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sexta-feira, 30 de abril de 2021

Antonio Paim: do marxismo ao liberalismo - Paulo Roberto de Almeida

Antonio Paim: do marxismo ao liberalismo


 Paulo Roberto de Almeida

Uma homenagem ao grande mestre que faleceu em 30 de abril de 2021

Publicado em formato de e-book no site do Livres; link: https://www.eusoulivres.org/publicacoes/antonio-paim-uma-homenagem-ao-grande-historiador-do-liberalismo-brasileiro/ ;  pdf: https://cdn.eusoulivres.org/wp-content/uploads/2021/05/01012322/Ebook-Antonio-Paim.pdf); divulgado por via da plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/48811785/3902_Antonio_Paim_do_marxismo_ao_liberalismo_Ebook_Livres_2021_);

Entrevista com Antonio Paim, por ocasião da publicação da 2a edição da obra  História do Liberalismo Brasileiro (2a. edição, revista e ampliada; SãoPaulo: LVM, 2018), no site do Livres; link: https://www.eusoulivres.org/ideias/antonio-paim-1927-2021/  

 

A trajetória intelectual de Antonio Ferreira Paim (nascido na Bahia em 1927) é ímpar na cultura e na história das ideias políticas e filosóficas no Brasil, tendo emergido no marxismo – com curso de filosofia na Universidade do Brasil e depois na Universidade de Moscou –, e realizado ao longo da vida uma guinada política e filosófica que o levou ao liberalismo. Numa primeira etapa de sua carreira acadêmica, empreende estudos sobre as ideias filosóficas no Brasil, seguindo as correntes de pensamento desde a fase colonial até a atualidade, trajetória que ele reconstitui em dois de seus primeiros livros: História das ideias filosóficas no Brasil (1967) e O estudo do pensamento filosófico brasileiro (1979). 

Nessa primeira fase já se ocupa igualmente da questão do estatismo na formação da nação brasileira, na qual debate – em seu livro A querela do estatismo (1978) – a formação do Estado brasileiro como Estado patrimonial, notadamente através da obra de Oliveira Vianna e pelo estudo das influências pombalinas e positivistas sobre as elites dirigentes. Notadamente, ele adota o conceito difundido por Simon Schwartzman de “patrimonialismo modernizador”, que teria sido o da era Vargas e do regime militar, mesmo se a burocracia tradicional tenha conseguido manter sua supremacia sobre as elites técnicas mais identificadas com os militares e outros impulsionadores do progresso econômico. Na segunda edição desse seu livro sobre o estatismo (1994), Paim se afirma mais conclusivo e argumenta que “a estratégia mais aconselhável à sociedade consiste em tentar reduzir as funções do Estado, cuidando de retirá-lo da economia e de todas as esferas não seja imprescindível” (p. 20).

Nesse mesmo livro, ela já recusava a caracterização de “capitalista” para a formação econômica e social do Brasil, assim como tentava interpretar o fracasso da construção de um sistema representativo no país e se propunha traçar uma “estratégia para enfraquecer o patrimonialism e favorecer o capitalismo” (capítulo VII, pp. 193-200). No plano puramente teórico e conceitual, Paim acreditava que se deveria “obter algum arejamento na Universidade e conseguir quebrar o monólito da dominação marxista-positivista” nela existente (p. 194). Entre as tarefas básicas desse desmantelamento do patrimonialism no Brasil, ele sugeria algumas que em grande medida se confundiam com as preleções liberais de Roberto Campos: 

1)    “Eliminar todas as burocracias estatais devotadas aos programas oficiais de combate à pobreza”, na medida em que essas políticas, “como tudo mais, transformaram-se em mero pretexto para justificar a voracidade fiscal e permitir ao patrimonialism apropriar-se de verbas sem o menor controle da opinião pública” (pp. 195-6).

2)    “Levar a bom termo o programa de privatização, empenhando-se no sentido de transformá-lo num novo projeto de desenvolvimento” (p. 196).

3)    Efetuar um “reexame específico da estrutura dos vários órgãos integrantes da União”, que atendem “precisamente ao jogo do patrimonialismo” e do empreguismo (p. 196).

4)    Examinar concretamente as ações de que poderia resultar a dignificação do servidor, por um lado, e profissionalizar as FFAA, reduzindo suas dimensões (p. 197). 

 

Não obstante a boa análise de Paim quanto aos fundamentos do atraso brasileiro, a partir da consolidação do patrimonialismo (ainda que modernizador), ele parece acreditar na existência de uma classe empreendedora sinceramente comprometida com a construção de um capitalismo competitivo no Brasil, o que parece desmentido por quase dois séculos de extrema subserviência desses “capitalistas” (se o termo se aplica) ao Estado onipotente e onipresente. Nas próprias palavras de Paim, registre-se que ele está

... naturalmente supondo que a liderança empresarial brasileira estaria convencida de que só tem a ganhar se conseguir obstar a atuação do patrimonialismo e lograr que o capitalismo alcance um novo patamar. Estaria voltada para pactuar com aquelas forças que, no interior do Estado, se dispusessem a abdicar das tradições patrimonialistas – isto é, de estabelecer a tutela do Estado sobre a sociedade –, aceitando o penoso caminho de buscar a constituição do Estado Liberal de Direito. (...)

Ao enfrentar a questão do patrimonialismo brasileiro cumpre-nos reconhecer francamente que as tradições culturais prevalecentes em nosso país são francamente desfavoráveis ao capitalismo. (...)

A tradição liberal é débil e descontínua e sofreu tão fortes constrangimentos, sob a República, que a afetariam mesmo se se tratasse de algo melhor estruturado. (A querela do estatismo, 2ª. edição, 1994, pp. 197-8)

 

Considerando-se que a primeira edição do livro (1978) foi publicada em plena vigência do “patrimonialismo modernizador” do regime militar, e que o prefácio à sua segunda edição (1993) vem datado da grande deterioração inflacionária da redemocratização, pode-se argumentar que a análise acadêmica de Paim carece de uma percepção mais realista a respeito da extrema dependência desses “capitalistas” das políticas setoriais desenhadas pelos dirigentes políticos, mais exatamente pelas corporações estatais, que constituem precisamente o cerne e o coração do patrimonialismo conservador no Brasil. A partir dessa época, justamente, Paim se dedica a compendiar, analisar e sintetizar o pensamento político brasileiro, contribuindo para tornar mais conhecidos de pesquisadores acadêmicos e da opinião pública bem informada um conjunto importante de pensadores brasileiros (e portugueses), inserindo suas teses e propostas analíticas no contexto de um outro conjunto de pensadores estrangeiros, aqueles que, nos dois últimos séculos, influenciaram os estudos e as discussões políticas e constitucionais no Brasil. 

Nos anos 1990, Paim publicou praticamente um livro por ano, sempre sobre seus temas preferidos: o pensamento político brasileiro, a trajetória e a agenda do liberalismo, no mundo e no Brasil, assim como cursos de introdução a esses grandes temas, em colaboração com colegas e mestres nas mesmas áreas: Francisco Martins de Souza, Ricardo Vélez Rodríguez, Ubiratan Borges de Macedo, José Guilherme Merquior, Gilberto de Mello Kujawski, Carlos Henrique Cardim e Leonardo Prota, entre outros. O objetivo comum de todos esses intelectuais sempre foi a busca das bases morais de um amplo consenso nacional em torno de um sistema político liberal representativo e de um regime econômico dotado das mais amplas liberdades competitivas, propenso à inserção do país na interdependência global. Mas, a sombra do patrimonialismo se interpõe de maneira obstinada a essa conformação de uma democracia de mercado no país

Aliás, países não são exatamente condomínios, onde vizinhos se conhecem e podem se reunir para discutir benfeitorias na propriedade comum. Nações não costumam reunir-se em assembleia, de tempos em tempos, para debater tranquilamente qual caminho adotar em face de ofertas igualmente interessantes quanto às melhores políticas para guiar o seu processo de desenvolvimento, frente às quais cabe decidir sobre as de menor custo relativo e de maior retorno possível. Isso só acontece em momentos de ruptura, guerras, revoluções, golpes, quando uma nova elite sobe ao poder, e precisa adotar condições mínimas de governabilidade, para assentar as bases mais ou menos aceitáveis de sua legitimidade política (ou não). Existem também fases menos felizes, quando um país pode sair de um tipo de dominação racional-legal, para usar a terminologia weberiana, para descambar numa administração de tipo carismática, que nos remete aos piores exemplos da tradição latino-americana de caudilhos e golpes de estado; por sinal, a Argentina só decaiu durante praticamente 80 anos seguidos porque em 1930 se derrocou uma república “oligárquica” para inaugurar um ciclo de governos autoritários, e depois populistas, supostamente identificados com a “soberania” do país e “projetos nacionais” de desenvolvimento, geralmente alinhados ao protecionismo e à industrialização substitutiva, como o Brasil, aliás. 

Pois bem, sem fazer qualquer história virtual do Brasil, Antonio Paim, um dos grandes pensadores da nacionalidade, examina no seu livro, Momentos Decisivos da História do Brasil (2000), três momentos decisivos de nossa história, quando poderíamos, teoricamente, ter “escolhido” um caminho melhor, mas falhamos, terrivelmente – ou nossas elites falharam –, em adotar aquela via que poderia ter nos levado a um estágio mais elevado de desenvolvimento econômico e social, a um sistema político mais representativo e a uma organização institucional menos conspurcada pelo patrimonialismo tradicional. Não tenho certeza de que o Brasil, como nação, tenha tido essas chances, essas janelas abertas às suas elites, para debater, de forma consciente e deliberada, essas vias “progressistas”, mas cabe mencionar as “teses” de Antonio Paim, para verificar, o que perdemos como oportunidades históricas.

A primeira, ainda na fase colonial, foi o fato de ter constituído precocemente uma economia florescente, ligada ao açúcar e outras atividades paralelas, que poderia ter sido a base de um desenvolvimento ulterior mais estruturado. Tendo sido mais rico do que as colônias inglesas na América do Norte nos séculos XVI a XVII, em grande parte devido aos cristãos novos, os judeus portugueses convertidos forçadamente que se tornaram os grande financistas do comércio internacional do açúcar, a chance perdida se explica pelo papel da Contra Reforma e da Inquisição na repressão desses “capitalistas mercantis”, o que bloqueou, portanto, a possibilidade de uma economia vinculada de maneira mais “decisiva” – o termo se aplica – aos mercados internacionais. 

A segunda oportunidade perdida foi no século XIX, com a nação independente e já na fase de construir seu estado nacional, quando Paim acredita que as elites trataram de assegurar a unidade nacional, com certo sucesso até (comparativamente à completa desagregação da hispano-América, por exemplo), mas a um alto custo, perdendo, no mesmo movimento, a iniciativa de consolidar um sistema representativo eficiente. O Regresso, nos anos 1840, e, mais tarde, as teses positivistas, inspiradas em Comte, “conspiraram” para manter o Brasil um sistema político pouco funcional tanto para fins da “ordem”, quanto do “progresso”. As frequentes intervenções militares desde o início da República se encarregam de eliminar a possibilidade de constituição de uma “moral social de tipo consensual”, que nunca tivemos entre nós, nas palavras de Paim.

A terceira, em pleno século XX, foi a consolidação, que ele chama de “estruturação”, do Estado patrimonial, sob Getúlio Vargas, e o abandono do sistema representativo. Nessa terceira parte de sua obra, Paim é bastante crítico daquilo que ele chama de “lixo historiográfico”, a maior parte de extração pretensamente marxista, que produziu alguns delírios sobre o “caráter da revolução brasileira” pelos representantes dessa corrente. Já na queda da monarquia, o Brasil perdeu a oportunidade de constituir um “Estado liberal de Direito”, enveredando depois pelas “oligarquias dos estados”, mais até que a chamada “política dos governadores”. Mas, o castilhista Getúlio Vargas conseguiu implantar um Estado nacional unitário, ao mesmo tempo em que fixou o patrimonialismo, no conceito weberiano da palavra, realidade já estudada por Simon Schwartzman. O feito de Vargas, resumido por Paim, foi “retomar o projeto formulado no Império, de constituição do Estado Nacional, abdicando de dar-lhe a feição democrático-representativa e dele fazendo um autêntico Estado patrimonial. O projeto Vargas seria retomado pela Revolução de 64” (p. 217-18). 

O último capítulo desse livro de Paim tem por título, de forma otimista, “Como sair do patrimonialismo”, mas não devemos esquecer que o livro deve ter sido terminado em 1999 para ser publicado no ano seguinte. Apoiando-se na experiência das privatizações daquela década, ele concorda com Roberto Campos em que “o problema reside na adequada formulação das políticas” (p. 315), e não só econômicas. Quinze anos depois, no entanto, no livro que ele organizou e publicou, com colaborações de Paulo Kramer e de Ricardo Vélez-Rodríguez, O patrimonialismo brasileiro em foco(Campinas: Vide Editorial, 2015), ele tem de constatar, tristemente, a “sobrevivência da estatização brasileira”, e se pergunta como enfrentá-la (capítulo II, p. 35-43). Se formos ainda mais pessimistas, não há como discordar do mesmo Ricardo Vélez-Rodríguez, em seu livro A Grande Mentira: Lula e o patrimonialismo petista (Campinas: Vide Editorial, 2015), em que o patrimonialismo tradicional brasileiro foi transmutado, pelas mãos e pés dos companheiros, em um patrimonialismo de tipo criminoso. Como é mesmo que dizia Lavoisier? Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. A despeito de basicamente político, este último livro possui um importante capítulo sobre as “desgraças do intervencionismo no Brasil”, que também começa pelas desgraças de Mauá, aliás recorrendo ao livro de Jorge Caldeira.

Os grandes obstáculos à conformação do capitalismo brasileiro continuaram a ser examinadas por Antonio Paim num pequeno livro publicado na passagem do milênio: O relativo atraso brasileiro e sua difícil superação (2000). Em outros termos, o autor reconhece que o Brasil ingressou decisivamente na Revolução industrial, processo notadamente acelerado a partir da segunda metade do século XX, de forma que nas últimas décadas do século esse atraso tornou-se apenas relativo, sobretudo porque o país não logrou superar sua histórica má distribuição de renda, assim como não conseguiu “estruturar a pesquisa científica, que corresponde ao motor do progresso ininterrupto” observado nos países avançados (p. 10). O que ele procura argumentar nesse seu livro é que o relativo atraso brasileiro é de “difícil superação” porque o Brasil ainda não é um país capitalista, e sim patrimonialista, tendo estruturado sua revolução industrial sem deixar de ser patrimonialista. Outras duas razões desse relativo atraso e das dificuldades em superá-lo residem no “cientificismo” – que consiste na importação de um positivismo mal digerido – e no “contra-reformismo”, que impede a mudança de arraigadas tradições culturais (como o ódio ao lucro e à riqueza), de transformação muito lenta em função da persistência de hábitos longamente arraigados na população.

No primeiro quesito, o industrialismo patrimonialista, sobressai-se o poderoso intervencionismo do Estado na esfera econômica, que antecede o próprio keynesianismo como doutrina ou guia prático a orientar a principais medidas regulatórias do Estado na vida econômica do país. Paim localiza num antigo manual do engenheiro Aarão Reis, Economia política, finanças e contabilidade (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918, 2 vols.), adotado oficialmente na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e que durante longos anos constituiu a base do ensino formal de economia no país. Antonio Paim transcreve nada menos de 11 atribuições que cumpriria ao Estado observar (pp. 16-17), que se desdobrariam na era Vargas e mais além, como prescrições incontornáveis a um processo de desenvolvimento econômico, seguidos desde a implantação do Conselho Federal do Comércio Exterior, nos anos 1930, seguidos pelas ações do Estado Novo e, já na redemocratização de 1946, pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e seus corolários no BNDE, na criação de algumas estatais e no Plano de Metas de JK. O regime militar representou a culminância desse processo, colocando o Brasil entre as maiores economias do mundo, mas agravando algumas distorções típicas de todo o período, como a estatização de amplos setores da economia, o nacionalismo extremado, que ambos confirmaram e consolidaram o patrimonialismo tradicional. 

O cientificismo, por sua vez, está estreitamente vinculado à penetração e difusão do pensamento positivista a partir de meados do século XIX, exemplifica por Antonio Paim na obra de Luís Pereira Barreto (1840-1923), que publica dois livros correspondendo às três filosofias do mestre francês, nomeadamente Filosofia teológica (1874) e Filosofia metafísica (1876). Posteriormente, em nome da Igreja positivista, Teixeira Mendes (1855-1927) também demonstra preconceito contra as instituições universitárias, o que reforçou, segundo Antonio Paim, as recomendações dos positivista, que “lograram influenciar a maioria dos componentes dos órgãos decisórios e [que] por isso mesmo são responsabilizados diretamente pelo abandono sistemático da ideia de implantar-se a Universidade, nos decênios iniciais da República” (p. 39). A oposição só começa a arrefecer a partir da criação da Associação Brasileira da Educação (ABE), nos anos 1920, em especial na década seguinte, com a criação da USP, em 1934, e da Universidade do Distrito Federal, no ano seguinte. O grande idealizador e fundador dessas inovações é Anísio Teixeira (1900-1971), que luta por instituições claramente identificadas com objetivos práticos de formação de recursos humanos para o desenvolvimento nacional.

Simon Schwartzman, no livro Formação da comunidade científica no Brasil (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979), trata da questão da integração das escolas tradicionais – faculdades de Direito, Medicina, escolas de Farmácia, Odontologia, Agronomia, Politécnica – às novas universidades, o que não se fez sem grandes dificuldades. Antonio Paim volta a registrar a permanência do cientificismo pombalino, prolongado pelo positivismo, como um dos obstáculos ao desenvolvimento do espírito científico no Brasil, e que para ele prolongou-se inclusive na formação de uma “versão positivista do marxismo”, que ele analisou em seu livro História das ideias filosóficas no Brasil (5ª. ed.; Londrina: UEL, 1997). Para ele, o varguismo, pela ação de personalidades como Francisco Campos, deformou o espírito propositor dos antigos pais fundadores da ABE, como explicitado por ele na passagem seguinte: 

Desse modo, a Universidade seria estruturada como uma federação de escolas isoladas, voltadas para a formação profissional. O projeto da ABE é inteiramente abandonado e as Faculdades de Filosofia, desmembradas após 1964, também são enquadradas na consecução de tais objetivos limitados. Há casos extremos, como os cursos de Filosofia, formalmente destinados a diplomar professores para o ensino secundário, disciplina que deixou de existir naquele nível de ensino. Assim, a atividade está voltada para si mesma, mesmo no que toca a pós-graduação, transformada em simples exigência para as promoções estatutárias. 

O marxismo positivista, por sua vez, não tem interesse no desenvolvimento de qualquer espécie de pesquisa, porquanto se trata apenas de enquadrar a realidade em determinados esquemas, não obstante a circunstância de que sua obsolescência haja transitado em julgado. (...)

E assim, consagrou-se a vitória do cientificismo, derrotando o projeto de estruturar no país pesquisa científica digna de nome, reconhecida internacionalmente... (O relativo atraso..., op. cit., pp. 58-59)

 

No terceiro e penúltimo capítulo desse seu importante pequeno livro, Paim aborda a questão da persistência da moral contra-reformista, herdada de Portugal e que “atravessou sem percalços as centúrias subsequentes” (p. 64), constituindo, ao que parece, uma das bases do ideário nacional, em especial com respeito às questões da pobreza, do lucro, do espírito capitalista. Em suas palavras: 

São muito eloquentes as evidências de que a moral contra-reformista tornou-se um dos ingredientes fundamentais de nossa moralidade social básica. O ódio ao lucro e à riqueza são sentimentos amplamente difundidos, sendo muito generalizada a condenação ao capitalismo. Defendê-lo, ainda hoje, não deixa de ser uma temeridade. (p. 75) 

 

Mesmo entre militares, politicamente adversários do socialismo, a repugnância do capitalismo, do espírito de lucro, não deixou de prevalecer, sobretudo nas estatais que vários deles comandaram durante o regime autoritário de 1964-1985. No seu último capítulo, Paim indaga se conseguiremos vencer o patrimonialismo, o cientificismo e o contra-reformismo. Ele se revela moderadamente pessimista, por várias razões, entre elas “porque a massa da população não associa a péssima distribuição de renda à persistência do patrimonialismo” (p. 122). A grande audiência de que dispõem os patrimonialistas no Brasil “é impeditiva do pleno florescimento do capitalismo, que seria a única forma de disseminar no país focos de desenvolvimento econômico” (idem). Paim termina essa sua pequena grande obra, registrando o pensamento de uma grande historiadora americana: 

Na seleção dos eventos que considerou no magnífico livro intitulado A marcha da insensatez, Barbar Tuchman (1912-1989) adotou como critério que o erro representado por aquele passo tivesse sido denunciado antes de que a elite decidisse empreende-lo. Quando mais não seja, a nossa denúncia, se não revelar maior eficácia, servirá ao menos para evidenciar, perante o historiador do futuro,  que nem todos estavam cegos. Certamente que é pouco. Mas não deixa de representar mais um estímulo à nossa persistência. (p. 122)

 

Fontes e bibliografia:

 

Obras de Antonio Paim

A filosofia da Escola do Recife. Rio de Janeiro: Saga, 1966

História das ideias filosóficas no Brasil. São Paulo: Grijalbo-USP, 1967 (5ª. ed.: 1997)

Cairu e o liberalismo econômico. RJ: Tempo Brasileiro, 1968

Tobias Barreto na cultura brasileira: uma reavaliação (com Paulo Mercadante). SP: Grijalbo-USP, 1972

Evolução histórica do Liberalismo (com Francisco Martins de Souza, Ricardo Vélez-Rodríguez, e Ubiratan Borges de Macedo). 1977

A querela do estatismo: a natureza dos sistemas econômicos: o caso brasileiro. RJ: Tempo Brasileiro, 1978. 2ª ed.: 1994.

O estudo do pensamento filosófico brasileiro. RJ: Tempo Brasileiro, 1979.

História do Liberalismo brasileiro (1ª ed. 1998; nova edição: SP: LVM, 2018)

Momentos Decisivos da História do Brasil (São Paulo: Martins Fontes, 2000)


sábado, 20 de janeiro de 2018

Uma aula de Paulo Kramer sobre patrimonialismo e a corrupcao do PT

Patrimonialismo tradicional brasileiro e corrupção petista: uma lição de Paulo Kramer

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: considerações sobre patrimonialismo e corrupção; finalidade: introduzir um texto de Paulo Kramer sobre os dois fenômenos no Brasil]


Introdução
Concordo inteiramente com a lição de Paulo Kramer abaixo transcrita: existe uma diferença fundamental, essencial, entre, por um lado, a corrupção "normal" do sistema político, pervasiva, resiliente, tradicional entre os todos os partidos políticos, entre todos os caciques do velho sistema, e a corrupção sistêmica, "científica", organizada no modo bolchevique, do PT e sua liderança mafiosa (um pouco como era o partido nazista na Alemanha hitlerista).
A diferença, para mim (PRA), é esta: enquanto a corrupção tradicional se faz, na terminologia marxista, pelo velho "modo artesanal de produção da corrupção", ou seja, em caráter individual, oportunista, usando os recursos habituais da classe política para assaltar o Estado – emendas parlamentares, superfaturamento em despesas governamentais locais, achaque a empresas que serão protegidas depois, caixa 2 como sempre se fez, já a corrupção no universo petista, ou petralha, se faz pelo "modo industrial de produção da corrupção", sistêmica, organizada, cientificamente organizada pelo partido neobolchevique, destinada não apenas ao enriquecimento individual dos líderes mafiosos, mas correspondendo igualmente, e talvez principalmente, a um projeto coletivo, partidário, de monopólio do poder, o que se dá não apenas pelo assalto a TODOS os recursos do Estado, onde estiverem, mas pelo achaque e a extorsão direta, organizada das empresas, TODAS as empresas, públicas e privadas. Onde houver um emprendimento qualquer, os petralhas irão lá arrancar dinheiro para si e para a causa.
Qual é a causa?
Ora, a manutenção do poder, a todo custo.
Os petistas, os petralhas, os mafiosos do partido neobolchevique não estão minimamente interessados em "construir o socialismo", de qualquer século, do XIX ao XXI, como tentaram fazer os idiotas do socialismo bolivariano chavista, com isso mergulhando a pobre Venezuela na maior crise de sua história. Não, eles têm todo o interesse em preservar o capitalismo, pois sabem que o socialismo é sinônimo de miséria, de pobreza. Eles só querem extorquir os capitalistas – industriais e banqueiros – e viver às custas deles, ou seja, preservando o capitalismo, mas cobrando um alto preço deles e de toda a sociedade, extorquindo TODOS os produtores de riqueza na sua sanha predatória.
Mas vamos ler a lição de Paulo Kramer.


Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 20 de janeiro de 2018

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Patrimonialismo

Paulo Kramer

Um amigo me perguntou: "Mas, afinal, qual a diferença entre o PT e os outros partidos?" Respondi assim:
Oi, meu caro! Grato pela oportunidade, e vamos lá:
1) Ao contrário da maioria dos meus amigos e conhecidos que ficaram decepcionados e indignados quando começaram a vir à tona os primeiros podres do governo lulopetista, não fiquei nem uma coisa, nem outra, porque já estava cansado de saber, por estudo e observação própria, que a esquerda não democrática É, SEMPRE FOI, NUNCA DEIXARÁ DE SER P-A-T-R-I-M-O-N-I-A-L-I-S-T-A: aqui, em Cuba, na antiga União Soviética e nos seus satélites do Leste europeu, na China, na Venezuela, enfim, em qualquer lugar do mundo seja qual for a época. E, se alguém ainda nutria dúvidas sobre isso, foi porque nunca se deu o trabalho de perceber quais os países que a petralhada sempre teve como modelos.
2) O lulopetismo inventou o patrimonialismo? Claro que não, assim como Ayrton Senna não foi o inventor do automobilismo... Aliás, patrimonialista (i. e., predadora dos recursos públicos para engordar o patrimônio pessoal ou familiar) é toda a nossa cultura política. Patrimonialismo significa sempre e necessariamente atraso e miséria? Não, o patrimonialismo apresenta versões modernizadoras (Marquês de Pombal, em Portugal; Getúlio Vargas e regime militar no Brasil; Pedro, o Grande na Rússia etc., etc., etc.). Agora, corrupto, sempre; base de um regime político e econômico em que o Estado é mais forte que a sociedade, fazendo da segunda refém do primeiro, sempre também.
3) TODOS OS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS SÃO PATRIMONIALISTAS, porque patrimonialista é essa matriz socioeconômica e política comum a cada um deles. Mas, então, em que o lulopetismo se distingue deles? Tentarei esclarecer: os outros partidos que formam a 'base parlamentar aliada' de qualquer governo agem como quadrilhas relativamente independentes (é o grupo do deputado X na previdência, é a panelinha do senador Y no setor elétrico, é o 'esquema' do ministro ou governador Z nesta ou naquela estatal... Enfim, cada quadrilha roubando para enriquecer os clãs familiares e políticos encastelados nas cúpulas dos diferentes partidos, mas que, em razão desse mesmo caráter descentralizado da roubalheira, jamais teve força suficiente, muito menos projeto consistente, para substituir o regime democrático (com todos os defeitos e limitações deste) por um sistema mais monopolizador do poder, de tipo ostensivo (regimes de partido único, a exemplo de Cuba, URSS etc) ou disfarçado (como os governos do PRI mexicano durante sete décadas a fio -- uma única legenda com efetivo controle das alavancas do poder [na mão direita, o Diário Oficial; na esquerda, os sindicatos e movimentos sociais corrompidos e domesticados ], em torno da qual gravitam partidecos sustentamos pelas migalhas caídas da mesa do banquete da sigla hegemônica).
4) O lulopetismo foi o único a atrever-se a um projeto centralizado, tentacular, onipresente de corrupção a serviço da eternização no poder. Nas condições atuais do mundo e do Brasil, o modelo mais viável não seria o despotismo de partido único, mas sim o hegemonismo à la PRI mexicano. 
Entendem a diferença? Para os outros clãs partidários e eleitorais, a corrupção era/é um fim em si; para o PT, um meio de eternizar-se no poder.
5) Liberais no Ministério da Fazenda, conforme o script esboçado na Carta ao Povo Brasileira (que prefiro chamar de documento sossega-banqueiro) que Lula divulgou em plena campanha de 2002, com texto de Antonio Palocci. Lembrar que, naquele momento,  a tensão pré-eleitoral estava nas alturas, com o dólar encostando em 4 reais, justamente pelo temor do mercado de que Lula e PT, se/quando chegassem ao poder cumpririam tudo aquilo que prometiam desde a fundação do partido, isto é, a implantação de um regime socialista à la Cuba, ou Angola, ou qualquer outro modelo acalentado por amantes do totalitarismo como Zé Dirceu. Por isso, depois de ganhar aquela primeira eleição, a política econômica do primeiro mandato de Lula seria impecavelmente ortodoxa, fincada no tripé câmbio flutuante, metas inflacionárias e responsabilidade fiscal. Atribuo a manutenção do Meirelles durante oito anos à frente do Banco Central como fruto da superior compreensão do ex-pobre Lula de que as maiores vítimas da inflação são os pobres, que, ao contrário das classes média e alta,  não podem se refugiar em aplicações financeiras indexadas; para o assalariado ou biscateiro pobre, num contexto de inflação alta, o dinheiro vira pó assim que é recebido...
6) No fundo, os lulopetistas jamais se converteram à economia de mercado, permanecendo fiéis ao besteirol intervencionista e estatizante que nem ao menos chega ser original, já que herdado das ditaduras estado-novista e militar. O disfarce liberal ortodoxo da política econômica do primeiro mandato não tardaria a ser abandonado, sob o estímulo de três fatores conjunturais: a maré de prosperidade ensejada pelo boom internacional dos preços das commodities agropecuárias e minerais; o advento da Grande Recessão mundial em 2008/2009, que reanimou as velhas e nunca preenchidas expectativas da esquerda de um colapso planetário e final  do capitalismo; e a descoberta do pré-sal, que, na cabecinha dessa gente, soou como senha para mandar às favas a responsabilidade fiscal e todo aquele receituário econômico 'de direita'.  E vamos enfiar cada vez mais grana no rabo de Joesleys e Eikes, que aventureiros como eles eram os grandes financiadores das campanhas do PT, além de fontes aparentemente inesgotáveis de propina. A esse trinômio, eu acrescentaria uma quarta  eventualidade decisiva para compreender a regressão da política econômica na passagem do 1º para o 2º mandato de Lula: a derrocada do Palocci com o escândalo caseiro-gate. Ele era um dos únicos da cúpula lulopetista a compreender a superioridade infinita da economia de mercado sobre todos os modelos alternativos e, se tivesse a coragem e a lucidez  de livrar-se do abraço sedutor, paralisante e delinquente do patrimonialismo, estaria em condições de liderar a transição do PT do socialismo populista, atrasado, para-bolivariano etc., rumo à socialdemocracia moderna, respeitadora das cláusulas pétreas da economia de mercado e do regime representativo.

Quem quiser saber mais, deve ler, do meu mestre e amigo ANTONIO PAIM, um dos maiores pensadores brasileiros vivos: Momentos Decisivos da História do Brasil; Marxismo e Descendência; O Liberalismo Contemporâneo (3ª edição); A Querela do Estatismo (2ª edição) e O Relativo Atraso Brasileiro e sua Difícil Superação; do saudoso diplomata, humanista e psicólogo junguiano José Osvaldo de Meira Penna: Em Berço Esplêndido e O Dinossauro; e, do historiador das ideias Ricardo Vélez Rodríguez (o mais brilhante discípulo de Antônio Paim): A Grande Mentira.

Um última observação sobre POPULISMO e PATRIMONIALISMO: nem todo patrimonialismo é populista, mas todo populismo é patrimonialista. Demagogos inescrupulosos como Lula exploram as fragilidades intelectuais e a imaturidade cívica de culturas políticas como a nossa, nas quais o entroncamento da herança contra-reformista ibérica com o positivismo de cunho religioso (ração ideológica da qual se fartaram o pensamento militar republicano e o caudilhismo gaúcho de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas e Leonel Brizola) e o marxismo mais rastaquera formaram o caldo de cultura do coitadismo mais nocivo. Esses falsos messias sabem que, no Brasil e em Nuestra América de maneira geral, basta afetar e exibir esse falso sentimento de compaixão pelos pobres para receber de amplas parcelas da opinião pública, a começar pelos estamentos intelectuais e artísticos um amplo salvo conduto para saquear o erário é enriquecer à custa do suor do contribuinte. 

Paulo Kramer
Brasília, 19 de janeiro de 2018.

domingo, 13 de abril de 2014

Antonio Paim: um mestre aos 87 anos - Ricardo Velez-Rodriguez

Uma singela homenagem a um dos maiores pensadores brasileiros.
Site Rocinante, em 10/04/2014
http://pensadordelamancha.blogspot.com/2014/04/o-aniversario-do-mestre-antonio-paim.html

O ANIVERSÁRIO DO MESTRE ANTÔNIO PAIM

Da esq. para dir.: Maria, Arsênio, Leonardo, Anna Maria, Ricardo, Rosa, o mestre Antônio Paim, Augusta e Antônio Roberto



No passado 7 de Abril, um grupo de familiares, amigos e discípulos de Antônio Paim,  comemoramos em São Paulo os 87 anos do mestre. O evento aconteceu na Tasca do Zé e da Maria, em Pinheiros. A filha Augusta (que mora em S. Paulo) e a amiga Rosa Mendonça de Brito (residente em Manaus), planejaram tudo. Foi uma festa surpresa para o querido mestre. As organizadoras teriam gostado que mais amigos e discípulos do Antônio Paim estivessem presentes. Mas com o corre-corre foi difícil entrar em contato com mais pessoas. 

Estiveram presentes: Maria e Arsênio Corrêa (S. Paulo), Leonardo Prota (Londrina), Anna Maria Moog (Petrópolis), Ricardo Vélez Rodríguez (Londrina), Rosa Mendonça de Brito (Manaus), Augusta Fonseca Paim (S. Paulo) e Antônio Roberto Batista (S. Paulo).

Antônio Paim é um desses educadores que conseguem manter nexos de amizade com as várias gerações de discípulos que passaram pelas suas aulas. Coloco, a seguir, os depoimentos de três discípulos do mestre: Anna Maria Moog, Rosa Mendonça de Brito e Arsênio Corrêa. 

Eis o depoimento da Anna Maria Moog: "Ao receber o e-mail de Rosa (Mendonça de Brito)  propondo que eu fosse, dali a dois dias, participar de um jantar comemorativo do aniversário de mestre Antonio Paim, pensei que não conseguiria me desvencilhar dos compromissos prévios.  Mas logo decidi colocar tudo de lado e viajar para S. Paulo .  Valeu a pena. Foi uma enorme alegria estar com amigos de longa data, unidos justamente pela amizade, respeito e admiração que nutrimos pela figura de Paim. Ao longo dos anos, Antonio Paim tem sido nosso norte, a referência inelutável para seus amigos, ex-alunos e admiradores de sua obra, sobre todos os temas relativos à cultura, à filosofia, à moral e à política.  Acima de ser referência intelectual, reconhecemos nele o homem de bem, de postura discreta mas capaz de iluminar com suas palestras inteligentes e, por vezes, espirituosas, nossas reuniões.  O homem que nunca faltou  com seu apoio aos que a ele recorreram e jamais, jamais deixou um amigo 'na mão'.Inúmeros depoimentos sobre sua pessoa já o declamaram de sobejo. Por esse, e muitos mais motivos, o jantar dos 87 anos do jovem Antonio Paim foi festejado  com alegria, mormente porque proporcionou aos amigos a oportunidade de lhe demonstrar mais uma vez o carinho que lhe temos e a alegria de o abraçarmos".

A seguir, o depoimento de Rosa Mendonça de Brito: "O encontro com Paim, Augusta, Anna Moog, Leonardo Prota e Ricardo Vélez,   encontro de mestre e discípulos, colegas e amigos, em São Paulo, na Tasca do Zé e da Maria me fez retroceder no tempo e chegar a 1975, 39 anos atrás, quando da seleção para o Mestrado em Filosofia da PUC/RJ. Vencidas as duas etapas da seleção, a avaliação do projeto de dissertação e prova de língua estrangeira, tinha que encarar uma entrevista com três professores do Programa. Lembro-me que tive de passar pelo crivo de Celina Junqueira e de Antonio Paim, não me recordo do nome do outro professor. Naquele momento, quando da entrevista, uma pergunta de Paim me marcou profundamente. O mestre perguntou: 'EU GOSTARIA QUE VOCÊ ME EXPLICASSE POR QUE O HUME DESPERTOU O KANT DO SONO DOGMÁTICO?' Minha resposta foi: 'não sei, faço tal afirmação porque ela sempre esteve presente nos livros que estudei e nas aulas dos meus professores, mas nunca li ou ouvi qualquer explicação sobre a afirmação'. A resposta para o desconhecimento foi uma bela aula que nunca mais esqueci. Aceita, após aprovação na seleção, para compor a turma de Mestrandos de 1976, voltei a encontrar Antonio Paim em sala de aula. Minha intenção era fazer o Mestrado em Filosofia da Ciência, mas suas aulas me levaram a optar pela área de Filosofia Brasileira e procurá-lo para pedir - e confesso que bastante temerosa -, para que ele me orientasse. Para minha satisfação, ele aceitou. Naquela jornada, a fim de suprir a minha deficiência de conhecimentos - me sentia uma formiga diante de elefantes - e não decepcioná-lo, estudava pelo menos 18 horas por dia. Entrava na PUC às sete da manhã e saía às dez da noite, quando a Biblioteca fechava. Em casa, estudava pelo menos até 2 da madrugada, mas valeu a pena! Paim se colocava a disposição e, além disso, disponibilizava livros, orientava na busca de documentos e obras que deveria estudar. Defendida a Dissertação, em 1979, voltei para Manaus, mas não perdi o contato com o Mestre, que já considerava amigo. Com a criação do Doutorado em Filosofia Luso-Brasilera, na Gama Filho, submeti para a seleção de 1982 o meu Projeto de Tese com tema sugerido por Paim, feito da seguinte forma: 'Você topa realizar um estudo sobre a Filosofia de Kant no Brasil? É um estudo denso, mas é muito importante para o pensamento brasileiro'. Eu lhe perguntei: 'O senhor acha que eu tenho competência para realizar este trabalho?'  A resposta foi: 'sim, tenho certeza que você fará um bom trabalho'. Era um estudo que ele pretendia realizar 5 anos mais tarde, mas que, acreditando na minha capacidade, o delegou a mim. Diante da demonstração de confiança,  senti-me lisonjeada e, apesar de apavorada com a dimensão e profundidade do estudo, resolvi aceitar o desafio. Enfrentei algumas dificuldades: doença, fechamento do setor de obras raras da Biblioteca Nacional, 2 filhos pequenos (Márcio com 1 ano e meio e Gisele com dois anos e oito meses), falta de empregada de confiança. Apesar disso, consegui com a orientação segura e indispensável de Paim, concluir o doutorado em três anos, tendo a honra de ter como membros da banca de defesa, além de Antonio Paim, Anna Maria Moog, Creuza Capalbo, Ricardo Vélez e Aquiles Guimarães, amigos queridos a partir de então.Naquele momento, além da dimensão de educador, descobri em Paim uma dimensão humana fantástica. Nunca passou a mão na minha cabeça, ao contrário, exigia o máximo de mim, cobrava o tempo todo, mas ajudava sempre através de discussões, de indicação de onde encontrar com pessoas ou instituições o material para o desenvolvimento do trabalho que envolvia pesquisa em obras raras. Evaristo de Moraes Filho, por intermédio de Paim, me disponibilizou a sua biblioteca particular, em sua casa, para que ali realizasse estudos em obras não encontradas em outro lugar. Paim fez muito mais! Levando em consideração que eu tinha duas crianças pequenas, fazia a minha orientação em seu apartamento no Leme, com isso, tornei-me amiga de Rita, sua mulher, e suas filhas Juliana e Augusta. Toda semana, quando ia para o encontro de orientação e não tinha com quem deixar os meus filhos, eu os levava. Juliana e Augusta ficavam com eles enquanto me era dado o privilegio de receber magníficas aulas. Paim foi fundamental para o meu desenvolvimento intelectual. Ser-lhe-ei eternamente grata. Ele será sempre o meu guru e mestre favorito!"

A seguir, transcrevo o depoimento de Arsênio Corrêa: 

"Antonio Paim sempre disseminando conhecimento, conhecimento é vida, vida é alegria e a alegria é a razão de viver do ser humano. Antonio Paim é um mestre na mais pura acepção, porque a busca do saber é incessante, vibrante, contagia a todos que com ele convivem. Aprendi com ele que a pesquisa deve ser constante, sem ela nós somos ultrapassados, o tempo deve ser aproveitado, ao ser humano cabe construir e manter o conjunto do saber da humanidade, isso ele nos faz ver em todos os encontros.Aprendi com o mestre o valor da cultura".





domingo, 20 de outubro de 2013

Uma resenha do livro mais recente de Francis Fukuyama - Antonio Paim

Recomendo a leitura desta resenha do último livro de Fukuyama, que comprei na edição original americana, tal como feita pelo filósofo Antonio Paim, a partir da edição brasileira:

PAIM, Antonio. “A ORIGEM DA ORDEM POLÍTICA SEGUNDO FRANCIS FUKUYAMA”. Ibérica – Revista Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos (ISSN 1980-5837) Vol. VII, Nº 20, Juiz de Fora, ago./nov/2012: pp. 84-102. 

http://www.sophiaweb.net/repositorio/iberica/iberica20/ordem-fukuyama-paim.pdf

See more at: 
http://www.estudosibericos.com/article/a-origem-da-ordem-politica-segundo-francis-fukuyama#sthash.esicIRho.dpf