Na continuidade, um livro de um "executor", até mais do que professor, da economia brasileira nos anos do regime militar:
Economia brasileira: um manual teórico-prático | | |
por Paulo Roberto de Almeida
O mercado de livros para-didáticos parece ser dominado, no Brasil, por economistas (e outros especialistas) teóricos, que vivem apenas na academia e em função dos livros, sem contato com o mundo real da produção, do comércio, da administração pública e da economia internacional. Esse não é o caso deste livro. Antonio Dias Leite escreve um grande livro, preenchendo os requisitos do text-book acadêmico, conjugados às melhores qualidades do ensaismo econômico. O autor, que foi o responsável pela primeira estimativa de renda nacional do Brasil, em 1951, e que acumulou vários cargos públicos - inclusive o de ministro de Minas e Energia em dois governos -, possui credenciais acadêmicas impecáveis, além de vasta bibliografia. Ele realizou um tour de force admirável com esta obra, que mereceria converter-se em referência obrigatória nos cursos de economia das faculdades brasileiras de ciências humanas e de estudos sociais aplicados.
O livro tem quatro partes. A primeira, "De onde viemos, onde estamos", é brevíssima, situando o Brasil no contexto mundial, além de introduzir o leitor aos conceitos básicos da disciplina. A segunda, "Economia essencial", responde à vocação acadêmica do livro, com descrições do processo produtivo, dos fatores de produção e do substrato físico da economia, ademais das interações entre micro e macroeconomia. Na terceira parte, "Economia Abrangente", são abordados o papel do Estado e as relações econômicas internacionais. O capítulo 20 condensa uma rica informação histórica sobre nossa vulnerabilidade externa, acoplada a uma exposição serena e equilibrada sobre as razões e a natureza da dependência financeira.
Na quarta parte "O Brasil chega ao século XXI", mas começa com o retrospecto a partir de 1947, com ênfase no problema inflacionário e nas disparidades entre ritmos de crescimento. O autor assume aqui o papel de "fonte primária", uma vez que foi ator ou espectador de cada um dos episódios pós-Segunda Guerra. É a testemunha ocular transmitindo o que sabe, o que viu ou o que praticou nessas cinco décadas de sucessos e frustrações.
O mais importante para alunos e professores é que não se trata de uma análise "economicista", pois Dias Leite sabe tratar, com concisão e objetividade, de problemas como as reformas institucionais e a crise política, a revisão constitucional de 1995 e a capacidade do país de definir sua estratégia de desenvolvimento. Uma figura é eloqüente nessa parte, a que mede o PIB per capita do Brasil em relação ao dos Estados Unidos: saímos de um patamar de 10% em 1947, atingimos um pico de quase 22% em 1979, e a partir daí estamos numa tendência declinante, com cerca de 13% nos anos recentes. O autor, combatente da causa do desenvolvimento, confessa sua decepção, mas reconhece que o Brasil ainda tem condições de ocupar uma posição relevante no cenário internacional.
O quadro social, objeto do capítulo 22, está focado na pobreza e nas desigualdades, reconhecendo Dias Leite nosso erro básico em não dar a devida atenção ao ensino fundamental. No que se refere às políticas sociais, ele também reconhece, já no governo Lula, uma "desorganização administrativa decorrente da criação de um lote de ministérios voltados para a mesma questão social, subdividida em pedacinhos" (p. 209). Lamenta o abandono da idéia de estratégia nacional, que atribui ao governo FHC e pensa no futuro, abordando as políticas econômicas e as dificuldades do processo de desenvolvimento: constrangimentos externos, problemas internos, a conciliação entre políticas "verticais" e "horizontais", o papel do Estado e as atribuições do Banco Central (e sua política de stop and go, frustrante do ponto de vista dos investimentos). Dias Leite quer "fazer com que as coisas aconteçam", o que não é tarefa para principiantes. Mas os que desejarem um mapa do caminho percorrido até aqui, e uma agenda realista dos problemas que precisam ser resolvidos pelo Brasil têm um excelente manual para o esforço de mobilização das energias nacionais. Teoria e prática nunca estiveram tão bem casadas quanto neste grande livro de menos de 250 páginas.
Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org) |
Agora a versão completa desta resenha:
Economia brasileira: um
manual teórico-prático
Antonio Dias Leite:
A
Economia Brasileira: de onde viemos e onde estamos
(Rio de Janeiro: Elsevier, 2004)
O mercado de livros
ditos “para-didáticos”, tanto para o ensino médio como para o terceiro ciclo,
não parece conhecer recessão nem tendências baixistas. Ao contrário, ele tem
taxas “chinesas” de crescimento e parece funcionar em moto contínuo (ainda mais
quando movido a dinheiro do MEC), o que configura um verdadeiro Santo Graal
para os economistas práticos. Mas, paradoxalmente, ele parece ser dominado,
pelo menos no Brasil, por economistas (e outros especialistas) teóricos, que
vivem apenas na academia e em função dos livros, sem contato, no mais das
vezes, com o mundo real da produção, do comércio, da administração pública e da
economia internacional.
Este não é,
certamente, o caso deste livro, um exemplo excepcionalmente bem sucedido (e eu
costumo ser comedido nos elogios “livrescos”) de combinação bem estruturada, como
raramente se viu no Brasil, entre o saber teórico da economia enquanto
disciplina e o conhecimento prático das políticas econômicas. Antonio Dias
Leite tinha, aliás, todas as condições para escrever um grande livro de
economia brasileira, preenchendo os requisitos do text-book acadêmico, conjugados às melhores qualidades do ensaismo
econômico de alta voltagem (isto é, refinado intelectualmente). Seu autor, que
foi o responsável pela primeira estimativa de renda nacional do Brasil, em
1951, e que depois acumulou vários cargos públicos – inclusive o de ministro de
Minas e Energia em dois governos sucessivos ‑, possui credenciais acadêmicas
impecáveis, além de vasta bibliografia especializada (desde sua tese de livre
docente, sobre a renda nacional, de 1948). Ele realizou um tour de force verdadeiramente admirável com esta obra, que
mereceria converter-se em referência obrigatória nos cursos de economia
brasileira das faculdades brasileiras de ciências humanas e de estudos sociais
aplicados. A seu favor, registre-se a profissão original de engenheiro, e não
de economista, o que parece constituir o background
comum de vários grandes economistas teóricos e práticos do Brasil, entre eles
os ex-ministros Mário Henrique Simonsen e Pedro Malan.
O livro está
dividido em quatro partes. A primeira, “De onde viemos, onde estamos”, é
brevíssima, e permite apenas situar o Brasil no contexto histórico da economia
mundial, além de introduzir o leitor aos conceitos básicos da disciplina. A
segunda, “Economia essencial” é a que corresponde, no melhor sentido do termo,
à vocação acadêmica do livro, com descrições do processo produtivo, dos fatores
de produção e o substrato físico da economia (contendo, por exemplo, mapas dos
solos e da plataforma continental), ademais das interações entre micro e
macroeconomia. Na terceira parte, “Economia Abrangente”, são abordados o papel
do Estado e as relações econômicas internacionais. Cada grande área da economia
vem ilustrada com dados atualíssimos da economia brasileira: o capítulo 20, por
exemplo, sobre as finanças internacionais, realiza a proeza de condensar, em
apenas sete páginas, uma riquíssima informação histórica sobre nossa
tradicional vulnerabilidade externa acoplada a uma exposição serena e
equilibrada sobre as razões e a natureza dessa dependência financeira.
Na quarta parte, “O Brasil chega ao século XXI”, mas o
capítulo inicial faz um retrospecto do desenvolvimento a partir de 1947, com
ênfase – et pour cause – no problema
inflacionário e nas disparidades entre ritmos de crescimento econômico. O autor
assume, aqui, praticamente o papel de “fonte primária”, uma vez que ele foi
ator ou espectador engajado de cada um dos episódios de nossa errática
trajetória de crescimento no pós-Segunda Guerra. É a testemunha ocular
transmitindo o que sabe, o que viu ou o que praticou nessas cinco décadas de
sucessos e frustrações.
O mais importante, talvez, para alunos e professores de
economia brasileira, é que não se trata de uma análise “economicista”, pois
Dias Leite sabe tratar, com concisão e objetividade, de problemas como as
reformas institucionais e a crise política, a revisão constitucional de 1995 –
que retirou o Estado “varguista” do comando da economia nacional – assim como a
capacidade do país de definir sua própria estratégia de desenvolvimento, objeto
de todo um importante capítulo. Uma figura é bastante eloqüente nessa parte,
aquela que mede o PIB per capita do Brasil em relação ao dos Estados Unidos:
saímos de um patamar de 10% em 1947, atingimos um pico de quase 22% em 1979, e
a partir daí estamos numa tendência declinante, com cerca de 13% nos anos
recentes. O autor, velho combatente da causa do desenvolvimento nacional,
confessa sua decepção, mas reconhece que o Brasil ainda tem condições de ocupar
uma posição relevante no cenário internacional.
O quadro social,
objeto do capítulo 22, está focado obviamente na pobreza e nas desigualdades
distributivas, reconhecendo Dias Leite nosso erro básico em não dar a devida
atenção ao ensino fundamental. No que se refere às políticas sociais, ele
também reconhece, já no governo Lula, “uma segunda desorganização
administrativa (a primeira sendo a de Collor) decorrente da criação de um lote
de ministérios voltados para a mesma questão social, subdividida em pedacinhos”
(p. 209). Ele lamenta, no capítulo 24, o abandono da idéia de estratégia
nacional, que ele atribui, expressamente, ao governo Fernando Henrique Cardoso.
Depois de tratar dos aspectos éticos na economia, Dias Leite pensa no futuro,
abordando as políticas econômicas e as dificuldades intrínsecas ao próprio processo
de desenvolvimento: constrangimentos externos, problemas internos, a
conciliação entre políticas “verticais” e “horizontais”, o papel do Estado e as
atribuições do Banco Central (e sua política de stop and go, frustrante do ponto de vista dos investimentos). Dias
Leite quer “fazer com que as coisas aconteçam”, o que provavelmente não é
tarefa para principiantes. Mas, os que desejarem um mapa do caminho percorrido
até aqui e uma agenda realista dos problemas que precisam ser resolvidos pelo
Brasil terão neste livro um excelente manual de bordo para o esforço de
mobilização das energias nacionais. Teoria e prática nunca estiveram tão bem
casadas quanto neste grande livro de menos de 250 páginas.