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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
1737) Liberalismo, indivudualismo e utopias - João Luiz Mauad
João Luiz Mauad
Midia@Maiss - Opinião - Cultura, 21 de janeiro de 2010
Qualquer um que se atreva a defender os princípios liberais numa sociedade como a nossa, onde o discurso prevalece sobre as atitudes e as versões têm peso maior do que os fatos, é imediatamente tachado de egoísta, ganancioso, sem coração e outras alcunhas não menos abjetas. Caso você não acredite realmente naquilo que advoga, o fardo das críticas – talvez o mais correto fosse dizer censura – pode ser muito pesado, especialmente quando partem de pessoas que nos são caras. É a esses que dirijo estas linhas, na esperança de que possam entender um pouco melhor o meu pensamento.
Não raro, vocês progressistas consideram-se mais humanos que os demais. Não duvido das boas intenções de alguns, embora, como muito bem resumiu Doug Carkuff, dada a História da humanidade, seja preciso ser meio obtuso para acreditar que o coletivismo, de qualquer tipo, possa gerar algum resultado que não miséria e sofrimento, principalmente para os mais vulneráveis. Malgrado as lições da História, vocês não parecem capazes de enxergar as implicações e as consequências não intencionais da sua filosofia. Para a maioria de vocês, tudo parece girar em torno de como se sentem sobre si mesmos e do senso de justiça que a sua “generosidade” lhes proporciona.
Como bem escreveu Bastiat, apesar de não fazermos uso dessas palavras rotineiramente, nós liberais também saudamos com emoção as virtudes da caridade, da solidariedade e da justiça. Consequentemente, desejamos ver os indivíduos, as famílias e as nações associarem-se e cada vez mais ajudarem-se mutuamente. Comovem-nos, tanto quanto a qualquer mortal de bom coração, os relatos de ações generosas e a sublime abnegação de algumas belas almas em prol dos mais necessitados.
Além disso, a maioria de nós quer muito acreditar nas boas intenções desses intelectuais e políticos da esquerda, que pretendem extinguir dos corações humanos o sentimento de interesse, que se mostram tão impiedosos com aqueles que defendem o individualismo e cujas bocas se enchem incessantemente das palavras abnegação, sacrifício, solidariedade e fraternidade. Queremos sinceramente admitir que eles obedecem exclusivamente a essas sublimes causas que aconselham aos outros; que eles dão exemplos tão bem quanto conselhos; que colocam as suas próprias condutas em harmonia com as doutrinas que defendem; queremos muito crer que suas palavras são plenas de desinteresse e isentas de hipocrisia, arrogância, inveja, mentira ou maldade.
Vocês também nos acusam de utópicos. Nada poderia ser mais errado. É engraçado que justamente aqueles que pensam poder moldar e regular, nos mínimos detalhes, as mais complexas sociedades, nos acusem disso, sabendo que o liberalismo é a única doutrina política e econômica que realmente leva em conta os vícios humanos – e não apenas as nossas virtudes –, a ponto de estabelecer, como um princípio, que não se pode dar a nenhum homem poder para dirigir as vidas de outros homens. Utopia, meus caros, é acreditar que os indivíduos são incapazes de governar as próprias vidas, como muitos de vocês progressistas acreditam, mas são capazes de governar a vida dos outros.
A verdade é que muitos dos que nos combatem sequer conhecem minimamente o que vem a ser liberalismo, deixando-se enganar por clichês e falácias antiliberais. Já faz alguns anos, traduzi uma palestra do professor e escritor cubano Carlos Alberto Montaner, que, com rara precisão e objetividade, traçou, em linhas gerais, o desenho do que costumamos chamar de "Liberalismo". Destaco alguns trechos e peço que leiam com atenção, para que possam criticar os liberais com algum conhecimento de causa:
"O liberalismo é um conjunto de crenças básicas, de valores e atitudes organizadas em torno da convicção de que quanto maiores forem as cotas de liberdade individual, maiores serão os índices de prosperidade e felicidade coletivas. Como consequência lógica da valorização da liberdade, os liberais pregam a responsabilidade individual irrestrita, já que não pode haver liberdade sem responsabilidade. Os indivíduos devem ser responsáveis pelos seus atos, vale dizer, devem ter em conta as consequências das suas decisões e os direitos dos demais. Os liberais lutam por uma sociedade regida por leis neutras, que não beneficiem pessoas, partidos ou grupo algum e que evitem, energicamente, os privilégios. Os liberais defendem, ainda, que a sociedade deve controlar de forma estreita as atividades dos governos e o funcionamento das instituições do Estado.
“Para os liberais, o Estado foi concebido para o benefício do indivíduo e não o inverso. Valorizam o exercício da liberdade individual como algo intrinsecamente bom e como uma condição insubstituível para alcançar maiores níveis de progresso. Não aceitam, portanto, que para atingir o desenvolvimento tenha-se que sacrificar as liberdades, dentre as quais destaca-se a liberdade de possuir bens – direito de propriedade – já que sem ela o indivíduo estará sempre à mercê do Estado.
“A essência desse modo de entender a política e a economia está em não determinar previamente para onde queremos que marche a sociedade, mas em construir as instituições adequadas e liberar as forças criativas dos grupos e dos indivíduos para que estes decidam, espontaneamente, o curso da história. Os liberais não têm qualquer plano ou desenho para o destino das sociedades. Ademais, lhes parece muito perigoso que outros tenham tais planos e arroguem-se no direito de decidir o caminho que todos devemos seguir, como é próprio das ideologias marxistas.
“No terreno econômico, a idéia de maior calado é a que defende o livre mercado, em contraposição à planificação estatal. Para Ludwig Von Mises, "o mercado – a livre concorrência e a interação nas atividades econômicas de milhões de pessoas que tomam constantemente milhões de decisões, orientadas para a satisfação de suas necessidades – gera uma ordem natural espontânea, infinitamente mais harmônica e criadora de riqueza que qualquer ordenamento artificial que pretenda planificar e dirigir a atividade econômica". Dessas reflexões e da experiência prática se deriva que os liberais, em linhas gerais, não crêem em controles de preços e salários nem em subsídios que privilegiem uma atividade em detrimento das demais. Pelo contrário, as pessoas, atuando dentro das regras do jogo e buscando seu próprio bem estar, tendem a beneficiar todo o conjunto.
“Adam Smith e, posteriormente, Joseph Schumpeter, demonstraram que não há estímulo mais enérgico para a economia do que a atividade incessante de empresários que seguem o impulso de suas próprias urgências. Os benefícios coletivos que se derivam da ambição pessoal dos empreendedores são muito superiores ao fato, também inegável, de que este modelo produz diferenças no grau de acumulação de riquezas entre os diferentes membros de uma comunidade. Quem, entretanto, talvez melhor tenha resumido esta verdade insofismável foi um dos líderes chineses da era pós maoísta, quando reconheceu, melancolicamente, que ‘para evitar que uns quantos chineses andassem de Rolls Royce, condenamos centenas de milhões a utilizar, para sempre, a bicicleta’.
“Politicamente, os liberais são, inequivocamente, democratas e acreditam no governo das maiorias, desde que dentro de um arcabouço jurídico que respeite os direitos das minorias. Isto quer dizer que há direitos naturais que não podem ser alienados por decisões das maiorias, dentre os quais destacam-se, principalmente mas não somente, o direito à vida, à liberdade e à propriedade.
“Os liberais crêem que o governo deve ser reduzido (mínimo), porque a experiência os ensinou que as burocracias estatais tendem a crescer de forma parasitária, fomentam o clientelismo político, na maioria das vezes abusam dos poderes que lhe foram concedidos e malversam os recursos da sociedade. A história demonstra que quanto maior é o Estado, maior será a corrupção e o desperdício. Porém, o fato de que um governo seja reduzido, não quer dizer que seja fraco. Pelo contrário, deve ser forte para fazer cumprir a lei, para manter a paz e a concórdia entre os cidadãos, para proteger a nação de ameaças exteriores e para garantir que todos os indivíduos aptos disponham de um mínimo de recursos que lhes permitam competir na sociedade.
“Os liberais pensam que, na prática, os governos, real e desgraçadamente, ao invés de representar os interesses de toda a sociedade, tendem a privilegiar os grupos que os levaram ao poder ou determinadas entidades de classe mais bem organizadas. Os liberais, de certa forma, suspeitam das intenções dos políticos e não têm quaisquer ilusões com relação à eficiência dos governos. Daí estarem permanentemente questionando as funções dos servidores públicos, além de não poderem evitar ver com certo ceticismo essas tarefas redistribuidoras da renda, redentoras de injustiças ou propulsoras da economia a que alguns se arvoram.”
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A palestra completa de Carlos Alberto Montaner, em espanhol, está neste link.
Reproduzo em próximo post.
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