A chave do problema é a capacidade de poupança do país; ela altera tanto o câmbio como o crescimento
Não há evidência de que a indústria de transformação seja especial sob algum critério. Isto é, não há evidência de que o retorno social da atividade industrial seja maior que o da agricultura, o da pecuária, o da indústria extrativa mineral ou o das diversas atividades do setor de serviços.
Todas as atividades têm seu valor econômico definido pelo seu impacto no produto total. Desse ponto de vista, todas as atividades são igualmente importantes e seu impacto para o crescimento econômico é corretamente medido pelo seu impacto no produto.
Com exceção de algumas poucas atividades, em que há claramente falhas de mercado que justifiquem tratamento especial, a política econômica deveria tratar os diversos setores da atividade produtiva de maneira simétrica.
As exceções mencionadas no parágrafo anterior referem-se à atividade de inovação tecnológica e ao investimento educacional. No primeiro caso, o ganho privado de inovar é claramente inferior ao ganho para a sociedade. A criação de um novo produto ou processo ou a adaptação de produtos e processos desenvolvidos alhures --quando bem-sucedidas-- geram a possibilidade de muitos outros participantes entrarem nesses mercados. Quando malsucedida, o custo será incorrido somente pelo inovador.
Com relação ao investimento educacional, os maiores salários futuros, fruto da melhora educacional, não são um bom colateral para o crédito educacional. Faz sentido o subsídio público.
Em resumo, na ausência do estímulo público, os incentivos puramente individuais poderiam levar a menos inovação e educação do que seria ótimo para a sociedade, e todos perderiam.
Mesmo não havendo, como já mencionado, evidência da natureza especial da indústria de transformação, há inúmeros analistas que pensam diferentemente. E, portanto, acreditam haver forte relação causal entre indústria e crescimento econômico.
Para esses analistas, é necessária política macroeconômica que contribua para desvalorizar o câmbio. O câmbio desvalorizado estimula a atividade manufatureira, contribuindo para acelerar o crescimento.
Dani Rodrik, professor e brilhante pesquisador titular da cadeira em homenagem a Albert Hirshman do Instituto de Estudos Avançados da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Princeton, publicou no fascículo de outono de 2008 da respeitadíssima revista do Brookings Institution o influente artigo intitulado "A taxa de câmbio real e o crescimento econômico".
No artigo, Rodrik apresenta um farto conjunto que evidencia correlação entre câmbio e crescimento. Câmbio desvalorizado colabora para acelerar o crescimento.
No entanto, a evidência de Rodrik não é robusta. Outros estudos fizeram a mesma pergunta e chegaram a outros resultados. Quando isso ocorre, a prática é avaliar a evidência conjunta dos trabalhos que fizeram a mesma pergunta.
Texto de trabalho do FMI de dezembro de 2010 (nº 270), escrito por Nicolás Magud e Sebastián Sosa, avalia a evidência que temos a partir de um sumário de 60 trabalhos que investigaram o tema nas últimas duas décadas, incluindo, evidentemente, o trabalho de Rodrik.
Há, de fato, evidência contundente de que câmbio valorizado correlaciona-se negativamente com crescimento: 24 trabalhos chegaram a esse resultado, ante 3 que obtiveram resultado oposto. Com relação a câmbio desvalorizado, o resultado é cinza. De 20 trabalhos, 11 sugerem que câmbio desvalorizado reduz o crescimento, e 9, que não reduz. O leitor interessado pode verificar a figura 3 à página 24 da publicação.
Em síntese, é possível que haja correlação positiva entre desvalorização do câmbio e crescimento econômico, mas esse resultado não é robusto. Adicionalmente, se de fato houver tal correlação, nada garante que exista causalidade do câmbio no crescimento.
Em outras palavras, é possível que uma terceira variável, a capacidade de poupança do país, altere simultaneamente tanto o câmbio quanto o crescimento. Esse é, no meu entender, o verdadeiro canal causal, a chave do problema. E indica por que incentivar a indústria não vai ajudar a estimular o crescimento no Brasil. A falta de espaço, porém, obriga-me a deixar o último capítulo para a semana que vem.
SAMUEL PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.
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