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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Capitalismo academico (de qualidade duvidosa): Resenha de Paulo R. Almeida

Sempre desconfie de acadêmicos que se metem a falar de capitalismo: provavelmente padecem de capitalistices agudas e recorrentes, o que os faz confundir capitalismo com economia de mercado. Geralmente escrevem bobagem e nem precisam estar bêbados para fazê-lo....
Enfim, mais uma resenha impiedosamente podada, que vai aqui em sua versão original.
Paulo Roberto de Almeida 

13. “Capitalismo para céticos”, Brasília, 19 fevereiro 2005, 2 p. Resenha de Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Ensaios sobre o capitalismo no século XX (São Paulo: Unesp; Campinas: Unicamp-Instituto de Economia, 2004, 240 p.). Revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 8, março 2005, p. 79; link: ). Divulgado no blog Diplomatizzando (31/01/2012; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1767:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1396. Relação de Publicados nº 547.

Capitalismo para céticosImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
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O que o grupo de rock Capital Inicial, O Capital, de Karl Marx, e a revista CartaCapital têm em comum? Todos se opõem, ao menos intelectualmente, ao capitalismo, ainda que dele não possam prescindir. O mesmo talvez deva ser dito dessa coletânea. O Brasil é um excelente mercado para os críticos do capitalismo, para os censores do FMI, para os opositores da globalização. Esse livro prova a tese. O pessimismo é de regra: precarização das relações de trabalho, mal-estar da globalização, impossibilidade de alcançar patamares altos de desenvolvimento, miopia liberal-conservadora, máscaras do imperialismo, tragédias ciclópicas rondando os incautos da periferia. Pode ser divertido ler, mas é duvidoso pretender que são "insucessos" as "atuais políticas inspiradas no liberalismo econômico". Teriam sido bem-sucedidas as políticas inspiradas no dirigismo econômico? Também é irônico ler sobre a "fúria reformista dos liberais", prova indireta de que os revolucionários, hoje, são os capitalistas, já que a esquerda acadêmica, saudosista do keynesianismo, parece ter se tornado irremediavelmente conservadora.

Agora a versão completa: 

Capitalismo para céticos

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
Ensaios sobre o capitalismo no século XX
(São Paulo: Unesp; Campinas: Unicamp-Instituto de Economia, 2004, 240 p.)

Responda rápido: o que o grupo de rock Capital Inicial, o magnum opus de Karl Marx, O Capital, e a revista CartaCapital têm em comum? Não, não é a similaridade de nomes: é que todos eles se opõem, ao menos intelectualmente, ao capitalismo, ainda que dele não possam prescindir. O mesmo talvez deva ser dito desta coletânea sobre o velho capitalismo e suas novas roupagens.
Não sei se o autor aprecia o grupo de rock brasiliense, mas ele fez seu capital inicial escrevendo uma tese sobre “valor e capitalismo”, tornou-se um grande leitor de Marx (e de outros pensadores da economia, favoráveis e contrários ao capitalismo) e é membro do conselho editorial de CartaCapital, de onde foi tirada a maior parte dos artigos. A “mais valia”, neste caso, é que, além de textos sobre a história da economia capitalista, sobre a globalização e sobre os intelectuais críticos ao capitalismo, o livro também comporta quatro artigos sobre futebol, mas estes pertencem a uma espécie de “hora da saudade”, sem trazer valor agregado ao conjunto dos ensaios de vulgarização que integram as três primeiras partes.
Digo vulgarização no bom sentido da palavra, pois se trata, na maior parte, de variações jornalísticas de artigos de puro corte acadêmico. Sua característica unificadora é essa visão crítica do capital e dos seus mecanismos, como convém aos membros da academia, que já têm seu capital próprio amplamente assegurado pelo sistema de tenure universitária e que se dedicam a aumentar o seu “valor de troca” – preço de mercado – escrevendo de maneira cética sobre o capitalismo. O Brasil é um excelente mercado consumidor para os críticos do capitalismo, para os censores do FMI, para os opositores da globalização: este livro é uma prova sofisticada desta tese. O pessimismo aqui é de regra: precarização das relações de trabalho, mal-estar da globalização, impossibilidade de alcançar patamares mais altos de desenvolvimento, miopia liberal-conservadora, máscaras do imperialismo, tragédias ciclópicas rondando esses incautos da periferia que somos todos nós, entregues atados à sanha da nova barbárie capitalista.
O problema, entretanto, é que textos desse tipo ilustram, mas não esclarecem, encantam convertidos com o elegante jogo de palavras sobre as finanças liberalizadas, mas de fato contribuem pouco para explicar características cruciais de nossa época, que podem não agradar aos críticos da academia, mas são as que existem, sem que qualquer conspiração de magnatas tenha estabelecido as regras do jogo. Pode ser divertido ler, mas é altamente duvidoso pretender que “a mão invisível ataca no trópico”, ou que são “insucessos” as “atuais políticas inspiradas nas crenças do liberalismo econômico”. Por esse critério, teriam sido bem sucedidas as políticas passadas inspiradas no dirigismo econômico? Também é irônico ler sobre a “fúria reformista dos liberais”, talvez mais uma prova indireta de que os únicos atores realmente revolucionários, hoje em dia, são os capitalistas e os globalizadores, uma vez que a esquerda acadêmica, saudosista do keynesianismo, parece ter se tornado irremediavelmente conservadora.

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

Uma Biblioteca IMPRESSIONANTE... (et pour cause...)

Bem, não digo que é a melhor visão que se possa ter de uma biblioteca "apetitosa", mas, além de permitir carregar para todo lado, numa simples viagem de fim de semana, ela não daria mais trabalho para arrumar, acomodar, movimentar, em qualquer circunstância.
Pensando bem, fico com as duas: a tradicional e a moderna...
Paulo Roberto de Almeida

Brasil e Argentina: Hermanos pero no mucho: livro de Devoto e Fausto - Resenha de Paulo R Almeida

Eu preferi não ser muito cáustico ao tratar das relações entre os dois países, inclusive por respeito ao livro, que é muito respeitoso dessas relações, ou melhor, muito correto, sem negligenciar as disputas geopolíticas e as bobagens acumuladas de um e outro lado da fronteira.
A Argentina, por exemplo, foi sequestrada por aventureiro, setenta anos atrás, e ainda não se libertou da cadáver e das suas ideias bizarras. O Brasil, por sua vez, parece que está copiando um peronismo de botequim, com perdão do botequim...
Enfim, nada a ver com o livro, que é muito bom: 



12. “Hermanos, pero no mucho”, Brasília, 8 fevereiro 2005, 3 p. Resenha de Boris Fausto e Fernando J. Devoto, Brasil e Argentina: Um ensaio de história comparada (1850-2002) (São Paulo:Editora 34, 2004, 574 p: ISNB: 85-7326-308-3). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 8, março 2005, p. 79; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1766:catid=28&Itemid=23).  Relação de Trabalhos nº 1389. Relação de Publicados nº 546.

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Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

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Brasil e Argentina padecem de certa insuficiência de desenvolvimento econômico e social, sendo a maior parte de seus problemas derivada de erros de gestão macroeconômica e de escolhas infelizes de suas elites ao longo dos anos. Durante muito tempo prevaleceu no Brasil a noção de que a Argentina era mais desenvolvida graças a um maior componente "europeu" na sua formação étnica e aos cuidados com a educação. Depois, prevaleceu na Argentina a noção de que o Brasil foi mais bem-sucedido no fortalecimento da base econômica graças ao maior envolvimento do Estado. Hoje, pretende-se avançar no desenvolvimento conjunto, com o Mercosul, mas as salvaguardas e os desvios ao livre-comércio demonstram os limites da integração.

Essa complexa realidade é examinada por um historiador de cada um dos dois países. Eles colocam em perspectiva, não necessariamente em paralelo, duas trajetórias comparáveis, na forma e no conteúdo. O "ensaio de história comparada" começa por um excelente capítulo introdutório que discute as vantagens e as modalidades do comparatismo em história.

As influências mútuas dos dois maiores países da América do Sul foram, na verdade, limitadas. As duas economias sempre foram voltadas para o hemisfério norte. Além disso, os regimes políticos mantiveram, contra toda a racionalidade e os interesses imediatos, certo distanciamento competitivo, que em alguns momentos quase descambou para a hostilidade. Os autores mostram como os dois países enfrentaram, depois de superadas suas repúblicas "oligárquicas" - nos anos 30 -, seus processos de modernização econômica e política por meio de experimentos nacionalistas e populistas. A Argentina logrou, provavelmente, um maior grau de inserção social, mas o Brasil foi bem menos errático no seu processo de desenvolvimento, conseguindo consolidar uma base industrial que nunca teve paralelo na Argentina.

Os azares da Guerra Fria e as ameaças percebidas pelas classes médias como provenientes da sindicalização excessiva do sistema político também conduziram ambos os países a episódios de autoritarismo militar. A redemocratização permitiu revigorar o processo de integração, que tinha começado no final dos anos 50, desta vez segundo um formato bilateral - um tratado para a formação de um mercado comum, de 1988. Mas a zona de livre-comércio permanece incompleta, sua união aduaneira é perfurada por inúmeras exceções e o mercado comum, prometido para 1995, é um sonho ainda distante.

O longo ensaio histórico não traz notas de rodapé, mas um capítulo final com recomendações bibliográficas, o que confirma que os autores trabalharam com literatura secundária. Uma cronologia paralela de mais de 40 páginas completa a informação histórica sobre a trajetória contrastante, poucas vezes coincidente, de dois países, que a visão otimista do presidente Roque Sáenz Peña pretendia resumir nesta frase: "Tudo nos une, nada nos separa". Talvez, mas a história ainda precisa provar essa assertiva, com a provável exceção dos campos de futebol.
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Agora a versão completa:

Hermanos, pero no mucho

Boris Fausto e Fernando J. Devoto:
Brasil e Argentina: Um ensaio de história comparada (1850-2002)
São Paulo:Editora 34, 2004, 574 p: ISNB: 85-7326-308-3

            Brasil e Argentina padecem de certa insuficiência de desenvolvimento econômico e social, sendo a maior parte dos problemas derivada de erros de gestão macroeconômica e de escolhas infelizes de suas elites políticas ao longo dos anos de formação das nações respectivas e dos momentos de ajuste aos desafios externos, no decorrer do século XX. Durante muito tempo, prevaleceu no Brasil a noção de que a Argentina era bem mais desenvolvida, graças a um maior componente “europeu” na sua formação étnica e aos maiores cuidados com a educação do seu povo. Depois, prevaleceu na Argentina a noção de que o Brasil foi mais bem sucedido na industrialização e no fortalecimento da base econômica, graças ao maior envolvimento de seu Estado na gestão macroeconômica, em lugar do liberalismo praticado naquelas margens da bacia do Prata. Hoje, se pretende avançar no desenvolvimento conjunto, mediante o Mercosul, mas as salvaguardas e os desvios ao livre comércio demonstram os limites da integração econômica.
            Essas visões, parcialmente corretas, decorrem de uma complexa realidade que é examinada com lentes cuidadosamente focadas nas particularidades nacionais por um historiador de cada um desses dois países, que colocam em perspectiva comparada, mas não necessariamente em paralelo, duas trajetórias comparáveis, na forma e no conteúdo. Eles se baseiam, neste empreendimento inédito na historiografia regional, em metodologia proposta há muitos anos pelo historiador francês Marc Bloch, que recomendava o estudo de sociedades próximas no espaço e no tempo, buscando não apenas as semelhanças, mas também as diferenças. Este “ensaio de história comparada” começa, justamente, por um excelente capítulo introdutório que discute as vantagens e modalidades do comparatismo em história.
As influências mútuas entre os dois maiores países da América do Sul foram, na verdade, limitadas, uma vez que as duas economias sempre foram relativamente excêntricas – isto é, voltadas para os parceiros privilegiados no hemisfério norte – e os regimes políticos mantiveram, contra toda racionalidade e interesses imediatos, certo distanciamento competitivo, que em alguns momentos quase descambou para a hostilidade, isto é, para a corrida armamentista e uma possível disputa pela hegemonia regional. Esta se deu desde o início da formação dos dois estados nacionais, primeiro em torno da Cisplatina – finalmente consagrada como o estado independente do Uruguai, um “algodão entre cristais”, segundo a definição do diplomata britânico que presidiu ao arranjo de 1828 –, depois a propósito do Paraguai, que antes de surgir como enclave independente, integrava o Vice-Reinado do Rio da Prata, do qual fazia parte a Bolívia, também. A diplomacia imperial sempre se preocupou em assegurar que o mesmo poder não ocuparia as duas margens do Prata, daí os conflitos com os caudilhos argentinos, que aliás se prolongaram, pelo menos como hipótese bélica, até avançado o século XX.
Os autores mostram, num jogo de contrastes e comparações, como os dois países enfrentaram, depois de superadas suas repúblicas “oligárquicas” – mais ou menos na mesma época, isto é, os anos 1930 –, seus processos respectivos de modernização econômica e política por meio de experimentos nacionalistas e populistas, politicamente identificados com as figuras de Vargas e Perón. A Argentina logrou, provavelmente, um maior grau de inserção social, mas o Brasil foi bem menos errático no seu processo de desenvolvimento, conseguindo consolidar a construção de uma base industrial que nunca teve paralelo na Argentina, que permanece ainda hoje uma economia agro-exportadora.
Os azares da Guerra Fria e as ameaças percebidas pelas classes médias como provenientes da sindicalização excessiva do sistema político também conduziram ambos os países em direção de episódios mais ou menos prolongados de autoritarismo militar. Este assumiu dimensões bem mais dramáticas na Argentina, com um custo elevado em vidas humanas e outras conseqüências menos desejáveis no plano das relações bilaterais, como o fenômeno que os autores chamam de “afinidades repressivas”.
A fase de redemocratização permitiu revigorar o processo de integração, que tinha começado no final dos anos 1950, desta vez segundo um formato bilateral – tratado para a formação de um mercado comum de 1988 – que logo se desdobrou numa dimensão quadrilateral, ao incorporar os dois vizinhos menores em 1991. O Mercosul logrou incluir outros países associados, como o Chile e a Bolívia (em 1996) e, recentemente, os demais vizinhos andinos, mas sua zona de livre-comércio permanece incompleta, sua união aduaneira é perfurada por inúmeras exceções nacionais e o mercado comum, prometido para 1995, um sonho ainda distante.
Este longo ensaio histórico (512 páginas de texto) não traz notas de rodapé, mas um capítulo final de recomendações bibliográficas, o que confirma que os dois autores, dispensando referências diretas de arquivo, trabalharam sobretudo a partir da literatura secundária, em especial sínteses históricas anteriores, o que não diminuiu em nada o seu próprio esforço de síntese. Uma cronologia paralela de mais de 40 páginas completa a informação histórica sobre a trajetória contrastante, poucas vezes coincidente, de dois países, que a visão otimista do presidente Roque Sáenz Peña pretendia resumir nesta frase: “Tudo nos une, nada nos separa”. Talvez, mas a história ainda precisa provar essa assertiva, com a provável exceção dos campos de futebol.

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)