Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
"O que se pensa ser a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele, com suor, lágrimas e sangue."
Antonio Cândido
O que os socialistas ingênuos como Antônio Cândido não entendem é que o capitalismo não é, nunca foi, um sistema articulado para propósitos definidos, e sim um processo de articulações sociais não dirigidas a objetivos explícitos, ao contrário do socialismo, um sistema autoritário, centralmente planejado, para atingir determinados fins.
Parti da seguinte argumentação do colega e amigo Tomas Guggenheim, sobre a base de um artigo do Fareed Zakaria sobre as frustrações pelo fato de a China não se ter democratizado a partir de sua caminhada para a economia de mercado:
Em 8 de out. de 2022, à(s) 10:41, Tomas Guggenheim escreveu:
Muito ilustrativo. Na fase de otimismo após o fim do império soviético, difundiu-se a versão de que a China se tornaria uma democracia com o avanço do seu setor privado e isso justificou até aprovar a classificação do país como "economia de mercado" na OMC, como se estivessem apenas adiantando uma realidade que se imporia "inevitavelmente".
Mas todos os líderes políticos, todos os interessados em política, história e até a torcida do Flamengo sabiam que o capitalismo é essencial para a preservação da democracia, mas a recíproca nunca foi verdadeira, ainda mais quando o capitalismo de estado domina os setores estratégicos da economia.
Não havia ilusão, apenas uma expectativa, que foi preservada nas manifestações dos dirigentes, grande mídia, lideres de opinião, etc porque crescia exponencialmente a terceirização, o off-shoring e a ânsia irrefreável de ter acesso ao mercado interno chinês - e são raros os que criticam um consenso que reflete interesses econômicos (e políticos) tão amplos, quase universais, se incluirmos os interesses por exportação de commodities e financiamentos dos países em desenvolvimento.
Agora, com os efeitos da COVID sobre as "cadeias de valor", a política crescentemente agressiva de Xi e a caracterização da China como uma ameaça (econômica, tecnológica e militar) aos Estados Unidos, tornou-se corrente reconhecer publicamente os riscos e inconvenientes de uma dependência excessiva daquele país e o discurso dominante mudou em consequência.
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Comentário PRA:
Os paradoxos da economia de mercado e as ambiguidades das relações entre capitalismo e democracia podem desafiar os argumentos dos melhores analistas.
Nenhum é absolutamente condicional do outro, mas é um fato que economias não capitalistas e sistemas estatizados são pouco propensos à uma democracia de mercado, e portanto mais propensos a sistemas autoritários, quando não ditatoriais.
Em primeiro lugar é preciso distinguir entre economias de mercado e capitalismo, que é apenas uma de suas muitas formas, nem sempre a mais frequente. Capitalismo é apenas um forma de organizar a produção em massa, mas economias de mercado podem ter diversas outras formas.
Vamos ver concretamente as coisas e nem preciso me referir ao livreto do Friedman de 1962, Capitalism and Freedom, no qual ele coloca que o capitalismo é uma condição necessária, mas não suficiente para uma democracia. Tem muitos senões entre um e outro.
A China é bem mais uma economia de mercado hoje do que jamais foi no passado, mas NUNCA foi uma democracia. Saiu de um império centralizado (com economia de mercado), para o caos da República, e depois mergulhou na guerra civil e no maoismo demencial, que nem criou um socialismo puro no modelo do Gosplan soviético. Pode-se dizer que os 70 anos de leninismo na Rússia realmente abalaram as bases da sociedade russa, fazendo a ficar muito pior do que sob o despotismo czarista, que estava industrializando a Rússia com base em fundamentos de mercado. Houve uma destruição de instituições de mercado, numa nação que tampouco tinha sido democrática, salvo aquilo que Weber chamou de “democracia de fachada” entre março e outubro de 1917.
Mas a China só teve uns 30 anos de maoismo demencial, que apenas desmantelou o que havia de economia natural e de mercado no país, mas conseguiu manter um sistema de governança leninista muito mais eficiente do que o bolchevismo, pois que baseado num novo tipo de mandarinato, o do PCC.
Em 2001, a China foi admitida no Gatt-OMC, mas tinha um prazo de 15 anos para provar que poderia ser uma economia de mercado, o que ela EFETIVAMENTE É, mas sob o controle do mesmo partido leninista-mandarinesco.
Em 2002, o G7 de Kananaskis reconheceu a Rússia (pós-leninista) como economia de mercado, apenas por razões políticas, sendo que a Rússia era muito menos de mercado do que a China leninista-capitalista. A Rússia só ingressou na OMC em 2015, e a China, que deveria ser admitida como economia de mercado em 2016 jamais o foi, apenas por causa de seu regime político, não pela falta de capitalismo.
Sintetizando: a China é um capitalismo com características chinesas – isto é, despotismo oriental, que atualmente é o partido leninista-meritocrático – e a Rússia é um crony-capitalism e uma cleptocracia.
Independentemente dessas considerações baseadas em exemplos práticos, não cabe a acadêmicos teorizarem sobre aquelas relações apenas com base em suposições. Eu, por exemplo, considero o Brasil um país quase fascista no controle estatal não só da economia de mercado mas sobre a vida das pessoas.
Mas, o Brasil vai ter um governo fascista se o Bozo ganhar? Não acredito nisso. Apenas terá um governo de direita, ou de extrema-direita, como muitos outros países, que são democracias de mercado.
Apenas acho que a nossa democracia é de baixíssima qualidade e nosso capitalismo é altamente controlado pelo Estado.
‘Os defensores do capitalismo perderam a guerra ideológica’, diz historiador alemão
Para o escritor, apesar da resiliência do sentimento anticapitalista, a história mostra que o sistema de livre mercado – e não o socialismo – é o maior responsável pela redução da pobreza no mundo
Entrevista com
Rainer Zitelmann, historiador e sociólogo
José Fucs, O Estado de S.Paulo
1 de junho de 2022
O historiador e sociólogo alemão Rainer Zitelmann, de 64 anos, seguiu à risca a velha máxima atribuída a Georges Clemenceau(1841-1929), ex-primeiro-ministro francês, de que “um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração e um homem que seja um socialista aos 40 não tem cabeça”.
Militante maoísta na juventude, Zitelmann se tornou um defensor entusiasmado do sistema de livre mercado e um crítico implacável do socialismo e do pensamento anticapitalista. Ex-jornalista, ex-empresário e investidor do mercado imobiliário, ele escreveu uma série de livros sobre o capitalismo e sobre os multimilionários, que se tornaram referências nas respectivas áreas.
Nesta entrevista ao Estadão, Zitelmann – que dará uma palestra na I Conferência Internacional da Liberdade, na sexta-feira, 3, em São Paulo, com transmissão ao vivo pelo YouTube – fala sobre seu livro "O capitalismo não é o problema, é a solução" (Ed. Almedina), lançado recentemente no Brasil. Ele apresenta casos concretos e argumentos em favor do livre mercado, em comparação com as experiências fracassadas do chamado “socialismo real”, e analisa a resiliência das ideias socialistas após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Discute também as questões da desigualdade e da redução da pobreza, em meio a farpas disparadas contra intelectuais e acadêmicos que, em sua visão, reforçam o sentimento anticapitalista no mundo.
O sr. afirma que o capitalismo não é o problema, é a solução. O que o leva a dizer isso de forma tão categórica?
Vou lhe dar só um dado, mas posso lhe dar outros. Há 200 anos, por volta de 1820, antes do capitalismo, 90% da população mundial viviam na pobreza extrema. Hoje, são menos de 10%. Mais da metade da queda se deu nos últimos 35 anos. Veja o que aconteceu na China. No fim dos anos 1950, 45 milhões de pessoas morreram como resultado do chamado “Grande Salto para a Frente” empreendido por Mao Tsé-Tung. Em 1981, cinco anos depois da morte de Mao, 88% da população chinesa ainda viviam em extrema pobreza. Foi mais ou menos quando eles começaram a introduzir a propriedade privada e as reformas pró-mercado no país. Hoje, menos de 1% estão nesta situação. Isso nunca aconteceu na história. Nunca tantas pessoas saíram do estado de extrema pobreza em tão pouco tempo como resultado de reformas pró-mercado.
O economista francês Thomas Piketty afirma em seu livro “O capital no século 21”, lançado em 2014, que o capitalismo levou ao aumento da desigualdade no mundo, especialmente nas últimas décadas. Como o sr. analisa a questão da desigualdade e as críticas de Piketty ao capitalismo?
Antes de mais nada, é preciso considerar que o próprio Pikettyreconhece que, na maior parte do século 20, a desigualdade diminuiu. Agora, ele diz que, a partir dos anos 1980, 1990, tempos ruins prevaleceram, levando em conta principalmente o que aconteceu nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Ironicamente, foi justamente neste período que houve o maior progresso na luta contra a pobreza extrema no mundo. Para mim, a desigualdade não é o ponto principal. A prioridade é a redução da pobreza. No caso da China, que mencionei há pouco, a desigualdade obviamente aumentou nas últimas décadas, com as reformas pró-mercado. Hoje, a China tem muito mais bilionários do que tinha antes. Nos tempos de Mao não havia um único bilionário na China. Hoje, há centenas de bilionários, tantos quanto nos Estados Unidos. Em Pequim, há mais bilionários do que em Nova York. Mas ninguém na China está pedindo para voltar aos tempos de Mao, porque havia mais igualdade naquela época.
Ironicamente, mesmo que a desigualdade tenha aumentado nos Estados Unidos, como diz Piketty, milhões de pessoas estão tentando imigrar para lá, em busca de uma vida melhor. Como o sr. vê esta questão?
Este é um dos meus principais argumentos em favor do capitalismo. É importante olhar para onde os imigrantes vão. Eles sempre vão de países com menos liberdade econômica para países com mais liberdade econômica. Na época do comunismo, ninguém falava que queria ir da Alemanha Ocidental para a Alemanha Oriental. Hoje, ninguém vai dizer que quer ir de Miami para Cuba. Talvez para passar umas férias, por umas duas semanas, e olhe lá. Ninguém diz também que quer ir da Coreia do Sul para a Coreia do Norte. Ou que quer “escapar” do capitalismo do Chile para o “paraíso socialista” da Venezuela.
Além da China e do Chile, que outros exemplos o sr. poderia citar de países que prosperaram nas últimas décadas, a partir da adoção ou do fortalecimento do sistema de livre mercado?
No Vietnã, por exemplo, eles fizeram um grande progresso econômico nos últimos 30 anos, com o aumento da liberdade econômica. As pessoas lá estão muito melhor hoje. A Polônia é um dos países que mais aumentaram a liberdade econômica no mundo nas últimas décadas. É incrível o que aconteceu lá desde a queda do comunismo. Então, na prática, o que a gente vê é que o capitalismo funciona.
“Nos anos 1990, ninguém acreditava no socialismo, porque a derrocada do comunismo era muito recente”
O sr. mencionou o caso do Chile, mas lá a esquerda, que defende maior intervenção do Estado na economia, venceu as últimas eleições. Se o sistema era tão bom no Chile, como o sr. afirma, por que a esquerda ganhou a eleição?
Às vezes, as pessoas esquecem a razão pela qual eram bem-sucedidas. O Chile alcançou um grande progresso econômico, em termos de PIB (Produto Interno Bruto) per capita e também de outros indicadores, nas últimas décadas. Muita gente não sabe, mas a desigualdade diminuiu no Chile, nos últimos 10 anos. Só que as pessoas votaram num candidato socialista. Isso não acontece só no Chile, mas em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, na Alemanha. Na China, está ocorrendo a mesma coisa. Eu tenho um amigo na China que diz que eles foram tão bem-sucedidos não por causa do Estado, mas apesar do Estado. Hoje, tem pessoas na China querendo voltar a ter mais Estado e menos mercado. Elas esqueceram a razão que as levou a ser bem-sucedidas.
Agora, no Chile, parece que havia também um desejo de mudança e uma grande rejeição pelo candidato da direita, que era pró-mercado, mas mostrava certa nostalgia pelos governos militares. Isso também não deve ser levado em conta?
Com certeza. Minha namorada, que é do Chile e vive há três anos e meio em Berlim, votou no Gabriel Boric, o candidato da esquerda, que venceu as eleições presidenciais. Votou nele porque achava que o (José Antonio) Kast, o outro candidato, era muito de direita, talvez como o Bolsonaro, no Brasil. Ela esperava que Boric fosse meio moderado. Mas agora já tem dúvidas de que tomou a decisão certa. Está vendo que ele não era tão moderado quanto imaginava e claro que ela não quer ver o Chile voltar aos tempos do (Salvador) Allende, nos anos 1970. Muita gente está tendo a mesma percepção. Há um desapontamento com o Boric. No ano passado, 78% dos eleitores do Chile votaram em favor da adoção de uma nova Constituição no país. Hoje, segundo as últimas pesquisas, a maioria se declara contra a nova Constituição, que é defendida pela esquerda e será votada em 4 de setembro.
No Brasil, está acontecendo algo parecido. O ex-presidente Lula, que é o principal candidato da esquerda nas eleições presidenciais e aparece na frente nas pesquisas, também está buscando alianças de centro, para mostrar uma face mais moderada ao eleitor. Como o sr. vê esta estratégia?
Isso não me surpreende. É sempre assim: antes das eleições, eles tentam se mostrar mais moderados, dizem que não são de esquerda, para conquistar os eleitores de centro. Eles sabem que os esquerdistas vão votar neles de qualquer jeito, mas tentam atrair, como sempre, as pessoas do centro. A minha impressão é de que o Lula está tentando fazer a mesma coisa agora no Brasil, procurando mostrar que mudou um pouco, que não é tão de esquerda e ficou mais moderado. Pode ser também que seja uma questão de falta de alternativa. O Bolsonaro, especialmente na pandemia, não foi bem, cometeu muitos erros. Acredito que o caso do Bolsonaro no Brasil é muito parecido com o do Kast, no Chile. Algumas pessoas só votaram no Boric porque não gostavam de Kast, porque ele era da direita radical.
Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, muita gente acreditava que o socialismo ficaria para trás. Mas hoje, 33 anos depois, o que se vê é que as ideias anticapitalistas não apenas sobreviveram, como se revigoraram. Em sua visão, o que explica esta resiliência do socialismo, mesmo com o fracasso do “socialismo real”?
Nos anos 1990, ninguém acreditava no socialismo, porque a derrocada do comunismo era muito recente. Mas, com o tempo, as pessoas esqueceram o que aconteceu e o anticapitalismo se tornou mais forte de novo. Mesmo na Alemanha. Nós tivemos um plebiscito no ano passado para decidir sobre a expropriação de propriedades de companhias imobiliárias com mais de 3 mil apartamentos. 56% dos eleitores em Berlim votaram pela expropriação e pela nacionalização dos apartamentos excedentes. Na Alemanha Oriental eles tinham imóveis de propriedade do Estado. Foi um desastre. Adolf Hitler congelou os aluguéis. Os comunistas fizeram a mesma coisa. Foi outro desastre. Os aluguéis eram muito baratos na Alemanha Oriental, mas, quando o Muro de Berlim caiu, 26% da população não tinham o próprio banheiro. Tinham de sair de casa para ir ao banheiro. Na Alemanha Ocidental, mesmo sem congelamento de aluguéis, todo mundo tinha o seu banheiro em casa. Quando houve a reunificação da Alemanha, foi preciso fazer um investimento de 80 bilhões de euros (R$ 408 bilhões) para construir novas casas e renovar e modernizar as antigas casas da antiga Alemanha Oriental. Mesmo assim, agora, o último governo de Berlim congelou os aluguéis e a população votou pela nacionalização dos imóveis. O filósofo (Friedrich) Hegel (1770-1831) disse certa vez que “a única coisa que você pode aprender com a história é que as pessoas não aprendem nada com ela”. É uma afirmação muito pessimista, mas ele tem um ponto aí.
“Os inimigos do capitalismo são muito mais fortes na comunicação”
O anticapitalismo parece ter um grande apelo em setores influentes da sociedade e um espaço imenso no debate. Até que ponto isso também ajuda a entender a reabilitação das ideias socialistas?
Os defensores do livre mercado perderam a guerra das ideias, a guerra ideológica. Os inimigos do capitalismo são muito mais fortes na comunicação. As pessoas que deveriam defender o capitalismo, como os empreendedores, não fazem isso. Os socialistas comparam o capitalismo real com a utopia de uma sociedade perfeita. Isso seria o equivalente a comparar o casamento de alguém não com o de outras pessoas, mas com um casamento ideal do qual se fala em algum livro. Não é justo. Se a gente comparar o nosso casamento com os de nossos amigos, talvez ele não seja tão ruim quanto pode parecer. Eu sou um historiador. Levo em conta os fatos históricos. No meu livro, não falo sobre teorias, mas de fatos, evidências. Comparo o capitalismo com o que é possível comparar, com exemplos concretos da história: Chile X Venezuela, Coréia do Sul X Coreia do Norte, Suécia nos anos 1970 X Suécia depois, o Reino Unido antes e depois da (Margaret) Thatcher. Quando você fala dos problemas que existiam na União Soviética e em outros países comunistas, eles dizem: “Nós não queremos nada parecido com o que foi a União Soviética ou a Alemanha Oriental. Queremos algo diferente, queremos socialismo de verdade”. Os socialistas tentaram de tudo. Tentaram um modelo na China diferente da União Soviética, um modelo na Iugoslávia diferente da Romênia, e assim por diante. Quando os regimes fracassam, eles não entendem que a ideia é que estava errada e não a forma como o socialismo foi implementado.
No livro, o sr. fala sobre o sentimento anticapitalista de intelectuais e acadêmicos. Em sua visão, por que eles criticam tanto o capitalismo?
Este é o meu capítulo preferido. É meio complicado, mas vou tentar explicar brevemente. Eu venho de uma família de background acadêmico. Então, estou à vontade para falar do assunto. Na visão acadêmica, quanto mais livros você lê, quanto mais conceituados são seus diplomas universitários, mais do alto você olha para as pessoas e para um homem de negócios que não leu tantos livros. Muitos intelectuais veem, talvez, que aquele vizinho pobre, que talvez fosse um mau aluno na escola e que não leu tantos livros quanto eles, hoje tem um negócio próprio ou uma franquia do McDonald’s e ganha mais dinheiro do que eles. Tem um carro melhor e uma casa maior. Isso para eles é uma prova de que o mercado falhou, porque se o mercado estivesse certo eles é que deveriam estar nesta posição. Fiz dezenas de entrevistas com os super-ricos, para um livro que escrevi sobre o tema, e me dei conta de que há o aprendizado implícito e o explícito. O aprendizado ou conhecimento implícito é o que podemos chamar de “escola da vida” ou intuição. É um jeito diferente de aprender. O aprendizado explícito é aquele baseado nos livros e no aprendizado acadêmico. Os intelectuais não entendem como funciona o aprendizado implícito. Acham que são superiores aos empreendedores, porque têm diplomas universitários ou a sabedoria dos livros e eles, não. Outro ponto importante é que, em geral, os intelectuais pensam em teorias e escrevem sobre teorias. Para o capitalismo, você não precisa de tanta teoria. É tudo desenvolvido de forma mais espontânea e não de acordo com um plano. Lênin disse que o movimento dos trabalhadores não viria das teorias socialistas e que os intelectuais é que tinham de levar o socialismo para os trabalhadores. Os intelectuais têm um papel no socialismo que não têm no capitalismo.
O sr. diz que após a queda do comunismo o pensamento anticapitalista adquiriu novas formas de expressão. A que formas exatamente o sr. se refere?
A mais importante é a defesa da ecologia e a luta contra a mudança climática. Eu não faço parte dos grupos que dizem que a mudança climática é uma mentira. Eu acredito que se trata de um problema real. Mas, para muitos dos que levantam essa bandeira, a questão ambiental não é o grande problema. Para eles, o inimigo é o mesmo, o capitalismo. Se fossem falar sobre fome e pobreza, não teriam argumentos, porque está claro que o capitalismo melhorou a vida das pessoas. Então, mudaram de foco. Outro dia li um livro da economista anticapitalista Naomi Klein. O título era Capitalismo vs. Mudança Climática. No prefácio, ela diz que não se importa tanto com a mudança climática, mas que é uma ferramenta muito importante na luta contra o capitalismo. Ao ler o livro, você vê que as ideias dela são totalmente anticapitalistas, contra o livre mercado e em defesa da economia planificada. Essas pessoas dizem que o que causa o problema ambiental é o capitalismo. Mas, se você pegar o Indice de Performance Ambiental, da Universidade Yale, e compará-lo com o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, verá que os países mais livres são os que têm os melhores resultados ambientais. Em relação ao PIB, as emissões de carbono da Alemanha Oriental eram 3 vezes maiores do que as da Alemanha Ocidental. Não havia nenhum país com piores índices ambientais do que a União Soviética.
“Eu considero o sentimento anticapitalista como um tipo de religião”
Fora a questão ambiental, o sr. afirma no livro que o movimento contra o capitalismo incorporou também a luta contra a globalização. O que o sr. pode falar sobre esta questão?
Frequentemente, a postura contra a globalização, é claro, é relacionada com o pensamento de esquerda, mas nem sempre é assim. Também é ligada ao pensamento de direta. Você tem isso na esquerda, na direita populista e na direita radical. O (Donald) Trump é um exemplo perfeito da direita contra a globalização. Na Alemanha, também tem gente de direita contra a globalização. Muitas vezes, os argumentos da direita e da esquerda são diferentes, mas no fim o resultado, o protecionismo, é o mesmo.
Na sua avaliação, considerando tudo que o sr. falou, por que o capitalismo gera tanta oposição e tantas críticas?
Eu considero o sentimento anticapitalista como um tipo de religião. No passado, há séculos, a religião era muito forte na Europa. No mundo moderno, o anticapitalismo se tornou uma nova forma de religião. O papel do diabo hoje é desempenhado pelo capitalismo. Você pode culpar o capitalismo por todos os problemas do mundo: pobreza, fome, mudanças climáticas, guerras, sexismo, racismo e até a escravidão, que foi adotada muito antes do capitalismo. Até os seus fracassos pessoais na vida você pode atribuir ao capitalismo. A diferença entre a religião e o anticapitalismo é que a religião promete o paraíso depois da morte e o socialismo promete em vida.
Leiam primeiro, se desejarem, o texto abaixo de Steve Horwitz, uma espécie de In Praise of Capitalism.
O debate é relevante, e tem a ver com a “natureza” das coisas. Acadêmicos em geral tendem a tratar o capitalismo e o socialismo (o verdadeiro, não a social-democracia) como dois “sistemas”, geralmente contrapostos: ou seja, de um lado, o capitalismo de livre mercados e propriedade privada, de outro o regime coletivista de propriedade estatal e planejamento centralizado.
Essa contraposição é totalmente errada, pois se existe um sistema concebido e implementado pelo homem, este é o socialismo, e é por isso mesmo que não funciona. O capitalismo, ou o que passa por ele, é apenas uma das formas da economia de mercados, de preferência totalmente livre e anárquico, e assim deve continuar (do contrário não funcionaria).
Meu comentário “em resposta” ao pequeno texto começa por dizer que ele é muito interessante, mas me parece heuristicamente incorreto. Trata o capitalismo como se fosse uma construção social, uma instituição que pode ser moldada por seres conscientes do funcionamento da engrenagem, segundo uma racionalidade deliberada.
Não me parece ser assim: a economia de mercado complexa — não o capitalismo, que é uma de suas formas — é um processo multiforme, não guiado intencionalmente, mas construído gradualmente, por via de ensaios e erros repetidos ao longo dos séculos.
Não cabe elogiar o capitalismo, pois ele é completamente indiferente e inconsciente dessas querenças e malquerenças dos homens, ele vai atravessando a história e se moldando e se transformando de maneira um tanto errática. Observe que existem “n” tipos de “capitalismos” ao redor do mundo, cada um diferente do outro.
Portanto, NÃO EXISTE um capitalismo a ser defendido ou atacado, apenas a economia de mercado, que deve ser deixada a mais livre possível. É assim que vejo as coisas. Paulo Roberto de Almeida
Steve Horwitz:
“ If what we care about are actual results and not intentions, there is no system more compassionate than capitalism.
Nothing else has been more responsible for lifting humanity out of poverty and misery, and nothing else has made it so possible for us to care for each other intentionally in all of the ways that we do. No other system has enabled humans to engage in compassion through charity toward strangers to anywhere near the degree we do under capitalism.
Whether you want to talk about compassion as generalized benefits for the least well off or as intentional assistance for those in need, capitalism is the most compassionate system we have.”
Grato a Joaquim Neto pela transcrição, postagem e tradução:
Achei interessante repostar.
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Mais um belo e sucinto comentário do Steve Horwitz, dessa vez bem na linha do Steven Pinker, da Deirdre McCloskey, e do Frédéric Bastiat das "Harmonias Econômicas".
É interessante notar que, talvez por causa do clima político atual (especialmente no Brasil e nos EUA), os liberais modernos tendem a enfocar o aspecto negativo da natureza humana, contrariando assim uma característica importante do Liberalismo Clássico. Nisso fazem coro com os conservadores, que batem, incessantemente, na tecla do suposto defeito de fábrica do ser humano, que é por eles conhecido como "o pecado original".
Alguns entre os liberais modernos alertam que o otimismo perante a vida e o futuro da humanidade precederam o advento do Nazismo na Alemanha. Outros, ainda mais apocalíticos, insistem que uma Terceira Guerra Mundial nos espreita. Outros ainda, insistem que estamos cada vez menos livres (o que é uma falácia). Parecem estar seduzidos por aquilo que Ayn Rand chamou de *premissa do universo malevolente*.
O resultado prático de tudo isso é que o Capitalismo (assim como o Liberalismo) deixa de inspirar as pessoas comuns, que passam a encarar a sua defesa como um mero passatempo de intelectuais de classe média e da elite, ou seja, algo que oferece vantagens para os ricos e para os milionários em detrimento do pobre e do miserável.
Está na hora do chamado "intelectual de direita" abandonar o discurso negativo e de confronto, falar menos para a sua própria tribo, e se ocupar mais em persuadir o povão, que no frigir dos ovos, é o que realmente importa.
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"Se o que nos interessa são os resultados reais e não as intenções, [devemos concluir que] não existe sistema mais compassivo do que o capitalismo.
Nada foi mais responsável por tirar a humanidade da pobreza e da miséria, e nada nos tornou tão capazes de cuidar uns dos outros, intencionalmente, e de todas as maneiras como fazemos hoje. Nenhum outro sistema permitiu que os seres humanos se envolvessem em compaixão, por meio da caridade para com os estranhos, em um grau próximo ao que fazemos sob o capitalismo.
Quer você fale sobre compaixão como benefícios generalizados para os menos favorecidos, ou como assistência intencional para os necessitados, o capitalismo é o sistema mais compassivo que temos."
With the proper safeguards, creative destruction – the process by which the new replaces the old – remains the way to greater economic growth and prosperity.
Let’s face it: Capitalism has a bad reputation these days. While it is still seen as the “least awful” of alternatives, many accuse it of having led to exploding inequality, disastrous climate change and fractured societies. For some, these consequences are enough to advocate abandoning it altogether.
In The Power of Creative Destruction, economists Philippe Aghion, Céline Antonin and Simon Bunel argue that abolishing capitalism is not the solution. Historically, a market economy has proved to be a formidable engine of prosperity, enabling societies to develop in ways that were unimaginable even two centuries ago. However, market forces cannot be given free rein. The state and civil society both have a role to play in guiding the forces of disruptive innovation that underpin growth.
Creative destruction refers to the process by which innovations continually displace existing technologies and ways of doing things. New firms continually step up to the plate and new jobs replace obsoleted ones. In sum, the new destroys the old. This constant innovation is the driving force of capitalism and the catalyst of long-term growth. However, feats of innovation aren’t heaven-sent. They are achieved by entrepreneurs motivated by the prospect of dominating over a given market. The problem is that once they manage that, they often use their might to maintain the status quo and block the natural Darwinian process.
The originator of the notion of creative destruction, Joseph Schumpeter (1883-1950), was pessimistic about the future of capitalism. He believed that powerful incumbents – think conglomerates – would eventually dominate every sector. By stifling competition, they would kill innovation and growth softly. On the strength of about 30 years of global research that yielded the body of theory and empirical evidence that Schumpeter lacked, Aghion and his co-authors are unquestionably more upbeat. Advocating a fighting optimism, their book shows there are ways to reward growth-creating innovators and, at the same time, prevent them from entrenching themselves.
Revisiting the main enigmas of economic history
History has left us with some enigmas about economic growth. Among them: Why did economic growth suddenly pick up from 1820, after being negligible for close to 2000 years? Why do some countries start to converge to the standards of living of developed countries but sputter mid-way? And why have technological revolutions so far not brought about the mass unemployment feared by the Luddites in 19th-century England and by John Maynard Keynes in 1930? The body of knowledge accumulated around creative destruction helps us solve all these enigmas and more, as shown by the following three vignettes.
The 1820 starting point of growth: The world per capita GDP was the same in the year 1000 as in the year 1 CE. From there, the average rate of yearly growth barely reached one twentieth of 1 percent. But in 1820, in the United Kingdom and then in France, economic growth suddenly picked up, reaching about 0.5 percent per year for 50 years. Why? Because of the convergence of four factors: greater transfer of knowledge (e.g. the Encyclopaedists, the weakening of overprotective guilds), effective protection of property rights, healthy competition between European nations (inventors not welcome in one country could take their brilliance elsewhere) and the development of financial instruments that dynamised innovation and risk taking.
The middle-income trap: Developing countries must implement investment-focused policies to catch up initially, but at some point, they must switch to innovation-promoting policies to compete within the world of developed economies. A crisis can help with that painful transition to a more Darwinian setting. If not, the nation’s growth stalls as the well-fed incumbents guard their turf and block new competition.
Technology as the end of jobs: The fear that machines will destroy human jobs began long ago. When William Lee presented a stocking-knitting machine to Queen Elizabeth I in 1589 (in order to get a patent), she refused, declaring: “Consider what thy invention could do to my poor subjects. It would assuredly bring them ruin by depriving them of employment, thus making them beggars.” However, we now have data to show that the impact of automation on jobs is not only positive, but it also increases over time. A 1 percent increase in automation in a plant today increases employment by 0.25 percent after two years and by 0.4 percent after ten years. This effect holds even for unskilled manufacturing workers. Automation generates productivity gains that benefit employees, consumers (via lower prices) and firms (via increased sales).
Questioning some common bits of wisdom
Creative destruction also gives us a useful lens through which to assess policy prescriptions. For instance, some believe that taxation is the sole method of making growth more inclusive. Along the same line of thinking, some insist we should tax robots, especially since they will (allegedly) create mass unemployment. Others view a complete ban on growth as the best way to fight climate change.
Aghion and his co-authors believe these policies are misguided and explain why in the book. Taxation is but one economic tool; it is just as important for the state to promote innovation to boost social mobility and raise standards of living. The focus should be on investing in education and science. More recently, the state has emerged as an investor in innovation. This is a smart move.
Taxing robots, or any new technology for that matter, goes against innovation. The state should always preserve the free entry of goods and services in the market. Will some jobs be displaced in the process? Of course, and that is why creative destruction has an important caveat, or perhaps corollary: The state must insure employees against the potentially adverse consequences of job loss.
Zero or negative growth is not the best response to climate change. Green innovation is. However, a laissez-faire economy doesn’t move spontaneously towards green innovation. On the contrary, polluting firms will naturally prefer to innovate in the same polluting technologies. So, the state must provide incentives to redirect innovation efforts. Several levers can achieve this: a carbon tax, subsidies for green innovation, technology transfers to developing countries and carbon tariffs to discourage pollution havens. Civil society also has an important role to play to persuade firms to pursue green technologies.
Rethinking the future of capitalism
Lastly, the creative destruction paradigm helps us rethink capitalism. The Covid crisis has revealed the pitfalls of capitalism, which turn out to be very different across countries. The United States has a great model of innovation, but its social model is broken. Europe (broadly) offers social welfare, but its innovation model is inadequate. The book explains how we should work towards a model of capitalism that combines the dynamism of the US innovation with the social protections afforded by a country like Denmark.
Despite Schumpeter’s initial gloom, capitalism isn’t doomed. There are ways to overcome its apparent curse. But just like innovation isn’t heaven-sent, fixing capitalism will require coordinated action, based on a solid understanding of the determinants of economic growth and prosperity.
States should pursue two types of policies simultaneously: protecting intellectual property rights on innovation on the one hand and safeguarding competition on the other. Merger and acquisition policies should also take into account the impact on innovation. The entry of smaller, potentially more innovative players, cannot be left to the good will (or distraction) of the incumbents.
Optimal innovation policies will never please the firms that have already achieved market dominance. Proper separation of power, supported and enforced by a strong civil society, is required to ensure minimal collusion between behemoth firms and the executive power. Think of it as a “magic triangle” that includes the state, the market and civil society acting as a watchdog.
Does fixing capitalism somehow involve getting rid of the 1%? The short answer is no. While innovation does help the top 1% get richer, it doesn’t impact the Gini coefficient (an index of wealth inequality within a nation). This is because innovation lifts society as a whole through promoting social mobility. This contrasts with lobbying, which also helps the rich get richer, but does nothing for innovation on top of increasing the Gini coefficient. In sum, society can reward innovators, but should never leave them in charge of policymaking.
As the engine of prosperity, creative destruction can generate a growth that is sustained, inclusive and green. Innovation is indispensable to growth, and capitalism is indispensable for innovation, but it needs to be regulated.
Philippe Aghion is a Professor of Economics at INSEAD. He is also a Professor at the College de France, a visiting professor at the London School of Economics and a fellow of the Econometric Society and of the American Academy of Arts and Sciences.
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Há muito anos, em uma passagem caricatural de minha formação, estava por contingências da época passeando por um shopping center em São Paulo. Era, então, um estudante de História que, no auge de minhas duas décadas de vida, estava convencido de que visitar um lugar tão ‘capitalista’ era uma grave traição às minhas profundas convicções de que o ‘capitalismo’ era a fonte de nossos maiores problemas, assim como à minha crença de que estávamos, eu e meia dúzia de colegas da faculdade, muito próximos da revolução que acabaria com nosso sofrimento. Entendi, ou tentei me convencer, de que minha visita ao templo do consumo me serviria como aprendizado sobre o inimigo. E assim me mantive, com a presunçosa expressão de quem conhece a História e prevê o futuro, posando de rebelde ante as vitrines cujo objetivo era, para mim, sugar o meu sangue.
Contudo, em uma das paradas que fiz para melhor observar o inimigo em seu pleno funcionamento, dei-me conta de que uma das vitrines, certamente de algum estabelecimento com presença frequente na imaginação dos bem nascidos e nas revistas que determinam a ditadura da moda, tinha como tema de sua nova coleção nada mais, nada menos, do que Ernesto Che Guevara. E, assim, fiquei intrigado buscando entender como o símbolo maior de tudo o que representava meu ódio juvenil ao capitalismo havia se transformado numa camiseta, vendida por preço tão elevado em um local que tem como nome o verbo comprar no gerúndio. E fiquei embasbacado, primeiro com o que avaliei ser o cinismo do capital, mas logo depois com a ingenuidade minha e de meus seis colegas revolucionários da faculdade que acreditávamos carregar as soluções para o mundo. Também fiquei preocupado, pois se os ‘bem nascidos’ podiam ser tão rebeldes como eu comprando uma camiseta com a estampa do Che Guevara, não me sobraria nada, nenhuma marca distintiva, nenhum charme. E, no final, nenhuma razão.
Desde então, não mais deixei de pensar sobre esta aparente contradição. E sobre como muitos já haviam tentado me alertar a repeito dela. Desde artistas da musica pop até autores e autoras supostamente mais sofisticados, como aqueles ligados à “escola da Frankfurt”. Em ambos, com reações diferentes. Alguns afirmando que a ‘coisificação’ ou a transformação de Che Guevara — ou qualquer outro entre tantos e tantos exemplos possíveis — em mercadoria era a confirmação dos males causados pelo inimigo capitalista. Outros tantos que entenderam a ingenuidade daqueles que, como eu e meus colegas da faculdade, acreditavam ser mais inteligentes do que a economia de mercado. E, no pior dos casos, quando percebi que muitos dos que entenderam tamanha contradição a usaram de modo instrumental. Ou seja, transformaram sua falsa rebeldia contra o capitalismo em fonte de renda, de manutenção do status e da riqueza, e de acúmulo de capital. Algo tão deplorável quanto aqueles que usam as liberdades da democracia para atacá-la.
Depois de tanto tempo, leio a obra do historiador italiano e professor da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega, Francesco Boldizzoni; obra cujo título em sua edição norte-americana é Foretelling the End of Capitalism: Intellectual Misadventures since Karl Marx (Harvard University Press, 2020), e que ilumina — e, de certo modo, organiza — a inquietação que carrego desde a juventude. Nela, o jovem historiador, autor de outra obra fundamental (The Poverty of Clio. Resurrecting Economic History, Princeton University Press, 2011), reconstrói a trajetória das críticas ao capitalismo antes mesmo do sistema ser assim chamado. E neste caso, não poupa ninguém. De Smith a Marx, de Malthus a Stuart Mill, de Ricardo a Paul Sweezy, entre tantos outros.
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Pela abrangência, rapidamente notamos que Boldizzoni busca reconstruir não só uma crítica ao que veio a ser chamado de capitalismo depois que Louis Blanc e Pierre-Joseph Proudhon cunharam o termo em meados do século XIX. O que o historiador italiano propõe é quase um contrafactual sobre os motivos que fizeram com que todas as previsões sobre a derrocada do sistema capitalista se provassem equivocadas — e porque elas não só se mostraram equivocadas, como também misturavam a observação com os desejos daqueles que a formulavam. Neste sentido, as previsões sobre o fim do capitalismo estiveram mais relacionadas às projeções carregadas de certa arrogância daqueles que tem, quase que religiosamente, a convicção de que são capazes de prever o futuro. Mais do que a qualquer método em tese cientifico.
Não que as críticas aos resultados visíveis do capitalismo não tivessem fundamentos ou fossem frutos exclusivos de má vontade. Ao contrário, os esforços que combinavam a tentativa de formulação de princípios gerais que, ao mesmo tempo, contemplassem os elementos fundamentais do sistema, a observação empírica e a projeção de resultados verificáveis no tempo eram feitos de maneira séria. Os exemplos são muitos e formam a parte mais sedutora do livro de Boldizzoni. A identificação da contradição entre a necessidade de ampliação dos lucros e os limites da exploração do trabalho, da desigualdade persistente em meio à ampliação da riqueza, dos conflitos entre o aumento da competição e a concentração monopolista ou do ritmo diferente entre o avanço da tecnologia e o crescimento do emprego. Todas elas estavam amparadas em dados e em observações pertinentes sobre a realidade. Por isso serviram de sustentação às hipóteses e às propostas de intervenção que se mostraram parcialmente acertadas, desde a crítica marxista ancorada na fotografia que seus formuladores tiraram em 1848 até a percepção de Stuart Mill sobre os limites de uma sociedade utilitarista como defendida por Bentham (inclusive os limites ambientais, tema antecipado na Inglaterra Vitoriana). Não só: também a percepção de que os ganhos fortemente concentrados transbordaram de modo a contemplar os trabalhadores e, por isso, a opção revolucionária contra o capitalismo ganharia uma concorrente relevante, consubstanciada pela social-democracia e pela defesa de um capitalismo reformado e carregado de preocupações sociais.
O problema, já antecipado pela genial Deirdre McCloskey, é o enrijecimento dos pressupostos sobre o funcionamento do capitalismo e, principalmente, de seus elementos passíveis de crítica. Por isso, ainda segundo McCloskey, as projeções sobre sua possível derrocada falham sistematicamente — ao que, parcialmente, Boldizzoni concorda, não obstante identificar importantes adaptações feitas pelos críticos. Principalmente após 1929, tido por muitos, à época, como o exemplo maior da validade da análise e projeção marxista — mas que, como sabemos, mostrou-se muito aquém do papel de aceleradora da crise final do capitalismo. O mesmo vale para a 1973 ou para 2008.
O que o historiador italiano acertadamente tenta fazer é achar o equívoco das projeções que determinavam o fim do capitalismo nos itens tidos como essenciais ao sistema. E, diferentemente de McCloskey, não apontar para a permanência de um arcabouço teórico que, fundamentalmente, usa de modo estático e duzentos anos depois a mesma fotografia tirada em 1848 para formular seu entendimento, sua projeção e, consequentemente, sua crítica ao capitalismo. Boldizzoni, ao contrário, aponta para as inúmeras adaptações feitas pelos críticos do capitalismo conforme a História mostrava resultados diferentes. O problema, segundo ele, é que os elementos apontados como fundamentais pelos críticos do capitalismo estão, no mínimo, incompletos.
Desta forma, diz que a combinação entre a manutenção de certa hierarquia herdada de uma Europa aristocrática e um individualismo forjado pelo humanismo renascentista e pelos seus herdeiros liberais e iluministas torna o capitalismo resistente às crises que enfrenta. Como se, entre a hierarquia e o individualismo, o capitalismo suportasse o peso de suas crises exatamente porque se movimenta de um lado a outro até que encontre um novo equilíbrio. Sem romper com suas fronteiras.
O que Boldizzoni não identifica é que estas fronteiras — a hierarquia e o individualismo —, mesmo que permaneçam as mesmas, também se movimentam, criando geometrias variáveis. Por um lado, os novos formatos resultantes da expansão e contração tanto da hierarquia quanto do individualismo revelam a não linearidade de funcionamento do sistema capitalista. Ou seja, produzem resultados novos cuja intensidade e qualidade não são lineares e são, portanto, desiguais. Contudo, por outro lado, são refeitos de modo tão veloz que sempre deixam brechas para que, por meio de elementos como o consumo, despertem a quase imediata adesão da população. E o consumo, ao contrário, não é a projeção do individualismo, e sim a possibilidade de encontro social. Não à toa e espertamente (para não dizer de forma hipócrita) o consumo foi usado como símbolo de ascensão social por governos recentes que se dizem de esquerda. Sem sequer gerar rubor.
Desta forma, o capitalismo é muito menos o sistema ancorado na exploração, na concentração, na rígida hierarquia e no individualismo do que no consumo presente e projetado. Por isso, muito mais flexível do que seus críticos previam no século XIX. A ponto de transformar seus adversários em mercadorias. Assim como eu descobri quando percebi que não existia muita diferença entre mim e qualquer pessoa que, mesmo não tendo a menor ideia de quem foi e o que representa Che Guevara, poderia ter duas camisetas com a estampa do revolucionário argentino à frente. Bastava comprá-las no shopping. O impacto positivo à reprodução do capitalismo era maior do que a contribuição que o companheiro de Fidel era capaz de dar à queda do mesmo capitalismo.
Por isso, ao ler a obra de Boldizzoni lembrei-me de meu passeio pelo shopping. Naquele dia descobri que o capitalismo é mais inteligente, ágil e flexível do que as projeções sobre sua queda e seus costumeiros críticos são capazes de ser. E isso me gerou um estranho sentimento de liberdade, meu companheiro desde então.
Mini-reflexão sobre as agruras existenciais de acadêmicos sobre as “teorias” do racismo e sua relação com o “capitalismo”
Paulo Roberto de Almeida
Debate mais ou menos inútil para saber se as teorias racistas precedem ou não o “capitalismo”, esse superlativo conceitual que nem era usado por Marx — que preferia falar em modo de produção burguês —, mas que enche a boca de acadêmicos e de jornalistas.
Sempre existiu racismo, em todos os tempos, latitudes e longitudes; se existiam teorias ou não, isso é coisa de acadêmicos. Fatos reais precedem teorias; se as teorias existem, pré-existem ou subsistem, isso não afeta minimamente a existência do racismo, ou dos fatos em seu redor.
Apenas acadêmicos precisam das muletas mentais das teorias para entenderem a realidade. Os historiadores mais sensatos preferem primeiro investigar os fatos: se o fazem com a ajuda das muletas mentais ou não, isso não afeta os fatos, desde que precisamente e honestamente expostos.
Em tempo: Darwin nunca teve nenhuma teoria racista; ele apenas andava atrás dos fatos, e só se angustiava com o fato desses fatos contradizerem o seu livro sagrado, daí a demora em expor a sua teoria da seleção natural. Só se decidiu pela ameaça de concorrente que chegou às mesmas conclusões por outras vias.
Quem construiu teorias equivocadas na sequência foram Gobineau e Spencer, dois acadêmicos equivocados, mas “convenientes” para os manipuladores que os seguiram, criando teorias estapafúrdias no seu seguimento. Rosenberg e Hitler, por exemplo, exageraram na dose, provocando uma das maiores tragédias, senão a maior, da Humanidade. Não eram teóricos, nem acadêmicos, mas seduziram muitos acadêmicos e jornalistas, assim como o populacho em geral.
Os fatos continuaram existindo, independentemente dos equívocos conceituais e das falcatruas monstruosas criadas em torno deles.
A teoria da seleção natural, aliás, continua subsistindo, a despeito da bestialidade do criacionismo, do desenho inteligente e de outras bobagens inventadas depois, que nem são coisas sustentáveis, de verdadeiros acadêmicos, e sim “produções” mambembes de fundamentalistas religiosos.
Darwin morreu na sua religião, embora um pouco angustiado com a sua “descoberta” de fatos. Ele não os inventou; apenas expôs, com base na sua atenta observação da realidade.
De vez em quando é preciso colocar ordem na confusão mental.
O que deu nos editores da Economist? Foram afetados por alguma disfunção mental temporária? Ou estão sendo influenciados por economistas utópicos? Trata-se, provavelmente, da primeira vez em mais de 160 anos que a Economist sai da sua proverbial circunspecção em torno das economias de mercado e dos sistemas democráticos para pretender ensinar aos capitalistas, políticos e povo em geral, como eles devem se comportar para "melhorar" o capitalismo. O que está havendo com a Economist? Seus editorialistas estão de porre? Eles pretendem adjetivar o capitalismo, e dizer o que é bom, ou mau, para esse regime econômico. Acho que eles deveriam esquecer essa função pedagógica no sentido de corrigir tendências contra as quais eles não podem fazer nada. Melhor falar de cultura... Paulo Roberto de Almeida O CAPITALISMO NÃO ANDA BEM!
(The Economist - O Estado de S. Paulo, 4/09/2019) O capitalismo não está funcionando como deveria. Empregos existem, mas o crescimento se arrasta, a desigualdade é alta e o meio ambiente está sofrendo. Seria de se esperar que os governos fizessem reformas para enfrentar esses problemas, mas a política anda travada ou é instável. Quem, então, vai se encarregar do resgate?
Um número grande de pessoas acredita que a resposta é confiar nas corporações. Mesmo os executivos americanos, conhecidos por ignorar limites, concordam. Na semana passada, mais de 180 deles, incluindo os chefes do Walmart e do JPMorgan Chase, derrubaram três décadas de ortodoxia para anunciar que o propósito básico de suas empresas não é mais beneficiar apenas os donos, mas clientes, funcionários, fornecedores e comunidade.
A motivação deles é tática e parte de uma mudança de atitude contra os negócios. Funcionários jovens querem trabalhar para firmas que adotem padrões morais e políticos em relação a questões atuais.
Por melhores que sejam as intenções, porém, essa nova forma de capitalismo coletivo terminará provocando mais males que benefícios. Há riscos de se formar uma classe de executivos inexperientes e sem legitimidade. Há também uma ameaça à prosperidade de longo prazo, condição básica ao sucesso do capitalismo.
Desde que os negócios ganharam confiança limitada na Grã-Bretanha e na França, no século 19, discute-se o que a sociedade pode esperar em retorno. No anos 1950 e 1960, Estados Unidos e Europa experimentaram o capitalismo gerencial, no qual empresas gigantes trabalhavam com governo e sindicatos e ofereciam aos trabalhadores segurança no emprego e benefícios. Mas, após a estagnação dos anos 1970, o enriquecimento dos acionistas passou a dominar, no processo de maximizar os lucros. Sindicatos entraram em declínio e o sucesso dos acionistas conquistou os Estados Unidos e em seguida a Europa e o Japão.
É esse modelo que está sob ataque. Como parte da investida, há um perceptível declínio na ética dos negócios. Empresas listadas em bolsas são acusadas de uma série de pecados, como obsessão por ganhos de curto prazo, investimentos irresponsáveis, exploração de funcionários, achatamento de salários e recusa em pagar por danos ambientais que criaram.
Algumas das advertências são verdadeiras. Consumidores frequentemente saem perdendo e a mobilidade social afundou. De qualquer modo, a reação popular e intelectual ao lucro a qualquer preço já está alterando a tomada de decisões. Líderes empresariais passaram a apoiar causas sociais populares entre clientes e funcionários. Empresas investem levando em conta não apenas eficiência. A Microsoft está financiando um projeto habitacional de US$ 500 milhões em Seattle.
Parece ótimo, mas o capitalismo coletivo enfrenta dois grandes problemas: ausência de responsabilidade ética e de dinamismo. Em relação à ética, não está claro como os executivos ficarão sabendo o que a “sociedade” espera de suas empresas. As probabilidades são de que políticos, lobistas e os próprios executivos venham a decidir, não dando voz às pessoas comuns.
O segundo problema é o dinamismo. As empresas têm de abandonar pelo menos alguns participantes – um número necessário para enxugar uma empresa obsoleta e realocar capital.
O meio de fazer o capitalismo funcionar melhor não é limitar a responsabilidade ética e o dinamismo, mas aperfeiçoar ambos. Isso requer que os propósitos das empresas sejam estabelecidos pelos donos e não por executivos ou políticos. A maioria deles vai optar por maximizar valores de longo prazo.
Um bom modo de fazer empresas com mais responsabilidade ética é ampliar o número de proprietários. A proporção de famílias americanas ligadas ao mercado de ações é de apenas 50%. O sistema tributário deveria encorajar mais o compartilhamento da propriedade. Os beneficiários finais de planos de pensão e fundos de investimento deveriam poder votar em eleições de diretoria. Esse poder não deveria ser terceirizado para poucos barões da indústria de gestão de ativos.
Responsabilidade ética só funciona se houver competição. Isso faz baixar preços, impulsiona a produtividade e garante que empresas não consigam ter por muito tempo lucros fora do normal. Mais ainda: estimula as empresas a se anteciparem às mudanças – por medo de que um concorrente faça isso primeiro.
Infelizmente, desde os anos 90 a consolidação deixou dois terços das indústrias dos Estados Unidos mais concentradas. Ao mesmo tempo, a economia digital parece tender ao monopólio. Se os lucros das empresas estivessem em níveis historicamente normais, e os trabalhadores do setor privado usufruíssem os benefícios, os salários seriam 6% mais altos. Na lista dos 180 empresários americanos que se reuniram na semana passada, muitos estão em indústrias que são oligopólios – incluindo cartões de crédito, TV a cabo, farmacêuticas e empresas aéreas –, que cobram demais dos consumidores. Sem surpresa, ninguém estava ansioso para reduzir as barreiras para ingresso no clube.
Obviamente, uma economia competitiva e saudável requer um governo efetivo – para aplicar leis antitruste, reprimir lobismo e nepotismo excessivos, lidar com as mudanças climáticas. Essa política ideal não existe, mas dar poder a executivos de grandes empresas para atuar como substitutos não é a resposta. O mundo precisa de inovação, de um maior número de proprietários e de empresas que se adaptem às necessidades da sociedade. É esse realmente o tipo mais esclarecido de capitalismo.