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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Brasil: quanto pior melhor? - Marcelo de Paiva Abreu

O pior terá fim?
Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S.Paulo, 28/05/2014

É sabido que a tradição nacional do jogo do contente tende a etiquetar visões críticas da realidade como pessimistas. Mas está impossível de ser otimista. Há disseminado alarme quanto à combinação de desacertos governamentais com distúrbios da ordem pública. Sucedem-se episódios de mini "bogotazos" fantasiados de demandas sindicais e tentativas de extração de favores custeados pelos cofres públicos. Em parte, a busca de benefícios despropositados tenta explorar as fragilidades decorrentes de vexames na organização da Copa. Mas as raízes são mais profundas.
A análise objetiva da atual situação do Brasil inclui inúmeros casos que configuram morosidade, insensibilidade ou inépcia de diversas instâncias do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Por economia, talvez seja preferível dedicar-se a detectar virtudes, em vez de buscar defeitos. O que anda bem? Mesmo os feitos de sucessivos governos na área social estão mostrando certa fadiga e tendo implicações difíceis de equacionar, como a demanda por serviços adequados, especialmente nos grandes centros urbanos.
No Brasil, é frequente a afirmação, diante das crises, de que a situação está tão ruim que não há possibilidade de que se deteriore. Será? Os italianos, e particularmente os sicilianos, que têm sobre o assunto experiência ainda maior do que a dos brasileiros, preferem o ditado "Il peggio non c'e mai fine", o pior não tem fim. E, a julgar com base em desenvolvimentos recentes por aqui, parecem ter razão. O que está ruim pode piorar.
Dois episódios recentes merecem destaque, entre muitos outros. Referem-se aos adicionais por tempo de serviço pretendidos pelo Poder Judiciário e a aportes governamentais a fundos de pensão de estatais bem além dos limites preestabelecidos.
Segmentos do Poder Judiciário já beneficiados por direitos trabalhistas mais generosos do que os usufruídos pelos demais cidadãos estão pleiteando que seja retomado o adicional por tempo de serviço, extinto em 2005 (PEC 63, ora em tramitação no Senado). Isso excederia por larga margem o atual teto que limita as remunerações dos funcionários públicos. A inevitável generalização dessa concessão ao Legislativo e ao Executivo levará as contas públicas à ruína.
Fundos de pensão de estatais, entre os quais o do BNDES, arranham os cofres da União pleiteando transferências de recursos que viabilizarão o pagamento de generosas aposentadorias e pensões cuja manutenção se demonstra inviável atuarialmente.
Será possível reverter essas iniciativas que depredariam ainda mais as já abaladas finanças públicas brasileiras? Para que o pior tenha fim, no Brasil ou na Sicília, é essencial combater o imobilismo.
O caminho não é fácil. Leonardo Sciascia, comunista siciliano que se tornaria uma das glórias da literatura italiana, nos anos 1950 criticou Il Gattopardo, a obra-prima de Lampedusa, pelo seu ceticismo quanto à possibilidade de mudanças na Sicília, imóvel em meio à corrupção, à iniquidade e ao banditismo. Não ajudou muito que Lampedusa colocasse na boca do príncipe Salina, personagem central do livro, menção a Marx como o "ebreuccio tedesco", o hebreuzinho alemão, de quem não se recordava o nome.
Muitos anos depois, Siascia rendeu-se ao pessimismo de Lampedusa: "Quando foi publicado Il Gattopardo, rebelei-me quanto ao modo que Lampedusa descrevia a Sicília, uma abstração geográfico-climática na qual nada acontecia, nada podia mudar... Agora, com distância dos anos, devo constatar que ele tinha razão... Mas o fato que tivesse razão não me leva a negar que as ideias movem o mundo. Apenas alimenta um pouco o meu ceticismo".
O Brasil necessita acreditar que as ideias movem o mundo e que é vital que um choque de seriedade enfrente o assalto de minorias bem organizadas a recursos que deveriam ser utilizados para o interesse coletivo.


* Doutor em economia pela Universidade de Cambridge e professor titular no departamento de economia da PUC-Rio.

Um servidor publico contra o Servico Publico?!? E por que nao?

Um leitor deste blog escreveu o seguinte a propósito de uma frase minha neste post:

quarta-feira, 28 de maio de 2014


[xxx] compartilhou a postagem de seu blog no Google+
"Ao contrário, todos querem viver à custa dos demais, fazendo concursos públicos para terem estabilidade e ganhar mais. " [Frase PRA]

Engraçado ouvir isso de um servidor público. [Comentário do leitor]

Comento, no que me concerne (PRA):

A postagem era vinculada ao fato de o Governo pagar quase um terço dos salários nas contas nacionais, a despeito de ter uma proporção menor do que o setor privado nas atividades produtivas. Sim, os salários no setor público são também muito superiores aos do setor privado, quase o dobro, e não me consta que a produtividade no setor público seja duas vezes superior ao do setor privado, muito pelo contrário.

Não tenho nenhum problema em dizer, como Bastiat, que o Estado é esta grande ficção coletiva na qual cada um pretende viver às custas de todos os demais.

O Brasil justamente encarna à perfeição essa concepção deformada da economia, e das atividades produtivas, que pretende que o Estado é o grande organizador e disciplinador dos mercados, e que os governos existem para corrigir as perversidades do sistema capitalista ou uma suposta anarquia dos mercados, sempre desiguais, assimétricos, concentradores.
Não partilho desse tipo de concepção e considero a situação atual no Brasil uma deformação completa.
O Brasil não é um país normal, justamente em função da preeminência do Estado na vida social.

Como não sou do tipo que deixa o cérebro em casa quando vai trabalhar, não renuncio a pensar com minha própria cabeça nessas matérias que interessam a todos os brasileiros, e não apenas aos mandarins estatais.

O Estado já foi, no Brasil, um indutor do desenvolvimento. Mas isso ficou muito atrás...
Hoje ele se converteu num OBSTRUTOR do desenvolvimento, ao extrair -- extorquir seria o termo exato -- dois quintos da riqueza criada pela sociedade e não devolve praticamente nada em termos de investimentos produtivos, serviços coletivos de qualidade ou infraestrutura necessária para que o setor privado possa ser competitivo.

Por isso vou continuar falando contra o setor público e os marajás que o povoam, extorquindo recursos de toda a sociedade em seu benefício exclusivo.
Acho que fui bem claro...
Paulo Roberto de Almeida 

Ditadura cubana: os que a apoiam sao cumplices, mesmo Premio Nobel - Enrique Krauze sobre Gabo

Todo aquele que apoia uma ditadura desprezível como a dos Castro em Cuba deve ser denunciado, mesmo sendo um grande escritor como Gabriel Garcia Marquez.
Seres tão desprezíveis quanto a ditadura.

Paulo Roberto de Almeida 

OPINION
The Opinion Pages | CONTRIBUTING OP-ED WRITER
García Márquez’s Blind Spot
The New York Times, MAY 28, 2014


MEXICO CITY — The recent funeral in Mexico for Latin America’s great novelist, Gabriel García Márquez, was an astonishing display. For hours, under falling rain, tens of thousands filed past the urn that held the ashes of the most famous, widely read and beloved of contemporary Latin American writers.
In the Palacio de Bellas Artes, there was continual music, ranging from Bartok’s “Romanian Folk Dances” to the folk music of the novelist’s native Colombia. Outside the building, a swarm of 380,000 yellow butterflies, made of paper and imported from Colombia, swayed in the wind. The streets resounded with cheering and singing. An old man carried a sign that read, “Gabo, I will see you in heaven.” A child told a reporter, “I’ve come to see the king of Macondo.”
García Márquez, who died on April 17, truly was “the king of Macondo,” the imaginary Colombian village (based on his own native town of Aracataca) where most of “One Hundred Years of Solitude” unfolds. The Nobel Prize for Literature was bestowed on him in 1982. His novels have been met with enthusiastic appreciation around the world.
His prose is so flexible and wide-ranging that it seems to contain all the words in the dictionary. An extraordinarily powerful storyteller, he painted his fictions in tropical colors — and in a style of Olympian dispassion fused with social commitment. The poetic overtones of his words and his way of creating characters welded fantasy and reality so effortlessly and totally together that the reader is continually shifted into accepting new versions of the world.
But for me and many other Latin-Americans, his undeniable literary achievement has been overshadowed by a moral failing: his long, intimate friendship with Fidel Castro and (far more important) his unflinching acceptance of the worst abuses of the Cuban regime.
Gabo, as he was affectionately known, once wrote that “all dictators ... are victims” — which he may have really believed. It’s a sentiment one finds throughout “The Autumn of the Patriarch,” published in 1975, the year he began to firmly establish a personal link (which he had long desired) with Castro.
In three famous dispatches (a journalistic series entitled “Cuba From Head to Tail”), García Márquez wrote of the “almost telepathic communication” he saw between Castro and the Cuban people and asserted “he has survived intact from the insidious and ferocious corrosion of the daily application of power” and “set up a whole system of defense against the cult of personality.” He called Fidel “a genius reporter” whose “immense spoken reports,” made the Cuban people “one of the best informed in the world about its own reality.” Soon after this, however, when Alan Riding of The New York Times asked him why he didn’t move to Cuba, García Márquez replied: “It would be very difficult to ... adapt myself to the conditions. I’d miss too many things. I couldn’t live with the lack of information.”
When he finally did get a house in Cuba, García Márquez began to share culinary adventures with Castro. Fidel’s Cuban master chef named a lobster dish “Langosta a lo Macondo” in honor of Gabo, its great enthusiast. When questioned about his closeness to Castro, García Márquez responded that, for him, friendship was a supreme value. That may well have been so, but there was certainly a hierarchy to his friendships — with Fidel at the top.
In 1989, while García Márquez was living in his Cuban home, the murky trial of Gen. Arnaldo Ochoa and the brothers Tony and Patricio de la Guardia took place, resulting in death sentences for General Ochoa and Col. Tony de la Guardia, charged with drug trafficking and betraying the revolution. There was much opposition to the death sentence for General Ochoa, a hero of the Cuban victory in Angola over the invading army of the South African apartheid regime, and Colonel de la Guardia was a close personal friend of García Márquez. The colonel’s daughter Ileana, implored García Márquez to intercede with Castro to spare the life of her father. But he did nothing, and Ileana reported that he had even secretly attended a part of the trial, screened behind “a large mirror” in the company of Fidel and his brother Raúl.
In March 2003, Fidel suddenly ordered a massive show trial of 78 dissidents, sentencing them to between 12 and 27 years in prison, some for crimes as minor as “possessing a Sony tape recorder.” Shortly after, he had three men executed for trying to flee to the United States in a small boat. At a book fair in Bogotá, Colombia, Susan Sontag confronted García Márquez and, after first praising him as a writer, said that it was unpardonable for him to have said nothing against the Cuban regime’s actions. García Márquez’s public response to this and his justification in saying nothing restated one of his old arguments for his personal relation to Castro: “I cannot calculate the number of prisoners, dissidents and conspirators that I have helped, in absolute silence, to be freed from jail or emigrate from Cuba over at least 20 years.”
But if he actually did so, then why “in absolute silence”? He must have considered the imprisonments unjust. Instead of continuing to support a regime that committed such injustices, wouldn’t it have been far more valuable to issue a public denunciation and so help shut down Cuba’s political prisons?
García Márquez was no ivory-tower writer. He was proud of his own journalistic profession and supported an institution teaching journalism in Colombia. Reportage, he said, “can be better than life ... equal to a story or a novel with one unique difference — sacred and inviolable — that the novel and the short story allow for unlimited fantasy, while journalistic reporting must be true down to the most minimal comma.”
And yet how can such a moralistic declaration about verifiable information be squared with his own silence about events in Cuba, despite having privileged access to the truth?
García Márquez’s magnificent prose and richly traced characters will be remembered long after any questions about his loyalties in life. But it would have been a poetic act of justice if — in the autumn of his life and at the zenith of his literary glory — he had chosen to distance himself from Fidel Castro and had lent his prestige to the movement for a democratic transition in Cuba.
He chose not to. Perhaps it was something he could not imagine doing, too miraculous a change for even the creator of so many literary wonders to entertain. Thus we are left with the sad picture of his fascination with power and dictatorship, a record unworthy of his immense literary achievement.

Enrique Krauze is a historian, the editor of the literary magazine Letras Libres and the author of “Redeemers: Ideas and Power in Latin America.” This article was translated by Hank Heifetz from the Spanish.