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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

1746) Prefácio a "O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado)

Transcrevo o prefácio que preparei ao meu mais recente livro, que está sendo lançado virtualmente neste sábado 23.01.2010:

O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado
(Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8); R$ 12,00; disponível online neste link: http://freitasbas.lojatemporaria.com/o-moderno-principe.html

Prefácio

Este livro foi escrito por um proscrito. Explico: O Príncipe, original de 1513, foi escrito por Nicolau Maquiavel quando ele se encontrava em completo ostracismo, depois que a conquista da Toscana pelos espanhóis recolocou no comando de Florença, em 1512, a família dos Médici. Como escreveu Delio Cantimori, no verbete sobre o florentino que ele preparou para a Storia della Letteratura Italiana (quinto volume, da Garzanti), “nonostante l’ingegno, l’acutezza e la dottrina che gli venivan riconosciuti, il Machiavelli non fu mai chiamato agli uffici maggiori della repubblica fiorentina che egli servi dal 1498 al 1512”.1 De fato, depois de ter servido durante quase três lustros à República da sua cidade natal (1469), e de ter desempenhado missões diplomáticas da mais alta responsabilidade – em 1500, em Pisa, para resolver uma rebelião de soldados mercenários; logo em seguida junto ao reino de Luís XII da França, retornando ali mais três vezes, entre 1504 e 1511; em 1502 junto ao duque Valentino, César Bórgia, em Urbino e Sinigaglia; em 1503 e 1505, em Roma; em 1507, junto ao Imperador Maximiliano, do Sacro Império Romano Germânico –, Maquiavel nunca mais retornou ao seu cargo de segretario, a despeito de ter desempenhado outras missões diplomáticas nos últimos anos de sua vida.
Como o próprio Maquiavel escreveu, em torno de 1518-1519, na apresentação a outro
texto seu dessa fase de desterro, os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, ele havia colocado em seus escritos toda a substância do que sabia e do que tinha aprendido ao longo de uma vida dedicada à prática política e às leituras constantes em torno “delle cose del mondo”, ou, como transcreve Cantimori, “per ‘lunga pratica’ della vita política, ‘continua lettura’ della storia política”.2 Condenado ao confinamento por um ano, em 1512, mas não reabilitado depois disso, Maquiavel se retirou na sua vila Albergascio, perto de San Casciano, no Val di Pesa, e ali, amargurado por um injusto isolamento, soube reagir ao afastamento forçado da política ativa que lhe impuseram, colocando no papel suas reflexões sobre a prática da política, sobre a arte da guerra e a propósito dos ensinamentos que se podiam retirar do itinerário dos grandes homens e da evolução, entre auge e declínio, das sociedades da antiguidade clássica. Por uma dessas ironias da história, ele veio a morrer no mesmo ano em que a república foi restabelecida em Florença, em 1527.

Este Moderno Príncipe também condensa tudo o que me foi possível aprender ao longo de uma vida dedicada à atenta observação delle cose del mondo, ao estudo das coisas da política e das artes diplomáticas, assim como no aproveitamento de continue letture, em todas as áreas das ciências humanas e disciplinas afins, ou seja, em tudo aquilo que interessa ao homem enquanto ser político. O livro também foi escrito em condições de relativo isolamento, pelo menos da diplomacia prática, que exerci de modo contínuo de 1977 a 2003, depois de já ter enfrentado meu próprio desterro, ainda que semi-voluntário, entre 1970 e 1977, na fase mais dura do regime militar que tutelou o Brasil de 1964 a 1985. Meu novo ostracismo involuntário permitiu, ao lado do exercício de lides acadêmicas que sempre permearam a atividade profissional, longas noites de leitura, intensas reflexões sobre as transformações do mundo contemporâneo e do Brasil atual, como também propiciou a produção de escritos a respeito da conjuntura política e sobre a história diplomática, divulgados em revistas especializadas ou em livros por mim publicados.
De todos os livros que escrevi – no mais das vezes voltados para as relações internacionais e a política externa do Brasil –, o que mais reflete o meu pensamento político e aquele de que mais gosto, A Grande Mudança (Códex, 2003), é o que menos obteve sucesso de público, permanecendo relativamente desconhecido (talvez pelo fato de, quando do lançamento, me encontrar no exterior). Em todo caso, este livro retoma algumas das reflexões ali conduzidas pela primeira vez e amplia meu aprendizado nas artes da política por meio de uma retomada linear do texto que se encontra, a justo título, no panteão das grandes obras do pensamento universal. Quase quinhentos anos depois, como para muitos clássicos, a constatação se impõe por si só: Maquiavel continua atual!
Este “Maquiavel revisitado” segue fielmente o roteiro traçado nos últimos meses de 1513 pelo pensador e diplomata florentino. A estrutura dos capítulos permanece idêntica: apenas troquei “Itália” por “nação”, em dois capítulos finais, seja para tornar a reflexão mais universal, seja para fazê-la aplicável a uma outra grande nação de tradição latina. A temática e a substância de cada um dos capítulos também permanecem relativamente similares: os problemas que angustiavam o segretario de há meio milênio parecem rigorosamente os mesmos, com pequenas adaptações de detalhe ou de linguagem. Alguma novidade nisso? Provavelmente não!
As referências e o tratamento dos problemas são, contudo, inteiramente atuais, ainda que se tenha optado por um estilo e um linguajar deliberadamente “caducos”, como forma de manter um “parentesco espiritual” com a obra de meu predecessor diplomático do Renascimento. O que eu fiz, sim – e nisso me cabe o copyright, ainda que eu deva conceder os moral rights ao florentino –, foi reescrever totalmente o seu “manual de política prática” no sentido daquilo que eu penso deva determinar, hoje, a política moderna: o compromisso democrático; o cumprimento das “regras do jogo”, como diria um outro filósofo da política, Norberto Bobbio; a transparência na administração da coisa pública; a correção no manejo do
pubblico denaro e, sobretudo, a honestidade intelectual, que para mim é o critério básico de qualquer ação social, independentemente da área na qual ela se insira.
Maquiavel escreveu o seu pequeno “manual” como uma espécie de guia de conduta
para os governantes, mas ele se coloca bem mais do ponto de vista do Estado do que do ponto de vista dos cidadãos. Talvez se pudesse dizer, sem ostentação ou pretensões exageradas, que meu pequeno manual pretende ser uma espécie de guia de conduta para os governados e ele se coloca, mais bem, do ponto de vista dos indivíduos, que constituem, afinal de contas, o destino final de toda a ação política.
Revisitar Maquiavel é sempre angustiante, como já escreveu certa vez Raymond Aron, uma vez que as relações entre a moral e a ação política, entre a ética e a eficácia, entre os fins e os meios, estão sempre sendo colocadas na balança de nossas escolhas fundamentais. As minhas escolhas ficam transparentes em cada parágrafo do meu texto, mesmo quando a “racionalidade econômica” parece predominar sobre a “justiça social”, ou quando os valores morais são confrontados aos procedimentos políticos, que sempre evidenciam, como todos sabem, o eterno dilema entre as convicções pessoais e os resultados práticos, no plano da ação social. As minhas opções estão postas claramente nas páginas que seguem e a primeira delas, ouso repetir, é justamente a honestidade intelectual. Este princípio fundamental compensa qualquer ostracismo.
Gostaria, por fim, de agradecer a todos aqueles que me ajudaram, voluntariamente ou não, na finalização deste livro, em primeiro lugar no processo de sua revisão. Ele tinha sido iniciado em meados de 2003, como o segundo de uma série de “clássicos revisitados” – tendo o primeiro sido uma atualização do Manifesto Comunista de 1848, aos 150 anos de sua edição original – mas, desde então, tinha ficado parado em virtude de uma carregada agenda de obrigações profissionais e acadêmicas. Inesperadamente, encontrei o tempo que me faltava em meados de 2007: sou reconhecido, portanto, também aos que me permitiram dispor de condições para finalizá-lo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2007

Notas:
1 Cf. Delio Cantimori, “Introduzione”, in Niccolò Machiavelli, Il Príncipe e le opere politiche, Milão: Garzanti, 1976, p. xi.
2 Idem, a partir de C. Pinsin, Sul testo del Machiavelli. La prefazione alla prima parte dei “Discorsi”, in Atti dell’Academia delle Scienze di Torino, vol. 94 (1959), disp. 2, Torino, 1960, p. 506-518; cf. “Introduzione”, op. cit. supra, p. xi.

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