Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
A IMENSA riqueza contida nas bibliotecas especiais do Itamaraty: algumas fotos parciais
Busto de Antônio Francisco Azeredo da Silveira,
o "patrono" da Biblioteca do MRE
Paulo Roberto de Almeida
Os que me conhecem sabem que eu me descrevo, desde muito, como um "rato de biblioteca", literalmente, expressamente, deliberadamente. Sempre conversei com bibliotecárias para percorrer as estantes internas das bibliotecas que eu frequentei, com destaque para a do Instituto de Sociologia da Universidade Livre de Bruxelas (a do Instituto, não a central, inacessível), onde estive por quatro anos, de 1971 a 1975. Depois, passei a percorrer a do Instituto Rio Branco (onde NÃO estudei, mas dei aulas) e, sobretudo a central do Itamaraty, descendo ao subsolo do Bolo de Noiva para olhar eu mesmo os livros disponíveis, intermináveis.
Mas, uma coisa é pesquisar no catálogo, impessoal e rígido, outra é percorrer estantes, sempre organizadas segundo as classificações decimais igualmente rígidas, por vezes até irracionais, usadas há décadas nas bibliotecas acadêmicas. OUTRA COISA, muito mais agradável, é percorrer bibliotecas PESSOAIS, e descobrir pequenos e grandes tesouros, alguns com dedicatórias reveladoras. Aliás, revelo aqui que tive o imenso prazer, e a surpresa, de descobrir, percorrendo aquelas estantes indevassadas por décadas, um livro, a primeira obra dedicada ao exame do Budget Brésilien, escrito em 1849 pelo ministro belga no Rio de Janeiro e enviado ao Varnhagen em Madrid, em 1852, com uma bela dedicatória em francês, como o livro, um grosso volume de proproções razoáveis. A surpresa é que o livro NUNCA tinha sido aberto, pois tinha as páginas coladas (in octavo, suponho) e fui o primeiro a percorrê-las em 150 anos.
Bem, digo tudo isto pois minhas visitas às bibliotecas pessoais de doadores de suas coleções à Biblioteca do Itamaraty contemplam todas as surpresas esperadas e não esperadas pelos bibliófilos terminais como este que aqui escreve.
Vou postar algumas fotos de algumas dessas bibliotecas, mas convido a todos a uma visita.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12/12/2024
Biblioteca de Jayme Azevedo Rodrigues, a mais atraente para os que se dedicam às relações econômicas internacionais e política internacional na era da Guerra Fria.
Agora a coleção do Miguel Ozório de Almeida, filho de um famoso cientista do início do século XX, e que tem uma biblioteca voltada basicamente para a economia e questões de desenvolvimento econômico.
Passo para uma das bibliotecas mais ricas do ponto de vista das relações exteriores e da diplomacia brasileiras, pois que feita pelo Mario de Pimentel Brandão, embaixador em postos de importância e ministro interino durante o Estado Novo, "sobrevivente" até a República de 1946. Para os fanáticos pela história diplomática...
Ronald de Carvalho possui uma das mais ricas coleções de literatura brasileira e estrangeira, com preciosidades e raridades, talvez a segunda maior biblioteca de todas as particulares.
Durante os sete anos em que foi Secretário Geral do Itamaraty, sob Lula 1 e 2, Samuel Pinheiro Guimarães recebeu livros de todo mundo, vários com dedicatórias elogiosas, mas a sua bibliteca tem livros até dos tempos em que ele estudava economia em Boston, ainda nos anos 1960. Continuou acumulando livros durante mais de meio século; sua coleção é realmente relevante, sobretudo para nacionalistas e desenvolvimentistas de todos os costados.
O chefe de Samuel, o mais longevo chanceler da República, e atual assessor presidencial de Lula 3 em assuntos internacionais, chanceler virtual, possuidor de uma das bibliotecas mais ricas em assuntos correntes, basicamente de atualidade.
Chegamos à minha, ainda modesta, pois não constam ainda as centenas de livros sobre relações internacionais, Brasil, América Latina, economia internacional e história econômica.
Finalmente, chegamos à maior coleção de todas, a do embaixador Alvaro Teixeira Soares, ocupando dezenas de estantes de pura diplomacia brasileira, política externa dos países vizinhos, especialmente do Prata e um pouco de todos os demais assuntos que entram na vida dos grandes diplomatas, uma preciosidade.
Para a apresentação de todas as coleções pessoais da Biblioteca do Itamaraty, remeto a esta minha postagem, que discorre brevemente sobre as mais importantes:
Aos 19 anos, fui a Portugal pela primeira vez. Durante uns quinze dias, viajei bastante pelo país. Além de Lisboa, fui ao Porto, a Nazaré, Fátima, ao Mosteiro da Batalha, a Alcobaça, Tomar, Coimbra, Mafra, Sintra e Queluz. Por razões familiares, estive em uma pequena cidade — menos de 11 mil habitantes em 2011 — no Norte, Couto de Cucujães. O nome oficial hoje é Vila de Cucujães, mas para mim o "Vila" nunca substituirá o "Couto". Localiza-se no município de Oliveira de Azeméis, outro nome poético. Anos depois, quando li A Ilustre Casa de Ramires na biblioteca na casa de praia dos meus futuros sogros, pude visualizar o cenário imaginado por Eça de Queirós.
Embora eu tenha voltado muitas vezes depois a Portugal, a alguns desses lugares nunca mais pude ir — a Alcobaça, por exemplo; já ao Couto de Cucujães e a Oliveira de Azeméis, voltei. Em compensação, conheci outros desde então, particularmente no Alentejo e no Algarve. Todos ocupam um lugar especial para mim. Nunca passei um dia triste ou decepcionante em Portugal. Isso seria impossível. Há poucos países tão acolhedores e encantadores.
Minha curiosidade por Lisboa, aos 19 anos, era grande porque, na adolescência, eu sentira forte impressão ao ler em Candide a descrição feita por Voltaire do terremoto de 1755. Queria conhecer a cidade celebremente reconstruída pelo marquês de Pombal. Em sua biografia do marquês, publicada em 1981, Agustina Bessa-Luís escreveu: "Sem esse cataclismo enorme que destruiu Lisboa em 1755, Sebastião José nunca passaria dum arrivista contratado para conceder alvarás [...] Foi preciso que um homem sem vocação filosófica se debruçasse sobre o acontecimento e, armado de coragem, chamasse o seu bem a essa atroz ruína".
Eu não podia prever, aos 19 anos, que minha irmã, ao se casar, iria morar e trabalhar em Portugal, que meus dois sobrinhos nasceriam em Lisboa, e que eu teria sempre um motivo para voltar. Por causa da pandemia, não vejo Titina desde setembro de 2019, quando passei um dia em Lisboa para vê-la.
Ela sempre morou no Chiado, em dois apartamentos sucessivos, até que, em 2020, mudou-se para a Lapa. O fato de eu não conhecer sua nova casa, sua rua, de eu não poder visualizar sua vizinhança é uma prova a mais das aberrações causadas pela pandemia. Na minha imaginação, ela está ainda no Chiado, e eu estou caminhando por ali.
Dos lugares onde nunca morei, Lisboa é, com Paris, aquele onde já estive mais vezes. Paradoxalmente, isso dificultou a seleção de fotos, que me tomou dois fins de semana inteiros e várias noites. Notei que, no meu celular, Lisboa aparece muitas centenas de vezes, mas faltam na galeria abaixo alguns dos lugares que eu mais teria gostado de ilustrar. Não tenho fotos boas do Castelo de São Jorge, da fachada da Livraria Bertrand, da Rua Garrett, do Teatro de São Carlos. Ando pelo Bairro Alto, pelo Chiado, pela Baixa, pela Alfama e pela Mouraria e só pareço me interessar por portas e janelas. As mesmíssimas janelas, em fachadas de azulejos, aparecem nas minhas fotos, ano após ano.
Para cada um de nós existe uma Lisboa própria, individual, que pertence apenas a nós mesmos. Minha mãe, ao saber que eu selecionava fotos para este texto, me perguntou: "Você vai mostrar os jacarandás da Avenida Dom Carlos I? O Mercado da Ribeira renovado? O cedro do Príncipe Real? Os prédios lisboetas ao cair da tarde, quando o pôr do sol os deixa dourados? A minha rua predileta, a de O Século?" Respondi: "Vou mostrar a minha Lisboa, não a tua". Na verdade, a seleção que fiz dependeu, também, da qualidade das fotos disponíveis. Notei haver, nas perguntas de minha mãe, uma alusão a dois amigos que ela adora, Chicô Gouvêa e Paulo Reis, mas não senti ciúmes.
Menciono a Rua de O Século em Um dia em Lisboa, onde descrevo meu roteiro habitual pelas livrarias lisboetas. Inseri ali uma ou outra apreciação sobre pontos da cidade. Mesmo 24 horas em Lisboa, a passeio, são suficientes para dar o gosto de viver. O viajante comerá bem, só verá beleza ao seu redor, não passará muito frio ainda que seja inverno, visitará algum excelente museu — o Gulbenkian é espetacular, e de dimensões humanamente factíveis — e será tratado com afabilidade em todo canto.
Muitas vezes, pensei em escrever sobre o Museu Calouste Gulbenkian. Já me aconteceu de ir lá especificamente para tirar fotos das obras de arte ou dos objetos de minha predileção na coleção, de forma a estar documentado quando me decidisse a descrever a experiência de visitá-lo. Ainda não o fiz.
Há alguns anos, visitei com minha filha o Museu da Farmácia. Foi nessa mesma temporada que a levei ao extraordinário Oceanário. Há o Museu dos Coches, o do Oriente, o do Chiado, o de Arte Antiga, conhecido como das Janelas Verdes, a Casa Fernando Pessoa, o Castelo de São Jorge, o Mosteiro dos Jerônimos, as ruínas do Convento do Carmo, com seu museu arqueológico, e, brilhante novidade inaugurada em 2016, o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), onde já vi excelentes exposições. Cito apenas aqueles onde estive nos últimos anos.
Em um ensaio de 1998 intitulado "Portugal, de minha varanda", Alberto da Costa e Silva narra que o contista Samuel Rawet — e isto é tocante para mim, pois Rawet era amigo de meu pai — emigrou com a família da Polônia para o Rio de Janeiro com dois anos de idade. Só adulto ele esteve novamente na Europa. No caminho de volta para o Brasil, parou em Lisboa, pela primeira vez. Diz Alberto da Costa e Silva: "E teve a sensação de um reencontro feérico. Deixou-se ficar na cidade, em ócio — estava em casa —, por alguns meses. E não perdeu um só dia sem emocionar-se, diante de uma janela, de uma escadaria, de um beco, de uma nesga do Tejo, com o que sabia ser parte da biografia de sua alma".
Lisboa parece imutável, mas é na verdade uma dessas cidades onde, se ficarmos algum tempo sem visitá-las, haverá muitas boas novidades quando regressarmos. Novos restaurantes, novos museus, novos cafés, novas lojas. Em 2016, foi uma surpresa descobrir que o Consulado do Brasil havia se mudado e que, nas suas instalações em um prédio pombalino na praça Luís de Camões, havia agora um hotel chamado Le Consulat. Uma noite, fomos ao bar do hotel, e lembrei, que, uma vez, eu fora àquele mesmo recinto fazer uma procuração.
Por causa da pandemia, imagino que alguns lugares de que gosto terão fechado, nestes dois anos.
Apesar de parecer tão longa esta fase, a Covid, porém, é apenas um momento transitório da humanidade. Voltará o dia em que eu poderei caminhar pelo Terreiro do Paço, almoçar à beira do Tejo, ir às livrarias, tomar um café acompanhado de um pastel de nata, sentar no Jardim do Príncipe Real, passear pela Alfama e a Mouraria, rever os Painéis de São Vicente nas Janelas Verdes, jantar em uma marisqueira, passar uma manhã ou uma tarde em Sintra, e lá comer um cabrito assado com batatas — eu, que nem gosto de carne vermelha — ir à ópera no Teatro de São Carlos e, em algum momento, provar de novo o bacalhau com "azeitonas explosivas" em um dos restaurantes do José Avillez. Leitora, leitor, não me perguntem como, mas as azeitonas realmente estouram na boca.
Voltarei a ver aquela de quem Camões dizia:
E tu, nobre Lisboa, que no mundo Fàcilmente das outras és princesa
Os programas serão sempre maravilhosos, já que feitos com a minha adorável Titina, que transforma a vida em uma aventura incansável de charme, glamour e sedução.