A Idade Média do Judiciário brasileiro
Antenor Madruga
A recente decisão do Ministro Alexandre de Moraes, ao determinar a intimação de Elon Musk por meio de uma rede social, suscita reflexões significativas sob a ótica das normas de cooperação jurídica internacional (CJI), independentemente do mérito ou das boas intenções dessa intimação.
Em 2005, referindo-me à antiga jurisprudência do STF que não permitia efeito executório a cartas rogatórias estrangeiras e limitava a CJI, escrevi o artigo "O Brasil e a jurisprudência do STF na Idade Média da Cooperação Jurídica Internacional" (Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 13, n. 54, p. 291-311, maio/jun. 2005). Anexo o artigo.
Assim começava o meu artigo:
" Daqui a alguns anos olharemos para trás e escreveremos sobre uma sociedade que vivia em feudos jurídicos. Falaremos de um tempo em que juízes se comunicavam por cartas, enviadas por via aérea e terrestre, confirmadas, folha a folha, por carimbos de tinta, selos e fitas multicores, delibadas e fiscalizadas, uma a uma, pelo Supremo Tribunal Federal. "
Ressaltava que o excessivo controle prévio sobre a CJI e as limitações impostas em nome da soberania na verdade se constituíam, em uma sociedade global, em ameaça à efetividade do poder jurisdicional e deixa impunes os que, ao abrigo de concepções jurídicas ultrapassadas, se valem das fronteiras territoriais para não cumprir decisões judiciais.
Defendia que instrumentos de comunicação judiciária internacional domésticos deveriam ser reinterpretados à luz da necessidade de garantir eficácia e celeridade à cooperação internacional, tendo-a como pressuposto de afirmação e não de ameaça à nossa soberania.
Entretanto, não defendia impor soluções unilaterais, especialmente quando afetam diretamente pessoas localizadas em outros Estados soberanos, à margem da cooperação jurídica internacional.
Temo que essas soluções possam comprometer o direito internacional e o princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, expresso no inciso IX do Artigo 4 da Constituição Brasileira.
Acredito que, pela diplomacia, poderíamos continuar a desenvolver, em tratados bilaterais e multilaterais, normas para a livre circulação de decisões judiciais, dispensando, por exemplo, o prévio juízo de delibação dessas decisões ou até mesmo permitindo citações e intimações diretamente a pessoas em território estrangeiro, mas não a partir de imposições unilaterais, não coordenadas com o Estado estrangeiro.
Nesse contexto de iniciativas unilaterais, também preocupa que pessoas localizadas no Brasil possam se tornar alvo de comunicações ou decisões judiciais estrangeiras, sem o respaldo de uma estrutura coordenada de cooperação internacional e sem garantias adequadas de direitos.
Paradoxalmente, soluções unilaterais para problemas transnacionais podem ser marca de retrocesso da jurisprudência sobre cooperação jurídica internacional, expressão de Estado que admite atuar isoladamente no contexto das nações soberanas.