O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Chanceler designado propõe pacto de nacoes cristas: EUA, Brasil, Russia (FSP)

Artigo de Ernesto Araújo selou sua nomeação ao novo governo
Um artigo reservado do diplomata Ernesto Araújo com proposições de política externa, tais como a “contestação ao eixo globalista China-Europa-esquerda americana”, selou seu ingresso na equipe ministerial do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
O texto, obtido pela Folha, que Araújo fez chegar ao núcleo da campanha em setembro, foi o primeiro passo para sua posterior nomeação como chanceler do futuro governo.
Intitulado “Por uma política externa do povo brasileiro”, o artigo, de cinco páginas, é propositivo, uma espécie de carta de intenções.
Nele, o diplomata revisa o pacifismo nacional (“não estamos no mundo para ser Miss Simpatia”) e sugere um realinhamento internacional do Brasil com o eixo de direita populista em ascensão.
“É o caso dos Estados Unidos com Donald Trump, da Itália com seu atual governo, de alguns países da Europa do Leste como Polônia e Hungria. É o caso talvez de alguns países não ocidentais que desejam defender suas próprias civilizações e suas nações frente ao globalismo dominante”, escreve.
Em sua interpretação, “há países que resistem à demonização do sentimento nacional, ao esmagamento da fé (principalmente da cristã), que rejeitam o esvaziamento da alma humana e sua substituição por dogmas anêmicos que servem apenas aos interesses de dominação mundial de certas elites”. 
Folha o procurou para comentar o teor. Araújo respondeu que era complicado e que conversaria a respeito depois, o que não ocorreu.
Com a vitória nas urnas, a primeira das sugestões do artigo já foi anunciada: a saída do Brasil do Pacto Mundial para Migração, que propõe a cooperação internacional para enfrentar ondas migratórias.
No texto, Araújo já defendia o que chamou de “dessacralização da imigração, combatendo a ideologia do ‘imigrante intocável’, do direito universal à migração sobrepondo-se à soberania nacional”.
O texto propõe a “renacionalização das políticas comerciais”, alegando não se tratar “de negar o comércio, mas de tornar a política comercial um instrumento do Estado, e não [fazer do] Estado um instrumento da política comercial”. 
Nessa linha, Araújo defende que o Brasil questione os Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Sugeriu que se tente, no lugar, constituir “um agrupamento nacionalista Brasil – EUA – Itália – (Rússia?) – (Índia?) – (Japão?) – (países de Visegrado?)”, em suma “um Brics antiglobalista sem a China”.
Os países de Visegrado são Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia.
Sem entrar em detalhes, o futuro chanceler faz uma proposição inusitada no campo da geopolítica, que causou estranhamento entre interlocutores de Bolsonaro. Para Araújo, conviria ao governo “explorar a possibilidade de um núcleo composto pelos três maiores países cristãos, Brasil-EUA-Rússia”.
Ele expressa preocupação particular com a questão da fé, requerendo “promoção da liberdade religiosa, notadamente defesa do espaço para o exercício da fé cristã, ameaçada e acuada em todo o mundo”.
À China são reservadas numerosas linhas. Araújo quer impor ao país, principal parceiro comercial do Brasil, “pressão em todas as frentes”. 
“Condicionar qualquer avanço na relação com esses países ao exercício da liberdade religiosa e liberdades políticas básicas”, propõe. “Utilizar os organismos financeiros internacionais para frear a crescente dependência dos países em desenvolvimento em relação ao capital chinês. Virar o jogo da globalização contra a China.”
Em sintonia com o discurso de Bolsonaro, Araújo defende a “liquidação do bolivarianismo nas Américas”. Segundo o diplomata, “o Brasil poderia comandar o processo de deslegitimação do governo Maduro na Venezuela e pressão total, juntamente com os EUA, para sua substituição por um regime democrático”.

La Boetie à l’usage de tous

DISCOURS DE LA SERVITUDE VOLONTAIRE
ÉDITIONS BOSSARD
43, RUE MADAME, 43
PARIS, 1922


INTRODUCTION
Paul BONNEFON

INTRODUCTION


DANS sa brève existence de trente-deux ans, si La Boétie eut le temps de composer plusieurs opuscules, fort divers d’allure et de ton, il ne put en publier aucun. Montaigne lui-même, héritier des papiers de son ami disparu, imprima, dès 1571, les vers latins ou français de La Boétie et ses traductions de Xénophon et de Plutarque, mais il ne jugea pas à propos de divulguer ni le Discours de la Servitude volontaire, ni les Mémoires de nos troubles sur l’édit de janvier 1562, dont Montaigne confesse formellement la paternité à La Boétie, mais à qui il trouvait « la façon trop délicate et mignarde pour les abandonner au grossier et pesant air d’une si malplaisante saison ».
Ainsi, l’histoire de l’œuvre de La Boétie débutait sur une double obscurité : Montaigne, qui imprimait les ouvrages de son ami ne pouvant soulever aucune difficulté, se taisait au contraire délibérément, sur tous ceux qui pouvaient prêter à controverse ; et ce silence offrait de la sorte, au contraire, matière à commentaires dont on ne devait pas se priver. 
(...)

La Boetie, trechos: 

Ainsi donc, si les habitants d’un pays ont trouvé quelque grand personnage qui leur ait montré par épreuve une grande prévoyance pour les garder, une grande hardiesse pour les défendre, un grand soin pour les gouverner ; si, de là en avant, ils s’apprivoisent de lui obéir et s’en fier tant que de lui donner quelques avantages, je ne sais si ce serait sagesse, de tant qu’on l’ôte de là où il faisait bien, pour l’avancer en lieu où il pourra mal faire ; mais certes, si ne pourrait-il faillir d’y avoir de la bonté, de ne craindre point mal de celui duquel on n’a reçu que bien.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Assim é, se lhe parece: política comercial dos EUA, na visão do novo Brasil

Para Brasil, ‘EUA têm regime tarifário aberto’
Jamil Chade, Genebra
O Estado de S. Paulo, 17/12/2018
A duas semanas da posse do presidente eleito e em meio a uma guerra comercial, o Brasil cobriu de elogios os EUA em sabatina nesta segunda, 17, na Organização Mundial do Comércio (OMC). Não citou a proliferação de medidas protecionistas nem o bloqueio da Casa Branca aos trabalhos dos tribunais da OMC, informa o correspondente Jamil Chade. A diplomacia brasileira ainda felicitou os americanos por manterem um regime tarifário “aberto”. China e União Europeia fizeram críticas “radicais” aos EUA.
Os maiores afetados pelas barreiras foram os chineses, que enfrentam 116 medidas americanas. Até meados de 2018, o Brasil foi o oitavo país mais afetado por medidas antidumping dos EUA, com 12 casos em apenas seis meses. Em todo o ano de 2017, por exemplo, foram apenas 11 medidas contra o Brasil. Em 2015, foram sete.

O mundo segundo Washington: declínio de um imperio - The Washington Post

December 17, 2018
 Here’s how Haass sets up his history lesson on the Concert of Europe
If the end of every order is inevitable, the timing and the manner of its ending are not. Nor is what comes in its wake. Orders tend to expire in a prolonged deterioration rather than a sudden collapse. And just as maintaining the order depends on effective statecraft and effective action, good policy and proactive diplomacy can help determine how that deterioration unfolds and what it brings. Yet for that to happen, something else must come first: recognition that the old order is never coming back and that efforts to resurrect it will be in vain. As with any ending, acceptance must come before one can move on.
"In the search for parallels to today’s world, scholars and practitioners have looked as far afield as ancient Greece, where the rise of a new power resulted in war between Athens and Sparta, and the period after World War I, when an isolationist United States and much of Europe sat on their hands as Germany and Japan ignored agreements and invaded their neighbors. But the more illuminating parallel to the present is the Concert of Europe in the nineteenth century, the most important and successful effort to build and sustain world order until our own time. From 1815 until the outbreak of World War I a century later, the order established at the Congress of Vienna defined many international relationships and set (even if it often failed to enforce) basic rules for international conduct. It provides a model of how to collectively manage security in a multipolar world.
"That order’s demise and what followed offer instructive lessons for today—and an urgent warning. Just because an order is in irreversible decline does not mean that chaos or calamity is inevitable. But if the deterioration is managed poorly, catastrophe could well follow.”
• A report prepared for the Senate that provides the most sweeping analysis yet of Russia’s disinformation campaign around the 2016 election found the operation used every major social media platform to deliver words, images and videos tailored to voters’ interests to help elect President Trump — and worked even harder to support him while in office, report my colleagues:
“The report, a draft of which was obtained by The Washington Post, is the first to study the millions of posts provided by major technology firms to the Senate Intelligence Committee, led by Sen. Richard Burr (R-N.C.), its chairman, and Sen. Mark Warner (Va.), its ranking Democrat. The bipartisan panel hasn’t said if it endorses the findings. It plans to release it publicly along with another study later this week.
"The research — by Oxford University’s Computational Propaganda Project and Graphika, a network analysis firm — offers new details on how Russians working at the Internet Research Agency, which U.S. officials have charged with criminal offenses for meddling in the 2016 campaign, sliced Americans into key interest groups for targeted messaging. These efforts shifted over time, peaking at key political moments, such as presidential debates or party conventions, the report found.”
• At a time when Congress is trying to challenge Trump’s pursuit of war in Yemen, my colleague Liz Sly points in a lengthy piece to a hidden war that the president has advanced in Syria:
“The commitment is small, a few thousand troops who were first sent to Syria three years ago to help the Syrian Kurds fight the Islamic State. President Trump indicated in March that the troops would be brought home once the battle is won, and the latest military push to eject the group from its final pocket of territory recently got underway.
"In September, however, the administration switched course, saying the troops will stay in Syria pending an overall settlement to the Syrian war and with a new mission: to act as a bulwark against Iran’s expanding influence.
"That decision puts U.S. troops in overall control, perhaps indefinitely, of an area comprising nearly a third of Syria, a vast expanse of mostly desert terrain roughly the size of Louisiana.
"The Pentagon does not say how many troops are there. Officially, they number 503, but earlier this year an official let slip that the true number may be closer to 4,000. Most are Special Operations forces, and their footprint is light. Their vehicles and convoys rumble by from time to time along the empty desert roads, but it is rare to see U.S. soldiers in towns and cities.
"The new mission raises new questions, about the role they will play and whether their presence will risk becoming a magnet for regional conflict and insurgency.”
• An investigation by the New York Times digs up damning evidence of how the powerful U.S. consulting firm McKinsey abets anti-democratic regimes and practices. It kicks off its story at a desert retreat for the company’s associates in China:
“For a quarter-century, the company has joined many American corporations in helping stoke China’s transition from an economic laggard to the world’s second-largest economy. But as China’s growth presents a muscular challenge to American dominance, Washington has become increasingly critical of some of Beijing’s signature policies, including the ones McKinsey has helped advance.
"One of McKinsey’s state-owned clients has even helped build China’s artificial islands in the South China Sea, a major point of military tension with the United States.
"It turns out that McKinsey’s role in China is just one example of its extensive — and sometimes contentious — work around the world, according to an investigation by The New York Times that included interviews with 40 current and former McKinsey employees, as well as dozens of their clients.
"At a time when democracies and their basic values are increasingly under attack, the iconic American company has helped raise the stature of authoritarian and corrupt governments across the globe, sometimes in ways that counter American interests.”

40 anos de relações EUA-China: trade war trumpista e serenidade chinesa

Enquanto Mister Trump pretende, eroticamente, enfrentar a China, não se sabe bem por quais motivos legítimos – sim, tem os falcões e os paranóicos americanos, que acreditam que a China é o grande inimigo dos EUA –, os chineses, e colegas acadêmicos americanos interagem sobre os 40 anos de relações bilaterais entre os dois países. Não vamos edulcorar a postura chinesa, que é oportunista por todas as vias possíveis, e denegrir a postura americana, por mais idiota que ela seja. A verdade é que a velha Guerra Fria geopolítica dos tempos da URSS (que deu dois suspiros e depois morreu) foi agora substituída por uma nova Guerra Fria, econômica desta vez. Em função da estupidez americana atual, os chineses estão ganhando essa guerra fria econômica, e vão continuar ganhando, enquanto o governo americano tiver um aloprado em seu comando...
Paulo Roberto de Almeida

Experts reflect on 40 years of Sino-US ties

Ni Tao

Chief Opinion Writer, Shanghai Daily, December 16, 2018
Confucius once said, “At forty, I had no doubts.”
For a man, age forty is construed as a mark of maturity, the beginning of a phase in life moderated by a deflated ego, a mild temperament, and most important, the freedom from doubts and bewilderment.
But the sage’s musings don’t necessarily apply to relations between countries. China and the United States, who will soon be celebrating the 40th anniversary of the normalization of their diplomatic ties next year, apparently are far from attaining maturity in their ties.
The world’s two largest economies have been locking horns in a possibly protracted trade war that has destabilized world markets and unnerved international observers.
At a forum held in Shanghai on December 13, leading scholars from China and the US called on the public to look beyond newspaper headlines to take a long view of the achievements and setbacks of the bilateral relations.
David M. Lampton, professor at Johns Hopkins School of Advanced International Studies, recalled his first visit to China in 1976, when he was travelling with a US delegation of scientists, and saw the real China he became fascinated with while growing up in Palo Alto, California, an area teeming with Chinese immigrants.
“The big phrase then was zi li geng sheng, or self-reliance,” said Lampton.
But in the era of the new Chinese leadership, especially since President Xi Jinping took office, “we hear more phrases like interdependence, that China will do things that it is best at doing and rely on the world system for some of the things it is not so good at doing,” he noted.
As president of the National Committee on United States-China Relations from 1988 to 1997, Lampton once received a Chinese delegation headed by five mayors, including the then Shanghai mayor Zhu Rongji, who was to become the country’s premier.

Vision and statesmanship

He was impressed by the pragmatism, vision and statesmanship of leaders like Zhu, who paved the way for a more constructive and eventually one of the world’s most important bilateral relationships.
His views were echoed by many of the forum’s attendees, including Zhou Wenzhong, China’s ex-deputy foreign minister and former ambassador to the US. Having served in the Chinese mission in the US for 16 years, Zhou had dealings with every US administration since President Jimmy Carter.
Some of the high moments of his career involved handling crises like the August 17, 1982 China-US Communiqué on arms sales to Taiwan, the US-led NATO’s bombing of the Chinese embassy in Belgrade in 1999, and the spy plane crash over the South China Sea in 2001.
Despite all these upheavals that could have derailed Sino-US relations, the two countries, mindful of the “bigger picture,” have managed to overcome their differences and expand their common interests. Consequently, the bilateral ties on the whole have been “fairly successful,” said Zhou.
However, the veteran diplomat said he did note disconcerting developments exemplified by the Trump administration’s initiation of a tariff war and other acts of provocation.
Having recently returned from a trip to the US, where he hobnobbed with old friends from the business and academic community, Zhou observed that many Americans too were concerned about the extent to which President Trump appears ready to push his trade demands.
To prove that China’s market is increasingly important to American manufacturers and exporters, he cited the skyrocketing sales of American bourbon whisky in China.
The booze has seen its sales leap 1,200 percent over the past 20 years, and China is a key factor behind that dramatic growth. “Last year alone, China contributed approximately US$9 million to the US bourbon whisky’s global sales,” said Zhou.

An ‘inside out’ perspective

Agricultural products are a bulk of American exports to China. Soybeans shipped to China, for example, account for almost 60 percent of the total US soybean exports.
Therefore, Zhou believed the tit-for-tat tariffs are in no country’s interests, and both China and the US would do well to remain open to negotiating an end to their six month-old trade tensions during the 90-day truce reached at the dinner meeting of the two presidents in Buenos Aires on December 1.
Meanwhile, Lampton argued for more serious attempts at deepening mutual understanding, especially among those tasked with studying each other’s country for the purpose of making policies.
He recounted his time as a student of China learning mostly by talking to the Chinese people. Similarly, today’s generation of China watchers in the US should bring an “inside out” perspective to their China studies, rather than observing China from the outside in, said Lampton.
In response to heated discussions about the Thucydides’ Trap, the celebrated scholar of international relations did agree that problems can happen with a “rising, confident power” and a “dominant, defensive power,” but he dismissed the notion that it inevitably means war. Instead, given the levels of interdependency between the two nations, he explained that it is all the more important that both the US and China rely more on each other on fronts such as ecological and economic cooperation to conquer the Thucydides’ problem.
“The problem exists, but smart, well-meaning people can overcome that,” he said.
During the December 13 forum, organizers also unveiled a multimedia program called “40 on 40,” which consists of a series of high-profile interviews with 40 distinguished thinkers on US-China relations.
They include former US President Jimmy Carter, the father of “soft power” and Harvard university professor Joseph Nye, Lamtpon and Zhou. The interviews will be published in books next year.

domingo, 16 de dezembro de 2018

Leituras leves de um domingo pre-natalino - Paulo Roberto de Almeida

Leituras leves de um domingo pré-natalino

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: notas de leituras; finalidade: prazer intelectual]
  
Domingo pede cachimbo, diz o velho ditado. Eu, que já abandonei o cachimbo há muito tempo, até antes do casamento, que já dura quarenta anos – neste domingo 16 de dezembro, justamente –, prefiro fazer outras coisas, quando não estamos com os netos. Domingos, como quaisquer outros dias da semana, do mês, do ano, das décadas, são dedicados às leituras, à reflexão, à escrita. Passei o sábado na companhia áspera de livros de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, para redigir dois textos que estou devendo há pelo menos três meses, digamos assim. Mas, isso virá, a seu tempo. Como eu digo sempre: o texto está pronto, só me resta escrevê-lo, o que não é o mais difícil. Com efeito, eu costumo ler muito antes de qualquer trabalho, fazer a minha acumulação primitiva, e algum estoque moderno de leituras, pensar um pouco, eventualmente redigir um esquema, e depois, plim!, o texto acaba saindo quase pronto, ainda que naquele estilo prolixo, rebarbativo, que horrorizaria escritores como Graciliano Ramos ou Hemingway, que diziam que escrever é a arte de cortar palavras.
Pois bem, neste domingo de casamento, ainda não escrevi nada de particularmente inteligente, apenas me dediquei aos afazeres domésticos, a comprar vinhos para o fim de ano, e acabei caindo, ou eles caíram sobre mim, em alguns livros daqueles esquecidos, que guardamos um dia para ler, e esse dia nunca chega. Pois bem, chegou hoje, e se lê daqui, percorre de lá, abre ao acaso, folheia um, folheia outro, e, de repente, plim!, se cai numa frase memorável, que nos faz sorrir, e aí dá vontade de compartir com os outros aquilo que de mais agradável se encontrou nessas leituras dominicais, com a peculiaridade, agora, de que se trata de um domingo pré-natalino, com árvore já montada – graças aos cuidados de Carmen Lícia –, presépio instalado – idem –, presentes para os netos já escondidos – ibidem –, tutto a posto– só falta a roupa de Papai Noel e uma barriga apropriada –, e aí finalmente sentamos no computador para transcrever os trechos mais saborosos.
Ei-los aqui, se me permitem a mesóclise, se isto é uma mesóclise.


Primeiro um romance de Jean-Christophe Rufin, de quem, muitos anos atrás resenhei uma obra contestadora da ordem internacional – pois ele foi da organização humanitária Médecins Sans Frontières–, um libelo contra o que se poderia chamar de “negligência malévola”, cujo título era L’Empire et les Nouveaux Barbares(1991; existe edição brasileira). Mas agora é um romance que Carmen Lícia e eu compramos alguns anos atrás em Paris, e que depois ficou na estante, chamado L’Abyssin(Gallimard Folio, 1997, mas o livro é de 1977, prix Goncourt e prix Méditerranée). Carmen Lícia já me tinha dado de presente um outro romance do mesmo autor, chamado Rouge Brésil, que ganhou o prêmio Goncourt (2001), falando sobre os índios do Brasil e seus déboirescom os portugueses, que eu nunca terminei de ler. Prometo fazê-lo num desses domingos com poucos afazeres.
Mas, este romance, histórico, mas baseado num personagem real – o subtítulo é: Relation des extraordinaires voyages de Jean-Baptiste Poncet, ambassadeur du Négus auprès de Sa Majesté Louis XIV–, trata realmente de negociações diplomáticas, e é por isso que eu transcrevo um simples trecho, extraído do capítulo 1 da parte III: “La Lettre de Créance”, ou seja, uma carta de acreditação, como carregam os diplomatas, quando se apresentam a um soberano estrangeiro (neste caso, o da Abissínia, tristemente célebre, bem mais tarde do que o século XVII, pela derrota imposta em Sadowa, em 1895, aos invasores italianos, e depois ao massacre brutal imposto por Mussolini ao único país africano independente e membro da Liga das Nações, que não fez nada, como de hábito). Bem, chega de conversa, vamos à primeira citação:


La diplomatie est un art qui requiert une si constante dignité, tant de majesté dans le maintien, tant de calme, qu’elle est fort peu compatible avec la précipitation, l’effort, bref, avec le travail. M. de Maillet [o personagem principal deste romance, com o já referido Poncet, cônsul francês muito maltratado pelo bey do Cairo, sob dominação otomana], en diplomate avisé, ne remplissait jamais sib bien son rôle que dans ces moments où, n’ayant positivement rien à faire, il pouvait s’y consacrer tout entier. Ce rien, il parvenait alors à l’élever à la dignité d’une grâce d’État, nimbée comme il se doit de secret et parfumée de mépris à l’endroit de tous ceux qui auraient eu l’audace de lui demander des comptes sur l’emploi de son temps. Depuis le départ de la mission en Abyssine et après les fâcheux désagréments que lui avaient causé les intrigues ecclésiastiques, le consul avait enfin repris le cours ordinaire du service de l’État : il lisait les gazettes, qui lui parvenaient avec du retard, tenait un compte précis des avancements et mutations dans la carrière et cherchait à définir la direction dans laquelle il pourrait orienter sa légitime ambition. Enfin, il rendait, selon un ordre prévu de longue date, des visites à un nombre considérable de personnages turcs et arabes à qui il n’avait rien à dire, dont il ne consentait à rien entendre et auprès desquels la conversation atteignait souvent la finesse, le ciselé des bas-reliefs orientaux chargés de mille chantournements, qui attirent l’œil et le charment sans lui laisser cependant distinguer aucune forme particulière, aucun signe, rien. (p. 317-18)

É evidente que Jean-Christophe Rufin, que conviveu bastante com diplomatas franceses, e estrangeiros, modernos, contemporâneos, usa aqui de un recurso literário, as aventuras de um diplomata do Ancien Régime, para dizer que, em todos os tempos, os diplomatas não servem para grandes coisas, que tudo o que lhes ocupa é remoção, promoção, postos agradáveis, se possível sem nada para fazer, e pedindo que, sobretudo, não lhe cheguem instruções para nada, qualquer coisa que lhes perturbe a calma, o savoir-vivre, a non-chalance, a imperturbável placidez dos postos sem problemas, onde se pode ler os jornais tranquilamente, jogar bridge, tomar um cognaccom os amigos, fumar um havana, e fazer plaisanteriessem consequências. Esse Rufin é, decididamente um gozador, e merece os seus Goncourt, porque ele sabe fazer com toda a graça de um espírito cultivé,un homme d’expérience, un grand voyageur.
Enfim, passemos ao segundo livro.

Quando eu morei sete anos na Europa, num autoexílio forçado pelos anos de chumbo em nosso querido país, eu costumava ler o Le Monde todos os dias, senão os que eu comprava, pelo menos os que eu encontrava na biblioteca, ou lia furtivamente no quiosque da universidade de Bruxelas. Pois bem, antes de ler qualquer artigo sério de política internacional – André Fontaine, por exemplo –, eu primeiro dava uma olhada no cartoon do Plantu e depois no box com as pequenas frases de Robert Escarpit, o homem da palavra, o espírito galhofeiro do dia, o gozador impecável, num Francês elegante, algumas vezes erudito, mas sempre com aquela tournure d’espritque me deixava pasmo de admiração. Pois bem, caiu-me também nas mãos, neste domingo dominical, um Livre de Poche de 1973, chamado Les contes de la saint-glinglin(Paris: Magnard).

Hilariante, a maior parte dos contos, inclusive porque ele explica (ou inventa) a origem de famosas frases em Francês – la belle Lurette, la poudre d’Escampette–, algumas até passadas para o Português, e aproveitadas por Monteiro Lobato, por exemplo. Vocês sabiam que o famoso “pó de Pirlimpimpim”, usado para viagens no tempo e no espaço pela Emília e seus colegas do sítio do Pica-pau amarelo, é na verdade, uma artimanha do Père Limpinpin? Pois é! Mas não é disso que eu quero falar. É justamente no conto 8 desse livro, chamado “La poudre du Père Limpinpin”, que eu encontro uma frases memoráveis, não mais contra os diplomatas, mas contra os militares, nossos irmãos de paz e de guerra, nossa corporação-espelho, feita do mesmo patriotismo entranhado, dos mesmos valores e princípios – a ordem, a disciplina, a hierarquia, a marcha unida, a obediência cega, o respeito aos superiores –, enfim, essas coisas que só os servidores do Estado podem exibir orgulhosamente. E o que diz Robert Escarpit desses militares sempre tão rigorosos? Isto (é também uma história do século XVII): 

À cette époque, les Suisses avaient pour coutume de gagner leur vie, et souvent de la perdre, en s’engageant comme mercenaires au service de princes étrangers. L’usage a presque disparu maintenant, et c’est dommage, car les Suisses étaient des beaux soldats qui portaient joliment leur uniforme. Le pape est le dernier client qui leur reste, mais il a rarement l’occasion de faire la guerre. (…)
La vie militaire en temps de paix, cela peut être agréable quand on sait s’y prendre. Mais vienne la guerre, cela peut devenir très dangereux surtout quand elle est longue. (…) Autrefois, on savait faire durer les guerres. On économisait les soldats pour en avoir jusqu’au bout. On faisait des guerres de sept, de trente ou de cent ans, selon les cas. (…)
Or, un beau jour, la guerre était presque terminée et les généraux auraient même immédiatement arrêté le combat s’ils avaient pu se mettre d’accord sur le gagnant. (pp. 104-5, 106-8, 109)



Bem, chega de guerras e de diplomatas, ou pas tout à fait. O terceiro livro que me caiu nas mãos, também em Francês, foi Montaigne: Que Sais-Je?, de Jean-Yves Pouilloux, para a coleção Découvertes Gallimard, pequenos-grandes livros de bolso, mas ricamente ilustrados, da qual temos vários, Carmen Lícia mais do que eu. 
O Montaigne que eu conheço é obviamente o dos Essais, dos quais eu tenho os três livros, de bolso (o primeiro da Gallimard-Folio, com prefácio de André Gide; o terceiro da Gallimard-Classique, com prefácio de Maurice Merleau-Ponty, ambos com edição anotada por Pierre Michel; e o segundo livro que me desapareceu na minha biblioteca escandalosamente desarrumada), e uma seleção anotada dos três livros, que eu vi há poucos dias no emaranhado de outros livros, em cujas estantes eu me perdi, não achando nem um, nem outro, como tampouco agora. O outro Montaigne que eu li, pouco tempo atrás, foi o de Stefan Zweig, terminado em Petrópolis pouco tempo antes de seu suicidar, já na angustia que ele também sentiu – como Montaigne durante as guerras de religião na França – ao contemplar o seu mundo europeu completamente destruído pela loucura genocida daquele austríaco psicopata que se julgava alemão. 

Tive o prazer, há poucos meses de assumir a direção do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI), do Itamaraty, de promover um evento, a propósito do 75o. aniversário da morte de Stefan Zweig, com a participação do ex-chanceler Celso Lafer, como introdutor de uma edição multilínguas – feita pela Casa Stefan Zweig de Petrópolis, dirigida por Kristina Michahelles, e pela Memória Brasil, de Israel Beloch, o tradutor – da conferência feita por Stefan Zweig no Rio de Janeiro, em 1936, na primeira vez em que ele esteve em nosso país, chamada “A Unidade Espiritual do Mundo”, um tema que lhe era muito caro, para quem já tinha feito biografias de Erasmo – lutando contra Lutero – e de Castelio – lutando contra Calvino – e que se angustiava com a dominação da Europa pelos novos bárbaros do totalitarismo. O anúncio desse evento foi feito antecipadamente por mim numa postagem do blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2017/02/stefan-zweig-o-escritor-que-sonhava-de.html), sendo que dois anos antes eu já transcrevia uma matéria do ex-repórter do New York Times no Rio de Janeiro, Larry Rohter (famoso pela sua matéria anterior sobre as bebedeiras de certo presidente brasileiro), sobre a nova mania em torno de Stefan Zweig (vejam aqui: http://www.nytimes.com/2014/05/29/books/stefan-zweig-austrian-novelist-rises-again.html), e também uma outra matéria sobre uma nova biografia do escritor austríaco por Benjamin Moser, antes do filme Adeus Europa(aqui: https://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/stefan-zweig-por-benjamin-moser.html). O relato sobre o evento Stefan Zweig, com a presença de Celso Lafer, e reproduzindo algumas ilustrações, eu coloquei na plataforma Academia.edu em 12/03/2017 (link: http://www.academia.edu/31826161/Stefan_Zweig_e_o_Brasil).
Pois bem, o Montaignede Jean-Yves Pouilloux é primoroso, pelo recorte magnífico que ele faz dos Essais, com trechos destacados e entremeados de ilustrações as mais significativas, mas também pela seleção final de “témoignages et documents” (pp. 129-169), sendo que a última homenagem é justamente retirada do livro de Stefan Zweig sobre Montaigne, em palavras que poderiam ser aplicadas ao próprio escritor austríaco, ou a qualquer homem de consciência, lutando contra os demônios do fanatismo, da intolerância, da prepotência, do furor destruidor, o que ainda encontramos em nossos tempos, infelizmente, mesmo se sob formas mais amenas. Certas formas de fundamentalismo, religioso ou político, pertencem à mesma família dos dogmas, dos verdadeiros crentes, dos ideólogos animados pelas suas verdades exclusivas (e muitas vezes excludentes), que ainda podem ser encontradas por aí, vagando ao sabor das mudanças políticas e dos fervores transformistas. 
Os trechos que Pouilloux selecionou de Zweig sobre Montaigne merecem que os transcrevemos, inclusive porque eu não fiz notas dessa leitura de um livro derradeiro do grande Stefan Zweig, como tampouco fiz do Erasmo, de Castelio, ou do Fernão de Magalhães, essas figuras trágicas das quais Zweig amava retraçar a vida e os pensamentos. Mas fiz, por exemplo, do execrável Fouché, cujas notas eu transcrevi em meu blog: “Zweig sobre Fouché: biografia primorosa de uma figura execrável”, Brasília, 4 junho 2018, 11 p. Leitura e notas do livro de Zweig, Stefan (1881-1942): Joseph Fouché: retrato de um homem político; tradução de Kristina Michahelles; Rio de Janeiro: Record, 1999, 304 p; título original: Joseph Fouché: Bildnis eines politischen Menschen (1929). 

Divulgado no blog Diplomatizzando (5/06/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/fouche-por-stefan-zweig-resenha-artigo.html). 

Vamos, finalmente, ao Montaigne, de Stefan Zweig: 
Seul celui qui, dans le bouleversement de son âme, est contraint de vivre un époque où la guerre, la violence, la tyrannie des idéologies menacent la vie même de chacun et, dans cette vie, sa substance la plus précieuse, la liberté de l’âme, put savoir combien il faut de courage, de droiture, d’énergie, pour rester fidèle à son moi le plus profond, en ce temps où la folie s’empare des masses. Il faut d’abord avoir soi-même douté et désespéré de la raison, de la dignité de l’homme, pour pouvoir louer l’acte exemplaire de celui qui reste debout dans le chaos du monde. (…) On a voulu voir en lui un homme qui se détache de tout, qui n’est lié à rien, qui doute de tout, e vit dans le vide – c’est ainsi que l’a décrit Pascal. Rien n’est plus faux : Montaigne aime démesurément la vie. (…)
Il n’est qu’une erreur et qu’un crime : vouloir enfermer la diversité du monde dans des doctrines et des systèmes. C’est erreur que de détourner d’autres hommes de leur libre jugement, de leur volonté propre, et de leur imposer quelque chose qui n’est pas en eux. Seuls agissent ainsi ceux qui ne respectent pas la liberté, et Montaigne n’a rien haï tant que la « frénesie », le délire furieux des dictateurs de l’esprit qui veulent avec arrogance et vanité imposer au monde leurs « nouveautés » comme la seule et indiscutable vérité, et pour qui le sang de centaines de milliers d’hommes n’est rien, pourvue que leur cause triomphe. 
Ainsi l’attitude de Montaigne face à la vie comme celle de tous les libres penseurs, aboutit à la tolérance. (…)
Il est important de voir cela, parce que c’est une preuve que l’homme peut toujours être libre, à n’importe quelle époque. (…) Même aux temps fanatiques, à l’époque de la chasse aux sorcières, de la « Chambre Ardente » et de l’Inquisition, les hommes humains [sic] ont toujours pu vivre ; pas un seul instant cela n’a pu troubler la clarté d’esprit et l’humanité d’un Erasme, d’un Montaigne, d’un Castellion. (…)
Celui qui pense librement pour lui-même honore toute liberté sur terre. 
(Montaigne : que Sais-Je ?,Gallimard, 1987, pp. 167-169).


Alguns desses pensamentos, curiosamente similares, me vieram outra noite à mente, a partir da leitura (no Kindle), de um livro de Eric Hoffe: True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements,uma obra publicada pela primeira vez em 1951, que tem a ver justamente com esses fanáticos que infernizaram a vida de Erasmo, de Castélio, de Montaigne, de Stefan Zweig, e que continuam a infernizar as nossas vidas, com esses chamamentos ao “pensamento correto”, à punição dos desviantes, à condenação dos dissidentes, à perseguição dos livre pensadores. 
O livro de Hoffe me remeteu à leitura de um outro livro, de 1941, de um jovem americano graduando em história, que fez sua tese de doutorado sobre os românticos alemães, mas que terminou com sua culminação em Hitler, num momento em que ele se encontrava no ápice do seu poder, já tendo conquistado a França, e se lançado à conquista da União Soviética (mas antes de Pearl Harbor, quando Hitler também declara guerra aos Estados Unidos, três dias depois, num dos maiores erros estratégicos de toda a sua patética, e destrutiva, carreira de genocida psicopata). O livro, de Peter Viereck,se chama, prestem atenção: Metapolitics: From Wagner and German Romantics to Hitler(edição original: New York: Alfred A. Knopf, 1941; edição aumentada: New Brunswick: Transaction Books, 2003; disponível na Amazon). 
O termo metapolítica foi cunhado pelos seguidores de Richard Wagner, um antissemita admirado por Hitler – tanto que suas músicas foram tocadas até depois de seu suicídio, em sua homenagem – e vem associado a uma ideologia da qual Peter Viereck identifica os elementos mais distintivos: romantismo (incorporado sobretudo no ethosWagneriano), a pseudociência racial, o endeusamento de um Fuehrer, um vago socialismo econômico, e a força alegadamente supernatural e inconsciente dessa coletividade chamada de Volk. Juntos, esses elementos engendraram uma ênfase na irracionalidade e na histeria, e a crença de uma missão especial da Alemanha para dirigir a trajetória da história mundial. Digamos que, com exceção da ideologia racial, os demais elementos podem ser sempre encontrados nas mensagens de certos fanáticos religiosos ou políticos. O que é extremamente preocupante.

Prefiro ficar com Montaigne, com Erasmo, com Zweig, com minhas leituras.
Bom domingo a todos...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de dezembro de 2018