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sábado, 5 de agosto de 2017

Fundando um banco de desenvolvimento: o BNDE de Roberto Campos - Paulo Roberto de Almeida

Mais um dos textos que eu produzi em homenagem a Roberto Campos, no ano de seu centenário.


Fundando um banco de desenvolvimento: o BNDE

Paulo Roberto de Almeida
Publicado in: Ives Gandra da Silva Martins e Paulo Rabello de Castro (orgs.), Lanterna na Proa: Roberto Campos ano 100 (São Luís, MA: Resistência Cultural Editora, 2017, 344 p; ISBN: 978-85-66418-13-2), p. 71-74. Relação de Publicados n. 1258.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico é o resultado de um longo e exitoso processo de cooperação econômica bilateral, entre os Estados Unidos e o Brasil, que vinha sendo implementado praticamente desde a conferência extraordinária de chanceleres das repúblicas americanas, realizada no Rio de Janeiro em janeiro de 1942, imediatamente após o ataque traiçoeiro do Japão à frota americana sediada no Pacífico, em Pearl Harbor (Havaí), em 7 de dezembro de 1941, o qual recebeu a também imediata condenação do Brasil, que estendeu total solidariedade ao grande irmão do hemisfério. Um dos parágrafos da declaração final do Rio de Janeiro já trazia embutida, aliás, a ideia da criação de uma entidade dedicada ao restabelecimento dos pagamentos correntes – que seria materializada, dois anos depois, na instituição do FMI – e do apelo à retomada dos financiamentos ao desenvolvimento, o que era parcialmente suprido pelo Eximbank (criado em 1934) e que seria depois atendido pela fundação do Banco Mundial. As conferências de Chapultepec, no México, em janeiro de 1945, e de Bogotá, que instituiu a OEA, em 1948, também fazem parte desse mesmo impulso à cooperação econômica hemisférica, esta última, por sinal, introduzindo a demanda latino-americana de um “Plano Marshall para a América Latina”.
Um acordo concluído entre o ministro das Relações Exteriores Raul Fernandes e o embaixador americano no Rio de Janeiro, em dezembro de 1950, ao final do governo Dutra, criou uma comissão bilateral voltada para as demandas brasileiras de assistência em seu processo de desenvolvimento. Roberto Campos, que havia retornado pouco mais de um ano antes de sua estada de seis anos nos EUA, teve a chance de participar de mais um exercício de planejamento econômico estatal, essencial na sua formação ulterior de grande tecnocrata do desenvolvimento brasileiro. Como ele mesmo relatou em suas memórias: “Uma das mais gratificantes experiências de minha vida foi a participação, como conselheiro econômico, na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Experiência gratificante pela contribuição que a Comissão trouxe sob dois aspectos. Primeiro, a implantação no Brasil de técnicas de análise de projetos e de rentabilidade e, segundo, sua contribuição essencial para a criação do BNDE, encarregado de provar a contrapartida em cruzeiros, para os financiamentos estrangeiros obtidos através da Comissão.” (A lanterna na popa, 1994, p. 151).
O relatório final da Comissão, de 31 de dezembro de 1953, resume os 41 projetos examinados por técnicos dos dois países, e sua redação traz a marca de Roberto Campos que, junto com mais dois técnicos brasileiros (Glycon de Paiva e o coronel Mario Poppe de Figueiredo) e dois americanos, desempenhou a função de assessor econômico da seção brasileira, ao lado do mesmo Glycon de Paiva, Valentim Bouças e Lucas Lopes, sob a liderança do presidente brasileiro Ary Frederico Torres (ver The Development of Brazil; report of the Joint Brazil-United States Economic Development Commission; Washington: Institute of Inter-American Affairs, 1953). O prefácio tocava no aspecto do financiamento: “A necessidade de capital privado foi reconhecida por ambos os governos, mas ficou claro que capital de empréstimo de fontes públicas também era necessário para superar os ‘estrangulamentos’ em setores básicos, como transporte e energia, sem o qual as oportunidades para investimentos de capitais privados poderiam ser seriamente prejudicadas.” (p. vi).
Mais adiante, o BNDE, que tinha sido criado no curso da assistência prestada, é expressamente mencionado: “Com respeito ao financiamento potencial dos projetos, a principal responsabilidade pela atribuição de empréstimos e créditos em cruzeiros, particularmente no setor ferroviário, ficaria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, que tinha sido organizado durante a vigência da Comissão Mista para essa finalidade.” (p. vii). O BNDE passaria a trabalhar conjuntamente com o BIRD e o Eximbank para o componente em divisas desses financiamentos, que foi confirmado como “a agência primordialmente responsável pela implementação dos projetos de investimentos nos campos fundamentais recomendados pela Comissão Mista.” (idem).
De fato, o BNDE foi criado pela lei 1658, de 20 de junho de 1952, e passou imediatamente a trabalhar. Roberto Campos foi designado, logo no dia 2 de agosto, diretor superintendente, encarregado da organização do Departamento Econômico, ao lado de Glycon de Paiva, que chefiava o Departamento Técnico. Pouco depois, no entanto, com o afastamento do diretor-superintendente Ari Torres, o presidente Vargas resolveu nomear “um homem de sua confiança pessoal [o jornalista José Soares Maciel Filho], infelizmente com total despreparo econômico e, curiosamente, também sem peso político específico”. (1994, p. 193). Menos de um ano depois de ter assumido o cargo no BNDE, o primeiro secretário Roberto Campos apresentou, com Glycon de Paiva, em 22 de julho de 1953, “nossa carta conjunta de renúncia a Getúlio Vargas, uma vez que Maciel Filho insistia na politização” do BNDE (p. 206). Campos obteve sua remoção como cônsul em Los Angeles, de onde retornou em 1955, já no governo Café Filho, quando seu amigo Eugênio Gudin tinha sido nomeado ministro da Fazenda e Glycon de Paiva foi convidado para presidir o BNDE: seu primeiro ato foi convocar Roberto Campos para trabalhar novamente no Banco.
Ao tomar posse como diretor-superintendente do BNDE, em 14 de março de 1955, Roberto Campos declararia: “Alguém já disse que a tarefa do estadista é, essencialmente, explodir mitos antes que os mitos explodam o Estado. (...) O primeiro [mito] é a noção de que o combate à inflação (...) é incompatível com a preservação do desenvolvimento econômico. Ora, a verdade é que uma inflação persistente e aguda, como a da recente conjuntura brasileira, estrangula fatalmente o desenvolvimento econômico, mais cedo ou mais tarde... (...) A segunda das ilusões... (...) reside em julgar-se que é possível esperar prestação e ampliação de serviços pelo Governo, com desatenção ao custo econômico real desses serviços. (...) O terceiro mito é pensar que o bem-estar e a elevação do padrão de vida podem ser atingidos diretamente por medidas legislativas ou imposições redistributivas, por melhor concebidas que pareçam. É que o bem-estar é um subproduto do desenvolvimento econômico e não um artigo de destilação direta.” (Campos, Economia, Planejamento e Nacionalismo. Rio de Janeiro: Apec, 1963, p. 158-160).
Convertido mais adiante em presidente do BNDE, pelo presidente Juscelino Kubitschek, Roberto Campos confirmou, em seu discurso de despedida, em 29 de julho de 1957, que “logrou o BNDE [ou seja, ele mesmo] escapar ao tríplice escolho em que não raro se machucam e espedaçam as nossas empresas do Estado: a politização, o empreguismo e a descontinuidade”. (idem, p. 255).
A verdade é que, como ele relatou em suas memórias, as suas “relações com Juscelino se haviam gradualmente esfriado. Eram fatores cumulativos. Juscelino sentia minha latente hostilidade pela sua dileta pirâmide ‘Brasília’.” Os resultados da política econômica de JK foram duas: “aceleração da inflação e derrocada cambial” (1994, p. 376).
Ele informa ainda: “Esse interregno de ostracismo permitiu-me dedicar um pouco mais de tempo à docência da cadeira de Moeda e de Crédito na Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, então Universidade do Brasil, cadeira em que havia sucedido ao professor Gudin. (...) Na saída do BNDE, acompanharam-me vários colegas do Itamaraty – Miguel Osório de Almeida, Geraldo Holanda Cavalcanti e Lindenbergh Sette – que eu havia atraído para o banco e para o Conselho de Desenvolvimento, pelo interesse que tinham em planejamento econômico. Passaram a enfrentar problemas de sobrevivência, ao perderem as gratificações que suplementavam os magros salários do Itamaraty.” (1994, p. 379).

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
 [Brasília, 8 fevereiro 2017]