3. A passagem à luta armada: a insensatez em ação
(ver neste link)
4. A derrota
da luta armada e suas consequências: uma história a ser escrita
A luta armada no Brasil, à
diferença de outros experimentos guerrilheiros na América Latina, e de guerras
civis na Ásia ou na África, foi relativamente breve, pouco cruenta e atingiu
uma fração mínima da população, se é que se pode falar em população, no caso de
umas poucas centenas de engajados ativos em seus diversos exercícios tentativos
e alguns milhares de militares e policiais dedicados à sua repressão. Ela pode
ter uma extensão maior, se considerarmos os primeiros ensaios, quase patéticos,
dos brizolistas na imediata sequência da mudança de regime em 1964.
No seu conceito mais
restrito, porém, consistindo nas diversas iniciativas de inspiração cubana, de
natureza mais urbana do que rural, ela durou, provavelmente, menos de seis
anos, aos quais podem ser acrescentados os quatro ou cinco de guerrilha
“maoísta” nas selvas do Araguaia, até meados da década seguinte. A maior parte
desses experimentos foi bisonha, com muita improvisação, quase nenhuma
inspiração, alguma transpiração, mas a repressão, no começo despreparada, foi
brutal e eficaz: todos os focos, nas cidades e nos campos, foram eliminados a
partir do planejamento e do engajamento dos militares nas tarefas da repressão
direta, que contou mais com força bruta do que propriamente com inteligência:
ela também foi feita mais de transpiração do que de inspiração.
A luta armada no Brasil
obedeceu, com a exceção do episódio maoísta na região do Araguaia, a uma
inspiração essencialmente cubana, ainda que métodos, situações políticas e,
obviamente, elementos humanos tenham sido totalmente diversos no Brasil do que
foi a guerra de guerrilhas em Cuba, que teria supostamente servido de modelo
para os empreendimentos realizados no Brasil de meados dos anos 1960 ao início
da década seguinte. A revolução cubana foi, de fato, um fenômeno eletrizante no
contexto latino-americano, bem mais do que sua importância real na história
política do século 20 ou do que sua capacidade de transformar
significativamente a realidade nos países da região. Todos os experimentos
realizados sob sua inspiração direta – e na maior parte dos casos com seu apoio
material – fracassaram: ou foram fragorosamente derrotados militarmente, ou se
extinguiram por ineficácia prática, ou, ainda, sobreviveram apenas como
deformação grotesca do projeto original, como no caso dos grupos guerrilheiros narcotraficantes
da Colômbia e do Peru, convertidos em meros criminosos, traficantes e
sequestradores. Os dois países, e os Estados Unidos, não hesitam em chamá-los
de terroristas, uma classificação nem sempre aceita por certos governos
supostamente progressistas da região.
No Brasil, a importância da
luta armada foi bastante reduzida, em termos práticos, ainda que a própria
esquerda, e seus escribas gramscianos, e também os militares, tenham a ela
atribuído uma relevância histórica que efetivamente ela não tem e nunca teve;
uma perspectiva histórica de mais longo prazo se encarregará de minimizar sua
importância na história contemporânea do Brasil. A luta armada foi um fenômeno
marginal, e os poucos casos de terrorismo mais marginais ainda, mas uma
história isenta, completa, não passional, de todos os seus aspectos ainda está
para ser escrita. Ela não foi tão traumática quanto o foi na Argentina, no
Chile, no Peru e na Colômbia, para ficar nos casos mais relevantes, nem todos
similares em dimensão, características e impacto residual, ou permanente. Em
vários desses países, o grau de repressão foi tão vasto, que mesmo as
lideranças políticas mais moderadas tiveram de acenar com algum “julgamento da
História”, quando não com julgamentos reais. A dimensão da luta armada no
Brasil não justificaria, provavelmente, esse tipo de retomada das feridas, não
fosse pelo fato de os derrotados terem chegado ao poder.
(continua...)
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