sábado, 30 de janeiro de 2010

1886) Sobre comendas e títulos honoríficos

A propósito da atribuição de ordens, medalhas, títulos de honra e outras comendas e homenagens a personalidades que se tenham distinguido a serviço do país, de uma corporação qualquer -- que se julga detentora de nobres tradições -- ou que tenham prestado relevantes contribuições para o bem-estar do país, a felicidade da nação, ou até mesmo da humanidade, leio, num post do blog de meu amigo Francisco Seixas da Costa, embaixador português em França, como ele mesmo se denomina (o que é absolutamente fiel), esta nota acauteladora:

"Cada vez acho mais importante que este tipo de reconhecimento do Estado português seja feito com grande rigor e com fortes critérios seletivos, a fim de ficar garantido, na memória comum, que o gesto tem significado e não constitui um mero sinal de natureza protocolar. As condecoração são, de certo modo, a forma contemporânea de nobilitação. Devem, por essa razão, corresponder a uma leitura muito ponderada das qualidades daqueles a quem são atribuídas e, muito em especial, da contribuição por eles dada ao prestígio da comunidade que os distingue."

Por acaso me recordei agora que, quando da atribuição, pelo presidente da República do Brasil, sob a recomendação do Ministério das Relações Exteriores, da insígnia da Ordem do Rio Branco ao então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, que logo depois renunciaria do cargo, e do mandato, para não ser eventualmente cassado por corrupção, eu escrevi uma carta ao Chefe do Cerimonial do Itamaraty para devolver a minha medalha e diploma de membro da Ordem (ainda que na categoria de membro da carreira, e não personalidade externa, como o inacreditável presidente da CD, aliás acerbamente defendido pelo presidente e seu partido).
Só não o fiz, na ocasião, porque fui dissuadido do gesto por amigos e colegas, que ponderaram ser exagerada a minha reação, que não se situava no mesmo plano de uma comenda entregue por razões puramente políticas ao chefe de um outro poder.
Justamente, tive vontade de argumentar: se uma Ordem como a de Rio Branco, grande servidor da República em seu tempo, é entregue a qualquer um, mesmo um cidadão pessoalmente ordinário, e notoriamente corrupto, apenas porque ele exerce um cargo público, então estou em má companhia, pois a Ordem já se rebaixou às conveniências políticas do momento, e não me sinto confortável com determinadas companhias.
Em ocasião oportuna, revelarei a carta que escrevi na ocasião, ainda guardada em meus arquivos, para ser usada quando a oportunidade se apresentar.

1885) Um debate sobre comércio, câmbio e a China...

Um leitor, E. Baldi, deste meu blog fez, a propósito de um post anterior,

1878) O debate sobre a "primarizacao" da economia ...:

este comentário-pergunta:
"PRA,
Caso possa responder, com base no texto apresentado, quais as limitações de um país vinculado ao atual esquema institucional do comércio mundial para mexer em seu câmbio? Pode-se desvalorizar à vontade, como faz a China? A pressão é unicamente política? Não há nada de direito internacional sobre isso?
Grato.
Ah, e tudo se resumiria ao câmbio? Não haveriam outras medidas tão ou mais importantes?"

Não disponho, sinceramente, de tempo para elaborar a respeito, mas diria simplesmente o seguinte"
1) Não existe NENHUMA vinculação "institucional" de qualquer país pertencence ao sistema multilateral de comércio com qualquer tipo de perfil exportador ou importador. Cada um faz o que quer ou o que pode, com base na sua dotação de recursos, suas competências intrínsecas, seu dinamismo competitivo e o tino produtivo de seus empresários, de acordo com algumas regras simples desse sistema de comércio -- cláusulas de nação-mais-favorecida, reciprocidade, tratamento nacional, não-discriminação, etc. -- e com a teoria e a prática do comércio internacional, cujas bases foram lançadas duas décadas atrás por Adam Smith e David Ricardo.
2) Todo e qualquer país pode fazer o que desejar com o seu câmbio, pois nem o FMI, nem a OMC tem mandato para determinar o valor da moeda ou o regime cambial desse país, que lhe cabe decidir soberanamente.
3) O GATT-OMC pode apenas exigir respeito às suas regras COMERCIAIS, que não alcançam o câmbio, todavia. Pode haver alguma acusação de "dumping" por razões cambiais, mas isso não se sustenta numa análise stricto sensu das disposições em vigor, pois o dumping é sempre uma prática microeconômica, ao passo que câmbio é uma disposição soberana de caráter macroeconômico.
4) Não existe nenhuma "maldição" em exportar produtos primários, pois EUA, Austrália, Canadá e outros países desenvolvidos também o fazem, mas o ideal, obviamente, é acrescentar valor aos produtos, e sempre introduzir tecnologia, via pesquisa de sementes, processos de extração mais elaborados e competitivos, etc. Ser dependente de um único produto primário -- como certos países com o petróleo -- representa, de todo modo, um perigo a ser evitado, sobretudo no caso do rentismo improdutivo que tende a se estabelecer nesses casos. Não por acaso vários desses países são petro-ditaduras, totalmente corruptas e ineficientes, mas o Brasil não corre mais esse risco com o pré-sal. O único risco é o uso político dos benefícios da exploração.
5) Sobre o caso da China, remeto ao post abaixo da correspondente do Estadão em Beijing, Cláudia Trevisan, que mantém um excelente blog no site do jornal.

A China e o câmbio
por Cláudia Trevisan
Seção: Economia, 09.11.09 - 07:51:31.

Por mais que o ministro Guido Mantega queira, a adoção do câmbio flutuante não faz parte dos planos de médio prazo da China, o que na noção de tempo do antigo Império do Meio pode significar muitos anos. O país é pressionado desde o início desta década por norte-americanos e europeus a valorizar sua moeda e adotar uma política cambial mais flexível e resiste bravamente.

A estabilidade do yuan e seu baixo valor em relação ao dólar são um dos principais ingredientes da receita de sucesso do modelo de desenvolvimento da China, que em 30 anos conseguiu sair de uma posição irrelevante no comércio internacional para o posto de segundo maior exportador do mundo _a liderança deverá ser obtida até 2010.

Como disse o Nobel de Economia Michel Spence em entrevista concedida a Fernando Dantas e publicada hoje no Estadão, “todos os países em desenvolvimento que tiveram alto crescimento, sustentado por um longo período, administraram suas moedas em alguma medida”. E nenhum deles seguiu a receita de maneira mais estrita que a China. Oficialmente, Pequim possui um câmbio “flutuante administrado”, mas na prática o modelo é muito mais “administrado” do que “flutuante” e está totalmente sujeito aos interesses econômicos do país.

Desde que a crise mundial começou a se insinuar, em meados do ano passado, a cotação da moeda chinesa se mantém inalterada em relação à norte-americana, na casa dos 6,80 yuans por US$ 1,00. Como o dólar se desvalorizou no mercado internacional, isso significa que o yuan também perdeu valor em termos reais em relação às demais moedas, incluindo o real brasileiro, o que ampliou ainda mais a competividade das exportações chinesas.

A maioria dos analistas acredita que o Banco do Povo da China deverá retomar a política de apreciação do yuan em algum momento do próximo ano, depois que as exportações se recuperarem um pouco em relação à profunda queda de 2009. Mas como tudo que diz respeito à moeda, o movimento será extremamente gradual e estará longe de qualquer coisa que lembre o câmbio flutuante. O banco UBS, por exemplo, prevê que no fim de 2010 a relação entre yuan/dólar está entre 6,50 e 6,40.

Depois de 11 anos de câmbio fixo, nos quais o yuan foi cotado em torno de 8,30 por US$ 1,00, a China anunciou no dia 21 de julho de 2005 a reforma de seu sistema cambial. A mudança previa a flutuação administrada do yuan em relação a uma cesta de moedas, dentro de uma banda fixada diariamente pelo Banco do Povo da China (o banco central local).

Desde o início, as autoridades de Pequim deixaram claro que o gradualismo daria o tom de sua reforma cambial. Em mais de quatro anos de reforma, o yuan ganhou cerca de 20% em relação ao dólar. Diante da persistente apreciação do real em relação ao dólar, o ministro Mantega defendeu que todos os países do G20 adotem o câmbio flutuante. Mas nada indica que os chineses tenham intenção de mudar sua estratégia agora.

1884) Uma frase, um gesto, um vínculo em torno do Maquiavel...

Ter amigos atentos e inteligentes é um privilégio como poucos na vida, mesmo se a distância não nos permite um contato tão frequente quanto desejável. Amigos assim sempre nos fazem, e trazem, surpresas agradáveis, ainda que inesperadas, mas sempre generosas, pela espontaneidade do gesto e a imensa cortesia que eles encerram.
Pois fui confortado com duas surpresas assim, a propósito do recente lançamento eletrônico (ou digital, como queiram), de meu livro:

O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado

O Embaixador de Portugal em Paris, Francisco Seixas da Costa, que mantém um blog, Duas ou Três Coisas (notas pouco diárias do embaixador português em Fança), que eu classificaria de propriamente indispensável -- por prazeiroso, intelectual, leve e ao mesmo tempo denso -- , fez-me o favor de anunciar esse lançamento virtual em um post especial, do sábado, 23 de janeiro de 2010, simplesmente intitulado e-book.
Nele, escreveu o seguinte:

Um amigo brasileiro, diplomata e prolífico escritor da área das relações internacionais, mandou-me um convite para o "lançamento virtual", hoje, de um seu e-book, isto é, um livro em edição eletrónica, que pode ser adquirido aqui. A sessão tem como ponto alto um "chat" com o autor, a ter lugar aqui [PRA: link para o chat eletrônico, já inexistente]. Para o convite ser completo, só não fica clara a forma como poderemos ter acessos aos salgadinhos que estas ocasiões sempre proporcionam.

O mundo muda muito...


Bem, só posso ficar lisonjeado com o anúncio gratuito, ou propaganda voluntária, e dizer que representou mais uma oportunidade para percorrer esse blog altamente simpático e cativante, no qual também pesquei uma frase que se aplica, mutatis mutandis, ao meu caso.
Com efeito, meus amigos e leitores -- assim como vários editores preocupados -- sempre reclamam que eu escrevo demais, me alongo em determinados assuntos, vou buscar seus precedentes no pleistoceno superior -- às vezes no pré-cambriano da história --, faço todas as conexões com o cenário mundial, bref, que sou prolixo e demasiado "completo" (como se isso fosse um defeito, o que em vários casos o é, efetivamente).
Pois recupero, no blog do Embaixador Seixas da Costa, uma frase, num post sobre uma nova passagem de Portugal pelo CSNU, que diz o seguinte:

"Este é um post longo. Como diria alguém, não tenho tempo para ser sintético."

Com permissão do Embaixador, e sua magnanimidade pelo não recolhimento de direitos autorais, mas atribuindo-lhe o devido copyright, ou pelo menos os direitos morais pela frase (que ele talvez já emprestou de alguém), cada vez que um editor ou responsável de publicação reclamar do tamanho de meus textos, vou passar a dizer:

"Mil perdões pela extensão do texto, mas não tive tempo de ser breve..."

Finalizando, desejo também agradecer a Glauciane Carvalho a gentileza de ter colocado, em seu excelente blog, uma chamada para o lançamento desse meu livro sobre Maquiavel e em torno do Príncipe.
Essa seção especial sobre o "meu" Maquiavel foi feita com tanta graça, competência e refinamento técnico -- habilidades que eu nunca conseguiria ter -- que eu só posso ficar agradecido a ela pela imensa gentileza do gesto.
Veja este anúncio de indicação de leitura aqui.
(e ainda temos direito a uma excelente sessão musical)

1883) Ainda os avioes da FAB; estendendo o debate

Meu leitor e comentarista habitual Vinicius Portella acrescentou mais um comentário a este post anterior:

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
1871) Ainda os aviões da FAB: uma opinião bem informada

Recomendo aos que ainda não o leram, que o façam, pois traz uma "opinião" extremamente bem informada, e sensata, sobre o assunto.
Pois, em função disso, meu amigo Vinicius Portella perguntou-me o que segue:

"Paulo,
Creio que, neste texto, o brigadeiro Teomar Fonseca Quírico nos fornece elementos importantes para o debate sobre esse tema; ressalvando-se, todavia, seu tom de devoção em determinadas passagens. Um dos pontos de maior importância nessa discussão diz respeito à transferência de tecnologia. Que considerações fazes sobre isso? Penso que tenhas coisas importantes a dizer sobre isso.
Um grande abraço, espero tua resposta."

Acabo de responder-lhe o que segue"

Vinicius Portella,
Agradeço a generosidade do comentário e sua benevolência com os meus posts, assim como com meus parcos argumentos em torno dessa questão, mas eu não tenho capacidade, ou simplesmente competência, para estender-me num debate técnico em torno da escolha correta dos aviões da FAB.
Minha única competência relativa consiste em, sendo um cidadão consciente e bem informado, perceber alguns aspectos do processo decisório que deve presidir a toda e qualquer escolha governamental de certa importância. E esta, envolvendo bilhões de reais, e aviões que vão servir por pelo menos duas décadas, certamente é muito importante para ser deixadaa apenas ao argumento canhestro do "eu decido", a "relação é estratégica", ou ainda "a decisão é política".
Essa variante do "l'Etat c'est moi" eu simplesmente não aceito.
Sobretudo porque ela implicaria desprezar o trabalho de meses e meses de dezenas, talvez centenas de servidores abnegados da FAB, que fizeram um trabalho técnico dos mais sérios, para chegar a uma conclusão, qualquer que seja ela, importante no plano operacional da Força Aérea.
Ora, desprezar isso, com o gesto absolutista do "eu decido", representa não apenas descartar o trabalho sério da FAB, mas desprezar a opinião pública do Brasil de modo tão arrogante a ponto de ser inaceitável.
Paulo Roberto de Almeida
(30.01.2010)

1882) Partilha compulsoria de lucros: os autores intelectuais

Surgiu uma controvérsia a respeito da idéia -- autoritária, dirigista e sempre 'expropriatória' do capital, a respeito de um projeto de lei que o governo pretenderia fazer aprovar ainda em 2010 (para dela extrair resultados eleitorais, provavelmente), tendente a obrigar as empresas a destinar 5% de seus lucros para os trabalhadores, numa nova ofensiva contra o direito de propriedade que já não deve surpreender neste governo. Obviamente, não se cogita de dividir a responsabilidade por perdas e prejuizos, cujos custos e riscos ficam inteiramente com o patrão, ou dono do capital, apenas os lucros, que, por definição, são a remuneração do capital.
A matéria abaixo deixa claro a responsabilidade moral e política pelo projeto e sua autoria intelectual.

Lula estimulou partilha de lucros, diz Mangabeira
VANNILDO MENDES - Agencia Estado
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010, 12:29

BRASÍLIA - Autor do projeto que determina a distribuição compulsória de 5% dos lucros das empresas para os empregados, o ex-ministro de Assuntos Estratégicos Roberto Mangabeira Unger afirmou ontem que a cúpula do governo não só sabia como estimulou a proposta. Em entrevista por e-mail, ele disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era um defensor "entusiasmado" da proposta e os ministros da Justiça, Tarso Genro, e do Trabalho, Carlos Lupi, colaboraram diretamente na sua elaboração. "Conduzi esse trabalho com o apoio entusiasmado do presidente Lula e em estreita colaboração com meus amigos colegas ministros, sobretudo os do Trabalho e da Justiça", garantiu Mangabeira, que hoje é professor na Universidade Harvard.

A afirmação contradiz declaração do ministro da Justiça, segundo a qual a obrigatoriedade da partilha de lucros, hoje entregue à negociação direta entre empregados e empregadores, não passa de "estudo" e não foi objeto de análise e decisão de sua pasta nem do governo. O projeto tem nove artigos e integra um documento de 67 páginas, chamado Reconstrução das Relações Capital-Trabalho, que Mangabeira diz ter produzido após um ano e meio de análises e discussões com entidades representativas de trabalhadores e do setor empresarial.

Lei
Prevista na Constituição, a participação de empregados no lucro das empresas é disciplinada pela Lei nº 10.101, editada em 2000 pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O texto remete os critérios da distribuição à livre negociação entre as partes e não fixa um porcentual de partilha. O novo texto, na prática, anularia a lei vigente e tornaria a distribuição compulsória, fixando a cota de 5%.

Desse montante, se aprovada a proposta, 2% serão transferidos de forma linear a todos os empregados. Os 3% restantes devem ser distribuídos conforme critério interno de gestão da empresa, em razão do mérito individual, produtividade e resultados.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

1881) Enquanto isso, no outro Forum Social...

Certos comportamentos são atávicos: uma vez estatizante, sempre estatizante. Basta surgir uma oportunidade, como a recente crise financeira, por exemplo, cuja culpa deve ser debitada inteiramente a banqueiros gananciosos, brancos, loiros, de olhos azuis, como diria um não economista. Os governos, que criaram as oportunidades de especulação e para a formação de bolhas, não tem obviamente nada a ver com a confusão.
Pois este economista alternativo propõe a nacionalização do sistema bancário.
Fazia tempo que alguém desse campo, que prefere viver de dinheiro privado, em lugar de estatizar o setor, não tinha uma idéia tão brilhante...

Em Salvador, Singer defende a nacionalização de bancos
ANA CONCEIÇÃO
Agencia Estado, sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

SALVADOR - Após a atuação dos bancos públicos brasileiros, que elevaram a oferta de crédito durante o período mais agudo da crise financeira internacional, o tema da nacionalização das instituições financeiras voltou ao debate durante o Fórum Social Temático de Salvador. A medida foi defendida hoje por Paul Singer, titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho. "O que salvou o Brasil na crise é que quase metade do sistema bancário é público", disse. Depois, citou exemplos de países que saíram bem da crise, como Índia e China, "onde os bancos também são públicos".

Para o economista e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), se o sistema bancário continuar sem regulação uma nova crise financeira deverá surgir em prazo de dois a quatro anos. "(O presidente dos Estados Unidos Barack) Obama está na ofensiva contra os bancos, mas a solução é nacionalizar. Lá os bancos foram salvos pelo dinheiro público", defendeu.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

1880) Livro: retirando o mofo do Itamaraty

Estou lendo, para fins de resenha e análise este livro:

Ovídio de Andrade Melo:
Recordações de um Removedor de Mofo no Itamaraty
(Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 192 p; ISBN: 978-85-7631-175-5)

São memórias seletivas de diplomata que, de 1950 a 1986, serviu em diversos consulados, em Washington junto à OEA, chefiou a DNU numa época (1965-68) em que as três potências nucleares impunham o TNP -- que o Brasil recusou, inclusive com base em sua argumentação -- , foi Cônsul-Geral em Londres de 1968 a 1976 e, no intervalo, Embaixador especial durante a independência de Angola (ali permanecendo durante a fase decisiva da implantação do governo do MPLA), tendo depois servido de Embaixador comissionado em Bangkok e em Kingston, e foi o primeiro Embaixador pleno na "Nova República" (em 1985). Aposentou-se em 1990.

A remoção de 'mofo', do título, se refere ao arejamento do Itamaraty, ainda marcado, em seu tempo, por certa subserviência à política internacional das grandes potências, tarefa para a qual ele diz ter contribuído em vários aspectos. Essas memórias, ou recordações, trazem passagens importantes, que merecem uma referência pontual e uma análise mais detida.

O aspecto mais paradoxal deste livro, para quem pretende arejar o Itamaraty e remover o seu "mofo", está, talvez, em certo "saudosismo" da chamada política externa independente, não necessariamente pelo seu conceito formal -- o de ser independente -- mas pelo seu propósito substantivo de fazer o Brasil aderir a certos conceitos ou posturas de épocas passadas que, tanto quanto a suposta adesão indevida aos padrões alegadamente submissos da Guerra Fria, refletem uma visão do mundo de certo modo embolorada, muito próxima de certas teorias conspiratórias que pretendem que as grandes potências sempre pretenderam nos colonizar de fato.

Para quem adere a esse tipo de visão, trata-se de um prato cheio. Para os mais circunspectos, como eu, cabe uma leitura atenta e refletida. Em todo caso, pode-se aprender muito com o Itamaraty dos "velhos tempos", tanto o alinhado com os EUA, quanto o insubmisso e rebelde à recolonização...

Paulo Roberto de Almeida (29.01.2010)

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...