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sábado, 28 de maio de 2022

Resenhas de livros de José Augusto Lindgren Alves - Paulo Roberto de Almeida



 Abaixo, algumas das mini-resenhas dos livros de José Augusto Lindgren Alves, que preparei para o Boletim da ADB.


Tive a honra de recebê-lo em 2018 no IPRI, para uma palestra por ocasião do lançamento da segunda edição de seu grande livro sobre a Década das Conferências: 

 José Augusto Lindgren Alves: 

Os direitos humanos na pós-modernidade 

(São Paulo: Perspectiva, 2005, 254 p.).


 Depois de Os Direitos Humanos como Tema Global, publicado em 1994 e reeditado em 2003, Lindgren Alves comparece com sua continuidade natural, neste livro que resgata dezenas de ensaios escritos e publicados ao longo de sete anos. Trata-se, não apenas de direitos humanos, estrito senso, mas também de problemas como o da discriminação racial e o do “multiculturalismo”, no qual são evidenciadas as diferenças entre as situações nos EUA e no Brasil. O capítulo conclusivo, razoavelmente pessimista, indica que os valores universais associados aos direitos humanos vêm sendo atacados disfarçadamente por vários tipos de violadores de diversas tradições, sob argumentos de tipo “culturalista” ou supostamente para evitar sua “politização” nos órgãos da ONU. Mais patética é a recusa pelos EUA do Tribunal Penal Internacional, o que pode comprometer gravemente o seu funcionamento. Será que a história está andando para trás?

 


José Augusto Lindgren Alves: 

Viagens no Multiculturalismo – O comitê para a eliminação da discriminação racial, das Nações Unidas, e seu funcionamento 

(Brasília: Funag, 2010, 256 p.) 


Uma larga experiência com o tratamento multilateral dos direitos humanos autoriza o autor a tratar com notável maestria do CERD. O discurso multiculturalista é uma criação do Ocidente, pelo menos enquanto ideologia, diz Lindgren, que não deixa de refletir sobre os problemas suscitados pela passagem dos direitos humanos tradicionais, isto é, individuais, aos direitos coletivos, de minorias. O exagero das propostas pode levar a novas formas de segregacionismo e de etnocentrismo, ou seja, ao “racismo” de todos. Uma boa visão histórica e argumentos de bom-senso podem revelar como organismos bem-intencionados, como o CERD, podem resvalar para situações absurdas. O autor admite a validade de ações afirmativas, sem um viés racial mais explícito, o que o coloca do lado dos multiculturalistas moderados.

 


José A. Lindgren Alves

Os novos Bálcãs

(Brasília: Funag, 2013, 161 p.; ISBN 978-85-7631-478-3; Coleção Em Poucas Palavras)

 

         


   Os “novos Bálcãs” talvez se pareçam um pouco com os “velhos”, no sentido em que os muitos povos eslavos – católicos, ortodoxos, ou islamizados – voltaram a se dividir em meio a conflitos por vezes sanguinários. Depois de algumas décadas de socialismo, quando eles estavam “unidos” pela razão ou pela força, eles estão prontos para receber novamente o Orient Express, que ia das terras cristãs ao império dos otomanos justamente atravessando essas terras complicadas. Lindgren Alves esclarece como a fragmentação étnica reconstruiu a balcanização, com alguns massacres no caminho. Um alerta de como a Europa também pode recriar os velhos demônios da guerra e da violência étnica. O chauvinismo está na origem dessa utopia estilhaçada. Uma síntese que se apoia na melhor bibliografia e num conhecimento direto da região.

 

Lindgren Alves também possui estes livros, publicados pelo IPRI, pela Funag, ou por editoras comerciais: 


Cadernos do IPRI - Número 10 . 1994 . O sistema internacional de proteção dos direitos humanos e o Brasil (memória da Conferência Mundial de Direitos Humanos)

Descrição: A realização da Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, o papel proeminente do Brasil naquele evento e a persistência de graves e frequentes violações desses direitos em nossa sociedade exigem uma reflexão aprofundada sobre o tema, que leve à adoção de medidas adequadas pelas autoridades competentes. Tais medidas, imprescindíveis ante os anseios do próprio povo brasileiro, são hoje um imperativo também pela ótica internacional. 


Detalhes: 
Autor(a)Antônio Augusto Cançado Trindade | José Augusto Lindgren Alves
EditoraFUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão
AssuntoDireitos Humanos
Ano1994

Disponível neste link: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1037-cadernos_do_ipri_numero_10_1994_o_sistema_internacional_de_protecao_dos_direitos_humanos_e_o_brasil_memoria_da_conferencia_mundial_de_direitos_humanos_








sábado, 12 de março de 2022

A economia mundial em perspectiva histórica, artigo resenha (1996) - Paulo Roberto de Almeida

A ECONOMIA MUNDIAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

Artigo-resenha

 

Paulo Roberto de Almeida

Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional

(vol. 39, n. 2, julho-dezembro 1996, p. 136-151). Relação de Publicados n. 199.

 

David Hackett Fischer:

The Great Wave: price revolutions and the rhythm of History (New York: Oxford University Press, 1996, 536 p.)

Charles P. Kindleberger:

World Economic Primacy: 1500 to 1990 (New York: Oxford University Press, 1996, 270 p.)

Harold James: 

International Monetary Cooperation since Bretton Woods (Washington: International Monetary Fund/New York: Oxford University Press, 1996, 742 p.)

Jacob A. Frenkel e Morris Goldstein (eds):

International Financial Policy: essays in honor of Jacques J. Polak (Washington: International Monetary Fund/Nederlandsche Bank, 1991, 508 p.)

Brad Roberts (ed):

New Forces in the World Economy (Cambridge: Massachusetts: The MIT Press, 1996, 438 p.)

Craig N. Murphy:

International Organization and Industrial Change: global governance since 1850 (New York: Oxford University Press, 1994, 338 p.)

Daniel Verdier:

Democracy and International Trade: Britain, France and the United States, 1860-1990 (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1994, 388 p.)

 

Todos os livros aqui resenhados tratam, em função de prazos mais ou menos longos, da história do desenvolvimento econômico capitalista visto na perspectiva da longue durée. As exceções parciais são o trabalho de James e os  ensaios coletados em Frenkel-Goldstein sobre o primeiro meio século de vida do FMI e do sistema financeiro internacional e, de modo mais afirmado, a obra coletiva editada por Roberts que, constituindo uma coletânea de artigos contemporâneos, previamente publicados na revista de relações internacionais da Universidade de Washington, The Washington Quarterly, refere-se mais bem à “economia política internacional atual”, discutindo assim questões diversas do novo ordenamento econômico mundial no contexto dos anos 90. 

Os demais trabalhos, contudo, abordam, segundo ênfases temáticas, cortes geográficos e contextos diacrônicos que lhes são próprios, a emergência original, a afirmação progressiva, o desenvolvimento e a própria restruturação atual das grandes forças econômicas, políticas, monetárias e sociais que, atuando conjuntamente (ainda que não de forma coordenada), moldaram esse mesmo ordenamento mundial, a partir da época das grandes descobertas dos séculos XV-XVI — ou mesmo antes, no caso do livro de Fischer — até a crise e esgotamento do mundo de Bretton Woods, que epitomiza a própria essência do sistema liberal-capitalista no último meio século. Esses livros condensam o que de melhor o pensamento acadêmico anglo-saxão produziu recentemente em termos de pesquisa comparada e de síntese de boa qualidade de história econômica, suscetível de acolher diferentes abordagens metodológicas na iluminação do itinerário econômico da sociedade capitalista através de vastos períodos de tempo. Em espírito e motivação, eles também inovam substancialmente em relação àquela “velha” vertente eclética da história econômica universitária, de inspiração sobretudo britânica, ao estilo de um Eli Heckscher, de um Robert Tawney, ou da Economic History Review, na qual um “liberal” como Charles Wilson, de Anglo-Dutch Commerce and Finance e de Economic History and the Historian, digladiava intelectualmente com os “marxistas” Maurice Dobb, de Studies in the Development of Capitalism, Edward Thompson, de The Formation the English Working Class, Christopher Hill de The Century of Revolution e Reformation to Industrial Revolution ou, ainda, Eric Hobsbawm de Industry and Empire

Não se trata tanto, nestes livros, de história das “ideias” econômicas — à la Hobson, Sombart ou Schumpeter —, de análise de processos e tendências “fundacionais” — do tipo Capitalism and the Decline of Religion de Tawney, ou o seu contrário, Religion and the Decline of Capitalism de Canon Demant —, menos ainda de grandes “sínteses” de história econômica mundial — tais como as produzidas por Rostow, Rondo Cameron ou Herman van der Wee —, ou de ensaios de tipo “estrutural” — a exemplo de Simon Kuznets e Alexander Gerschenkron — ou, ainda, de “new economic history” — tal como produzida por cliometristas como Robert Fogel ou institucionalistas como Douglass North — mas, mais propriamente, de estudos comparados ou singulares sobre desenvolvimentos econômicos globais — os ensaios de amplo escopo histórico de Fischer e de Kindleberger —, de interpretações inovadoras sobre a emergência e evolução de organizações internacionais e de políticas nacionais — os livros de James, de Murphy e de Verdier — e de artigos de acadêmicos e de “policy-makers” sobre os elementos dinâmicos da economia mundial em transformação — as compilações de Roberts e de Frenkel-Goldstein. Vejamos cada um deles em particular.

(...)


Ler a íntegra em

Academia.edu (link: https://www.academia.edu/73613258/A_economia_mundial_em_perspectiva_histórica_artigo_resenha_1996_

ou em

Research Gate (link:

https://www.researchgate.net/publication/359195582_A_ECONOMIA_MUNDIAL_EM_PERSPECTIVA_HISTORICA_Artigo-resenha)


domingo, 4 de julho de 2021

Euclides da Cunha: uma nova biografia por Luis Claudio Villafañe: entrevista (Estadão), resenhas

Livro detalha o trabalho de Euclides da Cunha em expedição na Amazônia


 Biógrafo mostra que jornalista e escritor tinha saber enciclopédico, mas sua obra apresentava problemas científicos graves

Ubiratan Brasil, O Estado de S.Paulo 

03 de julho de 2021 | 05h00 

Consagrado pela publicação de Os Sertões (1902), o escritor e jornalista Euclides da Cunha (1866-1909) acreditava que alcançaria voos mais altos com À Margem da História, trabalho sobre sua viagem à Amazônia que seria mais inovador que o texto sobre a ação militar em Canudos. “Ainda que de forma embrionária, o livro traz uma denúncia forte e consistente sobre as péssimas condições de vida dos seringueiros”, observa o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, autor de Euclides da Cunha: Uma Biografia (Todavia), alentada pesquisa que revela passagens pouco conhecidas sobre o escritor. 

Como ser enviado, em 1904, na expedição fluvial amazônica como primeiro comissário, a fim de trabalhar na demarcação do território brasileiro do atual Estado do Acre, que estava em disputa com o Peru. Publicado postumamente em 1909, À Margem da História esboça, segundo Villafañe, o desenvolvimento intelectual de Euclides – ali, ele trata da escravização e matança de indígenas promovidas pelos portugueses, além de denunciar o esquema em que a escravidão por dívida adotado pelos senhores da borracha.

A viagem, autorizada pelo Barão do Rio Branco, teve grande importância na resolução da questão fronteiriça, fato pouco informado entre os historiadores. Villafañe, atual embaixador brasileiro na Nicarágua, detalha ainda a mudança de pensamento de Euclides durante a cobertura da batalha de Canudos (que o autor trata por Belo Monte, nome do arraial), quando foi o jornalista enviado pelo Estadão: de sertanejos empenhados na restauração da monarquia (como pregava o governo federal), os jagunços foram, na verdade, vítimas. Sobre o livro, Villafañe respondeu, por e-mail, as seguintes questões. 

Escritores de respeito reconheciam os problemas de Os Sertões, especialmente a influência do positivismo de Auguste Comte e do evolucionismo de Herbert Spencer, algo realmente racista. Mas apesar disso, a força da linguagem e da própria história que ele conta ainda está muito viva. 

Uma das chaves para a boa recepção de Os Sertões foi, como o próprio Euclides disse, que o livro representaria “o consórcio da ciência e da arte”. O Brasil tornara a escravidão ilegal havia pouco mais do que uma década, a República buscava se afirmar como a superação do passado. Havia, enfim, uma grande ânsia de modernização e a ideia de apoiar a literatura na ciência estava na ordem do dia. Euclides mostrou no livro, e na atividade jornalística, um saber enciclopédico. Discorria com grande desassombro desde a geografia do interior da Bahia ao imperialismo britânico no Tibete. O preço da vastidão desse saber era pago em lacunas assombrosas, graves erros científicos e uma tremenda superficialidade em vários temas. A ciência de Os Sertões foi sendo progressivamente desmentida desde o início, ainda que em alguns campos – como na descrição histórica de Belo Monte (Canudos) e da gente de Antônio Conselheiro – tenha seguido influente por muitas décadas. A força literária e as qualidades estéticas do texto, contudo, seguem vigentes. Como todo clássico, a cada geração, Os Sertões é relido de forma diferente, mas se tornou uma narrativa já atemporal, cuja beleza segue inalterada e que continua a emocionar e trazer lições a seus leitores. 

O conhecimento científico de Euclides é muito contestado. Ele era realmente habilitado para emitir tais conceitos?

Euclides era engenheiro e, naturalmente, possuía uma cultura científica bastante boa para a época. Em todo caso, às vezes, exibiu uma assombrosa falta de modéstia sobre seu verdadeiro domínio da ciência de seu tempo, mesmo daquela que chegava ao Brasil. A pretensão de dominar campos tão diversos como geologia, geografia, botânica, climatologia, antropologia, sociologia e história, para começar, era desde logo muito pouco factível. Já em 1903, ele foi acusado de nefelibatismo científico e Os Sertões apresentado como um “modelo de ciência popular”. De lá para cá, esse diagnóstico tem sido recorrentemente confirmado e hoje admite-se que as bases científicas do livro estão totalmente defasadas. 

Euclides desenvolve diferentes aspectos de Antônio Conselheiro – o que provocou essa multiplicidade de visão?

A ideia de que a visão inicial de Euclides – de que o movimento de Antônio Conselheiro era uma revolta antirrepublicana e que deveria ser esmagada – mudou quando ele chegou a Belo Monte e se defrontou com os horrores da frente de batalha é uma mistificação. O jornalista apoiou a ação do Exército até o fim. Entre o fim da guerra, em 1897, e em 1902, quando publicou Os Sertões, a ideia de que Belo Monte pudesse ter sido uma ameaça já estava descartada e a campanha militar já fora denunciada como um crime por muitos autores. Euclides como escritor, na verdade, apenas se conformou com uma visão que já estava bem consolidada em 1902. 

Se o material acumulado sobre a Amazônia foi mais consistente que o de 'Os Sertões', por que 'À Margem da História' não repercutiu como se esperava?

É uma pergunta muito interessante. Na verdade, À Margem da História já trazia, ainda que de forma embrionária, uma denúncia forte e consistente sobre as péssimas condições de vida dos seringueiros. E, quando o livro saiu, em 1909, Euclides já era um escritor consagrado cujo nome então repercutia ainda mais com todo o escândalo que se armou pelas circunstâncias de sua morte. A grande diferença, me parece, é que – ao contrário dos sertanejos de Antônio Conselheiro, já falecidos quando se publicou Os Sertões – era claramente possível fazer algo, ou muito, para melhorar a vida dos seringueiros. A borracha era então o segundo produto mais importante da pauta de exportações brasileiras e gerava uma riqueza considerável. Objetivamente, contudo, não interessava aos donos das plantações, aos comerciantes, aos exportadores e às elites da Amazônia e do Rio de Janeiro mudar o assombroso esquema de exploração dos trabalhadores nos seringais, submetidos a uma virtual escravidão. 

Euclides foi realmente um importante assessor do Barão do Rio Branco?

Este é um lado bastante desconhecido de Euclides. Além da missão ao Rio Purus, que durou de fins de 1904 aos últimos dias de 1905, o escritor trabalhou no Itamaraty de 1906 até sua morte, em 1909. Ou seja, há um longo período pouco estudado, uma lacuna que a biografia que escrevi procura preencher, ainda que parcialmente. Conto boas histórias sobre a relação entre Euclides e Rio Branco e sua atuação no Itamaraty. Além do levantamento do Purus e de preparar os mapas que orientaram as negociações diplomáticas com o Peru e com o Uruguai, Euclides serviu de assessor e algumas vezes de porta-voz das ideias e interesses do Barão junto à imprensa e ao público. 

Seu trabalho na comissão Brasil-Peru terá sido o mais importante na carreira de Euclides?

Não apenas com o trabalho na Comissão Brasileira-Peruana de Reconhecimento do Rio Purus, mas pelos diversos serviços prestados, Euclides foi uma peça importante na negociação de limites entre o Brasil e o Peru, que resultou na incorporação de mais de 400 mil quilômetros quadrados ao território brasileiro, incluídos aí dois terços da superfície do Acre – que, ao contrário do que geralmente se acredita, não passou definitivamente ao controle brasileiro com o Tratado de Petrópolis, assinado em 1903 com a Bolívia. Ainda que a ponte sobre o Rio Pardo que Euclides reergueu siga de pé e continue a servir, já há mais de um século, aos habitantes e visitantes de São José do Rio Pardo, se pode arguir que a pouco conhecida atuação de Euclides no Itamaraty e, em especial, na questão de limites com o Peru, seja seu maior legado fora da esfera literária.

Euclides assumiu os filhos que a esposa Ana teve com Dilermando de Assis, mas tentou matá-lo para manter sua reputação e acabou morto: como foi isso?

A relação conjugal de Euclides e Ana foi marcada desde o início por um grande distanciamento emocional e físico e fortes diferenças de temperamento. Depois do início do relacionamento de Ana com Dilermando, em fins de 1905, o casamento entrou em crise quase permanente até o trágico desenlace, em agosto de 1909. Já em meados de 1906, Euclides soube que era traído, quando do nascimento de Mauro. No ano seguinte, nasceu o segundo filho de Ana e Dilermando, cuja paternidade Euclides também assumiu mesmo sabendo que não era o pai. A separação traria danos de reputação para Euclides, mas muito maiores para Ana, que ainda assim buscou que Euclides aceitasse essa via. Ele resistiu para preservar sua reputação e prolongou a farsa que se tornara aquele casamento falido. O ponto de ruptura se deu no momento em que Ana decidiu abandonar o lar. Assim, as aparências de um casamento funcional seriam inevitavelmente desmascaradas e sua complacência com a já longa relação de Ana com um jovem quase da idade dos filhos revelada. Como em muitas outras pendências da vida pessoal, Euclides não teve determinação para buscar uma solução sensata para a situação conjugal, que foi se arrastando e se agravando ao longo dos anos. Afinal, o escritor acabou optando por se tornar um assassino e um feminicida – de forma absurda – como solução para minorar o dano à sua reputação. Acabou morrendo na tentativa.


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Tudo o que sabemos sobre:

Euclides da Cunha [escritor]literatura

 

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Valor Econômico, 3-4/07/2021, Caderno de Fim de Semana



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Revista Plural





domingo, 29 de dezembro de 2019

Vivendo com Livros: uma loucura gentil: Kindle Book - Paulo Roberto de Almeida

Vivendo com Livros: uma loucura gentil 

eBook Kindle

Coletânea das principais resenhas elaboradas entre 1976 e 1994, de livros em diferentes categorias. 


Índice



À guisa de prefácio

HISTÓRIA

1. Pierre Renouvin: Histoire des relations internationales
2. Pandiá Calógeras: A Política Exterior do Império
3. Hélio Vianna: História Diplomática do Brasil
4. Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil
5. Amado L. Cervo/C. Bueno: História da Política Exterior do Brasil
6. Carlos M. Pelaez/Wilson Suzigan: História Monetária do Brasil
7. John W. F. Dulles: Mr Dulles e o Brazil

ECONOMIA

8. Paul Krugman: Rethinking International Trade
9. Santiago Fernandes: A Ilegitimidade da Dívida Externa
10. Pedro da Motta Veiga: A Evolução do Mercosul: cenários
11. José Maria Aragão: Harmonização de Políticas no Mercosul

POLÍTICA

12. Alexandre Soljénitsyne: Lénine à Zurich
13. Movement for Socialist Renewal: Manifesto for a new USSR
14. Lodgaard/Birnbaum (eds): Overcoming Threats to Europe
15. José Carlos Mariategui: Política Exterior y Diplomacia
16. Daniel Yergin: The Prize: The Quest for Oil, Money and Power
17. Jean-Christophe Rufin: L’Empire et les Nouveaux Barbares
18. Maria Helena Tacchinardi: A Guerra das Patentes
19. Moniz Bandeira: Estado e Política Internacional na América Latina

SOCIOLOGIA

20. Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil
21. Helder Gordim da Silveira: Integração latino-americana
22. Rubens Antonio Barbosa: América Latina em Perspectiva
23. Pedro Scuro Neto: Pactos e Estabilização Econômica
24. Hélio Jaguaribe: Brasil 2000

DIREITO

25. A. A. C. Trindade: Repertório Brasileiro de Direito Internacional
26. José A. E. Faria: Princípios, Finalidade do Tratado de Assunção

FILOSOFIA

27. Sérgio Paulo Rouanet: Édipo e o Anjo: Freud e Walter Benjamin
28. Sérgio Paulo Rouanet: Teoria Crítica e Psicanálise
29. João Almino: O Segredo e a Informação: ética e política
30. Sérgio Bath: Maquiavelismo: a prática política segundo Maquiavel
31. Francis Fukuyama: The End of History?

CIÊNCIA

32. Stephen Jay Gould: Ever Since Darwin/Mismeasure of Man
33. Martinière-Cardoso (eds): Coopération Scientifique France-Brésil

34. Livros de Paulo Roberto de Almeida
35. Nota sobre o autor

Detalhes do produto


  • Formato: eBook Kindle
  • Tamanho do arquivo: 555 KB
  • Número de páginas: 344 páginas
  • Quantidade de dispositivos em que é possível ler este eBook ao mesmo tempo: Ilimitado
  • Vendido por: Amazon Servicos de Varejo do Brasil Ltda
  • Idioma: Português
  • ASIN: B0838DLFL2


À guisa de prefácio


Es, pues, de saber, que este sobredicho hidalgo, los ratos que estaba ocioso... se daba a ler...; y llegó a tanto su curiosidad y desatino en esto, que vendió muchas hanegas de tierra... para comprar libros... y así llevó a su casa cuantos pudo haver dellos. (...) En resolución, él se enfrascó tanto en su lectura, que se le pasaban las noches leyendo de claro en claro, y los dias de turbio en turbio; y así, del poco dormir y del mucho leer se le secó el celebro, de manera que vino a perder el juicio.
Miguel de Cervantes Saavedra

Ainda não me ocorreu, apesar do excesso de leituras, a fatalidade que se abateu sobre o cavaleiro da Mancha. Em todo caso, meu cérebro não parece ter secado pelo fato de também passar muitas noites na companhia dos livros ou escrevendo sobre eles. Este livro, que fala exclusivamente de outros livros, pode ser considerado como o resultado de algumas dessas noites de leitura.
As resenhas de livros, como se sabe, têm geralmente o estranho hábito de revelar não exatamente o conteúdo do livro examinado ou o que diz o autor em causa, mas mais frequentemente o que pensa deles o próprio resenhista. Este volume não pretende ser uma exceção a essa regra não-escrita da prática do book-review, mesmo se ele a implementa de uma maneira particular.
Com efeito, os resenhistas profissionais costumam ostentar um certo air blasé ou de détachement vis-à-vis da obra resenhada, típicos de quem se julga no direito de falar bem (ou mal) do autor, sem outros objetivos que os de parecer erudito ou de impressionar o leitor. A grande vantagem desta coletânea em relação às antologias de resenhistas é talvez o fato de que ela não foi feita por um resenhista profissional, mas sim por um simples amante dos livros.
Os trabalhos aqui coletados foram escritos não por encomenda de algum editor ou diretor de folha literária, mas como resultado de minha livre escolha, motivado única e exclusivamente pelo desejo de realizar eu mesmo uma espécie de “homenagem voluntária” aos livros ou aos autores selecionados. Essa postura é tanto mais defensável e legítima que muitas das resenhas aqui incluídas não foram escritas para serem publicadas e nem mesmo se referiam a obras do momento ou a autores vivos. Motivou-me o simples gosto da palavra escrita, que responde, neste caso, a meu incontrolável, constante e não tão secreto vício da leitura.
Efetivamente, tenho vivido com livros, pelos livros e para os livros uma boa parte de minha vida, provavelmente dois terços de uma existência passada na atenta fixação do papel impresso. Entretanto, até onde alcançam minhas lembranças da primeira infância, não se pode dizer que o gosto da leitura constituísse uma espécie de kismet pessoal ou que ele estivesse entranhado num certo ambiente familiar.
Não me lembro, por exemplo, que minha casa contivesse muitos livros, pelo contrário, provavelmente muito poucos. Meus pais, típicos filhos de imigrantes pobres, de extração camponesa portuguesa e italiana, tinham sido criados entre o trabalho e a escola, processo que conduziu a uma educação primária incompleta nos dois casos. Mas, como todos os imigrantes, ambos davam uma importância muito grande à educação formal dos filhos, o que, dadas as condições de penúria material em que vivíamos, não necessariamente se traduziu em aquisição voluntária de outros livros que não, chegada a hora, os didáticos. 
Foram circunstâncias fortuitas que me fizeram chegar aos livros e com eles passar boa parte de minha vida. Minha casa, na então Chácara Itaim, bairro paulistano do Jardim Paulista, ficava muito próxima de uma biblioteca infantil, que eu passei a frequentar antes mesmo de estar formalmente alfabetizado. Na “Biblioteca Anne Frank” passei todos os anos de minha infância e os primeiros da adolescência. Uma vez treinado nas primeiras letras, na “atrasada” idade dos sete anos, passei a ler furiosamente: lia com avidez, não só na própria biblioteca, como todos os dias retirava sistematicamente um ou dois livros para ler em casa, à noite. Se não li todos os livros da biblioteca, devo ter chegado muito perto disso.
Alguns anos depois, trabalhando durante o dia e estudando à noite, passei a frequentar as bibliotecas do centro de São Paulo: a pública “Mário de Andrade”, a liberal e circunspecta da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a especializada em economia do Centro das Indústrias, a da USIS, junto ao Consulado dos Estados Unidos, a da União Cultural Brasil-Estados Unidos e várias outras mais. Também comecei a percorrer incessantemente as livrarias do centro da cidade, em especial a velha Brasiliense, na Barão de Itapetininga, e a Zahar, na Praça da República.
Enfim, foram anos e anos de contato com os livros, lendo em toda e qualquer circunstância, em casa ou no trabalho, na escola e nos transportes públicos, sob chuva ou sol quase se poderia dizer. Raramente, ou quase nunca, saía de casa sem um livro na mão ou na pasta: qualquer oportunidade era boa para se avançar na leitura, mesmo na fila do recrutamento militar (quando estava acompanhado de Gustavo Corção, uma leitura insuspeita nos anos do regime militar). Ao deixar o Brasil pela Europa, no começo dos anos 70, arrastei comigo uma biblioteca que certamente deve ter intrigado diversos agentes alfandegários. No velho continente, como não podia deixar de ser, passei boa parte de uma longa estada de sete anos voluntariamente encerrado em bibliotecas universitárias, sobretudo a do Instituto de Sociologia da Universidade de Bruxelas. Continuei depois esse hábito nas demais cidades a que fui levado por força de uma vida profissional sempre nômade.
Desde muito cedo, habituei-me também a fazer fichas de livros, sob a forma de notas sintéticas, algumas compilações mais ou menos longas ou mesmo resenhas críticas, em cadernos ou folhas esparsas. Infelizmente, algumas dessas resenhas pioneiras foram perdidas com os papéis da juventude, entre a partida e a volta da Europa. Minha primeira resenha publicada parece ter sido a de uma obra do Erich Fromm, A Sobrevivência da Humanidade (tradução brasileira, pela Zahar, de Can Man Survive?), que saiu no jornal do centro acadêmico do Colégio Costa Manso, onde eu cursava o Clássico (em torno dos 16 anos, portanto). Muitos outros trabalhos dessa época, que precedeu minha saída do Brasil, se perderam: lembro-me de extensos resumos de obras políticas, de leituras anotadas de Sartre, Celso Furtado, Caio Prado, Florestan Fernandes e muitos outros autores brasileiros ou estrangeiros.
Mais tarde, durante minha estada universitária na Europa, preenchi diversos cadernos quadriculados, organizando-os por temas, ali compilando apreciações críticas e resumos de dezenas de livros, sem considerar as simples notas bibliográficas, que tinham seus cadernos especiais. Mas, essas anotações não cobrem senão uma parte de minhas leituras, aquelas ligadas diretamente ao estudo acadêmico ou às preocupações políticas. Dezenas de outros livros, cujos títulos se perderam em agendas extraviadas, permaneceram sem registro, sem falar dos muitos romances, policiais ou literários, que nunca foram objeto de qualquer tentativa de “crítica literária”. Se fosse possível fazer uma lista mais ou menos abrangente de minhas leituras, ela certamente ocuparia dezenas de páginas e nunca estaria completa.
A presente seleção de livros resenhados, portanto, não cobre senão uma ínfima parte de minhas leituras, compreendendo as obras efetivamente objeto de apreciação crítica. Alguns dos trabalhos aqui reunidos foram, parcial ou integralmente, publicados em revistas acadêmicas ou periódicos brasileiros, muito embora diversas outras resenhas permaneçam inéditas até aqui. Uma única exceção ao critério de autoria: a inclusão do resumo de minha própria tese de doutoramento em ciências sociais, mas que no caso serve para explicar melhor minha posição em relação à obra de Florestan Fernandes, objeto de um trabalho na seção “Sociologia”. Várias outras resenhas não foram escritas pensando precipuamente em sua divulgação, mas sim sob a forma de simples avaliação pessoal no curso de um estudo. Elas são agora transcritas em sua forma original, salvo, num ou noutro caso, pequenas adaptações de forma ou supressões de trechos, por inadequação à atualidade ou limitações de espaço.
Mais do que simples resenhas, estes trabalhos correspondem ao que um habitual leitor do The New York Review of Books, como eu, chamaria de review-article, que na verdade significa aproveitar a oportunidade da publicação de algum novo livro (neste caso, alguns antigos também) para falar sobre os mais diversos problemas de atualidade ou de história. O livro-objeto é, assim, uma simples escusa para uma digressão sobre temas diversos, em outros casos quase que um exercício de estilo ou um divertissement.

Um dia, vou percorrer novamente as bibliotecas de minha infância e adolescência e tomar nota de todos os livros que me fizeram companhia por tantos e tantos anos. Por falta de tempo, isto não ocorrerá certamente antes da aposentadoria, período que já antevejo como de um retorno a intensas leituras.
Esperando chegar esse tempo, decidi selecionar, à intenção dos amigos e curiosos, algumas de minhas leituras anotadas, isto é, aquelas que resultaram em resenhas formais e que, como tal, foram objeto de publicação.
Dedico esta primeira coletânea, com todo amor, a alguém que realiza a proeza de ler ainda mais do que eu, Carmen Lícia, sem cuja compreensão eu não teria cultivado, com tanta intensidade, o vício compulsivo da leitura.

Paulo Roberto de Almeida
Paris, dezembro de 1994
Brasília, 29 de dezembro de 2019