsci e o Brasil - 2002

1. O que de verdade fundamenta a campanha contra a Alca

Começo por transcrever a definição oficial da Alca, tal como constante do website do movimento que luta contra esse projeto de acordo comercial hemisférico: “ALCA é a sigla da ‘Área de Livre Comércio das Américas’ projetada por setores empresariais e governamentais dos Estados Unidos para aumentar e reforçar o domínio sobre os povos e países do hemisfério e, ao mesmo tempo, consolidar a hegemonia a nível mundial”.

Devo dizer de imediato que concordo inteiramente com a primeira parte da frase, até “Estados Unidos”, pois se trata, efetivamente, de uma descrição fiel de como começou esse processo negociador, estimulado pelos setores governamentais e empresariais do grande Império do Norte para consolidar, até 2005, uma série de compromissos de abertura nos campos do comércio e dos investimentos, vinculando entre si os países das Américas, desde o Alasca até a Terra do Fogo. Ao ler, porém, a segunda parte dessa frase, que se refere ao aumento do domínio sobre os povos e à consolidação da hegemonia mundial, não posso evitar um certo bocejo de aborrecimento, em face do tremendo déjà vu que exala desse tipo de afirmação.

Nos “tempos da brilhantina”, isto é, quando minha geração se formava nos bancos escolares com a sensação de que a América Latina, para se desenvolver, precisava se libertar da “dominação imperialista”, tal tipo de argumento tinha uma certa credibilidade, pois que projetos dirigistas e autonomistas de crescimento econômico estavam efetivamente em curso em diferentes sociedades do pós-guerra, inclusive em economias centrais do capitalismo avançado, como na Grã-Bretanha, na França e em alguns países escandinavos. Havia um “caminho alternativo”, aparentemente operacional e factível, e mesmo economistas e politólogos respeitáveis como John Kenneth Galbraith ou Raymond Aron acreditavam realmente numa certa convergência das “sociedades industriais” em direção de uma economia de mercado monitorada e “ajudada” pelo Estado, como forma de dirimir os mais perniciosos defeitos do capitalismo selvagem. Este era supostamente encarnado pelos Estados Unidos, que pareciam seguir então uma estratégia de dominação mundial, baseada na força dos seus oligopólios, quando não na força bruta de seu aparato militar. As análises marxistas então em voga - tipo Paul Baran e Paul Sweezy, copiando aqui os economistas soviéticos - falavam do “capitalismo monopolista de Estado”, o que significava a junção dos interesses estratégicos do grande capital privado, por definição “monopolista”, com o desejo de dominação hegemônica por parte do país militar e economicamente mais poderoso do planeta.

Como tudo era mais simples nesses tempos: havia dois campos e os progressistas tinham, obviamente, de ficar do lado dos oprimidos e dos explorados. Terreno privilegiado do intervencionismo americano, a América Latina tinha o seu desenvolvimento freado não apenas pela preservação do latifúndio e das oligarquias, mas também pela aliança destes setores com os representantes da exploração capitalista e da dominação imperialista, os capitalistas estrangeiros - eventualmente ajudados pela burguesia nacional - e a guarda pretoriana do grande capital monopolista, os militares, que garantiam o alinhamento dos países da região no campo pró-imperialista. O esquema acima é um pouco simplista, mas era assim que funcionavam as coisas no mundo da Guerra Fria.

Desde então, muita coisa mudou no mundo: primeiro, os Estados Unidos entraram em “declínio irresistível”, como proclamava uma certa indústria acadêmica em voga nos anos 80; em seguida, foi o socialismo que deu dois suspiros e depois morreu; a partir daí, a economia americana, empurrada pelos ventos da globalização, voltou a flexionar seus poderosos músculos; contemporaneamente, muitos países da periferia, que tinham até então optado pela via do capitalismo nacional, resolveram abrir-se aos novos influxos e passaram a integrar-se plenamente à economia mundial, inclusive a China, formalmente socialista ainda, mas de fato em transição para uma economia de mercado.

“Mercado”: eis uma noção que incomoda muita gente, a ponto de ter sido convertida numa espécie de superlativo conceitual que penetrou o inconsciente coletivo de gerações inteiras de progressistas mundo afora, desde o século 19 até hoje. Na verdade, o conceito irritava o próprio Marx, e depois o irrequieto Lenin, ambos atribuindo todas as misérias do proletariado dos tempos vitorianos ao “funcionamento anárquico” das forças de mercado, a ponto de o segundo personagem, colocado em posição executiva, ter pretendido abolir inteiramente sua ação na nova economia socialista que ele começou a criar. Marx nunca chegou a conceber alguma frase de efeito sintetizando sua concepção do mercado - como a famosa definição de Proudhon, segundo a qual “toda propriedade é um roubo” - mas ele certamente deixou uma herança intelectual muito pesada para todos aqueles que pretenderam administrar, desde então, um sistema econômico que lograsse escapar dos pecados originais da “acumulação privada”, funcionando, teoricamente, sem esse incômodo social representado pela “exploração capitalista”.

Todos os modelos socialistas que tentaram abolir a ação considerada “nefasta” do mercado falharam redondamente nesse empreendimento. Todos os projetos de reforma socialista, a partir do pós-stalinismo, pretenderam introduzir um “pouco” de mercado no funcionamento da economia “comunista” e poucos o conseguiram, para desespero dos reformistas. Apenas sobrou a China, aparentemente socialista e “de mercado”, mas ela não se constitui em modelo para nenhum outro país. O fato é que temos hoje, no pós-socialismo, o mercado reinando supremo, como nos tempos da Inglaterra vitoriana, para contentamento de alguns e a raiva incontida de muitos. Repito: este é um fato, ainda que ele obviamente não seja do agrado das correntes de pensamento “alternativo”, mas elas até aqui falharam em apresentar alternativas credíveis ao funcionamento de uma economia de mercado, como revelado, por exemplo, nos grupos anti-globalizadores e contra a Alca.

Os textos oficiais da “Campanha continental contra a Alca”, tanto os da vertente civil quando os de orientação mais espiritual - como aqueles produzidos pelos bispos do Canadá e retomados no Brasil pela CNBB - falam muito pouco do “mercado”, mas é ele que está verdadeiramente em causa na intensa movimentação contra esse projeto de acordo comercial, que vem se estendendo desde que o movimento antiglobalizador proclamou que “um outro mundo é possível”. Agora somos apresentados ao slogan regional “uma outra América é possível”, mas de fato ainda não sabemos bem de que mundo e de que América, alternativos aos realmente existentes, se está falando, uma vez que não fomos ainda apresentados aos projetos concretos de sua constituição.

Aparentemente, nessa campanha, se trataria apenas de lutar contra as ameaças de dominação hegemônica e de perda de soberania dos povos da América Latina, mas isso não explica tudo, sobretudo a oposição também intensa existente contra a Alca em certos meios dos próprios países hegemônicos, onde a soberania não parece estar em causa. De fato, hegemonia e soberania são conceitos recorrentes nesses documentos dos grupos anti-Alca, mas a eles não corresponde nenhum conteúdo concreto, pois não se sabe bem que soberania está sendo ameaçada ou como será imposta a hegemonia, na medida em que o debate não incide, salvo raramente, sobre as características próprias do acordo comercial em discussão.

Minha hipótese é a de que o “inconsciente coletivo” dos setores progressistas está em ação nessa campanha contra, na verdade, as “forças do mercado” e o capitalismo irrefreável, pois do contrário não seria possível explicar o simplismo de certas “explicações” para a luta contra a Alca e o aparente exagero de alguns slogans redutores (como os de “sim à vida”, de luta contra o “controle do território” ou de resistência ao projeto “neocolonial”).

Deixando, portanto, de lado o ridículo desse reducionismo simplista, que não dá lugar a qualquer tipo de discussão objetiva, vejamos se seria possível examinar a rationale do movimento contra a Alca, para tentar determinar duas coisas: (a) que ele corresponde, efetivamente, a um certo sentido da história, sob a forma de uma sociedade mais humana, mais desenvolvida e mais igualitária e conduzindo, portanto, às metas progressistas que seus proponentes dizem defender; (b) que ele se identifica, realmente, com os interesses dos povos da região, ou seja, que a não existência da Alca resultará numa melhor situação de bem-estar, para todos os povos envolvidos no projeto, do que ocorreria a partir de sua implementação, supostamente identificada a uma nova etapa do processo de acumulação de capital, com perda correspondente de soberania para esses países.

2. Existe algum “progressismo” na campanha contra a Alca?

Os objetivos dos opositores da Alca são razoavelmente explícitos, mas nada claros quanto aos meios e alternativas finais que eles propõem no lugar de uma negociação que vem se desenvolvendo há quase dez anos e que pretende caminhar na dupla vertente dos processos que caracterizam a economia mundial: a globalização e a regionalização.

Os proponentes da campanha pretendem, pura e simplesmente, “bloquear a Alca” e, mais especificamente: “defender nossa soberania nacional”, “mudar o modelo econômico de dependência externa” e “construir uma alternativa de integração popular e soberana entre os povos americanos”. Concedendo uma legitimidade de partida a esses objetivos, caberia então discutir cada um dos termos da equação. Deixemos de lado a questão de saber se vai se conseguir ou não “bloquear a Alca”, uma vez que, ademais de ser ela um simples “meio” para o atingimento de outros objetivos, supõe-se que essa ação dependa de uma certa correlação de forças que não parece inclinar-se, na presente conjuntura, na direção pretendida por seus proponentes. Com efeito, a decisão de se negociar uma Alca foi adotada em reunião de 1994 à qual compareceram 34 chefes de estado democraticamente eleitos do hemisfério, cuja legitimidade é pelo menos tão real, ou quiçá mais, do que a dos seus opositores, cujos mandatos podem ter sido auto-atribuídos ou resultar de escolhas não tão universais.

Vejamos, portanto, os demais objetivos da campanha. A ameaça à soberania nacional, que os proponentes do movimento dizem querer afastar, é mais afirmada do que provada, e de fato, o mesmo documento de base alerta para o “perigo que significa a implantação da Alca, para nossa sobrevivência enquanto povos independentes”. Não se vê bem que tipo de soberania estaria exatamente em perigo, uma vez que acordos de livre comércio envolvendo países desenvolvidos e em desenvolvimento já foram concluídos anteriormente, dentro e fora da região, sem que tal ameaça se tenha concretizado.

Lembre-se, para começar, os diferentes esquemas de integração ou de liberalização comercial existentes na própria América Latina, mobilizando países e economias de dimensões muito diversas, alguns tão grandes quanto o Brasil, outros tão pequenos quanto o Uruguai, cuja população somada não ultrapassa os habitantes de um bairro da cidade de São Paulo. Cabe referência especial ao caso do Nafta, o primeiro esquema no continente envolvendo países avançados, como os EUA e o Canadá, e um em desenvolvimento, como o México: teria este último perdido soberania com o acordo do Nafta? Se este foi o caso, como e em que medida tal “abandono de soberania” prejudicou a busca de desenvolvimento ou de melhoria nos níveis de bem-estar de sua população?

Não se deve esquecer, tampouco, um esquema de integração a que os opositores da Alca não se cansam de referir como modelo e padrão para implementação similar na região americana. A renúncia de soberania nacional, no caso da União Européia, não poderia ser mais explícita e completa. Se esquecem eles, por acaso, que o princípio básico da união aduaneira e do mercado comum, que constituem os dois principais pilares da UE, é, antes de mais nada e principalmente, uma zona de livre-comércio completa e acabada, que preexiste e condiciona todos os demais esquemas de liberalização ulteriores? Não sabem eles que os mercados internos dos países menos desenvolvidos, como Portugal, Espanha e Grécia, foram totalmente abertos à concorrência dos parceiros mais desenvolvidos? Desconhecem que há total liberdade para a circulação de capitais entre os países membros da UE? Eles tampouco parecem considerar o fato que as políticas de tipo corretivo ou compensatório - fundos de desenvolvimento regional direcionados a regiões menos desenvolvidas - se fazem em função de políticas e mecanismos comunitários que significam, também, o abandono da soberania sobre a determinação de políticas setoriais. Não bastasse, portanto, o abandono de qualquer competência nacional em matéria de políticas comercial, industrial, agrícola e tecnológica, a mesma renúncia, elevada à 3ª potência, comparece na questão da moeda única, na qual os países membros abandonam não só a idéia de um banco central próprio, como a fixação da taxa de juros e a determinação dos principais agregados monetários, ficando impossibilitados sequer de optar por um pouco mais de inflação em troca de um pouco mais de emprego. Seria esse o tipo de soberania a que se referem os opositores da Alca?

Creio que, de forma pouco refletida, eles pensam nos fundos compensatórios que deveriam, segundo a “teoria das relações assimétricas”, fluir do mais rico país hemisférico aos sócios mais pobres do empreendimento da Alca, num esquema pretensamente similar ao europeu. Mas, nesse caso, os beneficiados deveriam aceitar ainda mais renúncia de soberania, pois que tais esquemas são apenas compatíveis com etapas mais avançadas do processo de integração, o que obviamente não está em causa na Alca. Como fica, então, a compatibilização entre soberania e políticas corretivas? Vale uma sem outra? Trata-se de uma contradição que deveria ser resolvida pelos proponentes de uma “outra América”.

Abandonemos, pois, a visão algo defensiva e basicamente reativa da proposta de “defender a soberania nacional”, para analisar as receitas supostamente mais ofensivas e vagamente prescritivas consubstanciadas nas diretivas “mudar o modelo econômico de dependência externa” e “construir uma alternativa de integração popular e soberana entre os povos americanos”. São elas factíveis, possíveis, imagináveis, nas condições concretas de desenvolvimento latino-americano de princípios do século 21? Vamos deixar claro, desde logo, que não se trata propriamente de políticas, mas de teorias, e que seu valor prescritivo é próximo de zero, pois que não vêm acompanhadas das medidas correspondentes que deveriam sustentá-las concretamente no exercício de busca de alternativas. Um objetivo é de ordem negativa - “mudar”, isto é, abandonar -, outro de natureza positiva - “construir” -, mas nenhum dos dois suscita a menor explicitação prática quanto aos meios de colocar na ordem do dia essa missão de desmantelamento, de um lado, e de construção, de outro.

O que significa, por exemplo, “mudar o modelo econômico de dependência externa”? Salvo uma volta à autarquia dos anos gloriosos da industrialização substitutiva, que não parece ser o objetivo dos nossos preclaros opositores da Alca, parece querer indicar um modelo de desenvolvimento menos baseado na dependência tecnológica, nos influxos de capitais externos, na importação de know-how estrangeiro e, portanto, num menor pagamento de juros, dividendos, royalties, serviços e rendas do capital a investidores de outros países. Para que isso se dê, com o que estou inteiramente de acordo, seria preciso que os países da América Latina fossem capacitados tecnologicamente, tivessem um nível suficiente de poupança interna de maneira a habilitá-los a escapar da temível dependência financeira e que eles mesmos produzissem bens e serviços sofisticados de forma a inverter a balança de transações correntes para níveis crescentemente superavitários, além de, numa fase ulterior, se transformarem em exportadores líquidos de capitais.

Trata-se de programa de “independência econômica” que não tem encontrado, porém, evidências empíricas para sua implementação nas últimas décadas - que digo?: em todos os séculos - da história econômica da região. Os propositores da receita teriam um modo relativamente mais rápido de realizar esse milagre? Ou eles consideram que, durante as décadas de industrialização substitutiva, a América Latina viveu em total independência do imperialismo? Se este foi o caso, então a famosa “teoria da dependência” foi construída em torno do nada, pois que ela pretendia justamente explicar os mecanismos pelos quais o desenvolvimento é possível mesmo no quadro da dominação imperial e da não ruptura com o capitalismo subordinado.

O que representa, por outro lado, “construir uma alternativa de integração popular e soberana entre os povos americanos”? Em primeiro lugar, nas palavras dos opositores da Alca, recusar o “projeto neoliberal de livre-comércio que a Alca representa.” Muito bem, mas além da recusa viria o quê em seu lugar? A integração popular significaria trocar bananas por sapatos, chapéu de palha por café, atum enlatado por aviões brasileiros? Mas estes, justamente, para se posicionar no nível de sofisticação tecnológica requerido pelos mercados atuais, têm um nível de componentes importados que seria pouco compatível com a teoria da “integração popular”, pois que precisamente baseado na interdependência tecnológica, que constitui o traço mais marcante das economias modernas. De que seria composta, exatamente, a tal de “integração popular e soberana entre os povos americanos”?

Os opositores da Alca, ainda aqui, ficam nos devendo uma versão mais completa de seu programa de integração com soberania, pois que, uma vez mais, não fizeram direito o seu dever de casa no sentido de prestar respostas claras aos problemas que eles mesmos se colocam. A verdade é que, além da vontade comum de se opor ao “livre-comércio neoliberal” - que, como vimos, se traduz em uma recusa pura e simples dos mercados -, os opositores da Alca não têm até aqui muito a oferecer em termos de projetos alternativos de crescimento econômico ou de desenvolvimento social. Tudo parece se resumir numa recusa ideológica do livre-comércio.

Haveria algum sentido progressista no rechaço do livre-comércio? Corresponde essa atitude a uma visão mais elevada - humanista, quero dizer - dos modos alternativos de organização social da produção no continente e seria ela um indicativo de que os que defendem tal posição conseguem propor alternativas concretas para o desenvolvimento econômico e social dos povos do hemisfério? Vejamos o que diria um dos líderes naturais dessas correntes opostas ao capitalismo desenfreado e ao domínio absoluto dos mercados. Sim, consultemos o que escreveu a respeito do livre-comércio o velho Marx, quase tão atual nestes tempos de globalização triunfante quanto nos tempos em que escrevia o seu famoso Manifesto Comunista (1848), na verdade quase um hino em louvor à burguesia conquistadora.

Confrontado ao debate sobre a abolição das famosas “leis do cereal” na Inglaterra e a correspondente introdução do livre-comércio, Marx, pouco antes de redigir com Engels seu mais famoso panfleto revolucionário, produziu um pouco lido “Discurso sobre o livre-comércio”, redigido em Bruxelas no início de 1848. Ele não parece ser conhecido dos opositores atuais da Alca e menos ainda dos antiglobalizadores, pois que Marx, nesse debate, retira muito dos argumentos utilizados contemporaneamente pelos que tentam provar que o livre-comércio vai contra o interesse dos povos ou, mais particularmente, dos proletários.

Suas posições devem ser obviamente colocadas no contexto da época, mas ainda assim elas apresentam validade para os tempos que correm, pois que ele estava pensando, não na potência mais avançada da Revolução Industrial, a Grã-Bretanha, mas exatamente na Alemanha, que, atrasada industrialmente, era assim uma espécie de América Latina do continente europeu. Nessa mesma conjuntura, quando ele apóia, contra outros ideólogos do proletariado, o sistema democrático instaurado pela burguesia como o terreno indispensável para lutar contra a burguesia, Marx se pronuncia a favor do livre-comércio: assim como a supremacia econômica da burguesia era tão “necessária” quanto sua dominação política para preparar a vitória do proletariado, a livre concorrência era necessária para apressar a união dos trabalhadores e, portanto, sua emancipação política e econômica.

Marx diz explicitamente: “Sem dúvida, se o preço de todas as mercadorias cai, e esta é a conseqüência necessária do livre-comércio, eu poderei comprar, com a mesma quantidade de dinheiro, muito mais coisas do que anteriormente. E o dinheiro do trabalhador vale tanto quanto o de qualquer outro. Portanto, o livre-comércio será bastante vantajoso para o trabalhador. [...] De forma geral, em nossos dias, o sistema protecionista é conservador, enquanto que o sistema de livre-comércio é [progressista]”. È evidente que o jovem exilado alemão, ao pronunciar sua conferência perante a Associação Democrática de Bruxelas, não pretendia tão simplesmente fazer uma panegírico do sistema de livre-comércio, colocando assim uma azeitona na empada dos capitalistas interessados em diminuir o custo de reprodução da mão-de-obra e, conseqüentemente, o nível dos salários nominais. O que ele pretendia, contudo, era apressar o curso da transformação capitalista das sociedades européias como forma de acelerar a implantação futura do socialismo.

Com efeito, Marx confessa que via no livre-comércio objetivos meramente instrumentais para seus objetivos últimos: “Ele dissolve as antigas nacionalidades e leva ao extremo o antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Numa palavra, o sistema de liberdade comercial apressa a revolução social”. E Marx termina assim seu discurso: “É apenas neste sentido revolucionário, meus senhores, que eu voto em favor do livre-comércio”. Vemos assim que o preconceito contra o livre-comércio, ou no nosso caso contra a Alca, se coloca num sentido contrário ao do progresso social, como se seus opositores, numa fórmula famosa do Manifesto Comunista, pretendessem fazer girar para trás a roda da História. Mas basta de lições de história. Vejamos a atualidade da Alca.

3. A oposição à Alca responde aos interesses dos trabalhadores latino-americanos?

Quero deixar claro, de imediato - o que já deveria ter feito desde o início deste ensaio -, que não sou um partidário incondicional da Alca, que não acredito que ela venha sendo discutida em condições ótimas de equilíbrio de posições e de preparação negociadora por parte de todos os países e que, sobretudo, não resultará dela, caso implementada, uma mudança dramática nas condições de atraso relativo da América Latina nos planos econômico, social ou mesmo tecnológico. Caberia esclarecer, por outro lado, que uma situação inversa, de “não-Alca”, como pretendem seus opositores, tampouco redundará em melhores indicadores em quaisquer das áreas acima indicadas e que a única evidência plausível, nesse caso, seria a de que a América Latina continuaria a ostentar o perfil tradicional de economia exportadora de produtos pouco dinâmicos nos mercados mundiais, que sua velha dependência tecnológica e sua fragilidade financeira continuariam pesando em suas transações correntes e que as vergonhosas iniqüidades sociais, derivadas de uma perversa distribuição da renda e de níveis inaceitáveis de educação formal e de qualificação técnica da população, seriam mantidas pelo futuro previsível, sem grandes esperanças de mudanças espetaculares ou mesmo modestas.

Em outros termos, poder-se-ia dizer que “ruim com a Alca, pior sem ela”, já que ela representa, pelo menos, uma tênue esperança de que algumas mudanças poderão ser feitas, nem todas para um cenário mais desfavorável, como parecem acreditar - ou melhor, afirmar, sem provas e sem reflexão mais elaborada - seus opositores ideológicos. Quando digo ruim, refiro-me obviamente ao fato de que as economias latino-americanos ostentam, em geral, níveis baixíssimos de qualificação da mão-de-obra e, portanto, dos indicadores de produtividade e que elas apresentam poucas condições de disputarem faixas de mercado mais sofisticado, o que aliás continuaria ocorrendo, irremediavelmente, sem a Alca, que poderia operar, nesse particular, algumas transformações positivas no sentido da deslocalização produtiva e da transferência direta e indireta de tecnologia e know-how.

Esta não é uma impressão ou afirmação subjetiva de minha parte; é quase que uma espécie de “lei” da integração entre economias assimétricas, que soem ser, como é claro para qualquer economista de bom senso, diferentemente dotadas em fatores e portanto suscetíveis de se especializarem produtivamente na configuração própria a cada uma delas, em trabalho ou em capital. Aliás, contrariamente ao que se afirma e se realiza politicamente na região, os especialistas em economia industrial - de ordinário contrários ao second-best da liberalização restrita dos blocos comerciais - costumam recomendar que, se integração deve haver, melhor que o processo se dê entre duas economias diferenciadas entre si (isto é, uma desenvolvida, outra em desenvolvimento) do que entre países situados num mesmo patamar tecnológico (vale dizer, entre países em desenvolvimento, como hoje ocorre na América Latina). Apenas no primeiro caso, poderá operar a pleno vapor o jogo das especializações produtivas, da transferência de tecnologia e o aproveitamento intenso da melhor dotação em trabalho da economia menos desenvolvida, reduzindo os custos para as empresas dos países ricos e elevando o patamar salarial no parceiro mais pobre.

Não se trata aqui de simples teoria, e sim de evidência empírica ou histórica, que já se converteu em medidas práticas de política econômica, como qualquer conhecedor do processo de integração européia ou da experiência do Nafta poderá confirmar. Estão completamente errados, portanto, aqueles que condenam a Alca por ela pretender reunir, num mesmo esquema de liberalização comercial, economias ditas “assimétricas”, pois que será a partir dessa mesma condição que as assimetrias começarão a ser gradualmente eliminadas para, num passo seguinte, conduzir à elevação dos índices de produtividade de todas as economias envolvidas nesse tipo de relação.

Em tal processo, podem estar sendo criadas condições para um desenvolvimento mais sofisticado das economias latino-americanas, ainda que a Alca não possa garantir, obviamente, que esse desenvolvimento se dará em todas as dimensões sociais, de maneira a transformar dramaticamente o perfil das sociedades da região. Esta insuficiência se deve não a uma suposta perversidade intrínseca do processo da Alca, mas ao simples fato de que, sendo ela um mero esquema de liberalização comercial e de abertura aos investimentos, ela não pode garantir, por si só, o atendimento de todos os outros requisitos e condições para o desenvolvimento integral dessas sociedades, processo que depende de uma série de outras medidas, geralmente no plano educacional e no da capacitação em recursos humanos de modo geral, que estão muito longe do alcance instrumental desse tipo de acordo. Ressalte-se, entretanto, a Alca não está sendo feita para “trazer desenvolvimento”, mas para tornar mais modernas as economias da América Latina e permitir eventualmente um crescimento em bases mais estáveis do que o conhecido historicamente até aqui. O desenvolvimento só pode ocorrer, como é sabido, a partir de profundas transformações estruturais no modo de funcionamento da sociedade, o que o comércio exterior induz de forma muito progressiva e muito indireta, uma vez que atua sobre setores específicos de um sistema mais vasto.

Colocadas essas limitações intrínsecas a um acordo de livre-comércio, a quem pode interessar a Alca? Uma resposta equilibrada tenderia a dizer que ele interessa a todas as partes, ainda que de modo diferenciado, o que parece o bom senso mesmo. Não é o que pensam os opositores da Alca, para os quais as vantagens só podem estar do lado da maior potência hemisférica.

Como efeito, eles afirmam, enfaticamente: “A Alca não é somente um acordo comercial, como oficialmente pretendem vendê-lo. É um projeto que responde às necessidades da economia americana. Este país e o capitalismo internacional passam por uma crise financeira e de produção de bens. Para sair da crise precisam impor um novo padrão de acumulação de capital, baseado em novos centros hegemônicos. Para alcançar este novo padrão, estão utilizando a guerra e o combate ao terrorismo, como forma de transferir recursos públicos ao complexo industrial-militar. Também pretendem ter um domínio total do hemisfério americano, controlar o território, as potencialidades da biodiversidade, um mercado de 800 milhões de pessoas, assegurando deste modo às empresas norte-americanas um espaço protegido da competição asiática e européia.”

Trata-se, obviamente, de uma visão altamente deformada e voluntariamente enviesada do processo inicial, das negociações subseqüentes e dos eventuais resultados desse acordo comercial. Concordo em que ele não seja um “mero” acordo comercial, pois que contém diferentes instrumentos normativos que não são normalmente encontrados nas zonas de livre-comércio tradicionais. Concordo também em que ele contempla os interesses da economia americana, mas apenas em parte, pois que ele, de fato, responde muito mais às necessidades das economias latino-americanas, que poderão ter, através do acordo, um acesso garantido e consolidado ao maior mercado consumidor do planeta. A afirmação final dessa condenação da Alca, de que esse acordo assegura “às empresas norte-americanas um espaço protegido da competição asiática e européia”, é igualmente válida no caso latino-americano, cujas empresas também terão acesso privilegiado ao imenso espaço norte-americano. No caso do Brasil e do Mercosul, em particular, esses laços privilegiados serão de fato muito pouco exclusivos, pois é intenção do Cone Sul negociar outros acordos preferenciais com a UE e com terceiros mercados, diluindo assim a “reserva de caça” dos EUA. O Chile já se adiantou nesse processo, e o Mercosul caminha atrás.

Passo por cima das afirmações fantasiosas de que a Alca se “explicaria” porque os EUA “e o capitalismo internacional passam por uma crise financeira e de produção de bens”, da qual só podem sair impondo “um novo padrão de acumulação de capital, baseado em novos centros hegemônicos”. Não havia nenhuma crise, financeira ou de superprodução - como diriam os velhos marxistas -, quando a Alca foi lançada, e de fato o capitalismo americano já tinha ingressado numa fase inédita de crescimento contínuo, que se manteve por praticamente oito anos. Deixo à imaginação dos leitores tentar descobrir o que seria “um novo padrão de acumulação de capital”, pois não me parece que o velho padrão tenha sido esgotado, assim como tentar adivinhar quais seriam os “novos centros hegemônicos”, uma vez que não me consta que os antigos tenham sido substituídos. Da mesma forma, beira o profetismo histórico pretender que, para “alcançar este novo padrão” - que não sabemos exatamente qual seria - os EUA estejam “utilizando a guerra e o combate ao terrorismo, como forma de transferir recursos públicos ao complexo industrial-militar”. Quem sabe a Alca foi planejada para coincidir com o renascimento desse complexo, cujo desenho já estaria embutido nas intenções dos negociadores desse tratado de comércio, em 1994?

Não bastasse a premonição militarista, se antecipa também que a Alca permitirá ao Império “ter um domínio total do hemisfério americano, controlar o território, as potencialidades da biodiversidade [e] um mercado de 800 milhões de pessoas…”, o que parece constituir o cerne dos argumentos “econômicos” dos opositores soberanistas. Trata-se de um “projeto colonial” - domínio total e controle do território - que parece ultrapassar de longe a capacidade militar (certamente respeitável) e sobretudo o interesse estratégico da principal potência planetária. Um empreendimento de tão vasto escopo deve certamente ter razões de igual magnitude, pois do contrário seria um dispêndio enorme de recursos para “controlar” um “território” no qual os “caçadores de negócios” americanos já circulam com uma certa facilidade há décadas, senão há praticamente dois séculos.

Quais seriam, pois, as razões de força maior desse “projeto neocolonialista”? Não há muitas evidências comprováveis no documento dos antialcalinos, salvo a vaga menção de que os EUA pretendem o acesso às “potencialidades da biodiversidade [e a] um mercado de 800 milhões de pessoas”. Não importa muito se a renda per capita dessas 800 milhões de pessoas seja inferior a um quarto à dos consumidores setentrionais e que os alegados recursos da biodiversidade estejam em estado bruto, necessitando de grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento para renderem benefícios industriais. O imaginário da América Latina sempre viveu das imagens miríficas dessas riquezas fabulosas do subsolo e das florestas impenetráveis, e de fato alguns países dispuseram, no passado, de um virtual monopólio sobre alguns produtos ditos “estratégicos”: guano, petróleo, cobre, nióbio, areias monazíticas (lembram-se?), minério de ferro, para não falar de outras riquezas produzidas pela própria mão do homem, como café, cereais, bananas, lãs e carnes, até chegar, hoje em dia, à cocaína, à salsa e à lambada, além, é claro, dos muitos candidatos à emigração.

Este último “produto de exportação”, aliás, explica mais do que qualquer outro fator, a constituição do Nafta com a incorporação do México. Se tratava, para o Império, de um vetor estratégico: tentar conter, reverter se possível, a imensa pressão de levas e levas de imigrantes clandestinos que tentam penetrar, por qualquer meio, no território imperial. O mecanismo seria obviamente a criação de empregos no próprio México, o que a Alca pode também induzir em outras partes desse riquíssimo território latino-americano. É óbvio que também existe o interesse diretamente comercial das empresas americanas, mas a Alca vai também provocar um gigantesco processo de deslocalização produtiva cujos principais beneficiários serão os países ao sul do Rio Grande. Quer queiram ou não os opositores da Alca, e sobretudo os sindicalistas e políticos provinciais do Norte, é por esse vetor que a Alca entra no planejamento estratégico das empresas.

Entramos aqui no âmago da discussão do projeto da Alca, um aspecto ignorado por todos os manifestantes antialcalinos que se espalham agora do Alasca à Terra do Fogo (com uma certa preferência por algumas metrópoles mais sofisticadas). A bem da verdade, a questão é aflorada sob o disfarce aparentemente humanitário da “cláusula social” ou dita “laboral”, ou seja, o respeito a um certo número de direitos básicos dos trabalhadores que se encontram consubstanciados em convenções da OIT (às quais o Império nunca aderiu, diga-se de passagem). Essa agitação em torno da “cláusula social” nada mais é, contudo, senão uma cortina de fumaça atrás da qual as corporações sindicais do Norte do hemisfério pretendem esconder sua luta defensiva contra a exportação de empregos para o Sul. Este o nó estratégico do debate hemisférico, que explica por que, justamente, são observadas as mais heteróclitas coalizões de opositores da Alca, ao Sul e ao Norte do hemisfério. De fato, essas reuniões de antiglobalizadores e antialcalinos representam uma babel ainda não de todo unificada em seu discurso alternativo (tarefa quiçá impossível).

Supondo-se que ambos os lados não podem ter razão ao mesmo tempo - pois apenas o Império seria beneficiado com a Alca, segundo nossos opositores em causa -, deveria haver algo que explicasse essa curiosa mistura de ambientalistas, sindicalistas, políticos, grandes e pequenos agricultores e industriais de vários matizes nessa pouco santa aliança contra a Alca, ao sul e ao norte do Rio Grande. Aliás, o brancaleônico exército de opositores não apenas apresenta uma certa simetria social - pelo menos uma - em cada lado da “barreira”, como reproduz, igualmente, as mesmas forças sociais que já se tinham mobilizado quando do debate sobre o Nafta, numa certa impressão de déjà vu, again.

Por que será que isso ocorre? Seriam os políticos dos EUA um bando de néscios, opondo-se com tanto denodo à expansão do “capital monopolista americano”? Seriam os bem equipados e modernos agricultores americanos reticentes à perspectiva de invadir um mercado de 800 milhões de pessoas com sua fabulosa produção de cereais, carnes e verduras geneticamente modificados? Estariam os operários americanos sinceramente preocupados com a visão dantesca do desmantelamento das indústrias latino-americanas, deixando seus irmãos proletários ao sul do Rio Grande em plena rua da amargura, sem os generosos benefícios sociais das economias mais avançadas?

E os “brancaleones” meridionais? O que os agita tanto? Segundo a explicação oferecida, se o acordo da Alca “entrar em vigor, a soberania dos países e povos ficará seriamente comprometida, pois, sob as regras do jogo que se pretende impor, o poder de decisão será transferido para as empresas e investidores privados globais americanos. A sub-região será condenada a ser exportadora de produtos primários e semimanufaturados, intensivos na exploração da mão-de-obra e dos recursos naturais não renováveis [e os recursos da biodiversidade?], pois estará se intensificando a brecha do conteúdo tecnológico das exportações e importações”.

Esse quadro catastrófico não é confirmado nem pela moderna teoria do comércio internacional, nem registrado pela experiência histórica - do Nafta, por exemplo - dos processos de integração econômica, envolvendo países em patamares distintos de industrialização. Com efeito, os investidores americanos (e europeus) dominam há décadas vários setores industriais - e também minerais, comerciais, de serviços e bananais - dos países latino-americanos sem que o processo decisório tenha mudado muito no continente. Continuamos a ter líderes reformistas, alguns caudilhos militares (hoje bem menos) e vários tipos de populistas que, vez por outra, ameaçam mudar as regras do jogo econômico, em prol do desenvolvimento econômico e do bem-estar social da maioria. Por outro lado, esses investimentos tem servido, justamente, para reduzir a dependência de um número restrito de commodities, como qualquer observador mais isento poderá confirmar. Por essa mesma via, a brecha tecnológica diminui um pouco, mas não muito, porque, como sabe também qualquer economista de bom senso, indústrias estrangeiras produzem efeitos em cadeia que paulatinamente induzem a economia receptora ao catch-up tecnológico, ainda que o essencial desse esforço deva mesmo ser realizado internamente.

Decididamente, algo não parece fechar na lógica dessa oposição conjunta à Alca, ainda que o raciocínio a esse respeito não seja de todo desprovido de fundamento. De fato, se diz que a “sub-região será condenada a ser exportadora de produtos primários e semimanufaturados, intensivos na exploração da mão-de-obra e dos recursos naturais”, o que é em parte verdade. A América Latina não será “condenada” às exportações primárias - algo que ela já é, há praticamente quatro séculos - mas é certo que suas vantagens comparativas (com o “mercado”, outro conceito horrível aos ouvidos desses opositores) estão claramente no que se chama de labor-intensive production, no que não vai nenhuma vergonha, muito pelo contrário. Eventualmente, mas não obrigatoriamente, essa produção se fará com recursos naturais, mas a região também apresenta boas condições em produtos manufaturados simples, como calçados e têxteis, outros um pouco mais complexos, como siderúrgicos, e outros ainda verdadeiramente sofisticados, como aviões e softwares (ainda que poucos acreditem nisso).

Este, volto a insistir, é o ponto central de todo o debate - embora ainda obscuro - em torno da Alca, que opositores do Norte e do Sul hesitam em mencionar, sob risco de caírem em contradições insanáveis de interesses, imediatos, mediatos e mais longínquos. O que a Alca pode verdadeiramente trazer, repito, é um processo contínuo de deslocamento e de criação de novos empregos, que seguirão a deslocalização produtiva de muitas indústrias do Norte. Seus efeitos diretamente comerciais serão obviamente registrados na garantia de acesso a mercados para os produtores mais dinâmicos da região, entre os quais se incluem, também, indústrias de suco de laranja, de aço, de calçados, de têxteis e de uma infinidade de outros bens brasileiros, sobretudo agrícolas, que podem passar a ter condições privilegiadas no abastecimento do maior mercado planetário.

A contrapartida também existe, sob a forma de serviços e outros bens mais sofisticados altamente competitivos vindos do Norte, mas tudo é uma questão de barganha bem medida na mesa de negociações. Apenas um complexo de inferioridade freudiano talvez poderia explicar (mas não justificar) o temor de negociar um acordo comercial com a principal potência planetária, como se todas as vantagens devessem, por algum mandamento de inspiração divina, ficar apenas de um lado da mesa. Se isto fosse verdade, o Congresso americano não teria votado uma autorização negociadora - o TPA - tão cheia de condicionalidades, como se observou no caso de produtos agrícolas e outras normas relativas a defesa comercial. Ainda assim, algo está excluído da barganha negociadora? Não consta, o que talvez explique, uma vez mais, a crescente agitação dos “brancagliones” do Norte e do Sul.

Em relação à posição dos opositores, parece ter ocorrido um processo de “colonização mental”, pelo qual os slogans, argumentos e bandeiras do Norte - mas não os verdadeiros motivos - são sutilmente transferidos para seus “irmãos” do Sul, que assumem essas propostas sem maior espírito crítico, ou sem refletir devidamente onde estão os reais interesses dos trabalhadores latino-americanos. Com efeito, não basta querer “bloquear a Alca” - o que de toda forma seria um procedimento tremendamente autoritário, pois que não respondendo a qualquer tipo de consulta popular ou a algum debate democrático por parte da representação eleita da população -, pois seria preciso explicar claramente porque se pretende fazê-lo.

Alguns setores julgam ter a chave explicativa. Para Dom Demétrio Valentini, da CNBB, a razão é muito simples: “Na verdade, o que está em jogo é a soberania dos países da América Latina. Com o Nafta e a Alca se pretende desencadear um processo de recolonização, valendo-se dos tentáculos da dependência financeira, da submissão tecnológica e da impotência militar.” Alguém acredita mesmo que um acordo comercial tem todo esse poder? E justo agora, que o México acaba de denunciar, contra a vontade do Império, o Tiar, essa “relíquia da Guerra Fria”, nas palavras de seu presidente? Como a justificativa da “defesa da soberania” carece de qualquer fundamento real - e é de fato frágil, teórica e empiricamente -, caberia demonstrar que a Alca se opõe aos interesses dos trabalhadores da América Latina, potencialmente o setor mais numeroso e supostamente o centro dos interesses dos militantes antialcalinos.

Sabemos as razões que motivam os mais ferrenhos opositores da Alca ao norte do hemisfério: a ameaça da perda de emprego, o que de certa forma legitima a luta dos seus representantes sindicais e dos políticos eleitos nos distritos do “velho capitalismo” ou das áreas protegidas por altas tarifas e subvenções estatais. Mas o que justificaria a oposição de militantes ditos progressistas ao sul do continente? Seria apenas o desejo de contrariar os desígnios do Império? Algum motivo mais nobre, de natureza positiva, por exemplo, e não apenas negativa?

Gostaria sinceramente de encontrar motivos racionais, devidamente justificados, que possam motivar a tremenda “batalha campal” contra a Alca que se avizinha, da parte dos vários exércitos brancaleônicos que se mobilizam ao sul e ao norte do hemisfério. Como tenho absoluta certeza de que as tropas ao Norte querem mesmo é defender os seus empregos ameaçados, fico-me perguntando por qual razão, exatamente, as milícias do Sul contribuem para o eventual sucesso dessa postura defensiva, contra os interesses dos trabalhadores da região, supostamente beneficiados por essa “captura” de empregos?

Em última instância, na verdade, quem vai determinar o êxito ou o fracasso do projeto da Alca não são nem os negociadores diplomáticos, nem os seus opositores pouco diplomáticos, mas essencialmente o “punhado” - um grande punhado - de protecionistas do Congresso americano. Está com eles a chave do sucesso ou da frustração desse processo, e até agora o cenário está mais para a segunda do que para a primeira hipótese. Isso não impede, porém, que o debate seja conduzido em todos os quadrantes de nossas sociedades, segundo as boas regras do velho método socrático: questionar, perguntar, inquirir, ver onde estão as evidências e depois tentar chegar a alguma conclusão na qual todos os contendores possam encontrar fundamentos lógicos e razoabilidade empírica.

Quero crer, também, que uma “outra América é possível”, uma que não seja dominada, no horizonte previsível, pela praga do subdesenvolvimento social e educacional, pela iniqüidade na distribuição de renda, pela corrupção generalizada e pela perda geral de esperança em um futuro melhor. Tampouco acredito que esteja em poder de uma eventual Alca trazer esse futuro “radioso”, pois ela não tem essa missão histórica. Mas tenho razões para suspeitar que o “não à Alca” representa, sim, a certeza de que nada de importante vai ocorrer no cenário latino-americano em termos de, pelo menos, promessas de mudança. Seria essa a perspectiva que nos apontam os antialcalinos?

Gostaria, por fim, como eles, de “propor a construção de novos caminhos de integração continental, baseados na democracia, na igualdade, na solidariedade, no respeito ao meio ambiente e nos direitos humanos.” Creio que se trata de objetivos nobres, razoáveis e de fato desejáveis para todos os povos do hemisfério, embora alguns deles desfrutem desses valores em melhores condições e com maior intensidade do que outros. Trata-se, portanto, de melhorar a “repartição” desses “bens intangíveis”, ou mais propriamente de criá-los, pois em muitos lugares eles ainda não existem.

Não sei em que a luta contra a Alca nos aproxima desses objetivos, ou talvez sua implementação não represente, de fato, quaisquer mudanças decisivas nesses campos. Não temos certeza do que pode ou não ocorrer com a hipotética e malfadada Alca. Uma certeza, porém, se poderia ter, desde já, observando-se o registro do passado: a preservação dos mesmos cenários de “autonomia soberanista” e de “modelos econômicos não dependentes” na América Latina não apresenta um bom resultado histórico em termos de promoção daqueles valores. Quem sabe não estaria na hora de mudar um pouco o velho discurso que nos acompanha há várias décadas? Com a palavra os antialcalinos (mas, por favor, com explicações mais credíveis, desta vez).

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Paulo Roberto de Almeida é escritor e diplomata em Washington.
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.