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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

1706) Haiti e ajuda humanitaria (4)

O Haiti não precisa de circo
Coluna do Augusto Nunes
16 de janeiro de 2010

Assim que o perigo passou, Nelson Jobim apareceu na zona conflagrada pronto para o que desse e viesse. Em caso de tsunami, baixaria numa praia do Haiti com a farda de almirante que ganhou na Rússia. Em caso de invasão espacial, sobrevoaria o Caribe com o traje de gala de brigadeiro francês. Como se tratava de um caso de terremoto, o ministro da Defesa incorporou o general Jobim e irrompeu em Porto Príncipe enfiado num uniforme de campanha.

A missão foi cumprida em três dias. No primeiro, o destemido forasteiro recomendou aos sobreviventes que hospitalizassem os feridos e enterrassem os mortos. No segundo, determinou aos militares brasileiros em ação na cidade sem água nem mantimentos que dessem de beber a quem tem sede e de comer a quem tem fome. No terceiro, descobriu que o governo brasileiro sofrera uma perda muito mais dolorosa que as provocadas pelo terremoto.

Jobim manteve a placidez de quem prepara um chimarrão no fim da tarde ao comentar a morte em combate da doce guerreira Zilda Arns, do diplomata Luiz Carlos da Costa e dos 14 jovens heróis engajados na força de paz da ONU. Isso acontece, sugeriu o sorriso de aeromoça. O que lhe pareceu insuportável foi a perda do controle do aeroporto da capital. “Não podemos admitir o comando unilateral dos Estados Unidos”, avisou ao saber que militares americanos, ao toparem com o aeroporto em colapso e sem comando efetivo, haviam assumido as rédeas e normalizado o tráfego dos aviões sem pedirem licença ao Brasil.

Irritado com a insolência, Jobim perdeu a paciência de vez com a notícia de que cargueiros da FAB haviam sido impedidos de pousar na capital haitiana por controladores de voo ianques, que lhes recomendaram aterrissar em pistas menos inseguras. “Tudo isso pode ser visto como algo natural” concedeu o chanceler Celso Amorim, “mas é importante ter a clareza de que nós estamos sendo tratados com a prioridade adequada”. Agora nas montanhas de escombros, o Itamaraty continua a procurar o atalho que leva à vaga no Conselho de Segurança da ONU.

O espetáculo do oportunismo rastaquera foi engrossado na sexta-feira pela embaixadora do Brasil na ONU, Maria Luísa Viotti. “Estou em busca de informações sobre o caráter da presença das tropas americanas em Porto Príncipe”, revelou a diplomata, fustigada pela suspeita de sempre: depois de ter arrendado a Colômbia, o império de Barack Obama talvez tente a anexação do Haiti. Aliviou-se com a descoberta de que a missão é humanitária, mas ainda não sossegou. No momento, quer saber da Casa Branca se existe o risco de “interferências na missão de paz comandada por militares brasileiros”.

Segundo a ONU, uma nação miserável foi devastada pela maior tragédia ocorrida desde a fundação da entidade há 60 anos. Mergulhado no pesadelo incomparável, desprovido de tudo, o Haiti precisa de muito pão, mas no momento não precisa de circo. A trupe do governo está liberada para envergonhar o Brasil em outras paragens.

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Nossa embaixatriz: notas sobre a atuação diplomática
Blog: Pesquisadores da Unicamp no Haiti
16 de Janeiro de 2010

Após conversar com nossos colegas do Viva Rio, diante da chegada de novos quadros desta organização em Porto Príncipe e em função de uma situação volátil, que muda a cada instante do que diz respeito ao acesso à água e comida, optamos por pedir abrigo à embaixada do Brasil. Diga-se de passagem, há dias amigos e parentes do Brasil insistem em que deveríamos recorrer à embaixada. Afinal, somos um grupo de brasileiros que viu seu trabalho no Haiti interrompido pela violência do terremoto, e estamos na expectativa do que fazer: ficamos e ajudamos? Podemos ajudar? Ou devemos partir para o Brasil em meio uma situação incerta e que se agrava todos os dias? E se decidimos partir, como partir? Seguindo a orientação de nossos colegas do Viva Rio, nos preparamos para seguir para a embaixada hoje pela manhã. Acordamos às 6 da manhã, após mais uma noite dormindo no jardim, e nos preparamos para esperar o veículo que viria nos buscar.

Ela irrompeu o portão do Viva Rio por volta das 8:30 da manhã e pediu que nos chamassem. Trazia um vestido curto algo entre o roxo e o verde, quase um furta cor, apresentava uma expressão rígida e abatida. Na certa estava tocada pelos últimos eventos. Os cabelos devidamente penteados pra trás, uma maquiagem excessiva e um colar de ouro ostensivo. Enquanto permanecíamos na sombra, ela se manteve no sol. Aos poucos, enquanto sua proeminente testa e suas bochechas se enchiam de suor, ela discorreu sobre grandes temas, aliando ciência, religião e política de maneira única. Em poucos minutos, a embaixatriz do Brasil no Haiti explicou por que um rabino, as placas tectônicas, seu marido, os mortos e o Brasil eram interdependentes.

Ela não nos perguntou nada. Não sabia quem éramos, ou o que fazíamos aqui. Quando soube que de um grupo da Unicamp se tratava, não titubeou: “A EMBAIXADA NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A UNICAMP. O EMBAIXADOR PROIBIU QUE FOSSEM HOSPEDADOS EM NOSSAS DEPENDÊNCIAS. ELE É O EMBAIXADOR, ELE MANDA; SE HOSPEDAMOS VOCÊS TEMOS QUE HOSPEDAR TODOS”.

E seguiu, com pérolas: “A EMBAIXADA NÃO VAI EVACUAR NINGUÉM PORQUE EU NÃO VOU SAIR DAQUI. VOCÊS DEVEM VOLTAR PARA O BRASIL COMO VIERAM. VOCÊS SABEM ONDE FICA O AEROPORTO, COMPREM PASSAGEM; VOCÊS SABEM ONDE FICA A RODOVIÁRIA, DE LÁ SAEM ÔNIBUS PARA A REPÚBLICA DOMINICANA”. E prosseguiu com a máxima: “NÃO TEMOS NENHUMA RESPONSABILIDADE SOBRE VOCÊS. VOCÊS ESTAVAM NO LUGAR ERRADO NA HORA ERRADA, SINTO MUITO”.

Poderíamos reproduzir detalhes de suas observações sobre a situação atual do Haiti ou sobre a política haitiana. Não o fazemos porque, com franqueza, sentimos vergonha alheia. Seu auto-centramento e sua falta de sensibilidade quanto aos impasses vividos pelos haitianos não fizeram nada além de nos constranger: ela pode ocupar a posição que ocupa?

Nos restringiremos àqueles elementos que nos afetam diretamente: pode uma embaixatriz simplesmente dizer “VOCÊS ESTÃO PROIBIDOS DE SE HOSPEDAR NA EMBAIXADA”? Ela não nos perguntou nada, não sabe da nossa situação, nada. Suponhamos que tivéssemos passagens de avião saindo de Porto Príncipe. Como chegar ao aeroporto? Não há transporte, não há combustível. Porto Príncipe é uma cidade grande e destruída. A “rodoviária”, na verdade, não existe, é a garagem da Caribe Tours, de onde saem os ônibus diários para Santo Domingo, e fica em Pétionville. Como chegar a Pétionville? Há lugares no ônibus? Os telefones estão colapsados. Pode o Brasil ter como representante neste país alguém que manifesta tamanho descaso por seus concidadãos abdicando das obrigações mínimas de uma embaixada em qualquer lugar do mundo? O que o Haiti pode esperar de embaixador e embaixatriz que atuam desta maneira? O que aconteceu conosco não tem a menor importância. Só é revelador do lugar que o Haiti parece realmente ocupar no universo de nossas relações internacionais.

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Devido ao fato de termos postado este texto hoje pela manha alguns minutos antes de viajarmos, pois nao tivemos acesso a internet ontem (dia 15/01), esquecemos de colocar nossas assinaturas. Assinam este texto:

Omar Ribeiro Thomaz, Otavio Calegari Jorge, Diego Bertazzoli, Werner Garbers, Joanna da Hora, Cris Bierrembach, Daniel Santos, Rodrigo C. Bulamah, Marcos Rosa

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