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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 31 de março de 2014

O regime militar e a oposicao armada (5): O que foi a luta armada no Brasil? - Paulo Roberto de Almeida

regime militar e a oposição armada (5):
um retrospecto histórico, por um observador engajado

Paulo Roberto de Almeida

Sumário:
1. Antecedentes e contexto do golpe militar de 1964
(ver neste link)
2. A reação dos perdedores: resistência política e luta armada
(ver neste link)
3. A passagem à luta armada: a insensatez em ação
(ver neste link)
4. A derrota da luta armada e suas consequências: uma história a ser escrita
(ver neste link)


5. O que foi a luta armada no Brasil: uma interpretação pessoal
Ela foi um empreendimento essencialmente artificial, conduzido por um reduzido número de militantes radicais que, interpretando mal os sinais de descontentamento de certa fração da comunidade politizada que tinha sido alijada do poder com a derrocada (quase sem traumas) do incompetente governo do presidente Goulart, resolveu passar à “ação”, não para se encaixar numa continuidade que poderia ser considerada “natural” da luta política – ou seja, um exercício de “resistência” incontornável em face de uma situação absolutamente opressiva – mas para atender a estímulos vindos de fora, basicamente das lideranças cubanas. Não havia, nem nunca houve sob o regime militar, um fechamento completo de todas as possibilidades de resistência e de luta política contra o governo, como o provam as inúmeras ações, processos e coalizões que se formaram para combatê-lo, seja por parte de forças políticas temporariamente alijadas do poder, seja ainda por frações da própria esquerda tradicional (o Partidão, por exemplo, que sempre condenou as ações dos guerrilheiros, chamando-os de “patriotas equivocados”).
Em outros termos, a luta armada não correspondia ao desdobramento natural, e necessário, em face de uma situação de bloqueio de todas as demais possibilidades de luta política para que fossem atingidos os fins pretendidos, sejam estes a “volta à democracia” – como alegam, hoje, mentirosamente, os derrotados vingativos –, sejam eles qualquer forma de “democracia popular” (como, aliás, vem ocorrendo hoje em diversos países da América Latina, pelo voto livre da população). O Brasil certamente não era a Argélia dos anos 1950, quando todas as possibilidades de autonomia tinham sido fechadas pelo colonizador; nem uma tirania despótica, como certos regimes asiáticos, ou mesmo latino-americanos, cuja caricatura foi feita em ampla literatura sobre os “supremos ditadores” da região. O Brasil dos militares era um regime modernizador autoritário, à la Bismarck, como aliás caracterizado em trabalhos de brasilianistas e como, justamente, consideravam ser uma “via rápida” e aceitável de modernização “pelo alto” personalidades da esquerda como Hélio Jaguaribe, por sinal exilado durante algum tempo por sua identificação com o governo anterior.
A luta armada no Brasil não se colocou, portanto, como a única via de luta política contra o regime militar e ela só veio a existir pela análise fundamentalmente errada que fizeram de sua dinâmica alguns líderes radicais da esquerda brasileira e pelo estímulo oportunista – pela sua própria necessidade de sobrevivência, num contexto relativamente hostil – que lhe deram os líderes comunistas cubanos. Sem esses dois elementos, o do equívoco de análise e o dos meios materiais e o incentivo político dos líderes cubanos – aliás muito admirados, e não só pelos engajados na luta armada, como por largas frações da juventude e da opinião pública mal informada, como até hoje, por sinal – a luta armada provavelmente jamais teria existido no Brasil.

 (continua...)

O regime militar e a oposição armada (4): A derrota da luta armada e suas consequências - Paulo Roberto de Almeida

regime militar e a oposição armada (4):
um retrospecto histórico, por um observador engajado

Paulo Roberto de Almeida

Sumário:
1. Antecedentes e contexto do golpe militar de 1964
(ver neste link)
2. A reação dos perdedores: resistência política e luta armada
(ver neste link)
3. A passagem à luta armada: a insensatez em ação
(ver neste link)


4. A derrota da luta armada e suas consequências: uma história a ser escrita
A luta armada no Brasil, à diferença de outros experimentos guerrilheiros na América Latina, e de guerras civis na Ásia ou na África, foi relativamente breve, pouco cruenta e atingiu uma fração mínima da população, se é que se pode falar em população, no caso de umas poucas centenas de engajados ativos em seus diversos exercícios tentativos e alguns milhares de militares e policiais dedicados à sua repressão. Ela pode ter uma extensão maior, se considerarmos os primeiros ensaios, quase patéticos, dos brizolistas na imediata sequência da mudança de regime em 1964.
No seu conceito mais restrito, porém, consistindo nas diversas iniciativas de inspiração cubana, de natureza mais urbana do que rural, ela durou, provavelmente, menos de seis anos, aos quais podem ser acrescentados os quatro ou cinco de guerrilha “maoísta” nas selvas do Araguaia, até meados da década seguinte. A maior parte desses experimentos foi bisonha, com muita improvisação, quase nenhuma inspiração, alguma transpiração, mas a repressão, no começo despreparada, foi brutal e eficaz: todos os focos, nas cidades e nos campos, foram eliminados a partir do planejamento e do engajamento dos militares nas tarefas da repressão direta, que contou mais com força bruta do que propriamente com inteligência: ela também foi feita mais de transpiração do que de inspiração.
A luta armada no Brasil obedeceu, com a exceção do episódio maoísta na região do Araguaia, a uma inspiração essencialmente cubana, ainda que métodos, situações políticas e, obviamente, elementos humanos tenham sido totalmente diversos no Brasil do que foi a guerra de guerrilhas em Cuba, que teria supostamente servido de modelo para os empreendimentos realizados no Brasil de meados dos anos 1960 ao início da década seguinte. A revolução cubana foi, de fato, um fenômeno eletrizante no contexto latino-americano, bem mais do que sua importância real na história política do século 20 ou do que sua capacidade de transformar significativamente a realidade nos países da região. Todos os experimentos realizados sob sua inspiração direta – e na maior parte dos casos com seu apoio material – fracassaram: ou foram fragorosamente derrotados militarmente, ou se extinguiram por ineficácia prática, ou, ainda, sobreviveram apenas como deformação grotesca do projeto original, como no caso dos grupos guerrilheiros narcotraficantes da Colômbia e do Peru, convertidos em meros criminosos, traficantes e sequestradores. Os dois países, e os Estados Unidos, não hesitam em chamá-los de terroristas, uma classificação nem sempre aceita por certos governos supostamente progressistas da região.
No Brasil, a importância da luta armada foi bastante reduzida, em termos práticos, ainda que a própria esquerda, e seus escribas gramscianos, e também os militares, tenham a ela atribuído uma relevância histórica que efetivamente ela não tem e nunca teve; uma perspectiva histórica de mais longo prazo se encarregará de minimizar sua importância na história contemporânea do Brasil. A luta armada foi um fenômeno marginal, e os poucos casos de terrorismo mais marginais ainda, mas uma história isenta, completa, não passional, de todos os seus aspectos ainda está para ser escrita. Ela não foi tão traumática quanto o foi na Argentina, no Chile, no Peru e na Colômbia, para ficar nos casos mais relevantes, nem todos similares em dimensão, características e impacto residual, ou permanente. Em vários desses países, o grau de repressão foi tão vasto, que mesmo as lideranças políticas mais moderadas tiveram de acenar com algum “julgamento da História”, quando não com julgamentos reais. A dimensão da luta armada no Brasil não justificaria, provavelmente, esse tipo de retomada das feridas, não fosse pelo fato de os derrotados terem chegado ao poder.

(continua...) 

Otaviano Canuto: o Brasil nao esta a beira de uma crise fiscal (revista Epoca)

Entrevista: Otaviano Canuto, conselheiro-sênior para economias dos BRICS do Banco Mundial

“O Brasil não está à beira de uma crise fiscal”

Por Luís Artur Nogueira
Revista Época, 2/03/2014

Há 11 anos trabalhando em Washington, o economista sergipano Otaviano Canuto, de 58 anos, já ocupou diversos cargos no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Nesse período, teve o privilégio de acompanhar os desdobramentos econômicos no Brasil, sem se deixar contaminar pelo debate político-eleitoral. Além disso, conversa rotineiramente com empresários e investidores estrangeiros interessados em obter informações sobre o País. Em visita à Universidade de São Paulo, na quarta-feira 26, Canuto concedeu entrevista à DINHEIRO em meio às repercussões sobre o rebaixamento do Brasil pela Standard and Poor’s (S&P). 

Qual é a sua visão sobre a situação fiscal do Brasil?
Eu noto um certo descompasso entre a visão de fora, do Exterior, e a visão de dentro do País. Até porque a visão interna é um pouco impregnada por questões políticas, o que é normal numa democracia, ainda mais em ano de eleição. 

Mas a visão externa, da S&P, também não é boa...
O que as agências de classificação de risco fazem não é dizer se o Brasil é bom ou ruim, nem se é um bom lugar para investir ou não. O rating dessas instituições é uma tentativa de opinar sobre a probabilidade de pagamento dos países. O importante, no caso da Standard & Poor’s, é que a redução da nota brasileira não foi acompanhada de algum tipo de “olha, teve essa redução e pode ter mais”. Aí, sim, a coisa complicaria, porque o mercado se anteciparia a possíveis rebaixamentos, o que colocaria o País numa zona perigosa. 

Então, a perspectiva estável da nota traz tranquilidade ao País?
Sim, afinal de contas o País não está à beira de uma crise fiscal. E, não por acaso, o rebaixamento já estava meio “precificado” pelo mercado. O mais importante é que o Brasil continua sendo grau de investimento. Na hora de avaliar a relação dívida/PIB, é preciso levar em consideração o crescimento econômico, o tamanho do superávit primário e a visão do prêmio de risco que o mercado está exigindo. Dessas três variáveis, a única sobre a qual o governo tem poder imediato é o superávit. De fato, se nós compararmos o Brasil de hoje com o de quatro anos atrás, a dívida bruta piorou um pouco.

É um quadro preocupante? 
Não se trata de uma situação de deterioração fiscal que esteja prenunciando uma crise. Porém, a evolução desse quadro vai depender do que acontecerá com a dívida pública no futuro. Do lado do crescimento, tudo o mais permanecendo constante, o sinal é para cima. 

O que justifica, na sua avaliação, essa tendência de alta do PIB?
A mudança de postura do governo em relação a concessões, atraindo investimentos na área de infraestrutura. O que está segurando o crescimento no Brasil é a carência de investimentos em infraestrutura, que gera um ônus muito grande em vários setores da economia. O Banco Mundial fez um estudo, em 2006, que apontou uma perda de 30% na produção de soja por conta dos gargalos logísticos como armazenamento, transporte e portos. Eu duvido que esses problemas não se repitam em outros setores. O desperdício de recursos e os riscos associados à insegurança energética reduzem a produtividade da economia. Se o País conseguir deslanchar numa onda de investimentos em infraestrutura, os ganhos de produtividade serão generalizados. 

Que outros fatores podem ajudar o PIB?
Sem dúvida, o ambiente de negócios no Brasil. A estrutura jurídico-institucional impõe um desperdício de materiais humanos, sem a contrapartida de valor. O tempo que se requer no Brasil para uma licença de construção é um absurdo, e há problemas em todos os níveis de governo. Para não falar no óbvio, que é o numero de homens-hora que uma empresa gasta para pagar impostos. Não estamos falando de carga tributária, mas o quanto se gasta para conseguir cumprir todas as normas. Isso é desperdício de gente qualificada e de recursos humanos. Além disso, creio que há uma margem de ganho por maior eficiência no gasto público. 

De que forma?
Se o País adotasse uma maior transparência não apenas nas grandes obras, mas em todos os gastos, com licitações eletrônicas, certamente haveria menos desvios e mais competição, o que reduziria os gastos públicos. Essa agenda me parece tão óbvia que quem ganhar a eleição vai perceber o potencial de ganhos de produtividade que isso tem. 

Quando o Banco Mundial discute o Brasil, qual é o ponto mais exaltado?
A redução da pobreza, nos últimos anos. Esse, aliás, era o ponto que nos dava mais vergonha.

O Bolsa Família é um símbolo disso?
É um símbolo, mas a redução da pobreza é explicada também pela melhora nos índices de escolaridade da população. Há muito o que avançar na qualidade da educação, mas a simples mudança no nível educacional básico já tem feito uma diferença enorme. 

E o tema mais criticado?
O que me dá agonia é o ambiente de negócios, porque há coisas irracionais. 

Se um investidor estrangeiro chega para o senhor e diz que é difícil fazer negócios no Brasil...
Não tenho o que falar para ele. É inexplicável. Com medo, o investidor arranja um sócio brasileiro e já calcula o custo que terá para contratar um exército de advogados e contadores. No final, é claro, coloca tudo isso no preço. Isso é um impedimento para pequenos e médios empresários estrangeiros que gostariam muito de ter negócios no Brasil. Além disso, esses advogados e contadores poderiam estar fazendo coisas mais úteis dentro da empresa do que enxugar gelo. Essa reclamação eu escuto sempre dos estrangeiros. 

O Brasil precisa mudar a sua imagem no Exterior? 
Trabalhar a imagem ajuda, mas não sem antes mudar a realidade. As pessoas olham para o País com um potencial enorme, muita riqueza natural, instituições democráticas e uma cultura que é muito amigável ao investimento externo. Tanto que, a despeito de todos esses empecilhos, continua sendo um polo de atração de investimento direto estrangeiro. Só que poderia ser muito mais, com greenfields, novas unidades produtivas. 

Estamos comemorando 20 anos do Real. Por que a inflação ainda é manchete econômica no Brasil?
Porque ela está rodando acima do centro da meta. Acho que o ideal seria combinar a política monetária com uma política fiscal condizente. A política monetária é o instrumento principal, mas, evidentemente, sua eficácia seria maior se conseguisse convencer os agentes a alterar suas expectativas. Alterando expectativas, ela diminui o ritmo de repasses e, olhando para a frente, os ajustes de preços passam a ser menores. Mas isso precisa de uma sintonia com a política fiscal. A boa notícia é a clara percepção que o governo federal teve de ajustar a política fiscal, nesse contexto. No entanto, não se consegue isso da noite para o dia, porque parte dessa deterioração no problema fiscal diz respeito a gastos que são automáticos e que precisam de reformas estruturais para serem alterados. 

Colaborou: Carolina Oms

O regime militar e a oposicao armada (3): A passagem a luta armada: a insensatez em acao - Paulo Roberto de Almeida

regime militar e a oposição armada (3):
um retrospecto histórico, por um observador engajado

Paulo Roberto de Almeida

Sumário:
1. Antecedentes e contexto do golpe militar de 1964
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2. A reação dos perdedores: resistência política e luta armada
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3. A passagem à luta armada: a insensatez em ação
Repercutia então – em torno de 1966 – a palavra de ordem de Ché Guevara que era a de “criar dois, três, muitos Vietnãs”, como forma de ajudar a guerrilha vietcong a vencer o imperialismo. Não se sabia, então, onde estava o comandante Ché Guevara, que se tinha despedido oficialmente de Cuba, e de seus cargos cubanos, desde 1965, para continuar, como diziam os líderes cubanos, sua obra de revolucionário em outros continentes. Dois anos depois ele terminaria a vida nas selvas da Bolívia, maltrapilho, faminto, entregue à sua própria sorte, já que o Partido Comunista boliviano ignorou-o.
Pouco depois, mesmo em face do completo fracasso da aventura guerrilheira de Ché Guevara na Bolívia, os grupos que se estavam se preparando para a luta armada no Brasil passaram à ação, com ataques a quarteis, atentados a bomba, assaltos a bancos (chamados de “expropriações”) e de municiamento em armas e munições, embora de forma desorganizada e improvisada, como logo se constatou. Em 1966, um dirigente do PCB, Carlos Marighella, que tinha participado das reuniões de Havana e rompido com o Partidão, criou, com alguns outros companheiros e muitos recrutas do movimento estudantil, a Ação de Libertação Nacional: esta passou imediatamente a emitir palavras de ordem no sentido de atacar os militares e outros representantes da ditadura.
Numa primeira fase se tratava de ações simbólicas, e logísticas – ou seja, de levantamento de fundos – que seriam seguidas, esperava-se, de revoltas populares e de greves de trabalhadores, que todas contribuiriam para o “acirramento de contradições” e a passagem à fase ulterior da luta, com brigadas e unidades completas armadas, que seriam capazes de vencer o exército a serviço da burguesia e do imperialismo. Em qualquer hipótese, a passagem às ações armadas se deu muito tempo antes do AI-5, de dezembro de 1968. A partir daí, em vista do recrudescimento dos ataques de grupos armados de guerrilheiros urbanos, é que ocorreu o verdadeiro endurecimento do regime militar, desafiado por ataques diretos às suas instalações, com perda de vidas dentre os seus membros.
O ano de 1968 parecia ensejar, de fato, grandes progressos para os movimentos de resistência à ditadura. A despeito da morte de Ché Guevara, na Bolívia, em outubro do ano anterior, pipocavam por todas as partes, na região e no Brasil, ações armadas que pareciam prenunciar a ascensão dos grupos guerrilheiros que iriam se lançar na “guerra” contra o regime militar. Não se percebia muito bem que, por mais espetaculares que fossem as ações do punhado de militantes que tinham decidido pegar em armas – assaltos a bancos, roubos de armas, ataques a quartéis, “justiçamento” de um “espião americano” (como o capitão Charles Chandler) ou de algum “esbirro da ditadura” –, elas não iriam levar, por si só, à formação das colunas guerrilheiras (ao estilo cubano) ou do “exército popular” (como no exemplo chinês) que conduziria os grupos guerrilheiros à tomada do poder.
A população permanecia relativamente indiferente a esses apelos à “luta armada”, e os trabalhadores já tinham preocupação suficiente com a defesa de seus salários, num ambiente inflacionário que permanecia renitentemente inercial e sustentado. A relativa intensidade dos ataques a bancos e a outros alvos táticos dava a impressão que os movimentos de luta armada estavam crescendo, quando na verdade eles apenas procuravam sustentar-se a si próprios, independentemente de qualquer debate político mais estratégico ou de ações efetivas de organização da população. A situação se inverteu rapidamente: padres dominicanos – um dos quais continua ativo e com as mesmas ideias que tinha naquela época – que serviam de contato com um dos líderes mais famosos da guerrilha, Carlos Marighella, foram presos no segundo semestre de 1969.
Poucos dias depois, mais exatamente em 4 de novembro de 1969, Marighella foi morto num “encontro” com a polícia política, encontro ao qual um dos dominicanos foi levado como “isca”. O choque foi brutal, e a partir daí o ambiente psicológico foi, na verdade, não mais de avanços na luta contra a ditadura, mas de simples busca de sobrevivência, quando os grupos existentes – bastante divididos entre si – e os seus “combatentes” procuravam, mais concretamente, encontrar meios e formas para continuar livres, e vivos, esperando alguma mudança positiva no futuro de médio ou longo prazo, ou seja, uma crise do sistema, greves operárias e levantes da população contra o regime. Nada disso ocorreu, obviamente.
A fase seguinte da guerrilha urbana foi marcada por diversos sequestros de diplomatas, apenas como forma de libertar os guerrilheiros ou opositores já presos, e submetidos a tortura, muitos deles. Se tratava de uma luta de sobrevivência, que se arrastou durante dois ou três anos mais, até a completa dispersão dos grupos de luta armada. No refluxo dos movimentos de guerrilha urbana anti-regime militar, cada um buscou as melhores soluções de sobrevivência num quadro de aumento da repressão ditatorial, de censura, de prisões arbitrárias. Essa fase coincidiu com a descoberta de núcleos rurais preparatórios a uma futura guerrilha na região do Araguaia, sob a responsabilidade do PCdoB: essa “frente” – na verdade, focos dispersos numa região de penetração muito difícil – foi desbaratada, depois de muito esforço por parte das forças do Exército, não sem novas exações e abusos por parte dos militares.

(continua...)