domingo, 14 de fevereiro de 2010

1346) Sobre colegas, livros e leituras...

Uma crônica dos costumes correntes
Paulo Roberto de Almeida
Via Política (Porto Alegre, 9 dez. 2006).

Como sabem todos os que me conhecem pessoalmente, ou que pelo menos acompanham os meus escritos – e eles são muitos, exageradamente numerosos, confesso –, eu mantenho uma dupla atividade, duas carreiras, quase, que não necessariamente se confundem (mas que podem se completar ou, por vezes, se “atrapalhar” mutuamente): sou diplomata, no plano profissional, e, ao lado disso, exerço lides acadêmicas, em caráter complementar e acessório. Em ambas atividades, tenho por hábito sintetizar minhas leituras, fazer pesquisas, buscar informações, refletir sobre o que leio ou assisto em encontros e reuniões de que participo e, depois, na labuta solitária das noites de computador, tento colocar meus resumos, resenhas, notas e elaborações no papel (ou melhor, em arquivos eletrônicos, como costuma ser mais freqüente hoje em dia).
Dessa múltipla atividade de leitor, observador, sintetizador e escrevinhador resultam, como seria de se esperar, artigos, notas, resenhas de livros, ensaios mais ou menos alentados e, de vez em quando, algum livro destinado ao público universitário. Entendo que essa produção possa ser útil a todos aqueles que estudam ou trabalham os mesmos temas que eu, ainda que seja para que alguns possam oferecer contestação e interpretações divergentes sobre esses temas. Eles costumam ser os de economia internacional e brasileira, desenvolvimento econômico comparado, problemas de integração, relações internacionais, em especial na vertente econômica, história e atualidade diplomática, com maior ênfase na política externa brasileira, e outros campos afins.
Prezo muito o debate intelectual, o confronto de idéias, o exame sério e responsável de argumentos bem informados e embasados empiricamente em todos esses campos citados, com vistas ao enriquecimento de minhas próprias reflexões, ao esclarecimento daqueles mais jovens, à busca, enfim, das melhores soluções possíveis aos problemas de desenvolvimento do Brasil e de outros países em condições similares (que não são, obviamente, as do melhor desenvolvimento humano possível). Entendo que o debate de idéias contribui para a elevação dos argumentos e para a maior racionalidade dessas soluções, inclusive como forma de enfocar questões objetivas vinculadas às dificuldades de desenvolvimento da maior parte dos países de baixo IDH. Não é preciso dizer que lamento muito que no Brasil se pratique tão pouco, e por vezes de forma tão canhestra, o debate de idéias, se é que ele existe, de verdade.

Pois bem, a propósito do quê, exatamente, estou escrevendo estas notas, um pouco egocêntricas, é verdade, em torno destas minhas características de leitor e de escrevinhador?
Confesso que me senti motivado a fazer estas novas reflexões em vista dos comentários indiretos de um colega – que não revelarei agora se ele, ou ela, é da carreira diplomática ou da academia – que pretendeu fazer troça comigo nesta semana que se passou (4 a 8 de dezembro de 2006). Sem se referir ao meu nome, mas deixando claro sobre quem falava de modo irônico, este distinto colega mencionou que havia “um colega que escreveu muitos livros, que eu não li nenhum”. Não estava presente à cena – e creio que ele não teria feito esse tipo de comentário desairoso em minha presença, mas é possível que sim – e não sei descrever o que se passou em seguida, mas imagino que todos riram, alguns zombeteiramente, outros com sorriso amarelo, para satisfação e deleite do autor da frase, que pretendia, obviamente, ser ferino.
O que poderia ser dito de tal comentário? Em primeiro lugar, que de modo algum ele me diminui. Creio mesmo que o mesmo tipo de sentimento deva ser partilhado por todos aqueles que o ouviram, pois eu não entenderia pessoas normais cultivando o dom da ignorância, ou do desconhecimento voluntário e deliberado. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma típica frase de um despeitado, dessas que pertencem à família do “não li e não gostei”. Ela tem a intenção de demonstrar que o seu autor não atribui nenhuma importância aos escritos de um colega, mas que ele não é néscio ao ponto de ignorar os seus, os meus, escritos (pois do contrário nem saberia que esse colega é autor de “muitos livros”).
Não sendo néscio, o autor da frase apenas quer declarar, de público, que é um oponente ideológico – no sentido de detentor de outras idéias – dos argumentos do autor desses “muitos livros”. Algo como: “não li nenhum porque não concordo com as idéias do autor”. É seu direito, claro, mas ele seria mais claro se dissesse em que, e por que, não concorda com essas idéias, sob risco de ficar realmente aparentado ao grupo daqueles que não lêem, mas que não gostam do que não leram. Contraditório, não é mesmo? Patético, aliás.
Em segundo lugar, pode-se dizer que o colega em questão pratica a singular e bizarra arte da ignorância, e não se peja de o declarar de maneira aberta e zombeteira. Surpreende-me, assim, que essa arte encontre adeptos entre membros desta nobre profissão, qualquer que seja ela. O que se deveria presumir é que pessoas engajadas nesse tipo de atividade – acadêmica ou diplomática, pouco importa – cultivem o hábito da leitura e da reflexão pausada, antes de emitir qualquer conceito que possa revelar, não conhecimento, mas de fato ignorância, e o que é pior, deliberada, declarada e voluntária. Patético, mais uma vez, não é mesmo?
Não creio que o colega em questão – da academia ou da diplomacia, não importa aqui – pratique normalmente esse culto à ignorância, tal como demonstrado de maneira pública. Ao contrário. Ele deve ser daqueles que lêem regularmente, jornais, revistas e até mesmo livros, mas que selecionam cuidadosamente aquilo que lêem. No seu rol de leituras só devem entrar aqueles materiais que presumivelmente estejam em pleno acordo com suas próprias idéias. Ou se não for assim, ele pode até, de forma condescendente, se dignar a ler os escritos de algum oponente ideológico para depois castigá-lo de forma apropriada, através de escritos outros ou declarações públicas que tenham algum embasamento melhor do que o argumento do “não li e não gostei”.
Não me consta, porém, que o colega em questão seja um autor muito prolífico. Da sua produção própria descobri pouca coisa. Seu nome não figura no Google Scholar, que parece ser o padrão da produção acadêmica “citável” (apenas a título de comparação, sob o meu nome, por exemplo, existiam mais de uma centena de entradas em 9.12.2006, mas eu não pretendo humilhar esse meu colega com esse tipo de comparação descabida). No Google normal, aparecem muitas entradas sob o seu nome, mas elas se referem, no mais da vezes, a notícias de imprensa ou a citações indiretas, a propósito de atividades profissionais. Da sua bibliografia própria, conheço uma tese publicada e dois ou três artigos em revistas da área. Pas mal, diriam alguns. Mas, parece que alguns desses artigos foram feitos em colaboração com outros colegas, alguns subordinados, e fica difícil separar agora o que realmente é de Cesar. Mais passons.
Entendo que o colega em questão seja uma pessoa bastante ocupada e que ele certamente teria publicado mais, se suas muitas atividades de caráter profissional não o tivessem impedido. Isso não constitui motivo, porém, para fazer comentários que se pretendem jocosos em relação a um colega, eu, que de resto nunca o confrontou, direta ou indiretamente, por escritos ou palavras, e talvez nem tivesse por que fazê-lo, em vista da pouca visibilidade – com minhas desculpas sinceras – de seus próprios escritos. Na verdade, entendo que provavelmente ele leu, sim, alguns dos meus escritos, e não gostou do que leu. Se não leu algum livro meu – no que acredito que ele é absolutamente sincero –, ele deve, pelo menos, ter lido alguma entrevista minha, sobre algum problema qualquer de relações internacionais, e não deve ter gostado nada do que leu.
Concedo-lhe o direito de se considerar meu opositor ideológico e, se ele aceitasse, eu até o convidaria para um entrevero de plumas, uma espécie de combate de idéias, sobre os temas que ele julga estarem em contradição com o que ele mesmo pensa. Aliás, isso é tudo o que peço dos que não concordam com as minhas idéias: que eles exponham claramente os seus argumentos e que possamos, na saudável exposição e confrontação de idéias, conceitos, fatos e opiniões, chegar a alguma posição comum que possa contribuir para a solução dos muitos problemas que devem preocupar a ambos, como brasileiros que somos e engajados na melhoria intelectual e material de nosso país e dos seus cidadãos desfavorecidos.
Não creio, contudo, que ele venha a fazer isto. Uma pessoa com tal postura moral – isto é, que se permite fazer troça contra um suposto “inimigo intelectual”, ausente do local, aliás – não costuma normalmente se expor ao debate de idéias. Um colega de tal estatura moral costuma fazer isso mesmo que ele fez: fazer troça dos que lhe parecem arrogantes, vaidosos ou exagerados (sim, pois o fato de escrever “muitos livros” deve constituir algum defeito de caráter, que não consigo perceber exatamente qual seja). Ao ostentar essa opinião de maneira aberta, o colega em questão pretende, de fato, diminuir o colega que sou eu, que mesmo tendo escrito “muitos livros” não merece que eles sejam lidos, sobretudo por ele mesmo. É seu direito, certamente.
Lamento, não por mim, mas pelo mau exemplo dado aos colegas mais jovens, que espero não sintam obrigados a seguir esse meu colega em seu culto à ignorância.
Não sei por que, mas me veio agora à mente aquela famosa frase de um general fascista, franquista mais bem dito, Millan Astray, que respondeu assim a um famoso intelectual espanhol, Miguel de Unamuno, que tentava defender a Universidade de Salamanca das agruras da guerra civil: “Viva la muerte. Abajo la inteligencia.” Não quero exagerar, mas creio que a frase ferina do meu colega pertence a um ramo distante da mesma família. Esperemos que ela não se dissemine em seu meio.


PS.: Como estou colocando esta nota em um dos meus blogs, convido este meu colega, se ele desejar, é claro, a se pronunciar a respeito – em caráter anônimo, obviamente – na seção de comentários que está democraticamente à disposição de amigos e inimigos de minha produção intelectual. Não precisa sequer fazer comentários muito elaborados ou argumentos específicos. Pode xingar à vontade. Eu entenderei...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de dezembro de 2006

1345) Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo...

...que também pode ser lida como uma declaração de princípios...
Paulo Roberto de Almeida
Publicado em Via Política (3.12.2006)

As relações entre funcionários de carreira do Estado e os governos em vigor são sempre delicadas, uma vez que governos costumam solicitar adesões imediatas, em geral incondicionais, ao passo que Estados são entidades impessoais, aparentemente desprovidas de vontade própria, ainda que pautando-se por normas constitucionais mais ou menos permanentes. Os governos passam, o Estado fica, mas ele pode ser transformado pelo governo em vigor, se este último imprime uma ação de transformação estrutural das condições existentes ao início de seu mandato.
Funcionários de Estado devem ater-se, antes de mais nada, às normas constitucionais, tendo como diretrizes adicionais as leis gerais e os estatutos particulares que regem sua categoria ou profissão. Geralmente, mas nem sempre, os governos respeitam os estatutos próprios e os princípios que devem enquadrar as diferentes categorias de servidores do Estado, estabelecendo determinações que incidem mais sobre a conjuntura do que sobre a estrutura. Em alguns casos, governos pretendem não apenas transformar estruturalmente o Estado e a sociedade, mas também os regulamentos e as formas de atuação do Estado.
Desde que respaldado nas normas constitucionais em vigor e na vontade legítima da sociedade, tal como expressa pela via democrática das eleições, essa vontade transformista pode concorrer para a melhoria das condições de bem-estar da sociedade, pois se supõe que o governo encarna aquilo que em linguagem rousseauniana se chamaria “vontade geral”. A “vontade geral” é, contudo, algo tão difícil de ser definido quanto o chamado “interesse nacional”, suscetível de receber diferentes interpretações, tantas são as correntes políticas, os grupos sociais, os partidos em disputa pelo poder e outras configurações sociais que gravitam em torno do poder. Sim, antes de qualquer outra coisa, “vontade geral” e “interesse nacional” são basicamente definidos por quem detém o poder, não necessariamente em conclaves abertos ao conjunto da sociedade.
O moderno Estado democrático deveria ostentar um sistema de freios e contrapesos que impeça – ou pelo menos dificulte – sua manipulação por minorias partidárias que pretendem agir com base em “interesses peculiares” ou com base na “vontade particular” do grupo que ocasionalmente ocupa o governo. Tais são os papéis respectivos do parlamento e dos tribunais constitucionais, segundo o velho sistema do “equilíbrio de poderes”, ou segundo o moderno sistema – de inspiração anglo-saxã – dos checks and balances, que transformam toda vontade de alteração institucional um delicado jogo de pressões e contra-pressões. Há que se atentar, também, para a necessária continuidade da ação do Estado, que poderia ficar comprometida caso a ação de um grupo detendo o poder temporariamente – isto é, exercendo o governo de forma legítima – busque alterar radicalmente políticas e orientações estabelecidas através de consensos anteriormente alcançados.
Pode-se dizer que as democracias modernas funcionam quase sempre segundo essa visão gradualista, qual seja, a de uma custosa negociação entre os grupos políticos representados no parlamento, seguida de uma lenta implementação das decisões alcançadas. A construção de consensos é tipica dos regimes parlamentaristas, baseados numa maioria mais ampla do corpo político e social, mas é menos típica nos regimes puramente presidencialistas, onde tendem a se desenvolver comportamentos cesaristas ou bonapartistas (isto é, com um apelo direto às massas). Neste caso, o carisma do líder político pode resultar num canal de comunicação direta deste com os eleitores, por cima e acima dos demais poderes, que encontram dificuldades para participar do processo decisório em bases rotineiras.
Tal tipo de situação também pode colocar desafios não convencionais aos funcionários de Estado, que podem ser chamados a implementar decisões que resultem, não de um processo gradual de consensus building, mas de uma decisão solitária do líder cesarista. Velhas normas e antigas tradições podem ser contestadas ou postas à prova nesse novo roteiro, o que coloca esses funcionários ante o dilema de aderir simplesmente à vontade do governo ou buscar respaldo nas formas mais convencionais de atuação do Estado.
Não há uma resposta simples a esse dilema, pois ele implica em que o funcionário possa aferir se o processo decisório que conduziu a uma determinada tomada de decisão política está seguindo os canais institucionais consagrados ou se os novos procedimentos estão atropelando as normas e procedimentos do Estado. Em geral, a resposta é dada pela linha de menor resistência, que passa pela afirmação dos conhecidos princípios da hierarquia e da disciplina. Do funcionário de Estado se pede obediência aos ditames do governo, não necessariamente uma reflexão pessoal sobre os fundamentos da ação do governo. Esta última atitude é própria dos agentes políticos, não dos funcionários de carreira, aos se requer obediência e aquiescências às ordens e determinações superiores. A rigor, do funcionário não se pede reflexão, mas acatamento de decisão já tomada.
Quando o próprio funcionário é convertido em agente político, pode surgir algum conflito de consciência entre a antiga forma de procedimento coletivo – as burocracias estatais são sempre construções coletivas – e as novas condições de trabalho, que impõem adesão incontida e total ao poder do qual emana o seu novo cargo. Dele se espera, então, equilíbrio e ponderação na forma de conduzir sua ação.
Em que condições, nessas circunstâncias, pode o funcionário de Estado continuar a exibir independência de pensamento – e uma certa faculdade na propositura de novos cursos de ação – quando a autoridade legítima requer adesão pura e simples a decisões emanadas de uma fonte cesarista de poder? Não há respostas teóricas a esta questão, que exige uma reflexão de ordem essencialmente prática, em função das relações sociais, modos de atuação e poder de barganha respectivos dos agentes de Estado e de governo envolvidos num determinado processo decisório.
Minha própria ordem de prioridades tenderia a colocar esse processo decisório numa escala de preferências que vem da Nação, passa pelo Estado e desemboca no governo, mas tendo também a reconhecer que os dois primeiros conceitos – assim como os de “vontade geral” e de “interesse nacional” – são suficientemente vagos e arbitrários para abrigar todo tipo de postura em face de determinações governamentais. Em última instância tende a prevalecer o bom senso e uma certa capacidade de avaliação racional dos custos de oportunidade envolvidos em cada uma das decisões governamentais com que o funcionário de Estado possa ser confrontado.
Quero crer que a construção de um Estado “racional-legal” e a consolidação de uma democracia efetiva no Brasil já avançaram o suficiente como para permitir que funcionários de Estado como o que aqui escreve possa contribuir, de forma mais ou menos institucionalizada, para a tomada de decisões em sua esfera de atuação, independentemente de posturas mais ou menos marcadas pela vontade momentânea de alguma autoridade governamental. Ou estarei enganado?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de dezembro de 2006

1344) Algumas verdades muito simples (mas que nunca é demais relembrar...)

Acredito...
Em algumas verdades simples, muito simples:


Que a palavra do homem é uma só,
que todos têm o dever social e individual da verdade, que ela é única e imutável.
que devemos, sim, assumir, nossas responsabilidades pelos cargos que ocupamos,
que não podemos descarregar sobre outros o peso dessas responsabilidades,
que devemos sempre procurar saber o que acontece, em nossa casa ou trabalho,
que não devemos jactar-nos indevidamente por grandes ou pequenas realizações,
que sempre nos beneficiamos do legado dos antepassados, sobretudo em conhecimento,
que nenhuma obra social possui paternidade única e exclusiva, sendo mais bem coletiva,
que a tentativa de excluir antecessores ou auxiliares é antipática e contraproducente,
que devemos zelar pelo dinheiro público,
que temos o dever de pensar nas próximas gerações, não na situação imediata,
que vaidade é uma coisa muito feia, além de ridícula,
que sensação de poder pode perturbar a capacidade de raciocínio,
que poder concentrado desequilibra o processo decisório,
que ouvir apenas elogios embota o senso da realidade,
que o convívio exclusivo com áulicos perturba a faculdade de julgamento,
que, enfim, não comandamos ao julgamento da história.

Eu também aprendi, que os resultados são sempre mais importantes do que as intenções, mas que os fins não justificam os meios...

Acredito, para terminar, que coisas simples assim podem ser partilhadas com outros...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2006

1343) Implementando a revolução marxista do Manifesto

Implementando a revolução marxista do Manifesto
(uma lista atualizada de medidas)
Paulo Roberto de Almeida

Os leitores (assim como os militantes de esquerda) medianamente familiarizados com o Manifesto do Partido Comunista, o profético panfleto escrito em colaboração por Karl Marx e Friedrich Engels em fevereiro de 1848 para glorificar o “modo burguês de produção” e antecipar sua futura substituição pelo modo socialista de produção, sabem que na sua seção sobre “proletários e comunistas” há um conjunto de medidas, exatamente dez, que deveriam ser implementadas para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e cidadãos em geral.
Essa lista de medidas, à distância de mais de 160 anos, tem um certo sabor “gótico”, como seria inevitável, mas o problema é que a maior parte da esquerda, pelo menos a brasileira, continua aderindo ao seu espírito centralizador, estatizante, enfim, socialista. Pois bem, em “manifesto alternativo” que eu redigi por ocasião dos 150 anos daquele Manifesto, eu propunha uma atualização das medidas, para torná-las compatíveis não apenas com nossos tempos de globalização, como também com as necessidades de uma esquerda moderna, ágil, pronta a enfrentar os problemas reais do mundo contemporâneo, sem vê-la praticando os mesmos mecanismos litúrgicos de um velho culto que quase já não é mais praticado em lugar algum. Essa atualização do velho Manifesto de Marx e Engels foi feita em um ensaio por mim preparado para o número especial de uma revista brasileira de ciência política e republicado, com alguns ajustes em meu livro Velhos e Novos Manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/29Manifestos1999.html).
Como eu escrevia em “meu” manifesto de 1998, a próxima revolução socialista deverá ser a mais radical ruptura com a velha cultura comunista conhecida até aqui. Não é de surpreender que esse desenvolvimento leve a uma ruptura com as concepções mesmas defendidas pela velha esquerda, com seu cortejo de slogans ultrapassados e preconceitos ideológicos. O novo socialismo não mais vai usar sua eventual supremacia política, conquistada democraticamente nas urnas, para centralizar todos os meios de produção nas mãos do Estado, como pretendiam algo ingenuamente Marx e Engels. Isto seria uma grande irracionalidade política, como já tinham descoberto alguns socialistas “revisionistas” desde o começo do século XX. Não é dessa maneira que se logrará incrementar o conjunto das forças produtivas tão rapidamente quanto possível.
A revolução completa nas relações de produção resultará da plena capacitação individual dos trabalhadores, de sua educação refinada e preparação adequada para enfrentar os desafios de um mercado mundial capitalista, hoje dominado pela burguesia, mas que não tem porque permanecer sob o seu jugo monopólico. Para retirar à burguesia esse poder incomensurável, os trabalhadores devem realizar, eles também, seu processo de “acumulação primitiva”, a começar pelo mais comezinho dos direitos humanos, a educação de base, pública, universal e gratuita.
As medidas a serem adotadas em prol do estabelecimento das novas relações de produção serão evidentemente diferentes em cada país. Entretanto, as seguintes medidas seriam geralmente aplicáveis num país da periferia ainda insuficientemente desenvolvido do ponto de vista capitalista como o Brasil:

Dois manifestos em busca de um mundo melhor
Manifesto do Partido Comunista, 1848:
1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego das rendas fundiárias para despesas do Estado.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
1. Abolição do “monopólio” da terra, como desejado no Manifesto de 1848; essa abolição seria feita progressiva mas rapidamente, por meio de pesada imposição fiscal; esse imposto da terra já estava aliás previsto na “Lei de Terras” votada quase 150 anos atrás no Brasil, mas os latifundiários que então dominavam o parlamento não deixaram passar o princípio do imposto territorial rural. Essa medida, do mais comezinho significado econômico e tributário, teve de ser implementada, já no final do século XX, por um governo dito social-democrata, notoriamente inspirado nos sãos princípios liberais da atividade econômica. Um programa amplo de “reforma agrária”, num país fundamentalmente urbano como o Brasil de hoje, não tem obviamente o mesmo impacto econômico que teria tido se tivesse sido realizado décadas atrás, mas ele tem um profundo significado social em regiões onde a terra se encontra concentrada nas mãos de uns poucos latifundiários “feudais”. O que se deve buscar é a disseminação da propriedade rural produtiva, ao lado do minifúndio organizado em cooperativas e do agribusiness totalmente capitalista.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
2. Pesado imposto progressivo.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
2. Além de um imposto sobre a renda, de caráter altamente progressivo e graduado, como desejado por Marx há 150 anos, estabelecer uma reforma tributária de escopo racional e de aplicação insonegável. De modo geral, as atividades produtivas deveriam ser desoneradas, em favor de um imposto universal sobre o consumo final (com dedução correspondente das etapas anteriores e das exportações), introduzindo-se para corrigir a eventual injustiça da imposição indireta um sistema de alocações diretas e indiretas para as camadas de menor renda. Um imposto sobre transações financeiras poderia eventualmente se substituir à maior parte dos demais, eliminando-se aliás os problemas de uma imensa máquina arrecadadora, mas ele deveria estar na base de um federalismo fiscal rigoroso e dotado de mecanismos de correção de desigualdades inerentes à capacidade fiscal diferenciada dos estados e municípios. O direito de herança, assim como a fortuna, seriam moderadamente taxados, apenas para fins de “justiça social”, pois que o retorno fiscal desse tipo de imposição é inversamente proporcional ao esforço da máquina arrecadadora. Determinados bens — álcool, tabaco — também poderiam ser taxados pesadamente, para fins de contenção do consumo e financiamento de programas destinados a combater seus efeitos nefastos. As loterias e concursos seriam todos revertidos a finalidades sociais.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
3. Abolição do direito de herança.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
3. Revisão do conjunto de dispositivos regulatórios do trabalho, no sentido de adequar sua oferta e demanda à flexibilidade e adaptabilidade de mercados típica de uma economia globalizada e de liberá-lo da camisa de força de uma legislação característica do regime das guildas medievais. O trabalho não vai conseguir contrapor-se à preeminência do capital pela introdução de limites, condicionalidades ou restrições à sua utilização, mas sim pelo aumento contínuo de sua qualificação intrínseca. O desemprego, aliás, não resulta da falta de proteção contra a “prepotência” do capital ou do aumento da concorrência estrangeira que sustenta preços de “dumping” com base em trabalho aviltado e mal pago, mas de causas propriamente internas, geralmente vinculadas à rigidez das economias e de sua incapacidade de adaptação às mudanças tecnológicas em curso.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
4. Confiscação da propriedade de todos os emigrados e rebeldes.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
4. Política deliberada de acolhimento de imigrantes, sobretudo por meio de mecanismos de atração de “cérebros”, abrindo-se as universidades e os laboratórios públicos a todos os pesquisadores estrangeiros que quisessem estabelecer-se no Brasil. Desmantelamento das exigências abusivas que se fazem à vinda de imigrantes individuais — aprovação prévia de contrato de trabalho ou 200 mil dólares de investimento direto — pois a maior parte da riqueza potencial que possa ser trazida pela mão-de-obra de outros países está no cérebro — como no caso de especialistas de software — e não em sistemas industriais pesados.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
5. Decentralização do crédito e privatização dos poucos bancos que ainda restam em mãos do Estado, com a preservação de um banco nacional para fins de desenvolvimento regional, de crédito educativo, de pesquisa científica e tecnológica e de financiamento de atividades de ponta, sem retorno imediato.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
6. Centralização de todo o sistema de transportes nas mãos do Estado.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
6. Decentralização e desmonopolização radicais de todos os meios de comunicação e de transporte, sobretudo naquelas áreas vinculadas à transmissão de dados e de imagens, base da nova civilização do saber e do conhecimento. Estabelecimento de completa abertura à concorrência nessas áreas, com a finalidade de baratear custos e democratizar o acesso.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
7. Multiplicação das fábricas nacionais, dos instrumentos de produção, desbravamento de terras e melhoramento dos terrenos agrícolas de acordo com um plano comunitário.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
7. Privatização de todas as atividades produtivas não vinculadas à ação precípua do Estado — saúde, educação, segurança, justiça — uma vez que as empresas estatais ou nacionalizadas no passado criaram quistos de privilégios corporativos e focos de ineficiência administrativa, quando não de corrupção direta, numa nação inspirada por princípios igualitários e animada pela justa e proporcionada retribuição pelos esforços dos funcionários do Estado, sem privilégios individuais ou de casta. Não haverá estabilidade de cargos, senão naquelas funções temporariamente vinculadas a um tipo de desempenho que se requer autônomo e independente das instâncias políticas e econômicas, em setores tidos como envolvendo uma responsabilidade coletiva (juízes, membros por mandato definido do Conselho Monetário ampliado, etc.).

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
8. Obrigatoriedade do trabalho para todos, instituição de exércitos industriais, em especial para a agricultura.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
8. Igualdade de chances na intervenção do Estado nos serviços públicos de saúde e de educação básica e no sistema de seguridade social, com a unificação progressiva dos regimes existentes. Disseminação da aposentadoria complementar por sistemas de capitalização, poderoso indutor da poupança privada. Investimentos maciços no ensino básico e introdução de mecanismos de compensação no ensino médio e superior. Estabelecimento de serviço civil de utilidade pública para atuação nos setores carentes e marginalizados.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
9. Unificação da exploração da agricultura e da indústria, atuação com vista à eliminação gradual da oposição entre cidade e campo.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
9. Abertura irrestrita de todos os setores produtivos e de serviços ao regime de livre concorrência, inclusive com a participação do capital estrangeiro, sem nenhum tipo de reserva ou restrição que não seja justificada pela segurança nacional (estritamente definida), defesa do meio ambiente ou ordem pública.

Manifesto do Partido Comunista, 1848:
10. Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma atual. Integração da educação com a produção material etc.
Paulo Roberto de Almeida, 1998:
10. Educação livre, pública e gratuita para todas as crianças no sistema de ensino básico, com atribuição de sistemas de retribuição para os setores carentes, que deverão ser objeto de atenção especial, retirando-se as crianças do exercício de atividades econômicas até a adolescência. Padrões uniformes de ensino no nível médio, com intervenção pontual do Estado se necessário. O ensino superior se organizará com base em critérios de mercado, inclusive as universidades públicas, que definirão mecanismos equivalentes aos de mercado na aferição da qualidade do ensino, na avaliação das atividades acadêmicas e na retribuição daqueles engajados em setores de pesquisa e desenvolvimento. Sistema de bolsa-educação para o amplo acesso da universidade por parte de todos aqueles qualificados nos escalões inferiores de ensino.

Ainda parafraseando o jovem Marx, no lugar da velha sociedade burguesa, com seus antagonismos sociais e de classe, se construirá progressivamente uma associação de cidadãos, na qual o livre desenvolvimento de cada um será a condição para o livre desenvolvimento de todos.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1256: 9 de maio de 2004
Revisto e republicado em 14.02.2010.

1342) Radioatividade persa: contaminacao diplomatica (subsidios)

Sobre o post 1338, abaixo, com o mesmo título, um leitor atento, e bem informado, remeteu-me, em comentário anônimo, a um site de um instituto especializado no estudo e follow-up dos proliferadores habituais (que aliás são muitos).
O Institute for Peace and International Security (link) segue as atividades nucleares de uma serie de Estados, nomeadamente os seguintes:

Countries
* Algeria
* India
* Iran
* Iraq
* Korean Peninsula
* Libya
* Myanmar
* Pakistan
* South Africa
* Syria
* Taiwan
* Yugoslavia

(PRA: A "península coreana" não é exatamente "um" país, mas dois, mais passons...)

Transcrevo o início e o final de um relatório sobre nosso aliado no Oriente Médio:

ISIS Reports
Iran’s Gas Centrifuge Program: Taking Stock
by David Albright and Christina Walrond
February 11, 2010

Table of Contents
1. Understanding Enrichment at Natanz
2. First Principles
3. More advanced centrifuges coming? A secret site?
4. Natanz and the P1 Centrifuge
5. Separative Capacity of Iran’s P1 Centrifuge
6. Building a Centrifuge Plant
7. LEU Production
8. Taking Stock, Analyzing FEP Performance
9. Reasons for Sub-Optimal Performance
10. Implications on the Fordow Enrichment Site
11. Findings and Conclusion
12. Figures and Tables
13. Appendix: LEU Production Data

1. Understanding Enrichment at Natanz
The Natanz Fuel Enrichment Plant (FEP) has now operated for over two years with several thousand IR-1 centrifuges. Iran has enough centrifuges to produce a significant quantity of weapon-grade uranium, if it decided to do so. Yet, it is far from being able to produce enough enriched uranium for a nuclear power reactor.
It is natural to ask how well the IR-1 centrifuges are operating and to chart their performance. But assessing what Iran has achieved at the FEP remains difficult because Iran reveals little centrifuge performance information to the International Atomic Energy Agency (IAEA), and the IAEA in turn reveals even less publicly in either its safeguards reports or during interviews. Complicating any assessment, the public information has often been ambiguous or subject to subsequent revision. Thus, the data contained in IAEA reports are not sufficient alone to answer many questions about Natanz’s progress.
For example, every three months in its safeguards reports, the IAEA reveals the number of IR-1 centrifuges operating with uranium hexafluoride (UF6) on a given day.The inspectors do not however verify whether that number of centrifuges is actually producing low enriched uranium (LEU), or whether they receive enough information from Iran to determine the average number of centrifuges enriching during any extended period. The absence of such information, which would incorporate data about breakdowns and maintenance, complicates any comparison of the FEP’s production of low enriched uranium to expected LEU output.
One useful measure of a plant’s enrichment output is to estimate the average enrichment output, or separative capacity, of an IR-1 centrifuge. But doing this requires knowing the number of centrifuges actually enriching, the very value that is unreliable. Similar problems confront other standard measures of enrichment performance. Nonetheless, a comparative analysis of the FEP’s performance is possible.

(...)

11. Findings and Conclusion

Iran is likely to concentrate on increasing its LEU output at Natanz, improving operation of its centrifuges, and building the Fordow enrichment plant. Now that Fordow is discovered, it could be planning or building another secret enrichment site.

Iran’s problems in its centrifuge program are greater than expected one year ago. How much this has slowed Iran’s ability to make weapon-grade uranium is difficult to determine. However, Iran has almost 9,000 centrifuges at Natanz and the ability to make many thousands more either at Natanz or elsewhere. Despite the problems demonstrated at the FEP, Iran is unlikely to face significant delays in making weapon-grade uranium at Natanz, if it decided to build nuclear weapons. Starting with natural uranium, Iran could likely still produce enough weapon-grade uranium for a nuclear weapon in a year; it could do so considerably faster if it started with its stock of already produced low enriched uranium. But in 2010 Iran may be limited in its ability to produce weapon-grade uranium outside of the Natanz site, either in a breakout mode using its existing stock of LEU or in a parallel effort in a secret site starting with natural uranium.

In the end, Iran can solve its centrifuge problems with time, either by improving the output of the P1 centrifuge or building more of them, or both. In the medium term, it can also deploy more advanced centrifuges. Given its announced plans to build ten more enrichment plants without notifying the IAEA about their location or status until six months before it introduces nuclear material, Iran’s capability to make weapon-grade uranium either in a secret parallel program or in a breakout is likely to grow with time.

Iran’s progress at the FEP bears special watching to determine if Iranian technicians can overcome the plant’s problems and operate the centrifuges better. Because of the importance of this issue to the international community, the IAEA should release more data about the FEP’s operation.

Iran is expected to continue seeking equipment, materials, and technology abroad for its centrifuge effort. Disrupting these efforts through increased vigilance on stopping illicit trade of dual-use materials and components can delay its centrifuge program and prevent the transfer of knowledge that could help Iran solve its problems in building and deploying not only the IR-1 centrifuge but more advanced ones as well.

One can also expect more efforts by western intelligence services to place defective equipment in Iran’s centrifuge program. Given that Iran acquires much of this equipment illegally, such efforts are hard to condemn. However, predicting the impact of such efforts is impossible.

The best way to constrain Iran’s enrichment program remains negotiations aimed at achieving a suspension of its program. Iran is unlikely to deploy enough gas centrifuges to make enriched uranium for commercial nuclear power reactors for a long time, if ever, particularly if sanctions remain in force. As such, one of the most striking lessons of reviewing Iran’s accomplishments at Natanz is just how unachievable a commercial enrichment program remains while how little is required to create a nuclear weapons capability. While Iran may take longer than expected to make sufficient weapon-grade uranium for a bomb, few believe it will fail in that effort.

Comentário final PRA:
O estudo tem uma série de tabelas com dados e gráficos para o público especializado. Para simples civis ignorantes em grande medida dos detalhes técnicos do programa nuclear iraniano, como este que aqui escreve, resta, porém, uma certeza: os dirigentes iranianos estão dispostos a seguir em frente.
Acredito, pessoalmente, que o mundo não ficará melhor com essa perspectiva...
Paulo Roberto de Almeida (14.02.2010)

1341) Sobre a responsabilidades dos intelectuais: comentário de um leitor

Recebi, a propósito do meu ensaio divulgado no post imediatamente anterior (ver abaixo), um longo comentário de um leitor, um estudante de ciências sociais do Rio de Janeiro, cujo nome omito por razões óbvias, mas que me parece refletir, inclusive na linguagem, os sentimentos de uma enorme parcela de nossa juventude universitária, tendo de suportar, atualmente, professores totalmente ineptos, despreparados e, adicionalmente (o que me parece mais grave), politicamente engajados num esforço doutrinário absolutamente irrelevante para a realidade em que vivem esses jovens. Esses professores, que se enquadram naquele comportamento que eu qualifiquei de desonestidade intelectual, continuam a oferecer aulas de pura embromação sociológica, ou de mistificação histórica, sem qualquer conexão com o mundo real.
Não creio que esse quadro seja "consertado" any time soon, ou seja, teremos de conviver com a empulhação acadêmica durante muito tempo mais...
Segue a mensagem (preservo totalmente a linguagem original, mesmo com os erros de Português e os pequenos equívocos de linguagem cometidos):

On 14/02/2010, at 01:42, R. M. wrote:

Boa Noite. Doutor Paulo Roberto de Almeida. Tudo bem com o senhor? Eu sou R., formando em Ciências Sociais da Uerj, e estou mandando-lhe este e-mail a fim de comentar o seu texto "sobre a responsabilidade dos intelectuais e se devemos cobrar-lhes os efeitos práticos de suas prescrições teóricas". Não tenho dúvida de que não devemos [sic], pois não só o Sociólogo alemão Ralf Dahrendorf, mas os próprios Sartre e Gramisci tinham em vista essa questão da responsabilidade do intelectual quanto a sociedade que fazem parte.
Eu devo relatar-lhe que nos meus anos na Uerj, vi de muito dos descalabros que foram descritos em seu ensaio. Eu estava refletindo com o meu irmão gêmeo que estuda História nessa mesma Universidade sobre as concepções que você encherga que são defendidas por determinados intelectuais dentro dos bancos das acadêmias que nós dois poderiamos julgar que no passado estavam presentes na sua realidade seja como professor ou estudante Universitário ou quem sabe nos circulos diplomáticos que o senhor esteve ao longo de sua carreira, mas, eu vejo que ela está presente na nossa realidade estudantil em fins da década de 2000 e principios da década de 10.
Quando eu entrei na Universidade em idos do ano de 2007, eu admito que entrei de forma ingenua pensando que a "solução" para as grandes questões de nossa sociedade estavam na Universidade e o curso de Ciências Sociais era o seu motor de combustão para essas mudanças, eu admito que me desiludi com o que vi no primeiro semestre e em muito me chateou a ponto de cogitar abandonar o curso.
No primeiro ano de curso nas aulas de Sociologia tive um semestre inteiro de Marx, estudamos as seguintes obras: "A Questão Judaica", "Crítica a Economica Política", "A Ideologia Alemã" e o "Manifesto Comunista" , vou ser honesto com o senhor que me senti desencontrado (e enojado), pois, o que estava sendo ensinado pela professora num tom de catequese (pois ela dedicou um semestre exclusivo para o estudo dessas obras) não correspondiam com a mesma perspectiva de vida e experiência pessoal de trabalhador assalariado que eu tinha de fora da Universidade e até mesmo porque, nas aulas de Ciência Política nesse mesmo semestre indo de encontro com os clássicos gregos como Platão e Aristóteles, se vê que as coisas sempre foram constituídas com base onde enquanto uns mandam, outros devem obedecer. Então, ficava a questão na minha cabeça: o que pensar? Será que estão me "enrolando" na acadêmia?
Então, com o passar desses dois anos (eu procurei antecipar a minha formatura e defender monografia em algo relacionado as Relações Internacionais e o Mercosul em particular, inclusive utilizando alguns textos seus, pois, não dava para pensar em compor nenhum projeto de monografia com Sociologos "Marquissistas" ou Antropologos "democratas raciais", pois a sintonia com os professores era muito diferente da minha vivência), a insistência principalmente em defender de forma tão incontestável essa concepção ideologica como projeto viável em pleno século XXI em termos sociais e até mesmo economico soava de um anacrônismo enorme para não dizer como você mesmo tinha colocado em seu ensaio "como pura desonestidade intelectual" por parte de acadêmico que não conseguem reconhecer o óbvio nas entrelinhas da História.
E o que isso tudo tem ligação com o seu ensaio? Que de fato a Universidade tem uma parcela de responsabilidade (e os seus acadêmicos) com os rumos que a sociedade vai de fato, pois, muitos desses professores pensam que estão numa "redoma de vidro" contra qualquer tipo de responsabilidade tanto com o teor dos artigos que escrevem quanto as aulas que ministram nas acadêmias e a defesa de idéias e teorias de forma dogmática que defendem com tanto afinco.

Então, Doutor Paulo Roberto de Almeida. Eu fico por aqui, não vou lhe escrever um testamento, pois, sei que o senhor é bastante ocupada.

Obrigado e desde já aguardo uma resposta do senhor quando lhe for possível responder.

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Meu caro R,
Muito grato por seu enorme comentario ao meu texto, que buscava apenas e tao somente tratar de um problema que eu ja detectei ha muito tempo, e que voce constatou agora por sua própria experiencia.
Sou reconhecido pela sua atencao em escrever-me e se voce me permitir vou partilhar seu texto com outros, sem revelar sua identidade, pois creio que nao convem personalizar o fato do seu lado.
O abraco do
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Paulo Roberto de Almeida
(14.02.2010)

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Addendum:
Depois que eu postei o que vai acima, o mesmo comentarista, escreveu o que segue:

On 14/02/2010, at 17:53, R. M. wrote:

Prezado Doutor Paulo Roberto de Almeida, muito obrigado pela atenção quanto a essa questão citada em seu ensaio. É algo que estou sempre compartilhando e refletindo com os meus colegas de cursos que possuem alguma lucidez quanto a questão que se segue analisando de forma crítica esse modelo de Universidade que tem um papel muito mediocre partindo dos seus próprios acadêmicos e quanto àquilo que o senhor mesmo classificou como "desonestidade intelectual".

Gostaria de saber se o senhor têm propostas para a questão que está imersa a Universidade Brasileira nesse contexto com base na vivência que o senhor possui viajando para outros países e por ter estudado no exterior também? Eu tenho algumas idéias, mas, eu como simples graduando não me arriscaria a propor exceto no caso de uma conversa informal e troca de e-mails como essa que estamos tendo.
Pois, eu converso com algumas pessoas de algumas Universidades do exterior e as coisas não são desse jeito definitivamente partindo do principio da "desonestidade intelectual" como o senhor fez questão de expor.
Pois, é uma questão que possui uma grande influência nos rumos que o País dá (para o bem ou para o mal).
Aguardo respostas. Um abraço e mais uma vez muito obrigado.
---------

Prometi selecionar alguns trabalhos meus e enviar...
Paulo Roberto de Almeida (14.02.2010; 18h44)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

1340) A responsabilidades dos intelectuais - P. R. Almeida

O mais recente trabalho publicado:

“Sobre a responsabilidade dos intelectuais: devemos cobrar-lhes os efeitos práticos de suas prescrições teóricas?”
Espaço Acadêmico (vol. 9, n. 105, fevereiro 2010, p. 149-159; ISSN: 1519-6186)
link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9275/5252

Transcrevo apenas o começo e o final desse trabalho:

O tema é bastante conhecido e eu começo imediatamente pelo enunciado do problema: deveriam os intelectuais ser responsabilizados por suas ideias, por seus livros e ensinamentos? Ou, dito mais precisamente: deveriam ser considerados responsáveis pela utilização que se faz ou que se fez de suas ideias e prescrições? Quem sabe até por suas omissões, conivências e silêncios?
(...)
Estes argumentos não se referem apenas à dimensão dos desastres econômicos e dos sofrimentos sociais infligidos a populações inteiras por uma ou duas gerações (e se supõe que isso seja por demais conhecido de todos, em vista das estantes vazias dos empórios socialistas). Deve-se mencionar, principalmente, os crimes cometidos contra os direitos humanos mais elementares, ou ainda aqueles situados no plano das misérias morais do socialismo: um regime de mentiras, de fraudes, de delações organizadas, de regimes policialescos e de mediocridades intelectuais como jamais ocorreu em muitas, talvez a maioria, das ditaduras ditas de direita por aqueles mesmos acadêmicos que pretendem ainda defender a causa do socialismo marxista.
Em relação a esses regimes, que por boa parte do século 20 se estenderam a territórios e populações imensas durante praticamente três gerações, pode-se parafrasear a conhecida frase marxiana do Dezoito Brumário: doravante, se espera apenas que a história jamais se repita, sequer como farsa.
Não é correto que a ignorância do processo histórico possa ser invocada em defesa dos que continuam a exibir equívocos monumentais do tipo aqui discutido; em todo caso, um procedimento básico se aplica aos que fazem da academia o centro de suas atividades: a honestidade intelectual é a primeira exigência de quem trabalha com o registro dos fatos históricos e sua interpretação no plano das ciências humanas. Espero apenas que esta não seja mais uma frase vazia...

Brasília, 19 janeiro 2010.
Revisto: 3.02.2010.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...