Mais uma resenha minha publicada na revista do Ipea:
Entre a economia e as relações internacionais
Resenha de
Joseph Stiglitz e Bruce Greenwald
Rumo a um Novo
Paradigma em Economia Monetária
São Paulo: Francis, 2004, 440 p.
A
moeda é irrelevante. O crédito é que é importante. Estas poderiam ser as duas
lições sintéticas deste livro, tão denso de argumentos quanto elegante na
redação (a despeito das muitas equações e gráficos de tendência). Ele poderia
ainda ostentar como subtítulo: o crédito global e seus benefícios.
Com
efeito, à diferença do seu libelo anterior contra a economia global e o FMI (A Globalização e seus malefícios), ou da
sua história compacta (e imediata) sobre Os
Exuberantes Anos 90, este livro deixa a atmosfera carregada das
manifestações anti-globalização para penetrar no ambiente geralmente mais
circunspecto dos cenáculos dedicados aos debates teóricos. Como indica sua
apresentação, ao contrário da teoria monetária prevalecente, este livro se
concentra “não no papel da moeda como facilitador de transações, mas no papel
do crédito como facilitador de atividades econômicas de maneira geral”. O novo
“paradigma” referido no título enfatiza a demanda e a oferta de fundos de
empréstimo, o que requer a compreensão das imperfeições da informação e do
papel dos bancos.
O livro
derivou de palestras que os autores deram em 1999 a convite da Banca
Commerciale Italiana e da Università Commerciale Luigi Bocconi, leituras que
tinham o propósito de unir teoria econômica e prática política, fazendo,
justamente, a junção entre a economia que se estuda nas academias e a realidade
da economia global. Os dois pesquisadores universitários vinham trabalhando
suas teses por quase duas décadas, quando o trabalho teórico foi interrompido
ao longo de sete anos, quando Stiglitz assumiu os cargos de presidente do Conselho
de Assessores Econômicos do presidente Bill Clinton, depois como economista
chefe e vice-presidente do Banco Mundial, período no qual ele se desentendeu
com seus colegas do FMI pela maneira como eles estavam administrando a série de
crises financeiras dos países asiáticos. Esse período tumultuado ofereceu,
aparentemente, um campo de teste para essas idéias e eles saíram convencidos de
que não apenas elas estavam certas, como eram importantes e relevantes: “se as
perspectivas de política monetária que estávamos desenvolvendo tivessem sido
amplamente adotadas, o FMI poderia ter administrado muito melhor a crise
financeira global de 1979-1999”.
É possível,
mas, assim como os caminhos do inferno, os itinerários da “história virtual”
(what if?) ‑ o “se” que a frase acima explicita ‑, podem estar pavimentados de
boas intenções: não saberemos jamais se os exercícios de “economia
alternativa”, propostos de forma estridente por Stiglitz a partir de seu
escritório no BIRD, disparando rajadas de petardos oratórios contra seus
colegas do FMI, teriam ou não sido mais eficientes na superação das crises
financeiras, do que as medidas contracionistas recomendadas pelo Fundo.
Pode ser, mas
o teste real já não pode mais ser realizado, e temos de nos contentar com este
tratamento relativamente pioneiro de questões importantes da economia
monetária, descrito por eles mesmos como um “desafio à ortodoxia”. O ponto mais
importante do livro está justamente em ressaltar que o crédito não é uma
mercadoria igual às outras e que os manuais de economia, que se concentram na
moeda como meio de troca, falham redondamente em seus objetivos conceituais. O
livro se situa, assim, no campo da economia institucional, já que ele ressalta
o papel central dos bancos no sistema de crédito, um sistema de “equilíbrio
geral” de crédito mais amplo cujas interdependências são tão importantes quanto
aquelas tradicionalmente discutidas nos mercados de bens e serviços.A parte
empírica do livro toma embasamento nas relações monetárias e nas práticas de
política monetária ocorridas nos Estados Unidos e em outros países, no período
recente ou ao longo das últimas décadas, quando mudanças importantes ocorreram
na estrutura institucional do sistema bancário. Os autores argumentam que as
mudanças nas relações monetárias ao longo do tempo e as diferenças entre os
países podem estar ligadas às variações institucionais no sistema bancário. Em
momentos de crise, a política monetária passa a desempenhar um papel crucial e
é aí, acreditam os autores, que os modelos tradicionais de economia monetária
falham de maneira dramática. Eles argumentam que “a incapacidade de entender
aspectos cruciais das instituições financeiras e de suas mudanças está por trás
de alguns fracassos recentes das políticas macroeconômicas, incluindo a
recessão dos Estados Unidos em 1991 e as severas recessões e depressões do
Leste Asiático que começaram em 1997”.
Pode-se
concordar com os principais argumentos dos autores, tanto em sua coerência
intrínseca do ponto de vista da teoria econômica como de sua utilidade prática
do ponto de vista das políticas efetivamente aplicadas, mas dificilmente se
poderia argüir que o foco principal deste novo “paradigma” de economia
monetária é realmente novo ou inédito. Afinal de contas, desde o Renascimento,
banqueiros como os Médici, os Pazzi e os Strozzi, na Florença de Maquiavel, já
tinham percebido que a moeda em si não era relevante para sua atividade de
banqueiros “multinacionais” (ou em todo caso, multi-europeus e mediterrâneos):
foram eles, afinal, que criaram essa nova tecnologia revolucionária para a
história do capitalismo, que se chama crédito (ainda que na forma de saque
bancário), liberando o comércio das restrições anteriores e criando uma
“economia global” da ponta setentrional do continente europeu até os portos do
Oriente Próximo, então conhecido como Levante. Os banqueiros são os verdadeiros
heróis da economia monetária, nos tempos turbulentos de Maquiavel, ou nos
tempos turbulentos da globalização financeira, tão bem analisada neste livro
“paradigmático”.
Paulo
Roberto de Almeida