A economia (in)constitucional |
por Paulo Roberto de Almeida Jorge Vianna Monteiro tem vasta experiência em políticas públicas, sendo professor e autor de muitos livros. Este resume seu conhecimento teórico e prático sobre o modo de funcionamento da economia brasileira ao longo das últimas décadas, oferecendo sua interpretação de um processo de erosão relativa do Estado constitucional e sua superação progressiva pelo Estado administrativo. Da leitura conclui-se que vamos continuar afogados num mar de leis, decretos, MPs e outras medidas administrativas. Muitos já providenciaram suas "bóias" fiscais, pela evasão, elisão e fuga de capitais. Talvez ainda surja algum jurista querendo "constitucionalizar" a economia informal. O tempora, o mores! Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
A economia (in)constitucional brasileira
Resenha de:
Jorge Vianna Monteiro
Lições de Economia Constitucional Brasileira
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 308 p.
O
conceito de “políticas públicas” apresenta diferentes acepções, segundo seu
enunciador seja um tecnocrata governamental, um empresário privado, um
acadêmico ou um simples cidadão “sofredor”, contribuinte compulsório das rendas
federais e usuário altamente aleatório dos chamados serviços públicos, menos
serviços do que públicos, sobretudo nas áreas de saúde, educação ou rodovias. O
empresário rogará pragas incontáveis contra o Estado regulacionista e
tributariamente insaciável, ao passo que o acadêmico formulará explicações
alternativas para essa realidade, segundo ele seja partidário da intervenção
necessária desse Estado ou um “neoliberal” convencido.
Jorge Vianna
Monteiro tem uma vasta experiência em políticas públicas, sendo professor desde
longos anos e autor de muitos livros nas áreas de economia brasileira, de
planejamento estratégico e governamental e no bem mais problemático terreno das
complexas interações entre o substrato econômico da sociedade e as políticas
públicas desenhadas pelo Estado – ou pelos governos – para “organizar o
crescimento” e “distribuir o desenvolvimento”. Como ele indica, o cidadão comum
tende a ignorar a “extraordinária inovação institucional” que acompanhou a
trajetória da economia brasileira nos últimos anos, representada por uma rede
de controles governamentais que ameaçam de erosão as instituições do governo representativo
e contribuem, de certa forma, para o atual quadro de instabilidade de regras
(inclusive a partir de sua própria fonte constitucional).
Este livro resume o
conhecimento teórico e prático do autor sobre o modo de funcionamento da
economia brasileira ao longo das últimas décadas, oferecendo sua interpretação
de um processo de erosão relativa do Estado constitucional e sua superação
progressiva pelo Estado administrativo. O quadro analítico de Vianna Monteiro é
baseado no trabalho teórico do prêmio Nobel de economia James Buchanan, que ele
define como seu “herói intelectual”, autor, justamente, de uma obra clássica
nessa área, Constitutional Political
Economy (1990). O livro começa precisamente pela discussão das “escolhas
públicas”, sistematizadas teoricamente por Buchanan, partidário de uma
“política sem romantismo”, o que só pode ser obtido a partir de uma economia
fortemente enraizada na institucionalidade. Ele se debruça, em seguida, sobre
as características da própria economia política brasileira, a partir de seu
ambiente institucional, não apenas pós-Constituição de 1988, mas igualmente
pós-emendas e toda a parafernália de instrumentos que alimentam o que ele chama
de “voracidade e caos promovidos pelo governo na área tributária” (p. 67). A despeito
do apregoado “neoliberalismo” do governo nos anos 90, o que se tem, na verdade,
é o “poder que cresce e cresce”. A própria “facilidade” em mexer na
Constituição leva a que “o governo acaba por ser incentivado a ampliar sua
influência na economia nacional” (p. 105).
O terceiro capítulo
trata, precisamente, da “concentração de poder”, ou seja, a hipertrofia do
poder decisório sob a forma de iniciativas legislativas do próprio poder
executivo (duplicação do número de medidas provisórias sobre a produção
legislativa “normal”). Esta parte também confirma o paradoxo: “o apego á
ideologia econômica liberal, com as decorrentes medidas de redução do tamanho físico do Estado, não necessariamente
resulta em um Estado menos intervencionista” (p. 143). Em outras palavras, o
alegado neoliberalismo é uma balela. O capítulo quarto introduz a atmosfera de
crise, vivida a partir das turbulências financeiras da segunda metade dos anos
90, quando, sintomaticamente, se começa a falar de uma autoridade monetária
independente, ao mesmo tempo em que aumenta ainda mais a intrusão fiscal do
Estado na vida dos agentes econômicos (pessoas físicas e jurídicas).
A construção da
credibilidade na política econômica do governo, objeto do capítulo 5, se dá
igualmente de forma contraditória, já que o crescente intervencionismo aumenta
a volatilidade intrínseca do jogo econômico, mas aqui já entramos no novo
governo, inaugurado em janeiro de 2003. O grande “cabo de guerra”, aqui, é a
fixação da taxa de juros, obsessão constante de toda uma ala do PT e de outras
forças políticas, a começar pelo vice-presidente. O “caso Anatel” (fixação de
tarifas de telefonia) é outro exemplo de controvérsia política, envolvendo
inclusive o Judiciário. A despeito das intenções do governo de demonstrar transparência
e accountability, ele continua a
promover “avassaladora regulação econômica” (p. 200). O resultado desses sinais
contraditórios emitidos a cada momento pelo governo – formado por um bando de
novos zealots, que são os burocratas
do banco central – pode ser um “otimismo de resultados”, em confronto com o
“pessimismo dos processos”.
O sexto capítulo
trata dos comportamentos políticos em períodos eleitorais, quando tendem a
mudar a quantidade e a qualidade das políticas públicas, ao passo que o capítulo
sétimo aborda a nova fase de crises a partir de 2001 (energética, externa e
institucional). A alegada “flutuação da moeda” não evita sucessivas
intervenções do banco central no mercado cambial, para sustentar uma
determinada cotação do dólar. Da mesma forma, a emissão do decreto 4.489, de
novembro de 2002, que trata do acesso de burocratas da receita à movimentação
financeira de pessoas físicas, confirma que permanece “ilimitada a capacidade
do governo para gerar novas formas de incerteza” (p. 283). Em face de tantas e
tão diversas exações, o autor conclui que se torna “necessário passar à etapa
crítica de constitucionalizar a política econômica” (p. 292), o que pode soar
irônico, em face de outras tantas e tão diversas disposições da Carta que tratam
da economia e da política econômica na tradição recente do constitucionalismo
brasileiro. Aparentemente, vamos continuar afogados, pelo futuro previsível,
num mar de leis, decretos, MPs e outras medidas administrativas. Muitos já
providenciaram suas “bóias” fiscais, pela evasão, elisão e fuga de capitais,
enquanto a maioria submergiu na economia informal. Talvez ainda surja algum
jurista querendo “constitucionalizar” a economia informal, decretando em
seguida que a legalidade econômica foi “restaurada”. O tempora, o mores!
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
27 agosto 2004
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