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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Rumo a um Novo Paradigma em Economia Monetária (Joseph Stiglitz) - Resenha Paulo R Almeida

Mais uma resenha minha publicada na revista do Ipea:


5. “Entre a economia e as relações internacionais”, Brasília, 24 setembro 2004, 3 p. Resenha de Joseph Stiglitz e Bruce Greenwald: Rumo a um Novo Paradigma em Economia Monetária (São Paulo: Francis, 2004, 440 p.). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 3, outubro 2004, p. 77; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1751:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1331. Relação de Publicados nº 525.

Entre a economia e as relações internacionais

Resenha de
Joseph Stiglitz e Bruce Greenwald
Rumo a um Novo Paradigma em Economia Monetária
São Paulo: Francis, 2004, 440 p.

            A moeda é irrelevante. O crédito é que é importante. Estas poderiam ser as duas lições sintéticas deste livro, tão denso de argumentos quanto elegante na redação (a despeito das muitas equações e gráficos de tendência). Ele poderia ainda ostentar como subtítulo: o crédito global e seus benefícios.
            Com efeito, à diferença do seu libelo anterior contra a economia global e o FMI (A Globalização e seus malefícios), ou da sua história compacta (e imediata) sobre Os Exuberantes Anos 90, este livro deixa a atmosfera carregada das manifestações anti-globalização para penetrar no ambiente geralmente mais circunspecto dos cenáculos dedicados aos debates teóricos. Como indica sua apresentação, ao contrário da teoria monetária prevalecente, este livro se concentra “não no papel da moeda como facilitador de transações, mas no papel do crédito como facilitador de atividades econômicas de maneira geral”. O novo “paradigma” referido no título enfatiza a demanda e a oferta de fundos de empréstimo, o que requer a compreensão das imperfeições da informação e do papel dos bancos.
O livro derivou de palestras que os autores deram em 1999 a convite da Banca Commerciale Italiana e da Università Commerciale Luigi Bocconi, leituras que tinham o propósito de unir teoria econômica e prática política, fazendo, justamente, a junção entre a economia que se estuda nas academias e a realidade da economia global. Os dois pesquisadores universitários vinham trabalhando suas teses por quase duas décadas, quando o trabalho teórico foi interrompido ao longo de sete anos, quando Stiglitz assumiu os cargos de presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Bill Clinton, depois como economista chefe e vice-presidente do Banco Mundial, período no qual ele se desentendeu com seus colegas do FMI pela maneira como eles estavam administrando a série de crises financeiras dos países asiáticos. Esse período tumultuado ofereceu, aparentemente, um campo de teste para essas idéias e eles saíram convencidos de que não apenas elas estavam certas, como eram importantes e relevantes: “se as perspectivas de política monetária que estávamos desenvolvendo tivessem sido amplamente adotadas, o FMI poderia ter administrado muito melhor a crise financeira global de 1979-1999”.
É possível, mas, assim como os caminhos do inferno, os itinerários da “história virtual” (what if?) ‑ o “se” que a frase acima explicita ‑, podem estar pavimentados de boas intenções: não saberemos jamais se os exercícios de “economia alternativa”, propostos de forma estridente por Stiglitz a partir de seu escritório no BIRD, disparando rajadas de petardos oratórios contra seus colegas do FMI, teriam ou não sido mais eficientes na superação das crises financeiras, do que as medidas contracionistas recomendadas pelo Fundo.
Pode ser, mas o teste real já não pode mais ser realizado, e temos de nos contentar com este tratamento relativamente pioneiro de questões importantes da economia monetária, descrito por eles mesmos como um “desafio à ortodoxia”. O ponto mais importante do livro está justamente em ressaltar que o crédito não é uma mercadoria igual às outras e que os manuais de economia, que se concentram na moeda como meio de troca, falham redondamente em seus objetivos conceituais. O livro se situa, assim, no campo da economia institucional, já que ele ressalta o papel central dos bancos no sistema de crédito, um sistema de “equilíbrio geral” de crédito mais amplo cujas interdependências são tão importantes quanto aquelas tradicionalmente discutidas nos mercados de bens e serviços.A parte empírica do livro toma embasamento nas relações monetárias e nas práticas de política monetária ocorridas nos Estados Unidos e em outros países, no período recente ou ao longo das últimas décadas, quando mudanças importantes ocorreram na estrutura institucional do sistema bancário. Os autores argumentam que as mudanças nas relações monetárias ao longo do tempo e as diferenças entre os países podem estar ligadas às variações institucionais no sistema bancário. Em momentos de crise, a política monetária passa a desempenhar um papel crucial e é aí, acreditam os autores, que os modelos tradicionais de economia monetária falham de maneira dramática. Eles argumentam que “a incapacidade de entender aspectos cruciais das instituições financeiras e de suas mudanças está por trás de alguns fracassos recentes das políticas macroeconômicas, incluindo a recessão dos Estados Unidos em 1991 e as severas recessões e depressões do Leste Asiático que começaram em 1997”.
Pode-se concordar com os principais argumentos dos autores, tanto em sua coerência intrínseca do ponto de vista da teoria econômica como de sua utilidade prática do ponto de vista das políticas efetivamente aplicadas, mas dificilmente se poderia argüir que o foco principal deste novo “paradigma” de economia monetária é realmente novo ou inédito. Afinal de contas, desde o Renascimento, banqueiros como os Médici, os Pazzi e os Strozzi, na Florença de Maquiavel, já tinham percebido que a moeda em si não era relevante para sua atividade de banqueiros “multinacionais” (ou em todo caso, multi-europeus e mediterrâneos): foram eles, afinal, que criaram essa nova tecnologia revolucionária para a história do capitalismo, que se chama crédito (ainda que na forma de saque bancário), liberando o comércio das restrições anteriores e criando uma “economia global” da ponta setentrional do continente europeu até os portos do Oriente Próximo, então conhecido como Levante. Os banqueiros são os verdadeiros heróis da economia monetária, nos tempos turbulentos de Maquiavel, ou nos tempos turbulentos da globalização financeira, tão bem analisada neste livro “paradigmático”.

Paulo Roberto de Almeida

A voracidade tributaria da Uniao (e inconstitucional tambem) - DCI

Diaário do Comércio e Indústria, 30/01/12 - 00:00 > POLÍTICA

Governo retém verba de município, diz Lima


Brasília - A União não só se apodera da maior e melhor fatia do bolo tributário do País - cerca de 60% - como ainda retém recursos que deveriam ser repassados para estados e municípios. Nos últimos três anos, o valor travado ficou em R$ 6,7 bilhões e ainda falta liberar outros R$ 4 bilhões.

Quem reclama é o deputado federal Júlio César Lima (PSD-PI), especialista em tributos, ex-prefeito de Guadalupe (PI) e presidente da Frente Parlamentar Municipalista.

Fala com conhecimento na condição de procurador fiscal aposentado e autor de livro que trata sobre a questão dos repasses da União - Brasil em Dados Comparados das Unidades Federadas.

"Somando-se tudo isso, nós teremos dinheiro suficiente, pago aos estados e municípios através dos órgãos responsáveis, para que os investimentos já feitos não sejam perdidos, e as ações executadas pelos prefeitos tenham uma continuidade", protestou, em entrevista exclusiva ao DCI. Ele promete cobrar uma solução depois da reabertura do Congresso, no próximo dia 1º de fevereiro.

Em defesa de mais recursos para os municípios, Lima não acredita que isso aumente os casos de corrupção que têm levado à cassação de vários prefeitos. "Todas as obras feitas pelos prefeitos são as mais baratas do Brasil quando se analisa o custo da obra, dividido por habitante", opina.

DCI: Neste momento, qual é o projeto que mais toma espaço e tempo na Frente Parlamentar Municipalista?
Júlio César Lima: Um deles acontece dentro da Comissão de Finanças e Tributação, da qual sou membro titular, para que o governo, por meio da Receita, possa ser mais transparente. Por diversas vezes eu tenho identificado a retenção de recursos não compartilhados com estados e municípios, através do FPM [Fundo de Participação dos Municípios], principalmente. Esses recursos são oriundos do Refis 1, 2, 3, 4 e do Refis da Crise. Além do Refis, tem também o refinanciamento de dívidas administrativas e depósitos judiciais que nos dois últimos anos, 2010 e 2011, nós fizemos a União pagar, através da classificação da Receita e do Tesouro Nacional, R$ 6,7 bilhões para o FPM [Fundo de Participação dos Municípios], o FPE [Fundo de Participação dos Estados] e o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]. Ainda mais: como não tínhamos como classificar esses recursos, o fizeram provisoriamente, por meio da Portaria 232/09, que autoriza a classificação provisória. Mas essa portaria também diz que, logo em seguida, deve ser feita a definitiva, e o governo nunca, nunca, fez a classificação definitiva. Então, os municípios têm uma diferença significativa a receber. E o governo nos prometeu que pagaria tão logo fosse definida a consolidação dos restos a pagar. Isso era para ter sido feito em dezembro, e depois foi transferido para janeiro, mas, até hoje, ninguém se manifestou. Nós estamos atentos à reabertura dos trabalhos legislativos, no próximo dia 2, para que possamos reivindicar esse direito dos municípios. 

DCI: Por que o governo demora tanto a repassar esses recursos?
JC: O governo diz que tem dificuldade de classificar esses recursos. Eu já entendo diferente. Se eles tivessem boa vontade e menos negligência, todo o processo poderia ser feito com mais agilidade. Eles pagaram de 2009 a 2011 os R$ 6,7 bilhões e calculo que eles ainda devem pagar mais ou menos a mesma quantia. O importante é que nós continuemos lutando, pois, se ninguém se manifestar, aí, sim, eles não vão pagar nunca. Estamos também sempre exigindo mais transparência de todo esse processo. Eu já propus que quando o contribuinte pagar seu imposto seja colocado o percentual no próprio site, pois, assim, tudo poderá ser verificado em tempo real. Agora, a nossa luta é em relação ao Refis, nós queremos que aconteça a mesma coisa.

DCI: E o senhor tem ideia de quanto ainda falta pagar?
JC: Eu estimo em pelo menos R$ 4 bilhões a mais. Isso sem contar com o que foi arrecadado pelo Refis da Crise nos meses de outubro a dezembro. Somando-se tudo isso, eu acredito que nós teremos dinheiro suficiente, pago aos estados e municípios através dos órgãos responsáveis, para que os investimentos já feitos não sejam perdidos e para que as ações executadas pelos prefeitos tenham uma continuidade.

DCI: Sobre os royalties do pré-sal, há algo que a Frente pretende fazer para reivindicar esse direito?
JC: Nós vamos lutar com toda a nossa força política dentro da Frente Parlamentar para que o projeto sobre os royalties do petróleo seja votado. É inconcebível que o governo use de alguns instrumentos para adiar essa votação. Porque todos os royalties produzidos pelo petróleo e principalmente do pré-sal vem do mar. Logo, o mar pertence à União e a União é de todo o povo brasileiro. Nós queremos mudar e mudar com responsabilidade. Nós queremos que o País cresça e que todos os estados cresçam e usufruam desse privilégio, principalmente os estados das regiões mais pobres, do norte e nordeste do Brasil, precisam de mais recursos. Nós entendemos que o critério mais justo é do FPE, mais compensador e redistribuidor, o que diminui a diferença entre ricos e pobres é a divisão.

DCI: A qual outro projeto a Frente pretende se dedicar em 2012?
JC: Nós vamos lutar para a Reforma Tributária. Essa reforma precisa ser focada um pouco mais na redistribuição compensatória da carga tributária brasileira. O atual sistema fiscal é muito injusto e concentra muito o dinheiro na mão dos ricos em detrimento dos pobres. A grande diferença está na tributação do ICMS, que é maior do que o Imposto de Renda, do que o Cofins e do que as contribuições previdenciárias. Nós queremos que essa tributação do ICMS seja no destino e no consumo, como já é com os três maiores contribuintes da atividade, que são energia, comunicação e petróleo. Esperamos que fazendo isso possamos atribuir uma capacidade de arrecadar mais nos estados mais necessitados, como no nordeste, que precisa desta redistribuição do ICMS para comprar no destino, não na origem.

DCI: O que atrasa o crescimento dos municípios brasileiros?
JC: O povo brasileiro não mora nem na União nem nos estados, mas sim nos municípios. E é lá que nós temos os problemas que precisamos resolver para proporcionar melhor qualidade de vida aos brasileiros. Cada município tem um gestor que está diretamente relacionado com seu povo e sua gente. Todas as obras feitas pelos prefeitos são as mais baratas do Brasil quando se analisa o custo da obra, dividido por habitante. E entendo que, nestes 10 anos do pacto federativo, os municípios, que têm cerca de 16% de toda a arrecadação de tributos da União, possam aumentar essa arrecadação para 20% ou 22%; os estados, que têm torno de 24%, possam chegar aos 30%; e a União, que tem cerca de 60%, possa cair para 50% ou 40%. Dessa forma, estaremos transferindo a responsabilidade para os municípios. E eu acredito que mesmo com todas as anomalias - como corrupção, que infelizmente se propaga no meio político, principalmente entre os prefeitos, que são maior número -, com ação eficaz dos órgãos fiscalizadores, teremos um resultado muito melhor do que temos hoje. Precisamos descentralizar os recursos, atender melhor as condições de cada município, para consequentemente, darmos assistência ao que mais precisa.

DCI: Por que os prefeitos são os políticos que mais têm suas contas contestadas e mais têm sofrido pedidos de cassação?
JC: Na minha opinião, quanto mais fragilizado o ente federado, mais fragilizados seus ocupantes, os prefeitos. Como eu já disse, eles estão em maior número. No Brasil são mais de cinco mil. Também vemos que os municípios não são bem municípios e não possuem assessorias essencialmente qualificadas, como nos estados. Por isso os municípios acabam ficando mais frágeis e suscetíveis a erros, sendo assim, mais prejudicados.

domingo, 29 de janeiro de 2012

As causas da pobreza no Brasil (Simon Schwartzman) - resenha Paulo R Almeida

Mais uma resenha publicada na revisa do Ipea, provavelmente em formato reduzido. Reproduzo ambos.



4. “As causas da pobreza no Brasil”, Brasília, 26 agosto 2004, 2 p. Resenha de Simon Schwartzman, As Causas da Pobreza (Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 208 p.). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 2, setembro 2004, p. 77; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1750:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1320. Relação de Publicados nº 474.
As causas da pobreza no BrasilImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
livro-pobreza
O Brasil é ao mesmo tempo uma grande economia industrializada e uma das sociedades mais desiguais do planeta, exibindo um número anormalmente elevado de pobres e um grau de concentração de riqueza superior ao de muitos países mais pobres. Simon Schwartzman foi presidente do IBGE entre 1994 e 1998, além de ter exercido cargos governamentais e acadêmicos, o que o habilita a discorrer como poucos sobre esse aspecto mais visível da "questão nacional". Autor de outras obras, como o clássico de 1988 sobre as bases do autoritarismo (que pode ser consultado em sua página www.schwartzman.org.br/simon/, onde também figura este livro), ele nos brinda agora com uma reflexão metodologicamente embasada e empiricamente sustentada. Conclui que não há solução de curto prazo para o problema da pobreza no Brasil. "Tudo é fácil de dizer e dificílimo de fazer. A construção de uma sociedade competente, responsável, comprometida com os valores da eqüidade e justiça social, e que não caia na tentação fácil do populismo e do messianismo político, é uma tarefa de longo prazo e que pode não chegar a bom termo". Oxalá possamos desmentir esse diagnóstico. As causas da nossa pobreza já conhecemos. Falta, talvez, coragem para enfrentar o problema.

As causas da pobreza no Brasil

Resenha de:
Simon Schwartzman
As Causas da Pobreza
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 208 p.

            O Brasil é um país único no mundo por ser, ao mesmo tempo, uma grande economia industrializada, dotada de razoável capacitação técnica e ampla base competitiva, e uma das sociedades mais desiguais do planeta, exibindo um número anormalmente elevado de pobres e um grau de concentração de riqueza (o famoso índice de Gini) que é, provavelmente, o dobro da média mundial e bem superior ao de muitos outros países mais pobres. Essa contradição é verdadeiramente excepcional e ela deveria envergonhar todas e cada uma das lideranças políticas brasileiras toda vez que um indicador social é publicado pelos institutos oficiais de estatísticas como o IBGE.
            Simon Schwartzman foi, justamente, presidente do IBGE entre 1994 e 1998, além de ter exercido vários outros cargos governamentais e acadêmicos, o que o habilitou a discorrer como poucos sobre esse aspecto mais visível da “questão nacional” brasileira. Autor de muitas outras obras, como o clássico de 1982 sobre as bases do autoritarismo brasileiro (que pode ser consultado em sua página http://www.schwartzman.org.br/simon/, onde também figura este livro), ele nos brinda agora com uma reflexão metodologicamente embasada e empiricamente sustentada sobre as razões deste nosso “excesso” de pobres (comparativamente a outros países em situações comparáveis). Vários dos estudos aqui incluídos já tinham sido anteriormente publicados, mas sua consolidação num único volume permite seguir o pensamento de Simon Schwartzman (e de alguns de seus colaboradores, como Elisa Reis) numa gama de tópicos que, se não “esgota” o tema das causas da pobreza no Brasil, pelo menos contribui para uma análise objetiva, cientificamente embasada, desprovida das paixões que habitualmente obscurecem o diagnóstico e as “terapias” corretoras sobre o grande problema que nos envergonha aos olhos do resto do mundo.
            O primeiro capítulo é basicamente histórico, remontando as origens de nossa alta concentração de pobres por metro quadrado, o que redunda em falar da escravidão, descartando as visões classistas tradicionais para aprofundar a discussão em torno do nosso “capitalismo defeituoso”, bem como das limitações do nosso “Estado de bem-estar social” e suas patentes iniqüidades sociais. No segundo capítulo, Schwartzman e Elisa Reis examinam diferentes aspectos sociais e políticos da pobreza e da exclusão social no Brasil, mapeando os temas relevantes para esse estudo (que são os canais “clássicos” para o exercício da cidadania, como educação, saúde, justiça, seguridade social, regulação trabalhista, além de outros novos, como a representação político-partidária, os sindicatos e igrejas e as associações voluntárias). Como eles escrevem, “existem amplas evidências empíricas de que a educação é o principal correlato da desigualdade de renda no Brasil, muito mais importante do que outros condicionantes, como a raça, o gênero ou a região de residência das pessoas” (p. 42).
            O terceiro capítulo aproveita, justamente, a experiência do autor como presidente do IBGE, focando em especial a produção de estatísticas em geral (inflação, população, cor e raça, emprego e desemprego) e em especial sobre a pobreza. Como medir a pobreza é um problema sério no Brasil, uma vez que, dependendo do método usado, os números podem variar de 8 a 64 milhões de pessoas (para uma população, à época, de 170 milhões). Pobreza absoluta e pobreza relativa são aparentemente simples de se definir, mas a situação se complica quando se trata de medir a renda ou de definir o que é “necessidade básica”. O Banco Mundial utiliza o critério de um dólar por dia, como linha de pobreza, mas isso não é consensual, como parece óbvio. A conclusão do autor é que estudos globais sobre situações de pobreza, a partir de estatísticas sólidas e representativas, “precisam estar acompanhados de estudos em profundidade sobre grupos e situações específicas, sem os quais se torna muito difícil implementar e avaliar políticas adequadas de redução de pobreza” (p. 97-98).
            O quarto capítulo trata de raça e etnia, temas notoriamente controversos em função da fluidez das fronteiras ou da inexistência de barreiras efetivas entre as diferentes etnias e subculturas que coexistem no Brasil. É evidente que os negros ganham menos dos que os brancos no Brasil, mas o autor reafirma a evidência empírica de que é “a educação, e não a cor, a raça ou a origem, o grande fator de desigualdade na sociedade brasileira” (p. 113). O quinto capítulo aborda o trabalho infantil, utilizando dados da PNAD entre 1992 e 2001. Não se trata, em muitos casos, de necessidade de complementação da renda familiar, mas de uma cultura vinculada ao trabalho agrícola doméstico, além, obviamente, de ser uma decorrência da má qualidade do sistema educacional, que não consegue “segurar” os jovens depois da adolescência.
            O sexto capítulo aborda o tema da educação básica, cuja característica básica, mencionada acima, é o principal fator de desigualdade e da pobreza, não apenas no Brasil, mas em toda a região latino-americana. O autor não confia muito na capacidade do Estado em resolver esse grave problema, depositando suas esperanças na própria sociedade, que conquistaria por si só aquilo que o Estado não consegue proporcionar. É um dos capítulos mais extensos, e que mais mereceria abordagem em detalhe, bastando entretanto com assinalar que esse problema mereceria muito mais atenção do que o normalmente concedido por governos comprometidos com as elites universitárias.
            O autor conclui, de forma talvez pessimista, dizendo que não há solução de curto prazo para o problema da pobreza no Brasil, sendo necessários vontade política, compromisso com os valores da igualdade social e dos direitos humanos, uma política econômica adequada, que gere recursos, um setor público eficiente e políticas específicas nas áreas da educação, saúde, trabalho, proteção à infância e do combate à discriminação social, entre outras. Como ele mesmo confessa: “Tudo é fácil de dizer, e dificílimo de fazer. A construção de uma sociedade competente, responsável, comprometida com os valores da eqüidade e justiça social, e que não caia na tentação fácil do populismo e do messianismo político, é uma tarefa de longo prazo e que pode não chegar a bom termo” (p. 189). Oxalá possamos desmentir esta última parte desse diagnóstico tão preciso quanto realista da nossa realidade presente. As causas da nossa pobreza já conhecemos, graças inclusive ao trabalho competente do autor. Falta, talvez, coragem para enfrentar o problema de frente.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 agosto 2004