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domingo, 24 de janeiro de 2010

1752) Gastos publicos e crescimento na América Latina - estudo do IPEA

Minha atenção foi chamada para um estudo do IPEA por uma nota no portal (e também blog-newsletter) do economista José Roberto Affonso, neste link.
O título "latrinos" é dele, e não corresponde ao título real do estudo:

Impactos dos Gastos Públicos Latrinos (Silva e Cândido)
Transcrevo primeiro o resumo que ele faz, depois vou ao texto original:

Texto para Discussão do IPEA n.1434, de Alexandre Manoel A. da Silva e José Oswaldo Cândido Jr. ,mensura os impactos macroeconômicos dos gastos públicos nas principais economias da América Latina onde se observa, de maneira geral, que no longo prazo os investimentos públicos tendem a afetar positivamente o produto e consumo das famílias. No curto prazo, os multiplicadores do consumo do governo com relação ao produto, consumo e investimento privado são positivos e significativos. (PDF em português; Data: 30/11/2009)

Vou agora ao trabalho original, que pode ser encontrado neste link.


Transcrevo agora a sinopse e as conclusões (se algum leigo não entender, eu posso colocar em linguagem simples, que redundaria apenas nisto: gastos públicos podem ser um expediente útil, em determinadas circunstâncias e por um tempo limitados, nas no longo prazo são negativos para o crescimento. Os autores, trabalhando no Ipea, para chefes comprometidos com os gastos públicos, tentam conciliar as duas posições).

TEXTO PARA DISCUSSÃO No 1434
IMPACTOS MACROECONÔMICOS DOS GASTOS PÚBLICOS NA AMÉRICA LATINA *
Alexandre Manoel Angelo da Silva ** José Oswaldo Cândido Júnior ***
Rio de Janeiro, novembro de 2009

* As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, o pensamento dos órgãos onde os autores trabalham.
Destaque-se nosso agradecimento ao economista Carlos Mussi por disponibilizar os Anuários Estatísticos da Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (Cepal), fundamentais nesta pesquisa.
** Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais – DIRUR/Ipea.
*** Técnico de Planejamento e Pesquisa da DIRUR/Ipea cedido ao Senado Federal.

SINOPSE
Este artigo mensura os impactos macroeconômicos dos gastos públicos (consumo e investimento das administrações públicas) nas principais economias da América Latina por meio do modelo cointegrado dos vetores autorregressivos. No longo prazo, de maneira geral, os investimentos públicos tendem a afetar positivamente o produto e o onsumo das famílias, embora tenha apresentado uma relação de substitutibilidade com o investimento privado. No curto prazo, na maioria dos casos, os multiplicadores do consumo do governo com relação ao produto, consumo e investimento privados são positivos e significativos, embora de pequena magnitude. Já os multiplicadores do investimento público para a maioria dos países são estatisticamente não significativos.

5 CONCLUSÕES
Este artigo avalia os impactos macroeconômicos dos principais componentes dos gastos públicos (consumo e investimento) sobre o PIB, consumo das famílias e investimento privado, em uma amostra de seis países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela, no período 1970-2002. Esses países são as principais economias da região, representando cerca de 90% do PIB regional.
Para a obtenção dos resultados, utilizou-se a estrutura dos vetores autorregressivos cointegrados. A fim de expor os principais resultados de maneira didática, dividem-se as conclusões em dois contextos: relações de longo prazo e relações no curto prazo.
Relações de longo prazo: em geral, o investimento público afeta positivamente o produto e o consumo das famílias, embora tenha mantido uma relação de substituição com os investimentos privados. O consumo governamental afeta negativamente o produto e o consumo das famílias para a maioria dos países. No que diz respeito ao impacto do consumo do governo sobre o investimento privado, o resultado é de complementaridade para Colômbia, México e Venezuela e de substitutibilidade para Argentina, Brasil e Venezuela.
Esses resultados sugerem que o impacto do consumo do governo sobre o investimento privado depende do nível relativo desse consumo na comparação com o investimento público. De fato, nos países em que esse nível é relativamente mais baixo ou a sua evolução ao longo do tempo é de estabilidade ou queda, é possível encontrar relações positivas entre o consumo do governo e o investimento privado. A ideia é que gasto público considerado produtivo (improdutivo) possa vir a se tornar improdutivo (produtivo), quando seu montante se torna excessivo (escasso).
Relações de curto prazo: em linhas gerais, os resultados de uma política de estabilização baseada em uma política keynesiana ativa de estabilização se mostram limitados em termos de magnitude e duração ao longo do tempo. De fato, com exceção do caso chileno, os multiplicadores quando significativos são geralmente abaixo de 1 e os efeitos dos choques perduram no máximo por dois períodos (anos), desaparecendo completamente no período (ano) subsequente.
Ademais, os resultados sugerem que para a maioria dos países latino-americanos investigados existe um pequeno espaço para aumento do consumo do governo no estímulo à demanda agregada. Em geral, esse efeito positivo depende do nível e da margem do consumo governamental, ou seja, o espaço fiscal permitido depende da relação nível de consumo governamental vis-à-vis ao de investimento público. Nos países em que essa relação é alta, o espaço fiscal é menor, e vice-versa.
Por fim, cabe destacar, ainda, os prováveis efeitos expectacionais do aumento do investimento público. Este estudo infere que, no longo prazo, existe uma relação positiva entre investimento público e produto, embora o investimento público apresente uma relação de substitutibilidade com o investimento privado. Assim, para que o investimento público não ocupe o espaço do investimento privado, é importante se estimular a parceria público-privada, focalizando em investimentos públicos com elevado grau de complementaridade de investimentos privados.

1751) A obsessao totalitaria da esquerda brasileira (2)

A propósito de minha postagem anterior, com este mesmo título, recebi a reação de um historiador formado pela Universidade Federal da Bahia, Equiano Santos, administrador (e "dono") de um blog chamado Historiografia em Controvérsia, aliás interessante pela sua primeira e única postagem (realizada em Outubro de 2008) com uma entrevista do historiador não sectário, e inteligente, João Fragoso, na qual ele desconsidera os procedimentos tradicionais da tribo acadêmica brasileira que se ocupa de história. Muito interessante e útil para todos os historiadores, como o próprio Equiano Santos, e que eu recomendo a todos (ver neste link).
Bem, fiz esta pequena introdução, porque pretendo dar uma pequena aula de história e de ciência política contemporánea a um jovem historiador que está falhando terrivelmente à metodologia que ele deveria defender, sustentar, usar e adotar (por uma vez, ja que se pretende historiador).
Ele fez um comentário a esse post anterior, que eu me permito reproduzir aqui, e comentar em total transparência, pois creio que ele, e outros eventuais interessados poderão se interessar pelo que eu tenho a dizer sobre esta

Pequena Controvérsia a Respeito da Liberdade de Expressão e de Opinião.

Retomemos, pois, o tema, e eu abro agora um parágrafo para:

Comunismo, soviets, Lenin ???
Equiano Santos disse (Domingo, Janeiro 24, 2010 10:32:00 AM)

É a Veja e seu show de anacronismos. Melhor dizer de saudosismo, pois nem mesmo a esquerda contemporânea cultiva isto com tanta empolgação (exceção às siglas minúsculas e sem voz).
Se o debate deve ser travado em torno de uma suposta restrição da liberdade de imprensa, que aqueles que escrevem a esse respeito se utilizem da história não para fazerem panfletagem e sim para enriquecer o debate. Mas o que dizer de uma revista que tanto falou de uma hipotética reeleição de Lula e que praticamente nada falou da aprovação do Congresso colombiano da recandidatura de Uribe?

Para um bom panfleto político, que são as matérias desta revista, sempre será dois pesos duas medidas...

Já li em seu blog muitos textos de excelente qualidade, principalmente aqueles que me forneceram um ponto de vista diferente de minha formação... Definitivamente os da Veja não...

(Fim de transcrição)

Minha resposta ao Equiano:


Meu caro Equiano,
Agradeço você ter se dado ao trabalho de ler o meu blog e de, por intermédio dele, ter se inteirado de uma matéria da Veja, revista que, se eu deduzo por suas palavras, você jamais lê, pois se trata supostamente de uma revista burguesa, da "grande mídia" como dizem seus colegas de pensamento, e portanto não confiável, falsa, defensora dos interesses do grande capital contra aqueles mais defensáveis do povinho miúdo que constitui maioria no Brasil.
Agradeço sobretudo o fato de você julgar que meus blogs contem textos de excelente qualidade, sobretudo os que divergem do que normalmente você tem, em seu meio de origem ou de formação, o que indica exatamente o objetivo didático de meus blogs e site.
Veja, eu sou um pouco (bem) mais velho do que você, tenho portanto certa experiência de vida, muitas leituras acumuladas -- o que Marx chamaria de "acumulação primitiva" de leituras -- e, sobretudo, uma certa abertura de espírito para julgar as coisas pelo que elas são, não pelo seu suporte mediático, no caso uma simples revista de informação (que eu tampouco considero ideal, no meu plano de fontes de informação).
Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro, nunca conheceu, nunca viveu e, sendo jovem, nunca visitou algum socialismo real, coisas que eu já conheci, por ter visitado, vivido, assistido pessoalmente ao seu modo de (não) funcionamento, e por ter partilhado, até um certo momento de minha vida, alguns dos objetivos ou ideais (se é que esse conceito se aplica).
Como você, ao ser universitário, fui exposto a determinados conceitos e idéias, típicos da academia brasileira, no terreno das humanidades. Impossível ser sociólogo no Brasil (e em vários outros lugares também) sem ser um pouco (bastante, no meu caso) marxista, e daí condenar o capitalismo com todo o seu cortejo de desigualdades e injustiças sociais, desconfiar da burguesia (e seus planos para escravizar os trabalhadores) e passar a conclamar que um outro mundo é possível. Enfim, isso é muito conhecido.
Sinto dizer, porém, Equiano, que você, como historiador, falha terrivelmente em sua profissão, e continuando assim, você NUNCA será um bom historiador, por uma razão muito simples: em lugar de dialogar com as "fontes", você resolve atacar o "meio" de transmissão, e ao fazê-lo você desconsidera totalmente o conteúdo da informação, apenas para desqualificar o veículo que a transmitiu.
Você simplesmente desconsidera, desqualifica, esquece totalmente a única matéria de seu blog prometedor, a entrevista de um historiador que condenou, justamente, o procedimento que você adotou agora.
Como você há de concordar, os principais documentos para se estudar a história diplomática do Brasil são, obviamente, atos de chancelaria, notas, mensagens, declarações e outros papéis produzidos dentro da chancelaria, por definição "suspeitos", postos que elaborados pelos próprios interessados na "sua" versão da história. O bom historiador vai confrontar esses papéis com outros, de alguma outra chancelaria, se se trata de uma relação bilateral, ou dados da economia, da política, de personagens alheios à chancelaria, para ter uma visão global do processo que ele está estudando. Isso faz o bom historiador.
O mau historiador, não estou dizendo que você é um, faz como você fez neste seu comentário: com base no simples meio ou veículo de informação, passa a atacar o fundamento da informação, não com conceitos substantivos e fundamentados de natureza contrária, mas simplesmente adjetivos, desqualificadores, totalmente subjetivos ou impressionistas: "show de anacronismos", "saudosismo", "panfletagem", enfim, você simplesmente se recusa a discutir a matéria da revista para apenas e tão somente atacar a revista.
Sinto muito, Equiano, mas isso não comrresponde, nem aqui nem no socialismo, aos procedimentos de um historiador.

Agora, se você me permite entrar na substância de suas intenções -- o que também é totalmente subjetivo e impressionista de minha parte -- eu diria o seguinte:

Você, Equianio, como milhares de outros jovens universitários brasileiros, infelizmente não foi educado nas boas regras do método histórico ou sociológico, mas apenas ao festival de panfletagem que hoje responde ao nome de universidade brasileira, uma instituição em rápido processo de mediocrização e de decadência, em razão desses mesmos procedimentos que eu já apontei acima, pelo menos naquele núcleo que responde pelo nome de humanidades.
Obviamente, nem tudo é assim, prova da qual a matéria com o professor Fragoso (que você parece ter esquecido) constitui um belo exemplo de independência de pensamento.

Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro (e eu repito o que disse acima) jamais conheceu e provavelmente jamais irá conhecer o socialismo real, aquele que se inspira de Marx e Lênin, um dos personagens "julgados" na matéria da Veja.
Ou talvez sim: se você correr, se apressar, e juntar algum dinheiro, ainda poderá assistir a uma espécie de "museu de cera" do socialismo real. Vá a Cuba, passe uma semana, fale com as pessoas normais, observe o dia a dia na ilha, e partilhe um pouco da experiência "normal" dessas pessoas. Acredito que será uma boa experiência para você.
Eu não tenho nenhum problema em dizer isto, posto que, jovem universitário, marxista-leninista, eu fui ao socialismo real, no coração do bloco soviético, e lá pude conhecer o que é, de verdade, o socialismo. Não que eu fosse um ingênuo, mas é que um confronto direto nos fornece outras informações do que apenas livros, revistas, documentos de arquivo.
Não preciso me referir aqui às misérias materiais do socialismo, isso eu já sabia, das penúrias, da falta de abastecimento, da ausência completa de escolha, ou de diversidade de bens e serviços para comprar, apenas o básico, e por vezes nem o básico: produtos de primeira necessidade racionados, aquecimento inexistente (e você pode julgar o efeito disso num inverno soviético, ou russo), falta das coisas mais elementares, exatamente o que acontece hoje em Cuba e Coréia do Norte (que você infelizmente não poderá conhecer, pois é um museu vivo do socialismo real).

Não, não pretendo falar dessas coisas. Refiro-me apenas à miséria moral que é justamente a ausência completa de liberdade informativa, a censura prévia e total, a delação, a vigilância, enfim, um Estado policial (você certamente já ouviu falar disso, deve ter visto, por exemplo, um filme como "A Vida dos Outros").
Talvez você considere tudo isso bobagem, pois nunca teve ausência de liberdade para fazer tudo aquilo que você quer fazer, como por exemplo atacar a Veja, que para você está a serviços dos interesses mais mesquinhos e reacionários da sociedade, em lugar de defender o governo progressista de Lula e seus magnifícos programas sociais. Entre outros programas se encontra esse que foi objeto da matéria da Veja, que você sequer abordou, ou seja, a tentativa canhestra, abjeta moralmente, indefensável no plano dos direitos elementares, de censurar a imprensa.

Veja você que ainda recentemente eu pude visitar a China, e lá admirar o imenso progresso material feito por aquele povo, na construção de belos edifícios, na prosperidade aparente de uma taxa inacreditável de crescimento, na retirada de uma miséria abjeta de centenas de milhões de pessoas para colocá-las numa pobreza aceitável -- os chineses dizem querer oferecer uma "moderada prosperidade" ao seu povo -- enfim, uma história de desempenho econômico que jamais foi registrada nos anais da história econômica mundial, e que provavelmente jamais será igualada novamente.
Pois bem, desfrutando de tudo o que havia de bom na nova China, eu tive uma amostra de tudo (ou apenas parte) o que havia de ruim na velha China: durante uma semana inteira que passei lá, JAMAIS consegui acessar este meu blog (ou outro que tenho, especial sobre a China), para relatar minhas experiências, colocar meu relato de viagem, falar das coisas interessantes que vi, enfim, simplesmente registrar (para mim, ou para outros) o que eu estava vendo e experimentando. NADA, nadica de peterebas, simplesmente foi impossível acessar qualquer blog, e mais irritante ainda, muitos sites simplesmente não entravam, e eu era simplesmente dirigido ao Baidu, o que passa por ser um Google chinês e que nada mais é do que uma amostra de que a China continua a ser um Estado autoritário (não mais totalitário, mas simplesmente dominada por um partido-Estado que se julga dono das pessoas).

Meu caro Equiano, acho que você deveria refletir sobre essas coisas, pensar mais uma vez, e oferecer, da próxima vez, não um comentário adjetivo e cheio de invectivas negativas sobre a Veja, um comentário sobre o cerne da matéria, como faria, por exemplo, um historiador como o João Fragoso.
Eu o convido a retornar ao meu blog, e oferecer comentários substantivos sobre o problema da liberdade de expressão e, se desejar, comentários comparativos entre o que disse Jefferson, e o que disse Lênin.
Ao fim e ao cabo, esse é o único aspecto relevante na matéria, que interessaria ao historiador: saber se o Brasil dirigido pela tropa de estranguladores da liberdade de expressão que se revelou no Programa Nacional de Direitos Humanos se aproximaria mais de Jefferson ou de Lênin.
Acho, também, que você faria bem em ler um pouco mais de história, ou quem sabe, um jornalista como George Orwell, que tem coisas interessantes a dizer sobre a liberdade de expressão.

Com todo o meu apreço acadêmico,
Paulo Roberto de Almeida (24.01.2010)

sábado, 23 de janeiro de 2010

1750) A obsessao totalitaria da esquerda brasileira (1)

A obsessão totalitária
Fábio Portela
Revista Veja, edição 2149 - 27 de janeiro de 2010

Censurar a imprensa e impedir o fluxo de ideias no Brasil
é a única bandeira genuinamente comunista que sobrou aos petistas

Um observador ingênuo pode não entender a obsessão de petistas, manifestada desde o momento zero do governo Lula, de abolir a liberdade de expressão no Brasil. Afinal, em sete anos de administração do país, alguns fizeram enormes avanços pessoais e coletivos. Aumentaram o patrimônio, passaram a beber bons vinhos e a vestir-se com apuro. A política econômica é modelo até para os países avançados e as conquistas sociais fazem inveja a reformadores de todos os matizes ideológicos. Destoam desse rol de avanços a diplomacia megalonanica e a inconformidade com o livre trânsito de ideias no país. O próximo ataque organizado à liberdade de expressão se dará em março, com a Segunda Conferência Nacional de Cultura (CNC). Apesar do nome pomposo, ninguém irá lá para discutir cultura. Os petistas vão, mais uma vez, tentar encontrar uma forma de ameaçar a liberdade de imprensa e obrigar revistas, jornais, sites e emissoras de rádio e TV a apenas veicular notícias, filmes e documentários domesticados, chancelados pelos soviets (conselhos) petistas e reverentes à ideologia de esquerda.

O evento é a continuação por outros meios da batalha pela implantação da censura à imprensa no Brasil. Isso começou em agosto de 2004, com a iniciativa, abortada, de criar um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Nos últimos meses foram feitas mais duas tentativas. Uma delas na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A outra com o PNDH-3, o Programa Nacional de Direitos Humanos. O que o CFJ, a CNC e o PNDH-3 têm em comum? Todos embutem a criação de um tribunal para censurar, julgar e punir jornalistas e órgãos de comunicação que desobedeçam às normas governamentais. É um figurino de atraso.

Por que essa obsessão não se dissipa? Primeiro, porque ela é a única bandeira que sobrou às esquerdas cujas raízes podem ser traçadas ao seu berço comunista no século XIX. A censura à imprensa é uma relíquia esquerdista, um bicho da era stalinista guardado em cápsula de âmbar e cujo DNA os militantes sonham ainda retirar e com ele repovoar seu parque jurássico. Todas as outras bandeiras foram perdidas. A do humanismo foi dinamitada pela revelação, em 1956, dos crimes contra a humanidade perpetrados por Stalin. A da eficiência econômica e a da justiça social ruíram com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Sobrou a bandeira da supressão da voz dos que discordam deles. Mesmo isso não pode ser feito com a dureza promulgada por Lenin ("Nosso governo não aceitaria uma oposição de armas letais. Mas ideias são mais letais que armas.").

O maior ideólogo da censura à imprensa, cujo nome sai com a facilidade dos perdigotos da boca dos esquerdistas brasileiros, é o italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Como a revolução pelas armas se tornou inviável, Gramsci sugeriu a via do lento envenenamento ideológico da cultura, do idioma e do pensamento de um país. É o que tentam fazer os conselhos, conferências e planos patrocinados pelo PT. É neles que se dá a alquimia gramsciana. Ela começa pela linguagem. A implantação da ditadura com o fechamento do Congresso é vendida como "democracia direta"; a censura aparece aveludada como "controle da qualidade jornalística"; a abolição da propriedade privada dilui-se na expressão "novos anteparos jurídicos para mediar os conflitos de terra". Tudo lindo, pacífico, civilizado e modernizador. Na aparência. No fundo, é o atalho para a servidão. Thomas Jefferson neles, portanto: "...entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, fico com a segunda opção".

Um tema, duas visões
No século XVIII, o futuro presidente americano Thomas Jefferson já enxergava a liberdade de imprensa como um dos pilares da democracia. No século XX, o bolchevique Lenin inaugurou a doutrina esquerdista que vê no jornalismo independente uma ameaça a ser combatida

"Se eu tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais e ter jornais sem um governo, eu não hesitaria nem por um momento antes de escolher a segunda opção."
Thomas Jefferson, em 1787

"Dar à burguesia a arma da liberdade de imprensa é facilitar e ajudar a causa do inimigo. Nós não desejamos um fim suicida, então não a daremos."
Vladimir Lenin, em 1912

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

1749) Niccolò Machiavelli, il vero


NOTE CRITICHE
a cura di Laura Barberi

Il Principe fu scritto da Niccolò Machiavelli (1469-1527) tra il luglio e il dicembre del 1513, nella villa (soprannominata "L'Albergaccio") di S. Andrea in Percussina presso San Casciano, dove Machiavelli si era ritirato in seguito alla caduta della Repubblica fiorentina e al ritorno dei Medici a Firenze. Nel 1512, infatti, in seguito al ritiro dei francesi dall'Italia, la signoria medicea fu restaurata a Firenze e Machiavelli, che era stato funzionario della repubblica per tutti i quattordici anni della sua esistenza, venne prima licenziato, poi accusato di aver preso parte ad una congiura contro i Medici, quindi arrestato e in seguito confinato all'Albergaccio. Per il resto della sua vita egli non riuscirà più a ricoprire alcun incarico pubblico, malgrado i suoi tentativi e la sua inesauribile passione politica. All'inattività forzata, comunque, Machiavelli non si rassegnò mai e, non potendo agire direttamente sulla realtà sociale e politica del suo paese, si concentrò sulla stesura di opere di carattere storico e politico, nel tentativo di influenzare tramite esse i potenti del suo tempo.

L'occasione della stesura de Il Principe fu data dalle voci che circolavano sulle intenzioni di papa Leone X di creare uno Stato per i nipoti Giuliano e Lorenzo de' Medici: voci che spinsero Machiavelli a interrompere la stesura dei Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio e a scrivere un più breve trattato dove esporre le convinzioni maturate in tanti anni di frequentazioni ed esperienze politiche. Al trattato egli premise una dedica a Lorenzo de' Medici, anche se solo nel 1516, sempre nella speranza di poter tornare protagonista delle vicende sia fiorentine sia italiane, anche se non sarà così.

L'opera uscì postuma nel 1532 ed è composta di XXVI capitoli tra loro logicamente collegati e fortemente interrelati. La chiara struttura consente di individuare i vari "blocchi" di capitoli dedicati ad un unico argomento e i nessi tra i vari "blocchi". I primi undici capitoli descrivono come si crea un principato: dopo aver elencato, nel primo capitolo, i vari tipi di principato possibile, Machiavelli analizza nei successivi capitoli tali diversi Stati: i principati ereditari e quelli nuovi (con o senza nuovi territori annessi al principato già esistente), con particolare attenzione dedicata - capp. VI-X - al principato del tutto nuovo che è quello che più interessa all'autore visto che, secondo lui, solo un nuovo e forte principato potrebbe rimediare allo stato miserevole dell'Italia dell'epoca, coacervo di staterelli sempre in balia delle potenze estere. L'undicesimo capitolo è dedicato al singolare tipo di principato rappresentato dallo Stato della Chiesa.

Il secondo gruppo di capitoli, dall'XI all'XIV, tratta del problema delle milizie mercenarie e degli eserciti propri: requisito indispensabile per la sopravvivenza degli Stati è, difatti, secondo Machiavelli, il possesso di milizie proprie. Seguono poi i capp. XV-XXIII dedicati alla figura del principe, alle virtù che deve possedere, ai comportamenti da adottare nei vari frangenti. Sono questi i capitoli più discussi perché è proprio qui che Machiavelli più si discosta dalla tradizione individuando come comportamenti virtuosi solo quelli che risultano più utili al mantenimento dello Stato, dal che deriva quel "capovolgimento dei criteri etici tradizionali" che ha creato tanto scalpore. L'autore è cosciente di sostenere tesi mai prima sostenute da altri, ma il suo scopo è la massima fedeltà alla realtà delle cose, ed ecco che quindi si scaglia, nel capitolo quindicesimo, contro tutti quei filosofi e quegli storici che nel passato hanno descritto repubbliche e principati mai esistiti; egli si propone invece di andare dritto alla "realtà effettuale", di scrivere cosa utile a chi la intenda. Di conseguenza, per il principe meglio essere parsimonioso che liberale, per non dissipare così le ricchezze dello Stato e gravare con forti tasse sui sudditi; meglio essere crudele che pietoso perché è meglio essere temuto che amato ma poco rispettato; meglio non mantenere la parola data se risulta conveniente: nelle sue azioni il principe deve guardare soltanto al fine.

Gli ultimi tre capitoli si ricollegano alla situazione dell'Italia nel momento in cui Machiavelli scriveva: l'autore passa ad analizzare direttamente le cause per cui i principi italiani hanno perso i loro Stati (cap. XXIV); il rapporto tra virtù e fortuna (cap. XXV) se cioè sia possibile per un principe "virtuoso" resistere ai repentini cambiamenti della fortuna; infine il capitolo conclusivo, il XXVI, che è un'esortazione ad un principe italiano a creare un nuovo forte Stato che possa difendere la penisola dalle invasioni straniere, liberando l'Italia dal dominio di francesi e spagnoli. La carica emotiva di quest'ultimo capitolo lo differenzia dal resto del trattato, dominato dal rigore logico e dall'analisi critica, ma va detto che, tra le righe, la passione del Machiavelli affiora un po' in tutta l'opera.

L'elemento che più colpisce ne Il Principe è anche l'aspetto che più ha fatto discutere: la netta separazione tra la sfera politica e la sfera morale. L'agire del principe deve essere guidato solo da considerazioni di ordine politico, ogni altra preoccupazione, di carattere morale o religioso, è accantonata. "Il 'dover essere', vale a dire l'anelito ad una più alta vita, cede il posto all''essere', cioè alla considerazione della realtà quale è, senza preoccupazione di riformarla" (Chabod); il bene supremo è solo quello che garantisce il benessere dello Stato e solo in base a questo bisogna agire. È questo il credo di Machiavelli: solo in base al principio di utilità si può giudicare l'azione di un capo di Stato.

Una simile filosofia nasce da alcune premesse ritenute dall'autore fiorentino verità incontrovertibili: la malvagità della natura umana, l'immutabilità di tale natura e quindi la necessità di comportarsi tenendo conto di questa amara realtà. Oggi è possibile dibattere e dissentire, magari, dalla visione pessimistica della realtà che aveva Machiavelli; è possibile interrogarsi, ad esempio, sull'estremo realismo che diventa a volte sinonimo di passiva accettazione della realtà senza desiderio di trasformarla; oppure criticare, come già fece il De Sanctis, il fatto che il popolo sia considerato alla stregua di materia bruta: è stato detto che ne Il Principe ci sono i diritti dello Stato, ma non i diritti dell'uomo. Ampie sono le possibilità di discussione su un'opera così complessa e che si propone un fine così ambizioso come quello di essere una sorta di guida della classe dirigente del Cinquecento italiano, ma l'importante è sempre tenere ben in mente lo specifico clima storico e culturale nel quale maturò la filosofia di Machiavelli; aver presente quale fosse la gravità della situazione italiana nei giorni in cui egli proponeva una possibile soluzione a quel perenne belligerare tra mille fazioni che, non va dimenticato, avrebbe tormentato la nostra penisola per secoli.

1748) Carreira diplomática: salário e promoção

Um curioso, identificado apenas como Batista me coloca as seguintes questões:

"Saudações, estive lendo o seu blog e um post antigo me chamou a atenção. No post referente a FAQ sobre a carreira diplomatica, gostaria de saber qual o salario maximo a que chega um diplomata em territorio nacional. Visto que em diversas pesquisas na internet nao pude descobrir o valor maximo; gostaria tambem de saber se a ascensão nos cargos diplomaticos dar-se-ão por tempo, como no militarismo, ou se são dadas por merito e trabalhos no exterior, por exemplo.
Grato por seu tempo."

Bem, Batista, o Correio Braziliense de hoje, ou de ontem, informa que o salário mais alto (certamente não o meu) no Itamaraty é algo superior a R$ 24.000,00, ou seja, próximo do salário de um ministro do Supremo (mas parece que estes já mereceram um aumento, coitados, ganham tão pouco... isso sem falar das mordomias, carro, auxilio residência, subsídio para toga e outras bondades, o que deve totalizar um salário equivalente maior do que 35 mil mensais, maior do que um membro da Suprema Corte dos EUA, coitados, tão pobres, comparados com os nossos).
Não sei se esse é o salário do Ministro de Estado, que não precisa ser um diplomata. Provavelmente é o salário do Secretário-Geral, que precisa, sim, ser diplomata.
Suponho que os ministros de primeira classe (embaixadores) estejam ganhando perto de 17 mil líquidos (ou seja descontado o IR), mas não tenho certeza.
Eu, como ministro de segunda classe, ganho bem menos do que isso, mas é porque não tenho gratificação nenhuma, por não ter atualmente um cargo definido (ao qual vem associado um DAS).
No início da carreira, um Secretário deve estar ganhando algo como 11 mil brutos, talvez 9 mil liquidos, ou um pouco menos.
Já se ganhou menos; antigamente tínhamos salários miseráveis em Brasília (e razoáveis no exterior).
Parece que o Lula gosta da gente. Deve ter seus motivos...

Quanto a ascensão, ela se dá tanto por antiguidade, mas também por tempo de serviço no exterior. Ninguém, a partir de Segundo Secretário, pode ser promovido sem contar tempo de exterior...

Espero ter satisfeito a sua curiosidade.
Tudo isso, ou seja, o salário de todos os funcionários públicos, deveria ser uma informação transparente (menos os "por fora", que podem existir, vá lá saber...).

1747) Carta a Nicolau Maquiavel

Como epílogo a meu livro
O Moderno Príncipe (Maquiavel Revisitado)

Carta a Niccolò Machiavelli

Magnífico embaixador florentino, Niccolò Machiavelli,
Permita-me, nesta carta, chamá-lo assim: ambasciatore. Sei que, na república de Florença, seu posto foi o de segretario, ou seja, aquele capaz de guardar os segredos de Estado; sei, também, que lhe foram encomendadas várias missões diplomáticas, algumas junto a outros reinos ou principados da Itália, outras junto a soberanos de outros países, os mesmos reinos responsáveis, em outras épocas, por tantas desgraças que se abateram sobre o seu país, dividido, ocupado e humilhado. Depois de alguns anos de ostracismo, durante os quais você aproveitou para escrever a sua obra mais famosa, Il Príncipe, a signoria di Firenze ainda lhe deu algumas legazioni, mesmo se não mais di Stato. Mas isto me parece o bastante para chamá-lo pelo título legítimo de ambasciatore fiorentino.
Na carta escrita em 10 de dezembro de 1513, tão pronto colocado o ponto final ao De Principatibus, dirigida ao seu amigo Francisco Vettori, embaixador de Florença junto ao papa, em Roma, você lhe relatou como passava os dias no seu sítio de Sant’Andrea-in-Percussina: caçando passarinhos e monitorando o corte de lenha pela manhã, o que lhe dava algum sustento, mas sempre levando um livro consigo: “Dante ou Petrarca, ou um desses poetas menores, Tíbulo, Ovidio; leio aquelas suas amorosas paixões, e aqueles seus amores lembram-me os meus; deleito-me algum tempo nestes pensamentos”. Uma caminhada até a hospedaria o informava sobre as notícias da cidade, ocasião para ouvir muitas coisas e anotar os “vários gostos e fantasias dos homens”. Depois do almoço com a família – com os poucos alimentos “que esta pobre vila e este pequeno patrimônio comportam” –, você retornava à hospedaria, onde passava a tarde jogando cartas com o estalajadeiro, um açougueiro, um moleiro e dois padeiros.
Chegada a noite, porém, você se recolhia ao seu escritório, retirava a roupa do dia, coberta de “barro e lodo”, e vestia roupas “dignas de rei e da corte”, e assim, vestido condignamente, você penetrava “nas antigas cortes dos homens do passado onde, por eles recebido amavelmente, nutro-me daquele alimento que é unicamente meu, para o qual eu nasci; não me envergonho ao falar com eles e perguntar-lhes das razões de suas ações”. Os reis e príncipes do passado lhe respondiam em toda urbanidade e, assim, você passava com eles horas e horas, sem qualquer tédio, esquecido de todas as aflições, sem temer a pobreza ou a morte: “eu me integro inteiramente neles”. Dessas “conversações” é que resultou este seu “opúsculo”, no qual você discutiu de que espécie são os principados, como são adquiridos, como se mantêm e porque são perdidos.
Devo dizer-lhe, Niccolò, que eu também passei muitas noites na sua companhia, relendo o seu “opúsculo” e várias outras obras suas, o que muito me agradou. Se, hoje, as cruentas ações dos príncipes e condottieri do Renascimento, reportadas em suas obras, parecem “definitivamente” afastadas do cenário político moderno, a essência da arte de conquistar e de manter o Estado, tal como magnificamente sintetizada neste seu livro, me parece inteiramente atual. O discurso elaborado por você, em 1513, transpira atualidade, se não totalmente, pelo menos em quatro quintos dos argumentos políticos. Isto se deve, como você sabe, a que a natureza dos homens e suas motivações políticas não mudaram muito desde a sua época, o que ratifica, portanto, a pertinência do seu Príncipe.
Foi isto que me motivou, Niccolò, a realizar, não um pastiche, mas uma adaptação de sua obra imortal aos dias de hoje, posto que ela se mantém aplicável em relação à maior parte dos conceitos empregados na política contemporânea. Aparentemente, os “príncipes” da atualidade não costumam mais mandar envenenar seus adversários – mesmo se alguns serviços especiais possam fazê-lo –, nem comandam pessoalmente execuções com adagas, em plena celebração da missa dominical. Mas creio que, à exceção desses detalhes, o resto do seu racconto se aplica plenamente, senão fielmente.
O resultado dessas noites de diálogo à distância está agora pronto, Niccolò, e aqui lhe apresento este meu Príncipe. Sei que os seus últimos anos foram muito difíceis, caro embaixador, e se por acaso quiser discutir a questão do copyright, estou disposto a fazê-lo.
Não sei exatamente quanto lhe devo, pelos empréstimos não negociados da estrutura mesma do seu pequeno livro e das suas idéias principais, ainda que eu tenha reescrito os argumentos, de maneira a adequá-los a estes tempos. Os nossos são de ações políticas talvez mais pacíficas, mas certamente não mais elevadas moralmente. De uma coisa esteja certo: os direitos morais lhe pertencem inteiramente e, em função disso, estou pronto a lhe render homenagem e manifestar o preito de gratidão intelectual que lhe é inteiramente devido.
Em um argumento central, contudo, nos afastamos um do outro, Niccolò, mas ele me parece essencial, na perspectiva do meu próprio pensamento. Esta sua obra magnífica foi concebida, pensada e está dirigida ao candidato a príncipe em tempos “bárbaros”, de inexistência de instituições e de poderes constituídos e separados; todo o seu discurso se coloca primordialmente do ponto de vista do Estado, que necessitava ser construído e fortalecido. Esta postura era claramente compreensível e aceitável no quadro da Itália de então, destruída pelas suas próprias elites e ocupada por poderes estrangeiros, sem que naquele tempo surgissem príncipes valorosos, dispostos a libertá-la do jugo das potências mais poderosas da Europa.
Tal não parece ser mais o caso hoje em dia, Niccolò, pelo menos não em relação à grande parte dos principados contemporâneos: todos eles já dispõem de Estados fortes, talvez em excesso. Eles drenam os recursos dos seus súditos, ou cidadãos, em proporção mais do que aceitável ou admissível para os padrões econômicos de um capitalismo que se pretende basicamente liberal, e não mais estatizante, como ainda há poucas décadas. O sistema globalizado, que é o nosso, reduziu ainda mais as possibilidades de concentração excessiva das decisões econômicas no Estado, que hoje são deixadas ao próprio mercado.
O meu ponto de vista, Niccolò, é, em conseqüência, não o do Estado, mas sim o da sociedade, do cidadão pagador de impostos, que deseja que a política esteja a serviço, não do próprio Estado, mas essencialmente voltada para a construção de condições que possam apoiar a prosperidade contínua da comunidade e do próprio principado. O mundo mudou significativamente desde a sua época, Niccolò. Depois de Westfália e da Carta das Nações Unidas, processos foram construídos para evitar, ou pelo menos minimizar, o tipo de conduta daqueles príncipes inescrupulosos do seu tempo, que invadiam, ao seu bel-prazer, principados estrangeiros, para deles se apossar e explorá-los de maneira vil, em total arbitrariedade e desrespeito ao direito das gentes.
O problema principal das sociedades organizadas não está mais, portanto, na construção de Estados, e sim na manutenção de regras de conduta entre povos e nações civilizadas. Isto ultrapassa as fronteiras dos Estados, Niccolò, e tem a ver com os direitos dos cidadãos, em primeiro lugar com a democracia política e os direitos humanos. Quer me parecer, Niccolò, que os piores atentados a esses princípios centrais da vida civilizada têm origem, hoje, na ação de príncipes tão violentos como os da sua época. Mas estes têm a protegê-los as cláusulas de Westfália e da citada Carta, sobre a soberania absoluta dos Estados e a não-interferência nos seus assuntos internos. Sei que não é fácil de resolver este problema, Niccolò, pois ainda hoje existem Estados poderosos que pretendem impor sua vontade aos mais fracos. Mas tenho certeza de que a próxima fronteira dos avanços civilizatórios se coloca bem mais no plano dos indivíduos do que no âmbito dos Estados.
Esta é a minha perspectiva política, Niccolò, que difere talvez um pouco da sua, por razões inteiramente compreensíveis. Mas desejo confirmar-lhe, expressamente, que aprendi muito com os seus próprios escritos e com os relatos e análises que li da sua vida e do seu pensamento. Você escreveu ao seu amigo Vettori, com a esperança de que o seu “opúsculo” – na verdade uma das maiores obras do pensamento político moderno, aquela que criou, verdadeiramente, a ciência da política – fosse lido mais amplamente, dizendo-lhe que a obra condensava quinze anos empenhados “no estudo da arte do Estado”. Sua carta terminava dizendo que ninguém deveria duvidar da sua fidelidade no serviço do Estado: “da minha lealdade é testemunho a minha pobreza”.
Estou certo disso, Niccolò, e devo dizer-lhe, pessoalmente, que, depois de muitos anos dedicados ao serviço do Estado e da sociedade, eu também posso afirmar fidelidade a certas idéias, princípios e valores. Acredito, mesmo, que eles se parecem muito com os seus, Niccolò, e é por isso que eu pretendi prestar-lhe uma homenagem por meio deste Príncipe, que se pretende em comunhão espiritual e que se situa inteiramente na tradição intelectual que você inaugurou, caro ambasciatore.

Um seu admirador
Refúgio dos bibliófilos, 11 de setembro de 2007
(494º aniversário da redação d’O Príncipe)

Sumário completo do livro neste link.

1746) Prefácio a "O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado)

Transcrevo o prefácio que preparei ao meu mais recente livro, que está sendo lançado virtualmente neste sábado 23.01.2010:

O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado
(Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8); R$ 12,00; disponível online neste link: http://freitasbas.lojatemporaria.com/o-moderno-principe.html

Prefácio

Este livro foi escrito por um proscrito. Explico: O Príncipe, original de 1513, foi escrito por Nicolau Maquiavel quando ele se encontrava em completo ostracismo, depois que a conquista da Toscana pelos espanhóis recolocou no comando de Florença, em 1512, a família dos Médici. Como escreveu Delio Cantimori, no verbete sobre o florentino que ele preparou para a Storia della Letteratura Italiana (quinto volume, da Garzanti), “nonostante l’ingegno, l’acutezza e la dottrina che gli venivan riconosciuti, il Machiavelli non fu mai chiamato agli uffici maggiori della repubblica fiorentina che egli servi dal 1498 al 1512”.1 De fato, depois de ter servido durante quase três lustros à República da sua cidade natal (1469), e de ter desempenhado missões diplomáticas da mais alta responsabilidade – em 1500, em Pisa, para resolver uma rebelião de soldados mercenários; logo em seguida junto ao reino de Luís XII da França, retornando ali mais três vezes, entre 1504 e 1511; em 1502 junto ao duque Valentino, César Bórgia, em Urbino e Sinigaglia; em 1503 e 1505, em Roma; em 1507, junto ao Imperador Maximiliano, do Sacro Império Romano Germânico –, Maquiavel nunca mais retornou ao seu cargo de segretario, a despeito de ter desempenhado outras missões diplomáticas nos últimos anos de sua vida.
Como o próprio Maquiavel escreveu, em torno de 1518-1519, na apresentação a outro
texto seu dessa fase de desterro, os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, ele havia colocado em seus escritos toda a substância do que sabia e do que tinha aprendido ao longo de uma vida dedicada à prática política e às leituras constantes em torno “delle cose del mondo”, ou, como transcreve Cantimori, “per ‘lunga pratica’ della vita política, ‘continua lettura’ della storia política”.2 Condenado ao confinamento por um ano, em 1512, mas não reabilitado depois disso, Maquiavel se retirou na sua vila Albergascio, perto de San Casciano, no Val di Pesa, e ali, amargurado por um injusto isolamento, soube reagir ao afastamento forçado da política ativa que lhe impuseram, colocando no papel suas reflexões sobre a prática da política, sobre a arte da guerra e a propósito dos ensinamentos que se podiam retirar do itinerário dos grandes homens e da evolução, entre auge e declínio, das sociedades da antiguidade clássica. Por uma dessas ironias da história, ele veio a morrer no mesmo ano em que a república foi restabelecida em Florença, em 1527.

Este Moderno Príncipe também condensa tudo o que me foi possível aprender ao longo de uma vida dedicada à atenta observação delle cose del mondo, ao estudo das coisas da política e das artes diplomáticas, assim como no aproveitamento de continue letture, em todas as áreas das ciências humanas e disciplinas afins, ou seja, em tudo aquilo que interessa ao homem enquanto ser político. O livro também foi escrito em condições de relativo isolamento, pelo menos da diplomacia prática, que exerci de modo contínuo de 1977 a 2003, depois de já ter enfrentado meu próprio desterro, ainda que semi-voluntário, entre 1970 e 1977, na fase mais dura do regime militar que tutelou o Brasil de 1964 a 1985. Meu novo ostracismo involuntário permitiu, ao lado do exercício de lides acadêmicas que sempre permearam a atividade profissional, longas noites de leitura, intensas reflexões sobre as transformações do mundo contemporâneo e do Brasil atual, como também propiciou a produção de escritos a respeito da conjuntura política e sobre a história diplomática, divulgados em revistas especializadas ou em livros por mim publicados.
De todos os livros que escrevi – no mais das vezes voltados para as relações internacionais e a política externa do Brasil –, o que mais reflete o meu pensamento político e aquele de que mais gosto, A Grande Mudança (Códex, 2003), é o que menos obteve sucesso de público, permanecendo relativamente desconhecido (talvez pelo fato de, quando do lançamento, me encontrar no exterior). Em todo caso, este livro retoma algumas das reflexões ali conduzidas pela primeira vez e amplia meu aprendizado nas artes da política por meio de uma retomada linear do texto que se encontra, a justo título, no panteão das grandes obras do pensamento universal. Quase quinhentos anos depois, como para muitos clássicos, a constatação se impõe por si só: Maquiavel continua atual!
Este “Maquiavel revisitado” segue fielmente o roteiro traçado nos últimos meses de 1513 pelo pensador e diplomata florentino. A estrutura dos capítulos permanece idêntica: apenas troquei “Itália” por “nação”, em dois capítulos finais, seja para tornar a reflexão mais universal, seja para fazê-la aplicável a uma outra grande nação de tradição latina. A temática e a substância de cada um dos capítulos também permanecem relativamente similares: os problemas que angustiavam o segretario de há meio milênio parecem rigorosamente os mesmos, com pequenas adaptações de detalhe ou de linguagem. Alguma novidade nisso? Provavelmente não!
As referências e o tratamento dos problemas são, contudo, inteiramente atuais, ainda que se tenha optado por um estilo e um linguajar deliberadamente “caducos”, como forma de manter um “parentesco espiritual” com a obra de meu predecessor diplomático do Renascimento. O que eu fiz, sim – e nisso me cabe o copyright, ainda que eu deva conceder os moral rights ao florentino –, foi reescrever totalmente o seu “manual de política prática” no sentido daquilo que eu penso deva determinar, hoje, a política moderna: o compromisso democrático; o cumprimento das “regras do jogo”, como diria um outro filósofo da política, Norberto Bobbio; a transparência na administração da coisa pública; a correção no manejo do
pubblico denaro e, sobretudo, a honestidade intelectual, que para mim é o critério básico de qualquer ação social, independentemente da área na qual ela se insira.
Maquiavel escreveu o seu pequeno “manual” como uma espécie de guia de conduta
para os governantes, mas ele se coloca bem mais do ponto de vista do Estado do que do ponto de vista dos cidadãos. Talvez se pudesse dizer, sem ostentação ou pretensões exageradas, que meu pequeno manual pretende ser uma espécie de guia de conduta para os governados e ele se coloca, mais bem, do ponto de vista dos indivíduos, que constituem, afinal de contas, o destino final de toda a ação política.
Revisitar Maquiavel é sempre angustiante, como já escreveu certa vez Raymond Aron, uma vez que as relações entre a moral e a ação política, entre a ética e a eficácia, entre os fins e os meios, estão sempre sendo colocadas na balança de nossas escolhas fundamentais. As minhas escolhas ficam transparentes em cada parágrafo do meu texto, mesmo quando a “racionalidade econômica” parece predominar sobre a “justiça social”, ou quando os valores morais são confrontados aos procedimentos políticos, que sempre evidenciam, como todos sabem, o eterno dilema entre as convicções pessoais e os resultados práticos, no plano da ação social. As minhas opções estão postas claramente nas páginas que seguem e a primeira delas, ouso repetir, é justamente a honestidade intelectual. Este princípio fundamental compensa qualquer ostracismo.
Gostaria, por fim, de agradecer a todos aqueles que me ajudaram, voluntariamente ou não, na finalização deste livro, em primeiro lugar no processo de sua revisão. Ele tinha sido iniciado em meados de 2003, como o segundo de uma série de “clássicos revisitados” – tendo o primeiro sido uma atualização do Manifesto Comunista de 1848, aos 150 anos de sua edição original – mas, desde então, tinha ficado parado em virtude de uma carregada agenda de obrigações profissionais e acadêmicas. Inesperadamente, encontrei o tempo que me faltava em meados de 2007: sou reconhecido, portanto, também aos que me permitiram dispor de condições para finalizá-lo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2007

Notas:
1 Cf. Delio Cantimori, “Introduzione”, in Niccolò Machiavelli, Il Príncipe e le opere politiche, Milão: Garzanti, 1976, p. xi.
2 Idem, a partir de C. Pinsin, Sul testo del Machiavelli. La prefazione alla prima parte dei “Discorsi”, in Atti dell’Academia delle Scienze di Torino, vol. 94 (1959), disp. 2, Torino, 1960, p. 506-518; cf. “Introduzione”, op. cit. supra, p. xi.

Ver sumário completo neste link.

1745) Minha dedicatoria ao Maquiavel

Muitos livros, não todos, contem dedicatórias, ou seja, uma palavra gentil, uma demonstração de reconhecimento, a quem fez por merecer: mestres, mulher, filhos, gato, cachorro, papagaio, deus, whoever...
No caso do "meu" Maquiavel, minha dedicatória é a ele mesmo, na companhia de quem passei dias e noites agradáveis, refletindo sobre o poder, o caráter efêmero da glória (aquela coisa: sic transit gloria mundi...), enfim, dialogando mentalmente com meu mentor espiritual, enquanto eu reescrevia o seu Príncipe, adaptado para os tempos modernos.
Abaixo, minha dedicatória, no livro agora lançado:

Dedicatória
Al Signore Niccolò Machiavelli, segretario diplomatico della Repubblica di Firenze, banito dal suo posto per motivi di cambiamenti politiche, uno suo ammiratore.

Caro Niccolò,
Escrevo esta dedicatória quase quinhentos anos depois que você dirigiu a sua, num livro de título praticamente igual a este, a um senhor de nobre linhagem, um dos Médici, que estava, naquele mesmo momento, recuperando o poder em Florença, cidade à qual você serviu fielmente durante longos anos. Sei que a sua dedicatória foi escrita em uma fase muito difícil da sua vida, quase dramática, quando você tentava, na verdade, recuperar os seus títulos, cargos e funções, dos quais tinha sido afastado, por motivos de baixa política, eu até diria por ciúmes, dada a inveja que os novos donos do poder tinham do seu valor e das suas qualidades de estadista.
De minha parte, ao abrir um livro de espírito e motivações similares ao seu, não vou dedicá-lo a um representante de qualquer família ou grupo dirigente. Não pretendo seguir o seu exemplo; para ser mais exato, não necessito fazê-lo, uma vez que minha vida e o meu trabalho se desenvolvem em tempos mais amenos, comparativamente aos barbari tempii nos quais você tinha de viver. Por isso, e em total legitimidade, dedico esta obra a você mesmo, Niccolò, pois ela, na verdade, tudo lhe deve, muito na forma e bastante do conteúdo.
Não é difícil deduzir de sua obra, e de sua vida, que você foi um genial pensador político, um diplomata dedicado, um cidadão honrado, cumpridor dos seus deveres, um atento estudioso dos livros antigos (como eu sou, aliás), um pai de família extremoso, como a poucos conheci, em uma atribulada carreira, feita de intensas leituras, freqüentes viagens e muitas reflexões (estou aqui falando de nós dois, ambi due). Como disse um admirador seu, que me precedeu, “il suo merito principale sta nell’avere, con metodo sicuro, creato una nuova scienza politica, fondandola sulla storia e sulla esperienza” (Pasquale Villari, Niccolò Machiavelli e i suoi tempi; 3a. ed.; Milano: Ulrico Hoepli, vol. II, 1913, p. 466).
No Príncipe, você trata basicamente da monarquia, de um regime conduzido por um chefe exclusivo, quase despótico, no limite da tirania. Nos seus Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio, você se ocupa, sobretudo, da república, de como ela deveria ser, nos tempos antigos e modernos. Em ambas as obras, o que está, na verdade, em jogo é a autonomia do Estado e a sua capacidade de implementar medidas visando ao bem comum, à sobrevivência da independência e da soberania do Estado em primeiro lugar, para em seguida velar pelo bem estar dos súditos, ou dos cidadãos, conforme o caso. Muitos se perguntaram se, em cada uma dessas obras, aquele que se expressava por meio de argumentos rápidos, cortantes, como no Príncipe, ou através de longas digressões históricas, como nos Discursos, era um republicano ou um cortesão: creio poder dizer que se tratava de um verdadeiro patriota, de um homem que amava a liberdade, a unidade e a independência de sua pátria, que era, antes mesmo da “sua” república florentina, a Itália em seu conjunto.
Você tinha o hábito, que eu também partilho, de apoiar-se na história para tratar de casos presentes. Não apenas no Príncipe, mas também nos Discursos, você se referia aos homens de Estado da antiguidade para ilustrar suas lições de estadismo, da arte da política, no mais alto sentido desta palavra. Mas você não pretendia tratar, de verdade, da situação corrente da Itália, por mais calamitosa que esta fosse, na luta para assegurar autonomia nacional e independência em relação às potências da época, a França e a Espanha, em primeiro lugar. Por certo, lhe entristecia ver as repúblicas e principados da Itália desunidos, combatendo entre si, enquanto hordas de mercenários e soldados estrangeiros penetravam em suas cidades, saqueando palácios, espoliando os burgueses, roubando os camponeses e perpetrando toda sorte de abusos.
Na verdade, ao escrever tantas páginas memoráveis nos Discursos e no Príncipe, você estava pensando, sobretudo, no futuro da Itália. Daí não hesitar você em recomendar soluções que a muitos podem ter aparecido, e ainda hoje aparecem, como isentas de qualquer sentido moral. O que você pretendia, e espero estar bem interpretando suas intenções, era assegurar a autonomia plena do Estado, de maneira que este pudesse defender a honra nacional e o bemestar dos cidadãos (sim, de preferência a súditos, pois eu sei que você privilegiava a república, sobre a monarquia, mas achava, malgrado os inconvenientes, que esta podia ser uma solução temporária a uma situação de caos incontrolável). Daí sua tolerância com regimes próximos do autoritarismo – sei que a linguagem antiga se referia à tirania – desde que o príncipe, em situação de poder e de comando, pudesse ou soubesse garantir pax, ordo et concordia, que para você eram essenciais na condução dos assuntos públicos.
Claro, o ideal, para você e para todos os cidadãos de bem –, ainda que convertidos
temporariamente em súditos – seria que o principado ou a república, ameaçados de desagregação, fossem conquistados e governados por algum sapientissimus princeps, cercado de conselheiros hábeis – como você mesmo –, até que os próprios governados pudessem resolver a questão, com a legítima eleição dos seus chefes, de preferência em regime republicano, aberto aos méritos e não apenas aos clãs familiares tradicionais. Esse ideal não pôde ser alcançado na sua Florença, e ainda menos em outras partes da Itália, até vários séculos depois que você nos legou suas páginas memoráveis sobre a arte de conquistar, de manter e de governar os principados.
Você bem que se esforçou para que isso pudesse ocorrer, até violentando parcialmente o seu pensamento, pois que aparentemente disposto a servir um nobre de natureza despótica, desde que ele soubesse, pelo menos, lutar pela independência e autonomia da Itália, que ele pudesse libertá-la dos bárbaros que a assolavam continuamente, nesses tempos de transição entre o puro regime oligárquico dos tempos antigos e as novas formas de representação política dos citadinos organizados. Quando, em 1512, depois da batalha de Ravena, os Médici recuperaram o poder em Florença, a sua sorte muda radicalmente. Em lugar de ser recompensado pelo brilhante trabalho diplomático a serviço de cidade toscana, você, por resolução tomada em 7 de novembro de 1512, foi privado de toda e qualquer função oficial.
Segundo os termos do decreto então assinado, seus direitos e encargos de segretario foram abolidos: cassaverunt, privaterunt et totaliter amoverunt. Mais do que você, foi a cidade e o país que perderam com o seu ostracismo, as suas férias involuntárias, tanto mais duros, l’ozio forzato e l’allontanamento, que você era, do testemunho de todos, un uomo attivissimo, capaz de desempenhar os complexos encargos da sua cancelleria fiorientina com competência invulgar e em tempo exíguo. Cansado da sua solidão, da espera em vão por um posto que não veio jamais, você se entregou, con grandissimo ardore, como diz Villari, allo studio. Em conseqüência, você se refugiou na sua
vila de província, dimenticava la sua miseria, e passou a escrever, segundo esse seu admirador, alcuni di quelle pagine di scienza politica, che resero per tutti i secoli immortale il suo nome (Villari, op. cit., vol. II, p. 270 e 212). Assim, no espaço de poucos meses, em 1513, emergiu Il Principe e tomou forma, ainda que sua redação se estendesse por muitos anos mais, os seus Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio.
Por todas essas razões, e outras mais, cabe-me dedicar esta modesta obra, que muito deve, como já disse, às suas páginas imortais, a você, Niccolò, mesmo à distância de quase quinhentos anos e em circunstâncias, talvez, muito diferentes daquelas nas quais você foi levado a colocar no papel suas reflexões e ensinamentos de uma vida inteira dedicada à coisa pública. No seu tempo, a corrupção política era generalizada, na Itália mais do que em qualquer outra parte da Europa, talvez porque ali houvesse mais recursos a serem pilhados por líderes políticos e religiosos sem escrúpulos. A moral cristã, que deveria teoricamente prevalecer, era na verdade completamente abandonada na vida pública. Não só no seu tempo, Niccolò...
Daí sua intenção de fundar a política, tanto a ciência quanto a sua prática, sobre uma nova moral, de caráter laico, civil, republicano. Devo reconhecer que, a despeito de muitas frustrações na vida diplomática, nos negócios e na política, você o conseguiu, e de forma brilhante: hoje, os seus escritos converteram-se em leitura obrigatória, tanto para os estudiosos quanto, sobretudo, para os praticantes da política, muito embora estes últimos nem sempre façam bom uso dos seus ensinamentos, que eles tomam pelo lado mais simplista possível.
A queda da República de Florença foi uma desgraça pessoal para você, mas talvez tenha sido uma grande fortuna para todos nós, porque o exílio forçado o levou a escrever estas páginas imortais. Se você tivesse permanecido na cancelleria fiorentina, não teríamos dos seus escritos que as cartas de legação e os ofícios diplomáticos, de estilo talvez aborrecido e, em todo caso, circunstanciais e estritamente conjunturais. Ao contrário, a partir do sabático involuntário que lhe impuseram, podemos agora dispor de suas idéias e reflexões de maior escopo conceitual e de larga amplitude intelectual. O seu infortúnio pessoal e a ruína da Itália nos valeram as mais belas páginas de ciência política que foram concebidas desde a antiguidade clássica e, provavelmente, até os dias de hoje. Quanto aos seus algozes, Niccolò, eles estão, em grande medida, esquecidos.
Esta obra, em particular, corresponde a um esforço de riordinamento politico generale de que a Itália muito necessitava, naquela época, e que talvez outros países ainda necessitem, hoje em dia. A Reforma, iniciada por Lutero, também fez bem aos países católicos, pois que obrigou-os a corrigir os aspectos mais corruptos e venais da política e da religião naquele período. Você preferiu afastar a religião e o poder dito espiritual do esforço de reconstituição da política e da formação do Estado moderno, o que considero basicamente correto. Nos tempos que correm, a política é essencialmente laica, muito embora muitos procurem explorar a religião para seus fins particulares. Creio, porém, que a política necessita, como na sua época, de um rientro morale que muito beneficiaria as instituições e os costumes. A sua virtu,
não era a virtude cristã, e sim a coragem e a energia de um líder político no esforço de construir sobre bases sólidas, mas nem por isso menos éticas, a administração dos homens e das coisas, em prol do bem-estar comum.
Portanto, meu caro segretario della repubblica fiorentina, à qual você serviu, durante 15 anos, com grandissimo zelo e costanza, sinta-se homenageado por esta obra que pretende, justamente, prestar-lhe um modestíssimo tributo pessoal, como prova de meu apreço por sua rara inteligência e por seu alto valor moral.

Refúgio dos bibliófilos, aos 494 anos da redação da obra do mestre.

(http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/95maquiavelrevisitado.html)

1744) Maquiavel tropeçou no link: refazendo o convite...

Bem, eu havia feito um convite anteriormente, para o lançamento virtual de meu livro de política moderna (como se estivesse dialogando com Maquiavel, o que convenhamos não seria nada mau), mas acontece que o convite enviado pela editora apresentou um problema de linkagem, justamente na palavra "chat", o que impediria alguém (como me impediu, ao fazer um teste nesta sexta-feira) de conectar-se à URL específica que funciona como plataforma para o chat.
Sem pretender ser insistente, portanto, mas apenas corrigindo uma falha técnica (como diriam radialistas e âncoras de programas audio-visuais), refaço agora o convite, com o link explicitamente indicado, e linkado...


A Editora Freitas Bastos e Paulo Roberto de Almeida convidam para o lançamento virtual do livro (editado em forma eletrônica):

O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado)
(Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8); R$ 12,00;

disponível online neste link.

O lançamento, virtual, sob a forma de chat com o autor, será feito no próximo sábado, 23 de janeiro, das 17 as 18hs, neste link:
http://xat.com/EBooksFreitasBastos?p=0&ss=6

Mais informacoes sobre o livro neste link.

PS: Quem ainda assim tiver dúvidas, tem um outro link que fornece o passo a passo para se conectar (vou testar também), pois devem ser as FAQs ou um Idiot's Guide to Chat for Everyone...
Neste link: http://www.freitasbastos.com.br/chat/passo_a_passo.html

1743) Big Government: The growth of the state


The growth of the state
Leviathan stirs again

The Economist, January 21st 2010

The return of big government means that policymakers must grapple again with some basic questions. They are now even harder to answer

FIFTEEN years ago it seemed that the great debate about the proper size and role of the state had been resolved. In Britain and America alike, Tony Blair and Bill Clinton pronounced the last rites of “the era of big government”. Privatising state-run companies was all the rage. The Washington consensus reigned supreme: persuade governments to put on “the golden straitjacket”, in Tom Friedman’s phrase, and prosperity would follow.

Today big government is back with a vengeance: not just as a brute fact, but as a vigorous ideology. Britain’s public spending is set to exceed 50% of GDP (see chart 1). America’s financial capital has shifted from New York to Washington, DC, and the government has been trying to extend its control over the health-care industry. Huge state-run companies such as Gazprom and PetroChina are on the march. Nicolas Sarkozy, having run for office as a French Margaret Thatcher, now argues that the main feature of the credit crisis is “the return of the state, the end of the ideology of public powerlessness”.

“The return of the state” is stirring up fiery opposition as well as praise. In America the Republican Party’s anti-government base is more agitated than it has been at any time since the days of the Gingrich revolution in 1994. “Tea-party” protesters have been marching across the country with an amusing assortment of banners and buttons: “Born free, taxed to death” and “God only requires 10%”. On January 19th Scott Brown, a Republican, captured the Massachusetts Senate seat long held by the late Ted Kennedy, America’s most prominent supporter of big-government liberalism.

Many European countries have devoted a high proportion of their GDP to public spending for years. And many governments cannot wait to get out of their new-found business of running banks and car companies. But the past decade has clearly produced changes which, taken cumulatively, have put the question of the state back at the centre of political debate.

The obvious reason for the change is the financial crisis. As global markets collapsed, governments intervened on an unprecedented scale, injecting liquidity into their economies and taking over, or otherwise rescuing, banks and other companies that were judged “too big to fail”. A few months after Lehman Brothers had collapsed, the American government was in charge of General Motors and Chrysler, the British government was running high street banks and, across the OECD, governments had pledged an amount equivalent to 2.5% of GDP.

The crisis upended conventional wisdom about the relative merits of governments and markets. Where government, in Ronald Reagan’s aphorism, was once the problem, today the default villain is the market. Free-marketeers such as Alan Greenspan, the former head of the Federal Reserve, have apologised for their ideological zeal. A line from Rudyard Kipling sums it up best: “The gods of the market tumbled, and their smooth-tongued wizards withdrew”.

Yet even before Lehman Brothers collapsed the state was on the march—even in Britain and America, which had supposedly done most to end the era of big government. Gordon Brown, Britain’s chancellor and later its prime minister, began his ministerial career as “Mr Prudent”. During Labour’s first three years in office public spending fell from 40.6% of GDP to 36.6%. But then he embarked on an Old Labour spending binge. He increased spending on the National Health Service by 6% a year in real terms and boosted spending on education. During Labour’s 13 years in power two-thirds of all the new jobs created were driven by the public sector, and pay has grown faster there than in the private sector (see chart 2).

In America, George Bush did not even go through a prudent phase. He ran for office believing that “when somebody hurts, government has got to move”. And he responded to the terrorist attacks of September 11th 2001 with a broad-ranging “war on terror”. The result of his guns-and-butter strategy was the biggest expansion in the American state since Lyndon Johnson’s in the mid-1960s. He added a huge new drug entitlement to Medicare. He created the biggest new bureaucracy since the second world war, the Department of Homeland Security. He expanded the federal government’s control over education and over the states. The gap between American public spending and Canada’s has tumbled from 15 percentage points in 1992 to just two percentage points today.

The public’s demands
The expansion of the state in both Britain and America met with widespread approval. The opposition Conservative Party applauded Mr Brown’s increase in NHS spending. Mr Bush met no significant opposition from his fellow Republicans to his spending binge. It was clear that, when it came to their own benefits, suburban Americans wanted government on their side. A banner at one of those tea-parties sums up the confused attitude of many of the so-called anti-government protesters: “Keep the government’s hands off my Medicare.”

The demand for public services will soar in the coming decades, thanks to the ageing of the population. The United Nations points out that the proportion of the world’s population that is over 60 will rise from 11% today to 22% in 2050. The situation is especially dire in the developed world: in 2050 one in three people in the rich world will be pensioners, and one in ten will be over 80. In America more than 10,000 baby-boomers will become eligible for Social Security and Medicare every day for the next two decades. The Congressional Budget Office (CBO) calculates that entitlement spending will grow from 9% of GDP today to 20% in 2025. If America keeps its distaste for taxes, it will face fiscal Armageddon (see chart 3).

The level of public spending is only one indication of the state’s power. America’s federal government employs a quarter of a million bureaucrats whose job it is to write and apply federal regulations. They have cousins in national and supranational capitals all round the world. These regulators act as force multipliers: a regulation promulgated by a few can change the behaviour of entire industries. Periodic attempts to build “bonfires of regulations” have got nowhere. Under Mr Bush the number of pages of federal regulations increased by 7,000, and eight of Britain’s ten biggest regulatory bodies were set up under the current government.

The power of these regulators is growing all the time. Policymakers are drawing up new rules on everything from the amount of capital that banks have to set aside to what to do about them when they fail. Britain is imposing additional taxes on bankers’ bonuses, America is imposing extra taxes on banks’ liabilities, and central bankers are pondering ingenious ways to intervene in overheated markets. Worries about climate change have already led to a swathe of new regulations, for example on carbon emissions from factories and power plants and on the energy efficiency of cars and light-bulbs. But, since emissions are continuing to grow, such regulations are likely to proliferate and, at the same time, get tighter. The Kerry-Boxer bill on carbon emissions, which is now in the Senate, runs to 821 pages.

Fear of terrorism and worries about rising crime have also inflated the state. Governments have expanded their ability to police and supervise their populations. Britain has more than 4m CCTV cameras, one for every 14 people. In Liverpool the police have taken to using unmanned aerial drones, similar to those used in Afghanistan, to supervise the population. The Bush administration engaged in a massive programme of telephone tapping before the Supreme Court slapped it down.

Another form of the advancing state is more insidious. Annual lists of the world’s biggest companies have begun to feature new kinds of corporate entities: companies that are either directly owned or substantially controlled by the state. Four state-controlled companies have made it into the top 25 of the 2009 Forbes Global 2000 list, and the number is likely to grow. Chinese state-controlled companies have been buying up private companies during the financial crisis. Russia’s state-controlled companies have a long record of snapping up private companies on the cheap. Sovereign wealth funds are increasingly important in the world’s markets.

This is partly a product of the oil boom. Three-quarters of the world’s crude-oil reserves are owned by national oil companies. (By contrast, conventional multinationals control just 3% of the world’s reserves and produce 10% of its oil and gas.) But it is also the result of something more fundamental: the shift in the balance of economic power to countries with a very different view of the state from the one celebrated in the Washington consensus. The world is seeing the rise of a new economic hybrid—what might be termed “state capitalism”.

Under state capitalism, governments do not so much reject the market as use it as an instrument of state power. They encourage companies to take advantage of global capital markets and venture abroad in search of opportunities. Malaysia’s Petronas and China’s National Petroleum Corporation run businesses in some 30 countries. But they also use them to control the economy at home—to direct resources to favoured industries or reward political clients. Politicians in China and elsewhere not only make decisions about the production of cars and mobile phones; they are also the hidden hands behind companies that are scouring the world for the raw materials that go into them.

The revival of the state is creating a series of fierce debates that will shape policymaking over the coming decades. Governments are beginning to cut public spending in an attempt to deal with surging deficits. But the inevitable quarrels over cuts will be paltry compared with those about the growth of entitlements. America’s deficit, boosted by recession, is already hovering at a post-war high of 12% of GDP, and the American economy depends on the willingness of other countries (particularly China) to fund its debt. The CBO calculates that the deficit could rise to 23% of GDP in the next 40 years if it fails to tackle the yawning imbalance between revenue and expenditure.

Crises can be the midwives of serious thinking. The stagflation of the 1970s prepared the way for the Reagan and Thatcher revolutions. More recently, several countries have dealt with out-of-control spending by introducing dramatic cuts: New Zealand, Canada and the Netherlands all reduced public spending by as much as 10% from 1992 onwards.

In the early 1990s Sweden faced a home-grown economic crisis that foreshadowed many of the features of the global crisis. The property bubble burst and the government stepped in to save the banks and pump up demand. Public debt doubled, unemployment tripled and the budget deficit increased tenfold. The Social Democrats were elected in 1994 and re-elected twice thereafter on a programme of raising taxes and slashing spending.

This points to an irony: a crisis which promotes state growth in the short term may lead to pruning in the longer term. In Britain power is almost certain to shift from Labour to the Conservatives, who are much keener on cutting public spending. In America the Republicans will make big gains in the mid-term elections and Mr Obama, already sobered by his loss in Massachusetts, will have to move to the centre.

But pruning will still be more difficult than it has ever been before. Getting the public sector to do “more with less” is harder after two decades of public-sector reforms. Across the OECD more than 40% of public goods are provided by the private sector (thanks to privatisation and contracting out) and 75% of public officials are on some sort of pay-for-performance scheme. The ageing of the population makes earlier reforms look easy. Governments will have to ask fundamental questions—such as whether it makes sense to let people retire at 65 when they are likely to live for another 20 years.

The rise of state capitalism is fraught with problems. It may be hard to argue with China’s 30 years of hefty economic growth and $2.3 trillion in foreign-currency reserves. But subordinating economic decisions to political ones can come with a price-tag in the long term: politicians are reluctant to let “strategic” companies fail, and companies become adjuncts of the state patronage machine. Giving the imprimatur of the state to global companies is also fraught with risks. America’s Congress prevented Dubai from taking over American ports on grounds of national security.

Anatomising failure
The most interesting arguments over the next few years will weigh government failure against market failure. The market-failure school had been gaining strength even before the credit crunch struck. The rise of cowboy capitalism in Russia under Boris Yeltsin persuaded many people—not least the Chinese—of the importance of strong government. And the threat of global warming is an obvious example of how government intervention is needed to deter people from overheating the world. Advocates of market failure have also been advancing a broad range of arguments for using the government to “nudge” people’s behaviour in the right direction.

But the fact that markets are prone to sometimes spectacular failure does not mean that governments are immune to it. Government departments are good at expanding their empires. Thus a welfare state that was designed to help people deal with unavoidable risks, such as sickness and old age, is increasingly in the business of trying to eliminate risk in general through a proliferating health-and-safety bureaucracy. Government workers are also good at protecting their own interests. In America, where 30% of people in the public sector are unionised compared with just 7% in the private sector, public-sector workers enjoy better pension rights than private-sector workers, as well as higher average pay.

The public sector is subjected to all sorts of perverse incentives. Politicians use public money to “buy” votes. America is littered with white elephants such as the John Murtha airport in Jonestown, Pennsylvania, which cost hundreds of millions of dollars but serves only a handful of passengers, including Mr Murtha, who happens to be chairman of a powerful congressional committee. Interest groups spend hugely to try to affect political decisions: there are 1,800 registered lobbyists in the European Union, 5,000 in Canada and no fewer than 15,000 in America. Mr Bush’s energy bill was so influenced by lobbyists that John McCain dubbed it the “No Lobbyist Left Behind” act.

These perverse incentives mean that governments can frequently spend lots of money without producing any improvement in public services. Britain’s government doubled spending on education between fiscal 1999 and fiscal 2007, but the spending splurge coincided with a dramatic decline in Britain’s position in the OECD’s ranking of educational performance. Bill Watkins of the University of California, Santa Barbara, calculates that, once you adjust for inflation and population growth, his state’s government spent 26% more in 2007-08 than in 1997-98. No one can argue that California’s public services are now 26% better.

“The question that we ask today”, said Barack Obama in his inaugural address, “is not whether our government is too big or too small, but whether it works.” This is clearly naive: with deficits soaring, nobody can afford to ignore the size of government. Mr Obama’s appeal for pragmatism has some value: conservative attempts to roll back government regulations have led to disaster in the finance industry. But left-wing attempts to defend entitlements and public-sector privileges willy-nilly will condemn the state to collapse under its own weight. Policymakers will not be able to give a serious answer to Mr Obama’s question of whether “government works” without first asking themselves some more fundamental questions about what the state should be doing and what it should be leaving well alone.

1742) Big Government: everywhere becoming larger and larger...


Big government - Stop!
Jon Berkeley
The Economist, January 21st 2010

The size and power of the state is growing, and discontent is on the rise

IN THE aftermath of the Senate election in Massachusetts, the focus of attention is inevitably on what it means for Barack Obama. The impact on the Democratic president of the loss of the late Ted Kennedy’s seat to the Republicans will, no doubt, be significant (see article). Yet the result could be remembered as a message more profound than the disparate mutterings of a grumpy electorate that has lost faith in its leader—as a growl of hostility to the rising power of the state.

America’s most vibrant political force at the moment is the anti-tax tea-party movement. Even in leftish Massachusetts people are worried that Mr Obama’s spending splurge, notably his still-unpassed health-care bill, will send the deficit soaring. In Britain, where elections are usually spending competitions, the contest this year will be fought about where to cut. Even in regions as historically statist as Scandinavia and southern Europe debates are beginning to emerge about the size and effectiveness of government.

There are good reasons, as well as bad ones, why the state is growing; but the trend must be reversed. Doing so will prove exceedingly hard—not least because the bigger and more powerful the state gets, the more it tends to grow. But electorates, as in Massachusetts, eventually revolt; and such expressions of voters’ fury are likely to shape politics in the years to come.

How it grew and grew
The immediate reason for the rise of the state is the financial crisis. Governments have spent trillions propping up banks and staving off depression. In some countries they now play a large role in the financial sector; and thanks to bail-outs, stimulus and recession, the proportion of GDP made up by state spending and public deficits has rocketed.

But the rise of Leviathan is a much longer and broader story (see article). Long before AIG and Northern Rock ended up in state custody, government had been growing rapidly. That was especially true in Britain and America, the two countries in which “the end of big government” had been declared in the 1990s. George Bush pushed up spending more than any president since Lyndon Johnson. Britain’s initially frugal Labour government went on a splurge: the state’s share of GDP has risen from 37% in 2000 to 48% in 2008 to 52% now. In swathes of northern Britain the state now accounts for a bigger share of the economy than it did in communist countries in the old eastern bloc. The change has been less dramatic in continental Europe, but in most of those countries the state already made up around half of the economy.

Demography is set to push state spending up further. Ageing populations will consume ever more public health care and ever bigger pensions. Unless somebody takes an axe to them, entitlements will consume a fifth of America’s GDP in 15 years, compared with 9% now.

Rising government spending is not the only manifestation of growing state power. The spread of regulation is another. Conservatives tend to blame the growing thicket of rules on unwanted supranational bodies, such as the European Union, and on the ever growing industry of public-sector busybodies who supervise matters like diversity and health and safety. They have a point. But voters, including right-wing ones, often demand more state intrusion: witness the “wars” on terror and drugs, or the spread of CCTV cameras. Mr Bush added an average of 1,000 pages of federal regulations each year he was in office. America now has a quarter of a million people devising and implementing federal rules.

Globalisation, far from whittling away the state, has often ended up boosting it. Greater job insecurity among the voting middle classes has increased demand for safety nets. Confronted by global market failures, such as climate change, voters have demanded a public response. And the emergence of new economic powers, especially China, has given fresh respectability to the old notion of state capitalism: more and more of the world’s biggest companies are state-owned, and more and more of its biggest investors are now sovereign-wealth funds.

What should be done?
Many difficulties present themselves to those who would reform the state. One is the danger posed by the fragility of the world economy. Government stimulus may still be needed to ward off a new slump. But even in the most vulnerable countries, governments need to be planning for withdrawal.

A further danger consists in equating “smaller” with “better”. As the horrors in Haiti demonstrate, countries need a state of a certain size to work at all; and more government can be good. The Economist, for instance, is relieved that politicians stepped in to bail out the banks, since the risks of tumbling into a depression were large. This newspaper also supported Mr Obama in 2008 in part because he wanted to extend health-care coverage.

How much a state spends often matters less than how it spends. Systems in which the state pays and the private sector provides often work well. Scandinavia’s schools are expensive, but they are by and large more efficient than their Anglo-Saxon peers. Much of France’s health care is paid for by the state but supplied by private hospitals.

Even where big change is clearly needed, the history of “reinventing government” shows it is not easy. The quick fixes, such as privatising national telecoms firms, have been done. Fortunes have been spent on management consultants in the public sector, without much to show for it (see article). In 1978 another American state shocked the world by rejecting big government: California’s tax-cutting Proposition 13 paved the way for Reaganism, but direct democracy has ended up making the Golden State’s government worse.

In these circumstances, hard rules make little sense. But prejudices are still useful—and this newspaper’s prejudice is to look for ways to make the state smaller. That is partly for philosophical reasons: we prefer to give power to individuals, rather than to governments. But pragmatism also comes into it: there is so much pressure on the state to grow (bureaucrats building empires, politicians buying votes, public-sector workers voting for governments that promise bigger budgets for the public sector) that merely limiting the state to its current size means finding cuts.

And cuts can be found. In the corporate world, slimming a workforce by a tenth is standard fare. There’s no reason why governments should not do that too, when it’s needed. Sweden and Canada managed it, and remained pleasant countries with effective public services. Public-sector pay can be cut, given how secure jobs are: in both America and Britain public-sector workers are on average now paid more than private-sector ones. Public-sector pensions are far too generous, in comparison with shrunken private-sector ones. Entitlements can be cut back, most obviously by raising pensionable ages. And the world might well be a greener, more prosperous place if the West’s various agricultural departments disappeared.

The Economist will return to these areas in coming months. All raise different issues; and different countries may need to deal with them in different ways. But one large general point links them: a great battle about the state is brewing. And, as in another influential revolution, the first shot may have been heard in Massachusetts.

1741) Qualidade das universidades privadas - Vitor Wilher

Por que as universidades privadas brasileiras são, na média, de qualidade questionável?
Vítor Wilher
Instituto Millenium, 15/01/2010

Essa é uma pergunta que parece atordoar a todos aqueles minimamente preocupados com o futuro do Brasil. Apesar disso, pouco se compreende do problema principal. Os empresários do setor são tratados como “porcos capitalistas”, cujo único objetivo é encher os bolsos de dinheiro. Ignoram, por suposto, a qualidade de um serviço que é considerado por muitos, público. Mas será que os donos de universidades privadas são, de fato, os reais vilões dessa história?

A lógica econômica do mercado de educação superior no Brasil indica que não. Há um problema estrutural que faz com que as universidades privadas tenham se expandido nos últimos anos sem se preocupar muito com a qualidade dos seus cursos. No presente artigo é investigado esse e outros questionamentos que envolvem a estrutura do mercado de educação no país.

Em primeiro lugar, é preciso entender que a educação superior não pode ser considerada um bem/serviço público, pois não atende duas condições básicas relacionadas a tais bens: a) o custo adicional por um indivíduo a mais se beneficiar do bem ser zero; b) ser muito difícil (senão impossível), excluir uma pessoa que esteja interessada em se beneficiar do bem. A iluminação de uma rua pode ser considerada um bem público, pois pouco importa se cem ou duzentas pessoas a utilizam: não há custo adicional por pessoa para prover a mesma. Além disso, é muito difícil excluir alguém de se beneficiar de tal iluminação.

Já um bem privado rompe com tais premissas. O consumo de uma calça jeans é rival, pois não pode ser feito por duas pessoas ao mesmo tempo – diferentemente do exemplo da iluminação pública. Além disso, a compra de um par de sapatos por uma pessoa naturalmente exclui outra do consumo daquele mesmo bem. O custo de mais um aluno em uma universidade não é zero, pois para recebê-lo, a mesma deve dimensionar professores, salas de aula, computadores, carteirinhas e mais uma variedade de outros custos. Além disso, o princípio da exclusão é perfeitamente aplicado: quando um estudante ocupa uma vaga, ele exclui alguém de ocupar aquela mesma vaga. Desse modo, ainda que sob determinadas circunstâncias o subsídio estatal seja válido, a educação superior é um bem tipicamente privado, devendo ser submetido ao mecanismo de preço. Em outros termos, a educação superior é um negócio cheio de especificidades, mas não deixa de ser um negócio.

A segunda consideração a ser feita sobre a educação superior diz respeito ao perfil da demanda. É intuitivo pensar que as universidades privadas tomam como dado o aluno formado na educação básica (ensino fundamental mais ensino médio), não tendo interferência no processo. O que as universidades privadas fazem - ou deveriam fazer - seria disputar os alunos de acordo com suas estratégias de mercado - ênfase em pesquisa acadêmica, em nichos, em ensino propriamente dito etc. Sob este aspecto, o ponto que segue é esclarecedor.

Ocorre que as estratégias das universidades privadas são bastante limitadas no Brasil. Isto porque, dentro da estrutura do mercado de educação superior existe uma especificidade importante: a existência de substitutos gratuitos. No momento da escolha do curso superior, o estudante encontra duas opções básicas: a universidade privada paga e a universidade estatal gratuita - desconsiderando aqui outras opções, como o Prouni, para simplificação.

Dado que o acesso às universidades estatais gratuitas é feito, de maneira geral, por concorridos processos seletivos, é trivial perceber que os alunos mais bem preparados ocupam tais vagas. Além disso, como a educação básica pública não oferece um ensino de qualidade, os alunos mais bem preparados no momento do vestibular são justamente os oriundos das escolas básicas privadas - o impacto dessa correlação entre renda e qualidade do aluno será analisado adiante. Diante disso é fácil perceber que as universidades privadas têm enormes dificuldades para competir com as universidades estatais pelos alunos mais bem preparados, limitando fortemente suas opções estratégicas.

Tal competição só ocorre em determinados nichos de mercado. O caso dos cursos de negócios (administração, economia e finanças) é emblemático.

Mesmo na graduação, instituições privadas conseguem concorrer em pé de igualdade com instituições estatais gratuitas. Por que isto ocorre? É bastante simples: elas conseguiram diferenciar seus produtos. Ou seja, a variável preço (ser gratuito ou não) não é preponderante na escolha da universidade e sim outros fatores, como percepção do mercado de trabalho, ênfase em determinadas grades curriculares, nível do corpo docente etc. Isso, é claro, tem seu custo: as faculdades privadas de negócios cobram mensalidades bem acima da média do mercado.

A grande maioria das universidades privadas não pode praticar tal estratégia, devido a dois fatores básicos: 1) a renda média da população brasileira é baixa (assim como a poupança); 2) estudantes que poderiam pagar por uma educação de maior qualidade freqüentam instituições estatais gratuitas (correlação existente entre renda e preparo do aluno). Para concorrer com as universidades estatais (atrair os alunos mais preparados) seria preciso realizar pesados investimentos, sejam em infra-estrutura, em manutenção de um corpo docente qualificado e de dedicação exclusiva, laboratórios de última geração etc. de modo que o preço passasse a não ser mais preponderante. O tamanho da demanda potencial que poderia pagar por tais serviços parece não ser suficiente para admitir tamanhos sacrifícios por parte do empresariado. Em outros termos: quais garantias existem de que tais investimentos teriam retorno? A análise de risco parece não ser positiva.

Se o perfil da demanda impede que as mensalidades sejam mais elevadas é trivial notar que a minimização de custos passa a ser uma prática corriqueira nesse setor. E isso foi e é feito em larga escala, seja na oferta de cursos que demandam poucos investimentos em infra-estrutura (direito e administração, por exemplo) e atraem muitos alunos, seja na contratação de professores em regime de dedicação não-exclusiva. Além disso, e o que considero mais importante para termos pouquíssimas universidades privadas de ponta no país, é a restrição às estratégias mais agressivas de pesquisa.

Como dito, ter uma universidade que invista em pesquisa exige empenho de grande montante de recursos, sejam financeiros ou humanos. Se a universidade privada brasileira tem acesso a estudantes menos preparados e professores sem dedicação exclusiva, também não tem acesso a recursos públicos de fomento à pesquisa. Some-se a isso o fato de não poderem praticar mensalidades mais altas devido às condições citadas anteriormente (renda média e poupança baixa e estudantes mais ricos em universidades estatais gratuitas), conclui-se que não existe o menor incentivo para que se construam universidades privadas voltadas para a pesquisa científica. Isso faz com que tais instituições se concentrem apenas no ensino de graduação e em uns poucos cursos de pós-graduação.

A existência de uma universidade estatal gratuita afeta também os mecanismos de crédito. Como tal bem existe, qual é o incentivo que as famílias possuem para poupar ao longo da infância/adolescência dos filhos? Isso somado aos problemas institucionais globais da economia brasileira – que limitam nossa capacidade de poupança – gera uma realidade em que a renda é um fator claramente limitador da escolha de uma universidade de bom nível por parte do estudante. Convenhamos que em troca de mensalidades pequenas não se pode exigir muito em termos de professores, laboratórios ou iniciação científica.

Nota-se, portanto, que os donos de universidades privadas apenas seguiram o incentivo que receberam dos legisladores: preocupar-se com a minimização de custos e não com a maximização de receitas, já que esta exigiria mensalidades e investimentos maiores. Já o legislador (por iniciativa do Ministério da Educação), por sua vez, via-se em um impasse: a necessidade de melhorar a qualidade da mão-de-obra brasileira e a restrição orçamentária provocada pela série de ajustes macroeconômicos da década de 90. Optou-se por liberalizar a oferta de cursos privados, criaram-se mecanismos de avaliação (como o Provão) e deixou-se que os indivíduos escolhessem a universidade que melhor lhes atendessem.

Por uma questão política, entretanto, o substituto gratuito (vagas em universidades estatais) foi mantido, gerando uma grave distorção na estrutura de mercado de educação superior. E isso causou a expansão desenfreada de universidades privadas sem a menor condição de funcionamento. Exemplo disso é que volta e meia o próprio Ministério da Educação comunica o descredenciamento de uma infinidade de cursos.

Nos anos recentes, o Ministério da Educação tem aumentado consideravelmente o número de vagas em universidades estatais, na tentativa de prover ao mesmo tempo gratuidade e qualidade ao ensino superior brasileiro. Isso, entretanto, não promoveu uma ruptura naquele incentivo citado. Ou seja, as universidades privadas continuam tendo como estratégia a minimização de custos e, consequentemennte, pouca preocupação com a qualidade do ensino ou foco em produtos mais sofisticados, como a pesquisa científica. E o dado agravante: mesmo com todos os investimentos estatais feitos nos últimos anos, cerca de 75% das matrículas nesse nível de ensino estão concentradas em universidades privadas.

Diante de todos esses condicionantes a sociedade precisa tomar uma decisão nos próximos anos, se quer de fato construir um sistema de educação superior de excelência: ou rompe com o ensino gratuito nas universidades estatais ou universaliza a gratuidade, de modo a financiar integralmente esse nível de ensino. Na primeira corrige-se o problema do incentivo negativo que é enviado às universidades privadas, modificando sensivelmente o leque de opções estratégicas que estas podem vir a adotar. Na segunda estatiza-se esse nível de ensino, passando o custo total do mesmo para o contribuinte.

Ambas possuem riscos associados e caberá aos cidadãos brasileiros escolher qual conjunto deles quer correr, já que não fazer nada perpetua o problema da má qualidade das universidades privadas.

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