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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004) - resenha Paulo R Almeida


8. “Intérpretes e protagonistas da história econômica brasileira”, Brasília, 13 dezembro 2004, 3 p. Resenha de Fabio Giambiagi, André Villela, Lavínia Barros de Castro e Jennifer Hermann (orgs.), Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004) (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, 432 pág.; ISBN 85-352-1415-1). Publicado na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 6, janeiro de 2005, p. 77; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1760:catid=28&Itemid=23).  Relação de Trabalhos nº 1365. Relação de Publicados nº 536.

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Paulo Roberto de Almeida
Poucos são os livros que, no momento de sua publicação, podem ostentar, de imediato, a classificação de "clássico" ou mesmo de "indispensável". No terreno da teoria econômica, e particularmente no das políticas econômicas, livros costumam ser tão efêmeros quanto as políticas e as circunstâncias históricas que os viram nascer. No que se refere à história e às políticas econômicas da era republicana no Brasil, um exemplo de clássico é a coletânea organizada por Marcelo de Paiva Abreu para sintetizar os primeiros cem anos de experimentos levados a cabo pelos mais distintos regimes políticos: A Ordem do Progresso.

Economia Brasileira Contemporânea é, igualmente, um livro que já nasce clássico, não apenas porque complementa e amplia a discussão iniciada com aquela coletânea publicada em 1989, mas porque descreve e analisa, com rara maestria, o itinerário econômico do Brasil contemporâneo e seus principais problemas: a luta pela estabilidade, o desafio do crescimento sustentado e do desenvolvimento, a restrição externa e a dependência financeira, os problemas da pobreza, da desigualdade distributiva e da baixa qualificação educacional da população brasileira. Isso se deve ao fato de que não apenas os organizadores possuem competência acadêmica, experiência prática e faro político, mas também souberam cercar-se dos melhores nomes. Registre-se que realizaram a proeza, tanto intelectual quanto prática, de reunir dois inimigos da história econômica recente, Antonio Delfim Netto e Gustavo Franco.

O texto de Delfim analisa a evolução da economia brasileira entre 1947 e 2003, com ênfase no processo de desenvolvimento e sua principal restrição: as crises de balanço de pagamentos. Gustavo Franco segue o itinerário da luta contra a inflação e chega ao Plano Real, do qual foi um dos principais formuladores e administradores, até sair no episódio da passagem para o regime de flutuação cambial, em janeiro de 1999. Outros autores comparecem com temas relevantes, como a restrição de poupança (Edward Amadeo e Fernando Montero), as causas do crescimento econômico (Regis Bonelli), seu financiamento (Rogério Studart), a desigualdade distributiva (Lauro Ramos e Rosane Mendonça) e a terrível escassez de educação (Sergio Guimarães Ferreira e Fernando Veloso).

Esses são os eixos temáticos dessa obra verdadeiramente indispensável, mas eles constituem apenas a segunda parte do livro, pois a primeira está dedicada a oferecer, sob responsabilidade dos próprios organizadores (com a colaboração de Sérgio Besserman Vianna), uma visão panorâmica e abrangente de todo o desenvolvimento da economia e da política econômica brasileira entre 1945 e a atualidade. O grande mérito desse livro sobre outras coletâneas, situa-se na combinação do material histórico, de enfoque propriamente cronológico, com a discussão pormenorizada oferecida nos capítulos temáticos.

A obra não se dirige em primeiro lugar aos economistas profissionais, mas fundamentalmente aos estudantes universitários. Também deve interessar ao cidadão comum que busca entender não só as raízes da presente situação - um notável desempenho industrial, um pujante agronegócio, ao lado das mazelas sociais conhecidas e de persistentes desequilíbrios macroeconômicos, seja no plano fiscal e da dívida interna, seja ainda na vilipendiada "dependência financeira externa" - como as causas de nosso frustrante fracasso em alcançar os países de maior desenvolvimento relativo.

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Agora a versão completa: 

Intérpretes e protagonistas da história econômica brasileira

Resenha de:
Fabio Giambiagi, André Villela, Lavínia Barros de Castro e Jennifer Hermann (orgs.),
Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004)
(Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, 432 pág.; ISBN 85-352-1415-1).

            Poucos são os livros que, no momento de sua publicação, podem aspirar  ostentar, de imediato, a classificação de “clássico” ou mesmo de “indispensável”. No terreno da teoria econômica, e particularmente no das políticas econômicas, livros costumam ser tão efêmeros quanto as  políticas e as circunstâncias históricas que os viram nascer, se estiolar em face dos dados teimosos da realidade e caminhar para um lento e inexorável declínio enquanto explicação possível em um dado momento histórico. Trata-se de um pequeno número, assim, os livros que sobrevivem ao embate da realidade e do tempo. No que se refere à história econômica e às políticas econômicas da era republicana no Brasil, um exemplo de clássico é a coletânea organizada por Marcelo de Paiva Abreu para sintetizar os primeiros cem anos de experimentos econômicos levados a cabo pelos mais distintos regimes políticos: A Ordem do Progresso.
            Esta obra coletiva é, igualmente e desde já, um livro que já nasce clássico, não apenas porque ele complementa e amplia a discussão iniciada com aquela coletânea publicada em 1989, mas também porque ele descreve e analisa, com rara maestria, o itinerário econômico do Brasil contemporâneo e seus principais problemas: a luta pela estabilidade macroeconômica, o desafio do crescimento sustentado e do desenvolvimento, a restrição externa e a dependência financeira, os problemas da pobreza e da desigualdade distributiva e da baixa qualificação educacional da população do Brasil. Isso se deve ao fato de que não apenas os organizadores possuem competência acadêmica, experiência prática e grande faro político, mas também porque eles souberam se cercar dos melhores nomes do terreno. Registre-se, desde já, que eles realizaram a proeza, tanto intelectual quanto prática, de reunir no mesmo empreendimento dois protagonistas inimigos da história econômica recente, Antonio Delfim Netto e Gustavo Franco.
            O texto de Delfim, por exemplo, analisa a evolução da economia brasileira entre 1947 e 2003, com ênfase no processo de desenvolvimento e sua principal restrição: as crises de balanço de pagamentos. Já Gustavo Franco, que nunca deixou de criticar o primeiro (por ter produzido crescimento com o terrível legado do inflacionismo estatal), segue o itinerário de luta contra a inflação até o Plano Real, do qual ele foi um dos principais formuladores e administradores, até sair no episódio da passagem para o regime de flutuação cambial, em janeiro de 1999. Outros autores comparecem com temas relevantes, como a restrição de poupança (Edward Amadeo e Fernando Montero), as causas do crescimento econômico (Regis Bonelli), seu financiamento (Rogério Studart), a desigualdade distributiva (Lauro Ramos e Rosane Mendonça) e, last but no the least, a terrível escassez de educação (Sergio Guimarães Ferreira e Fernando Veloso).
            Estes são os eixos temáticos desta obra verdadeiramente indispensável, mas eles constituem apenas a segunda parte do livro, pois a primeira se dedica, numa trajetória propriamente linear, a oferecer, sob responsabilidade dos próprios organizadores (com a colaboração de Sérgio Besserman Vianna), uma visão panorâmica e abrangente de todo o desenvolvimento da economia e da política econômica brasileira entre 1945 e a atualidade. Como bem ressaltam os organizadores, as ênfases das políticas econômicas vão mudando em função dos cenários (interno e externo) cambiantes e dos principais problemas em cada época: crescimento e superação dos gargalos estruturais, políticas de ajuste externo e de combate à inflação, planos de desenvolvimento e de estabilização e, igualmente importante, a própria mudança de enfoque no pensamento dominante: do desenvolvimentismo estatizante e protecionista à abertura da economia e à privatização.
            O grande mérito deste livro, sobre outras coletâneas existentes, situa-se, assim, na combinação do material histórico, de enfoque propriamente cronológico, com a discussão pormenorizada oferecida nos capítulos temáticos. Três temas, aponta o apresentador (Wilson Suzigan), ficaram de fora da coletânea: a industrialização, o desenvolvimento científico e tecnológico e o desenvolvimento regional, mas isso não chega a comprometer um volume equilibrado e abrangente, já que esses problemas perpassam, mais de uma vez, os capítulos históricos ou os temáticos. Os próprios organizadores reconhecem que a questão das finanças públicas também ficou ausente da segunda parte, mas ela já tinha sido objeto de uma obra básica, de caráter teórico e centrada no caso brasileiro, sob a responsabilidade de um dos autores (Fabio Giambiagi, com Ana Cláudia Além). Os capítulos contêm poucos gráficos e tabelas, mas um utilíssimo apêndice estatístico uniformiza a informação quantitativa para o conjunto dos trabalhos individuais, que passam assim a dispor de um referencial comum de indicadores macroeconômicos.
            A obra, cabe ressaltar, não se dirige em primeiro lugar aos economistas profissionais, mas fundamentalmente aos milhares de estudantes das dezenas de cursos universitários, de graduação ou de pós, que têm de, em algum momento, confrontar-se com os problemas reais do desenvolvimento econômico brasileiro. Ela também deve interessar ao cidadão comum, que busca entender não só as raizes da presente situação – um notável desempenho industrial, um pujante agronegócio, ao lado das mazelas sociais conhecidas e de persistentes desequilíbrios macroeconômicos, seja no plano fiscal e da dívida interna, seja ainda na vilipendiada “dependência financeira externa” –, como as causas de nosso frustrante fracasso em alcançar os países de maior desenvolvimento relativo (de fato a distância em relação a eles voltou a aumentar como resultado do baixo crescimento das duas últimas décadas).
            A obra tampouco pretende oferecer, em algum exercício de síntese, uma interpretação única do processo brasileiro de desenvolvimento, tanto porque os autores mantêm independência de pensamento e efoques analíticos distintos: ainda agora, Delfim Netto e Gustavo Franco, para voltar aos mais conhecidos autores, ostentam interpretações divergentes para o que o segundo chama de desenvolvimentismo inflacionista, ao passo que o primeiro  encontra mais pecados nos desequilíbrios externos do que no tratamento heterodoxo da inflação. 
            Trata-se, em todo caso, da mais importante contribuição bibliográfica surgida no mercado editorial dos livros didáticos de alta qualidade nos últimos anos, mas não só isso: o livro também apresenta utilidade para o tomador de decisões, assim como para os destinatários dessas decisões, que somos todos nós. Ele está, em consequência, destinado a permanecer como uma referência indispensável nessas categorias pelos próximos anos.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de dezembro de 2004




Economia Brasileira, historia (Antonio Dias Leite) - resenha Paulo R Almeida

Na continuidade, um livro de um "executor", até mais do que professor, da economia brasileira nos anos do regime militar:


7. “Economia brasileira: um manual teórico-prático”, Brasília, 27 outubro 2004, 3 p. Resenha de Antonio Dias Leite: A Economia Brasileira: de onde viemos e onde estamos (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 4, novembro 2004, p. 77; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1755:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1347. Relação de Publicados nº 527.

Economia brasileira: um manual teórico-práticoImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
livro010
O mercado de livros para-didáticos parece ser dominado, no Brasil, por economistas (e outros especialistas) teóricos, que vivem apenas na academia e em função dos livros, sem contato com o mundo real da produção, do comércio, da administração pública e da economia internacional. Esse não é o caso deste livro. Antonio Dias Leite escreve um grande livro, preenchendo os requisitos do text-book acadêmico, conjugados às melhores qualidades do ensaismo econômico. O autor, que foi o responsável pela primeira estimativa de renda nacional do Brasil, em 1951, e que acumulou vários cargos públicos - inclusive o de ministro de Minas e Energia em dois governos -, possui credenciais acadêmicas impecáveis, além de vasta bibliografia. Ele realizou um tour de force admirável com esta obra, que mereceria converter-se em referência obrigatória nos cursos de economia das faculdades brasileiras de ciências humanas e de estudos sociais aplicados.

O livro tem quatro partes. A primeira, "De onde viemos, onde estamos", é brevíssima, situando o Brasil no contexto mundial, além de introduzir o leitor aos conceitos básicos da disciplina. A segunda, "Economia essencial", responde à vocação acadêmica do livro, com descrições do processo produtivo, dos fatores de produção e do substrato físico da economia, ademais das interações entre micro e macroeconomia. Na terceira parte, "Economia Abrangente", são abordados o papel do Estado e as relações econômicas internacionais. O capítulo 20 condensa uma rica informação histórica sobre nossa vulnerabilidade externa, acoplada a uma exposição serena e equilibrada sobre as razões e a natureza da dependência financeira.

Na quarta parte "O Brasil chega ao século XXI", mas começa com o retrospecto a partir de 1947, com ênfase no problema inflacionário e nas disparidades entre ritmos de crescimento. O autor assume aqui o papel de "fonte primária", uma vez que foi ator ou espectador de cada um dos episódios pós-Segunda Guerra. É a testemunha ocular transmitindo o que sabe, o que viu ou o que praticou nessas cinco décadas de sucessos e frustrações.

O mais importante para alunos e professores é que não se trata de uma análise "economicista", pois Dias Leite sabe tratar, com concisão e objetividade, de problemas como as reformas institucionais e a crise política, a revisão constitucional de 1995 e a capacidade do país de definir sua estratégia de desenvolvimento. Uma figura é eloqüente nessa parte, a que mede o PIB per capita do Brasil em relação ao dos Estados Unidos: saímos de um patamar de 10% em 1947, atingimos um pico de quase 22% em 1979, e a partir daí estamos numa tendência declinante, com cerca de 13% nos anos recentes. O autor, combatente da causa do desenvolvimento, confessa sua decepção, mas reconhece que o Brasil ainda tem condições de ocupar uma posição relevante no cenário internacional.

O quadro social, objeto do capítulo 22, está focado na pobreza e nas desigualdades, reconhecendo Dias Leite nosso erro básico em não dar a devida atenção ao ensino fundamental. No que se refere às políticas sociais, ele também reconhece, já no governo Lula, uma "desorganização administrativa decorrente da criação de um lote de ministérios voltados para a mesma questão social, subdividida em pedacinhos" (p. 209). Lamenta o abandono da idéia de estratégia nacional, que atribui ao governo FHC e pensa no futuro, abordando as políticas econômicas e as dificuldades do processo de desenvolvimento: constrangimentos externos, problemas internos, a conciliação entre políticas "verticais" e "horizontais", o papel do Estado e as atribuições do Banco Central (e sua política de stop and go, frustrante do ponto de vista dos investimentos). Dias Leite quer "fazer com que as coisas aconteçam", o que não é tarefa para principiantes. Mas os que desejarem um mapa do caminho percorrido até aqui, e uma agenda realista dos problemas que precisam ser resolvidos pelo Brasil têm um excelente manual para o esforço de mobilização das energias nacionais. Teoria e prática nunca estiveram tão bem casadas quanto neste grande livro de menos de 250 páginas.

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

Agora a versão completa desta resenha:


Economia brasileira: um manual teórico-prático

Antonio Dias Leite:
A Economia Brasileira: de onde viemos e onde estamos
(Rio de Janeiro: Elsevier, 2004)

            O mercado de livros ditos “para-didáticos”, tanto para o ensino médio como para o terceiro ciclo, não parece conhecer recessão nem tendências baixistas. Ao contrário, ele tem taxas “chinesas” de crescimento e parece funcionar em moto contínuo (ainda mais quando movido a dinheiro do MEC), o que configura um verdadeiro Santo Graal para os economistas práticos. Mas, paradoxalmente, ele parece ser dominado, pelo menos no Brasil, por economistas (e outros especialistas) teóricos, que vivem apenas na academia e em função dos livros, sem contato, no mais das vezes, com o mundo real da produção, do comércio, da administração pública e da economia internacional.
            Este não é, certamente, o caso deste livro, um exemplo excepcionalmente bem sucedido (e eu costumo ser comedido nos elogios “livrescos”) de combinação bem estruturada, como raramente se viu no Brasil, entre o saber teórico da economia enquanto disciplina e o conhecimento prático das políticas econômicas. Antonio Dias Leite tinha, aliás, todas as condições para escrever um grande livro de economia brasileira, preenchendo os requisitos do text-book acadêmico, conjugados às melhores qualidades do ensaismo econômico de alta voltagem (isto é, refinado intelectualmente). Seu autor, que foi o responsável pela primeira estimativa de renda nacional do Brasil, em 1951, e que depois acumulou vários cargos públicos – inclusive o de ministro de Minas e Energia em dois governos sucessivos ‑, possui credenciais acadêmicas impecáveis, além de vasta bibliografia especializada (desde sua tese de livre docente, sobre a renda nacional, de 1948). Ele realizou um tour de force verdadeiramente admirável com esta obra, que mereceria converter-se em referência obrigatória nos cursos de economia brasileira das faculdades brasileiras de ciências humanas e de estudos sociais aplicados. A seu favor, registre-se a profissão original de engenheiro, e não de economista, o que parece constituir o background comum de vários grandes economistas teóricos e práticos do Brasil, entre eles os ex-ministros Mário Henrique Simonsen e Pedro Malan.
            O livro está dividido em quatro partes. A primeira, “De onde viemos, onde estamos”, é brevíssima, e permite apenas situar o Brasil no contexto histórico da economia mundial, além de introduzir o leitor aos conceitos básicos da disciplina. A segunda, “Economia essencial” é a que corresponde, no melhor sentido do termo, à vocação acadêmica do livro, com descrições do processo produtivo, dos fatores de produção e o substrato físico da economia (contendo, por exemplo, mapas dos solos e da plataforma continental), ademais das interações entre micro e macroeconomia. Na terceira parte, “Economia Abrangente”, são abordados o papel do Estado e as relações econômicas internacionais. Cada grande área da economia vem ilustrada com dados atualíssimos da economia brasileira: o capítulo 20, por exemplo, sobre as finanças internacionais, realiza a proeza de condensar, em apenas sete páginas, uma riquíssima informação histórica sobre nossa tradicional vulnerabilidade externa acoplada a uma exposição serena e equilibrada sobre as razões e a natureza dessa dependência financeira.
Na quarta parte, “O Brasil chega ao século XXI”, mas o capítulo inicial faz um retrospecto do desenvolvimento a partir de 1947, com ênfase – et pour cause – no problema inflacionário e nas disparidades entre ritmos de crescimento econômico. O autor assume, aqui, praticamente o papel de “fonte primária”, uma vez que ele foi ator ou espectador engajado de cada um dos episódios de nossa errática trajetória de crescimento no pós-Segunda Guerra. É a testemunha ocular transmitindo o que sabe, o que viu ou o que praticou nessas cinco décadas de sucessos e frustrações.
O mais importante, talvez, para alunos e professores de economia brasileira, é que não se trata de uma análise “economicista”, pois Dias Leite sabe tratar, com concisão e objetividade, de problemas como as reformas institucionais e a crise política, a revisão constitucional de 1995 – que retirou o Estado “varguista” do comando da economia nacional – assim como a capacidade do país de definir sua própria estratégia de desenvolvimento, objeto de todo um importante capítulo. Uma figura é bastante eloqüente nessa parte, aquela que mede o PIB per capita do Brasil em relação ao dos Estados Unidos: saímos de um patamar de 10% em 1947, atingimos um pico de quase 22% em 1979, e a partir daí estamos numa tendência declinante, com cerca de 13% nos anos recentes. O autor, velho combatente da causa do desenvolvimento nacional, confessa sua decepção, mas reconhece que o Brasil ainda tem condições de ocupar uma posição relevante no cenário internacional.
            O quadro social, objeto do capítulo 22, está focado obviamente na pobreza e nas desigualdades distributivas, reconhecendo Dias Leite nosso erro básico em não dar a devida atenção ao ensino fundamental. No que se refere às políticas sociais, ele também reconhece, já no governo Lula, “uma segunda desorganização administrativa (a primeira sendo a de Collor) decorrente da criação de um lote de ministérios voltados para a mesma questão social, subdividida em pedacinhos” (p. 209). Ele lamenta, no capítulo 24, o abandono da idéia de estratégia nacional, que ele atribui, expressamente, ao governo Fernando Henrique Cardoso. Depois de tratar dos aspectos éticos na economia, Dias Leite pensa no futuro, abordando as políticas econômicas e as dificuldades intrínsecas ao próprio processo de desenvolvimento: constrangimentos externos, problemas internos, a conciliação entre políticas “verticais” e “horizontais”, o papel do Estado e as atribuições do Banco Central (e sua política de stop and go, frustrante do ponto de vista dos investimentos). Dias Leite quer “fazer com que as coisas aconteçam”, o que provavelmente não é tarefa para principiantes. Mas, os que desejarem um mapa do caminho percorrido até aqui e uma agenda realista dos problemas que precisam ser resolvidos pelo Brasil terão neste livro um excelente manual de bordo para o esforço de mobilização das energias nacionais. Teoria e prática nunca estiveram tão bem casadas quanto neste grande livro de menos de 250 páginas.

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org

Economia (in)Constitucional Brasileira (Jorge Vianna) - resenha Paulo R Almeida

Mais uma resenha minha, publicada em formato ultra-resumido, que reproduzo in totum logo abaixo: 



6. “Economia (in)constitucional brasileira”, Brasília, 27 agosto 2004, 3 p. Resenha de Jorge Vianna Monteiro, Lições de Economia Constitucional Brasileira (Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 308 p.). Publicada em formato resumido, sob o título de “Economia (in)constitucional” na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 4, novembro 2004, p. 78; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1756:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1321. Relação de Publicados nº 528.

A economia (in)constitucionalImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
livro030
O conceito de políticas públicas apresenta diferentes acepções, segundo seu enunciador seja um tecnocrata governamental, um empresário privado, um acadêmico ou um cidadão, contribuinte compulsório das rendas federais e usuário aleatório dos serviços públicos, menos serviços do que públicos. O empresário rogará pragas contra o Estado regulacionista e tributariamente insaciável. O acadêmico formulará explicações para a realidade, segundo seja partidário da intervenção desse Estado ou um "neoliberal" convencido.

Jorge Vianna Monteiro tem vasta experiência em políticas públicas, sendo professor e autor de muitos livros. Este resume seu conhecimento teórico e prático sobre o modo de funcionamento da economia brasileira ao longo das últimas décadas, oferecendo sua interpretação de um processo de erosão relativa do Estado constitucional e sua superação progressiva pelo Estado administrativo. Da leitura conclui-se que vamos continuar afogados num mar de leis, decretos, MPs e outras medidas administrativas. Muitos já providenciaram suas "bóias" fiscais, pela evasão, elisão e fuga de capitais. Talvez ainda surja algum jurista querendo "constitucionalizar" a economia informal. O tempora, o mores!

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

A economia (in)constitucional brasileira

Resenha de:
Jorge Vianna Monteiro

Lições de Economia Constitucional Brasileira

Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 308 p.

            O conceito de “políticas públicas” apresenta diferentes acepções, segundo seu enunciador seja um tecnocrata governamental, um empresário privado, um acadêmico ou um simples cidadão “sofredor”, contribuinte compulsório das rendas federais e usuário altamente aleatório dos chamados serviços públicos, menos serviços do que públicos, sobretudo nas áreas de saúde, educação ou rodovias. O empresário rogará pragas incontáveis contra o Estado regulacionista e tributariamente insaciável, ao passo que o acadêmico formulará explicações alternativas para essa realidade, segundo ele seja partidário da intervenção necessária desse Estado ou um “neoliberal” convencido.
            Jorge Vianna Monteiro tem uma vasta experiência em políticas públicas, sendo professor desde longos anos e autor de muitos livros nas áreas de economia brasileira, de planejamento estratégico e governamental e no bem mais problemático terreno das complexas interações entre o substrato econômico da sociedade e as políticas públicas desenhadas pelo Estado – ou pelos governos – para “organizar o crescimento” e “distribuir o desenvolvimento”. Como ele indica, o cidadão comum tende a ignorar a “extraordinária inovação institucional” que acompanhou a trajetória da economia brasileira nos últimos anos, representada por uma rede de controles governamentais que ameaçam de erosão as instituições do governo representativo e contribuem, de certa forma, para o atual quadro de instabilidade de regras (inclusive a partir de sua própria fonte constitucional).
            Este livro resume o conhecimento teórico e prático do autor sobre o modo de funcionamento da economia brasileira ao longo das últimas décadas, oferecendo sua interpretação de um processo de erosão relativa do Estado constitucional e sua superação progressiva pelo Estado administrativo. O quadro analítico de Vianna Monteiro é baseado no trabalho teórico do prêmio Nobel de economia James Buchanan, que ele define como seu “herói intelectual”, autor, justamente, de uma obra clássica nessa área, Constitutional Political Economy (1990). O livro começa precisamente pela discussão das “escolhas públicas”, sistematizadas teoricamente por Buchanan, partidário de uma “política sem romantismo”, o que só pode ser obtido a partir de uma economia fortemente enraizada na institucionalidade. Ele se debruça, em seguida, sobre as características da própria economia política brasileira, a partir de seu ambiente institucional, não apenas pós-Constituição de 1988, mas igualmente pós-emendas e toda a parafernália de instrumentos que alimentam o que ele chama de “voracidade e caos promovidos pelo governo na área tributária” (p. 67). A despeito do apregoado “neoliberalismo” do governo nos anos 90, o que se tem, na verdade, é o “poder que cresce e cresce”. A própria “facilidade” em mexer na Constituição leva a que “o governo acaba por ser incentivado a ampliar sua influência na economia nacional” (p. 105).
            O terceiro capítulo trata, precisamente, da “concentração de poder”, ou seja, a hipertrofia do poder decisório sob a forma de iniciativas legislativas do próprio poder executivo (duplicação do número de medidas provisórias sobre a produção legislativa “normal”). Esta parte também confirma o paradoxo: “o apego á ideologia econômica liberal, com as decorrentes medidas de redução do tamanho físico do Estado, não necessariamente resulta em um Estado menos intervencionista” (p. 143). Em outras palavras, o alegado neoliberalismo é uma balela. O capítulo quarto introduz a atmosfera de crise, vivida a partir das turbulências financeiras da segunda metade dos anos 90, quando, sintomaticamente, se começa a falar de uma autoridade monetária independente, ao mesmo tempo em que aumenta ainda mais a intrusão fiscal do Estado na vida dos agentes econômicos (pessoas físicas e jurídicas).
            A construção da credibilidade na política econômica do governo, objeto do capítulo 5, se dá igualmente de forma contraditória, já que o crescente intervencionismo aumenta a volatilidade intrínseca do jogo econômico, mas aqui já entramos no novo governo, inaugurado em janeiro de 2003. O grande “cabo de guerra”, aqui, é a fixação da taxa de juros, obsessão constante de toda uma ala do PT e de outras forças políticas, a começar pelo vice-presidente. O “caso Anatel” (fixação de tarifas de telefonia) é outro exemplo de controvérsia política, envolvendo inclusive o Judiciário. A despeito das intenções do governo de demonstrar transparência e accountability, ele continua a promover “avassaladora regulação econômica” (p. 200). O resultado desses sinais contraditórios emitidos a cada momento pelo governo – formado por um bando de novos zealots, que são os burocratas do banco central – pode ser um “otimismo de resultados”, em confronto com o “pessimismo dos processos”.
            O sexto capítulo trata dos comportamentos políticos em períodos eleitorais, quando tendem a mudar a quantidade e a qualidade das políticas públicas, ao passo que o capítulo sétimo aborda a nova fase de crises a partir de 2001 (energética, externa e institucional). A alegada “flutuação da moeda” não evita sucessivas intervenções do banco central no mercado cambial, para sustentar uma determinada cotação do dólar. Da mesma forma, a emissão do decreto 4.489, de novembro de 2002, que trata do acesso de burocratas da receita à movimentação financeira de pessoas físicas, confirma que permanece “ilimitada a capacidade do governo para gerar novas formas de incerteza” (p. 283). Em face de tantas e tão diversas exações, o autor conclui que se torna “necessário passar à etapa crítica de constitucionalizar a política econômica” (p. 292), o que pode soar irônico, em face de outras tantas e tão diversas disposições da Carta que tratam da economia e da política econômica na tradição recente do constitucionalismo brasileiro. Aparentemente, vamos continuar afogados, pelo futuro previsível, num mar de leis, decretos, MPs e outras medidas administrativas. Muitos já providenciaram suas “bóias” fiscais, pela evasão, elisão e fuga de capitais, enquanto a maioria submergiu na economia informal. Talvez ainda surja algum jurista querendo “constitucionalizar” a economia informal, decretando em seguida que a legalidade econômica foi “restaurada”. O tempora, o mores!
           
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 agosto 2004

Industria brasileira nos anos 90 (livro) - resenha de Mario Salerno

Mais uma reprodução de um livro que pode ter sua importância para analisar a indústria brasileira em épocas passadas, numa resenha feita por acadêmico então trabalhando no Ipea:


Um balanço dos anos 1990ImprimirE-mail
Mario Sergio Salerno
livro020
O livro - uma coletânea de oito capítulos precedidos por breve e genérica introdução -realiza um balanço da abertura da economia brasileira ao comércio internacional e ao investimento direto externo (IDE) realizada nos anos 1990 para sustentar o processo de privatizações e os desequilíbrios na balança comercial que se seguiram à paridade cambial introduzida pelo plano Real. Para tanto, analisa as conseqüências do IDE, os impactos da abertura sobre o conteúdo importado na indústria, a inserção internacional das grandes empresas de capital nacional, os padrões de integração comercial das filiais de empresas transnacionais, as características e impactos das empresas estrangeiras no comércio exterior brasileiro, o papel do Mercosul no processo de internacionalização comercial do Brasil e o Mercosul em si, finalizando com considerações sobre política industrial.

Um problema comum em coletâneas é a heterogeneidade das contribuições. A obra em análise não foge à regra. Ela poderia ser muito potencializada se houvesse uma amarração entre os capítulos - por exemplo, numa introdução ou num capítulo final que fizesse um balanço crítico, comparasse resultados e análises em que as discussões se repetem.

Os autores discutem a literatura que considerava que as transnacionais incrementariam as exportações e a competitividade da economia, sendo as importações um movimento passageiro, que cessaria quando os investimentos industriais se concretizassem. Levantam dados empíricos para contestar tal movimento "virtuoso". Esse é o ponto alto do livro. Os dados mostram que o aumento do IDE não se refletiu na taxa de investimento, pois uma parte considerável foi destinada à compra de ativos já existentes, ao contrário do que ocorreu na China, onde 95% do IDE foi canalizado para novos ativos. O peso das empresas estrangeiras passou de 27% para 42% do faturamento total da indústria brasileira; as filiais de empresas estrangeiras não exportaram proporcionalmente mais e importaram 26% mais do que as nacionais de mesmo tamanho e setor. O processo de abertura dos anos 1990 não resultou em maior presença mundial das empresas nem dos produtos brasileiros, mas aumentou o passivo externo e o consumo de bens intermediários produzidos alhures. Para os mercados centrais eram enviadas fundamentalmente commodities, ao passo que o Mercosul contribuiu para melhorar a inserção de produtos manufaturados.

Se os autores obtêm sucesso nas suas teses sobre as características e o efeito da abertura nos anos 1990, nada falam sobre o ímpeto exportador nos anos 2000, que abre um caminho alternativo de pesquisa. A desvalorização cambial e o regime de câmbio flutuante introduziram um novo cenário, mas há evidências de que as empresas remanescentes saíram fortalecidas, o que, aliado ao incentivo às exportações, principalmente a partir de 2003, promoveu uma forte mudança no quadro externo brasileiro.

Mario Sergio Salerno

O espetaculo do crescimento (William Easterly) - Ottoni Fernandes

Reproduzo abaixo uma resenha do então editor da revista Desafios do Desenvolvimento (edição 3, 1/10/2004), Ottoni Fernandes Jr., sobre livro importante de William Easterly publicado no Brasil:


Em busca das causas do desenvolvimentoImprimirE-mail
Ottoni Fernandes Jr.
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O editor optou pelo marketing ao traduzir o livro de William Easterly, apoiado na frase do Presidente Lula que no ano passado prometeu, antes da hora, um "espetáculo do crescimento". Melhor teria sido usar "A ilusória busca do crescimento", que diz muito mais sobre o conteúdo do livro. Analisar as razões por que alguns países alcançaram sucesso no seu desenvolvimento e outros ficaram para trás tem sido a preocupação de inúmeros economistas, sociólogos e historiadores. Quase sempre apoiados em extensas séries de dados macroeconômicos e sociais e num elevado poder de computação. Mas existe pouco consenso.

Easterly escreveu o livro em 2001, quando ainda trabalhava no Banco Mundial, onde ingressou em 1985, depois de conseguir um doutorado de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. Depois de analisar ciclos recentes de crescimento de vários países, ele considera errônea a afirmação de que o crescimento econômico depende fundamentalmente do investimento em máquinas, da clássica taxa de investimento. Considera essa hipótese um tipo de fundamentalismo econômico. A ajuda externa também não funcionou para tirar países da pobreza, pois quase sempre foi dissipada por dirigentes corruptos. Instituições sólidas, consensualmente reconhecidas pela população e por agentes econômicos podem ter mais impacto em impulsionar o desenvolvimento, afirma.

O livro de Easterly se apóia em várias obras da literatura econômica e também em sua experiência como assessor da Divisão de Macroeconomia e Crescimento do Banco Mundial, que lhe permitiu conhecer de perto inúmeros países pobres ou em desenvolvimento. Em sua avaliação, o desenvolvimento ocorre quando todos os agentes têm acesso aos incentivos corretos. Ele reconhece que a difusão de novas tecnologias, num ambiente macroeconômico estável, é muito importante. Um dos exemplos citados é a indústria de confecções de Bangladesh. Ela surgiu em 1979 graças å iniciativa do empreendedor Noorul Quader, que criou a Desh Garments, que fabricou 43 mil camisas no seu primeiro ano de funcionamento e em 2001 faturava 2 bilhões de dólares anuais e garantia 54% das exportações de todo o país. Quader resolveu investir em conhecimento e foi buscar tecnologia na Coréia do Sul, para onde levou 130 funcionários para treinamento. O contrato de transferência de tecnologia foi cancelado em 1981 e em 1987 a Desh Garments já produzia 2,3 milhões de camisas ao ano. Mais importante, tornou-se um pólo de irradiação, pois seus funcionários saíram para criar novas confecções, deflagrando um círculo virtuoso de mais investimento e crescimento.

Easterly deixou o Banco Mundial em 2001 e atualmente é professor da Universidade de Nova York. Nesse livro não foge de uma abordagem neoliberal e diversos economistas criticam algumas de suas inferências, pois ele estaria tratando relações como causalidades.