Resenha de Felipe Freller (FSP):
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
domingo, 2 de fevereiro de 2025
Christian Lynch: Fundações do Pensamento Político Brasileiro: a construção intelectual do Estado no Brasil - Felipe Freller (FSP)
domingo, 6 de outubro de 2024
Brasil está embarcando na destruição do seu sistema político-partidário: a mentira se tornou personagem - texto não identificado, Christian Lynch e Paulo Roberto de Almeida
Brasil está embarcando na destruição do seu sistema político-partidário: a mentira se tornou personagem - texto não identificado, Christian Lynch e Paulo Roberto de Almeida
Li a postagem abaixo como uma confirmação do que de pior pode ocorrer no atual sistema político brasileiro, sendo praticamente DESTROÇADO pelo oportunismo mais vil de certos personagens obscuros.
O cenário politico tradicional que conhecemos — centro (e os oligarcas do Centrão), esquerda, direita, radicais de esquerda, extrema-direita, evangélicos em ascensão — já pode deixar de existir em 2026, quando esse tipo de confusão deliberada pode desmantelar o quadro “normal” do sistema político brasileiro.
Deixo de indicar a fonte dos argumentos que seguem entre aspas, pois que tudo também pode já fazer parte dessa gigantesca operação de manipulação política que está em curso a partir de grupos obscuros. Seu autor pode me contatar, se achar que estou colocando em dúvida sua “análise” aqui exposta, mas eu me permito ser muito cético no tocante à validade dessas afirmações.
Este blog Diplomatizzando se dedica à discussão responsável de temas relevantes para o Brasil, e não pode ser utilizado ou instrumentalizado em favor de quaisquer forças políticas.
Minha postura atual é a de que estamos ingressando, na política brasileira, numa fase de alteração significativa dos meios, métodos, instrumentos e objetivos de diferentes forças e movimentos, e que essa evolução é para pior, da pior forma possivel.
Esclareço: essa ruptura dos padrões tradicionais da política brasileira começou lá atrás, com o PT fraturando a política e dividindo a sociedade entre “nós” e “elites”, ou seja, o povo, supostamente de esquerda, ou progressista, e as elites, mesquinhas, anti-povo, concentradoras de riqueza.
Agora, é a direita extrema, a mais raivosa, reacionária e odiosa e odienta, que está fragmentando a política do Brasil.
Não sou nada otimista quanto ao futuro da política nacional.
Ao final transcrevo uma nota do cientista politico e editor da revista Insight Inteligência Christian Lynch.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6/10/2024
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“Marçal já ganhou a eleição no 1º turno.
Enquanto todos estão focados na disputa pela prefeitura de São Paulo, Marçal está dois passos à frente—e não é para ocupar a cadeira de prefeito.
Pablo Marçal transformou a campanha eleitoral em um trampolim para amplificar sua marca pessoal, seguindo estratégias de marketing do mestre do digital Russell Brunson.
Inclusive, ele faturou milhões primeiro aplicando ("Expert Secrets") e depois vendendo ("Dotcom Secrets") o conhecimento de Brunson como sua metodologia próprietária.
Ele não busca votos para governar São Paulo agora; busca atenção para converter em faturamento e construir seu caminho rumo ao Planalto.
- Criou polêmicas calculadas para gerar engajamento nas redes sociais.
- Incentivou a criação de cortes de seus vídeos, ampliando exponencialmente seu alcance.
- Transformou debates e sabatinas em oportunidades de marketing, não em discussões políticas construtivas.
Sua verdadeira vitória está em construir uma legião de seguidores fiéis, possivelmente representando 10-20% do eleitorado. Com essa base, ele pode lançar produtos digitais, cursos e mentorias que podem render cifras astronômicas.
Preparem-se para testemunhar talvez o maior lançamento digital já visto no Brasil—quem sabe, do mundo—além de preparar terreno para sua futura candidatura presidencial.
No fim das contas, Marçal nos mostra que, a atenção é a moeda mais valiosa, ganhar uma eleição pode significar algo muito além de ocupar um cargo público.
Este é o primeiro passo de uma estratégia maior para faturar muito e simultaneamente buscar alcançar o mais alto posto político do país.
Fama, dinheiro e poder ao mesmo tempo.”
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Christian Lynch:
“MARÇAL É AMEAÇA POTENCIAL À DEMOCRACIA
Então Marçal AINDA nao é ameaça à democracia, porque não tem poder. Mas sua forma de fazer política o TORNARÁ uma ameaça se adquirir poder.
Eu pergunto como a democracia pode funcionar entregando poder a um candidato que se recusa a debater com adversários, reduzindo todos à condição de criminosos - comunistas, drogados e ladroes - , e que incita o público todo o tempo pelo seu próprio exemplo a produzir violência contra eles.“
sexta-feira, 27 de janeiro de 2023
O populismo reacionário: resenha de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro: O populismo reacionário - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Excelente resenha de um livro magistral
O populismo reacionário

Por ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY*
Comentário sobre o livro de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro
O populismo reacionário, de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro, é um dos livros nacionais mais importantes para uma tentativa de compreensão da situação política atual. Os autores são professores e pesquisadores no Rio de Janeiro. Em quase 200 páginas apresentam uma radiografia do populismo reacionário que levou quase a metade dos votos nas últimas eleições (o livro é anterior ao pleito). Não tratam de uma aventura política transitória e passageira. Tratam de um assunto sério que exige enfrentamento.
A partir da crise da Nova República, e com foco no judiciarismo lava-jatista, os autores exploram nosso tempo político, tateiam uma obtusidade que desdenhamos (e hoje pagamos por isso) e apontam para uma aporia intransponível: o paradoxo do parasita. O parasita precisa do corpo invadido para sobreviver, não pode destruí-lo. A destruição do corpo invadido tem como pressuposto e resultado a morte do parasita. Essa metáfora implica na relação ambígua entre o líder populista reacionário e a democracia. No último dia 8 de janeiro essa tensão chegou ao limite.
Os autores identificam essa nova onda populista (especialmente brasileira) no contexto da crise do liberalismo democrático, que se desdobra da ressaca da euforia da globalização, dos atentados às torres gêmeas e da crise econômica de 2008. Nesses últimos tempos discutiu-se seriamente sobre o destino da agenda democrática, isto é, se haveria uma revitalização desse projeto ou se a ameaça era realmente verdadeira. O que acha o leitor?
Parece-me, venceu esse último postulado. A ameaça transcendeu o espaço digital e foi para a praça com porretes na mão (literalmente). Tudo condimentado por perigos potencializados por um universo de informação paralela, no qual um comunismo idealizado, a imigração estrangeira, um sentido recorrente de injustiça e de mudanças sociais foram fomentados pelo compartilhamento de valores identitários.
Para os autores, o populista reacionário não se interessa por assuntos de governo e de administração. Comanda um partido digital disperso e ao mesmo tempo unido em torno de uma conta também digital. Lê-se nesse corajoso livro que a conta digital do populista reacionário não é lugar democrático com espaço aberto para a crítica do cidadão. A conta digital do populista reacionário “é um altar, cujo acesso é privativo dos fieis para fins de adoração de seu ídolo”. Quando materializado, e agora a opinião é minha, esse espaço de veneração é concomitante ao entorno topográfico oficial: é o cercadinho.
O populista radical, segundo os autores, apresenta-se como o herói antissistema. Gerencialmente é incompetente. Vale-se dessa incompetência como um selo de autenticidade. Entre a competência e a autenticidade (ainda que fingida, o que possível) o medíocre insatisfeito com a mediocridade de sua vida não pensa duas vezes: quer o autêntico.
Que caminho histórico pavimentou o populista reacionário, porta-voz de uma utopia regressiva de restauração a tempos imaginados? Era latente essa utopia? Na tentativa de explicar essas duas perguntas os autores primeiramente exploram uma revolução judiciarista, que se dizia instrumento de uma suposta capacidade regenerativa da Nação. O Judiciário resolveria tudo. Aplicaria a lei.
É o lavajatismo, em sua versão mais completa, que assumiu o padrão de um tenentismo togado. O ex-juiz de Curitiba e o ex-procurador da República que lá atuava tentaram ser versões contemporâneas de Juarez Távora e de Eduardo Gomes. Creio que não conseguiram, ainda que incensados na imprensa e nas redes, aplaudidos em aviões e restaurantes, ouvidos em gravações suspeitas.
Na tese dos autores de O populismo reacionário o judiciarismo escorava-se em legitimidade oriunda do acesso meritocrático ao serviço público. Acrescentaram também o tema do neoconstitucionalismo, que resultou na valorização das corporações jurídicas e, paradoxalmente, na massificação do ensino de Direito. Havia uma multidão de bacharéis que falavam o tempo todo em regras e princípios, citavam autores alemães em tradução (Hesse, Häberle, Müller e Alexy) e remoíam o aspartame jurídico anglo-saxão (Dworkin e Rawls). Defendiam uma maior participação do Judiciário em detrimento dos demais poderes. A restauração se dava no curul, a cadeira dos altos dignitários romanos que ditavam a jurisprudência.
Segundo os autores, basta que consultemos os livros de Direito Constitucional para constatarmos que o espaço dedicado ao Legislativo é ínfimo em relação ao espaço dedicado ao Judiciário e às corporações jurídicas. O judiciarismo que já se verificava em Rui Barbosa e em Pedro Lessa voltou para o proscênio. O moralismo recorrente da UDN, na voz de Afonso Arinos, Bilac Pinto e Aliomar Balleeiro estava na espinha dorsal dessa revolução do judiciário, que também, o que mais paradoxal, escorou-se em intepretações padronizadas do Brasil, como lemos em Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto DaMatta. Esse diálogo seria impossível. Os autores nos lembram que os udenistas de Carlos Lacerda pularam do barco em 1965, do mesmo modo que Sergio Moro e o MBL o fizeram em tempo próximo.
No argumento de O populismo reacionário o núcleo da nova expressão de poder orbitava em torno do culturalismo reacionário de Olavo de Carvalho e do neoliberalismo de Paulo Guedes. Do primeiro apreendeu-se uma concepção petrificada de cultura, centrada na obsessão em face do marxismo cultural, contra o qual se opôs o decadentismo, a crítica à globalização e a âncora da metapolítica, para a qual a cultura vem depois da política. Do segundo, de acordo com os autores, sabe-se que o ponto fraco dos neoliberais tem sido sempre a impopularidade do programa.
O populismo reacionário distancia-se muito da referência e da reverência que tem para com a tecnocracia militar. É que o conservadorismo estatista de Golbery do Couto e Silva subordinou e dominou o culturalismo de Gilberto Freyre e de Miguel Reale, bem como o neoliberalismo de Roberto Campos e de Octávio Bulhões. Os autores não chegam a conjecturar sobre uma explicação para essa disfunção. Talvez, a adesão do populismo reacionário ao negacionismo estrutural possa ser uma chave interpretativa para o enigma.
Os autores dão pistas. A negação do aquecimento global, do holocausto, a fé no terraplanismo, a crença na hipótese de que nazismo e fascismo seriam de esquerda, o racismo reverso, o conspiracionismo, a pandemia, a eficiência da vacina, a ortodoxia das urnas e o tema da ideologia de gênero transitariam nesse quadro explicativo. Na pergunta de Fernando Gabeira, “por que se afastam tanto da realidade e quando se dão conta dela ficam tão revoltados?”.
O populista reacionário cerca-se de quadros medíocres e servis, fomentando um macarthismo administrativo. Os dissidentes são perseguidos. Na construção do caminho para o populismo reacionário formulou-se uma teoria constitucional de sustentação, sempre servida por juristas desfrutáveis (a expressão é dos autores) que retomaram o tema da razão do Estado, agora justificativa de segredos quase perpétuos (100 anos).
Acrescento ao argumento dos autores o papel de certa teologia da prosperidade. Para Carl Schmitt (o príncipe dos juristas desfrutáveis) o milagre estaria para a fé como a jurisprudência para o direito. Para sua quase versão brasileira (Francisco Campos) o Estado totalitário seria uma técnica a serviço da democracia. É a união entre o templo e o palácio da justiça.
Penso que a grande mensagem de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro nesse belíssimo livro consiste na constatação de que se abandonou a busca racional da verdade como fundamento da vida coletiva. Os autores instigam mais para a busca racional da verdade do que para a própria verdade. Afinal, sobre essa última, e a questão é bíblica (João 18:38) nem mesmo Pilatos sabia do que se tratava.
*Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Referência
Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro. O populismo reacionário. São Paulo, Contracorrente, 196 págs.
Do site A Terra é Redonda
quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
Pau que nasce torto morre torto: sobre a paralisia e a dissolução final do governo Bolsonaro - Christian Lynch
PAU QUE NASCE TORTO MORRE TORTO
Uma análise da paralisia, do esboroamento e da final dissolução do governo anômalo de Jair Bolsonaro
Por Christian Lynch
04/jan/2023
O governo Bolsonaro foi coerente até o fim em sua anormalidade congênita. Quando estão para terminar, governos normais reconhecem o resultado eleitoral e se limitam a tocar a rotina administrativa, limitando suas ações políticas em facilitar o advento do novo governo. O presidente que sai cede protagonismo ao que entra. Mas não poderia terminar normalmente um governo que se elegeu em circunstâncias anormais e viveu na anormalidade e de anormalidade. Hoje está mais do que claro que Bolsonaro nunca passou de um parasita; um reacionário muito limitado intelectual e emocionalmente, que encontrou na lacração reacionária um meio de viver da política e o ensinou aos filhos. Natural que acreditasse, portanto, que sua mais do que improvável chegada ao cargo mais elevado da República, que aliás ocorreu por muitos fatores aleatórios, resultasse de alguma forma dos insondáveis desígnios do Senhor.
Não por outro motivo, recebeu sua derrota, mais do que com fúria, com absoluto estupor. Caiu prostrado como um tolo dirigente de grêmio estudantil; um principiante que nunca houvesse cogitado a possibilidade de ser vencido, usual tanto no esporte como na política. Prostração típica dos negacionistas contrariados, que atribuem seus reveses não às suas limitações, mas à alguma maquinação conspiracionista — no caso, a satânica fraude eleitoral operada pelo Poder Judiciário para eleger Lula. Depois da prostração, porém, veio o pânico diante da perspectiva de privação da imunidade e do foro privilegiado, que por mais de três décadas lhe serviram de barreiras à possibilidade de responder por seus crimes, e da impossibilidade de continuar aparelhando a Polícia Federal para impedir as investigações.
Dali por diante, Bolsonaro emudeceu. Passou a fazer um jogo duplo: enquanto conspirava com seus generais aposentados pelo golpe que o salvaria da cadeia, impedindo a posse de Lula, o ex-presidente se fazia de pobre diabo, doente e deprimido, para que o mesmíssimo “sistema” viesse a ter pena dele, em caso de fracasso no golpe. Há quem diga que a mobilização da porção mais fanática de seus eleitores nas portas dos quartéis, que partiram do golpismo até chegar ao terrorismo, bloqueando estradas, incendiando veículos e explodindo bombas, tinha por finalidade criar o ambiente de caos e de legitimidade que permitisse a invocação do art. 142 da Constituição. Como se sabe, a interpretação golpista do bolsonarismo permitiria às Forças Armadas, neste caso, fechar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral e manter Bolsonaro no poder. Valdemar Costa Neto se incumbiria de sossegar a turma do Centrão. Segundo a imprensa, o golpe teria fracassado por falta de apoio externo e pela ação enérgica do ministro Alexandre de Moraes, que impôs ao partido do presidente uma multa de valor astronômica diante da tentativa de usar o Judiciário para melar sem provas o resultado da eleição.
A verdade é que a possibilidade de um golpe exitoso nunca passou de um delírio de reacionários que pouco entendem de política, e ainda acham que a sociedade brasileira está onde estava 60 anos atrás.
Desde que a possibilidade do golpe se esvaiu, consultando advogado atrás de advogado, obcecado com a certeza de que seria preso no momento em que Lula subisse a rampa do Planalto, Bolsonaro começou a planejar sua fuga para a Flórida. Seu governo, já paralisado, se esboroou e enfim se dissolveu à luz do dia de forma tão escandalosa como silenciosa. Toda a responsabilidade pela gestão da República recaiu sobre um governo eleito cujo quadro de ministros sequer estava completo. Enquanto os filhos do presidente também preparavam sua saída do país antes do ano novo, ministros saíam de férias ou pediam para ser exonerados, para não sofrerem a humilhação de serem exonerados por Lula — os ministros mais identificados com o bolsonarismo, como Heleno, Guedes, Faria, Queiroga. Acusado de ter coibido a locomoção do eleitorado lulista no dia da eleição e subsequente leniência com os bloqueios das estradas cometidos pelos bolsonaristas, o diretor da Polícia Rodoviária Federal foi rapidamente aposentado com proventos integrais. O estratagema visou prevenir sua eventual demissão a bem do serviço público e a confissão das ordens recebidas, o que não convém ao bolsonarismo já encrencado com a polícia. Aliados de Bolsonaro justificaram a fuga com o temor de um “pacote de maldades” com chegada de Lula. Pacote este que, olhando de perto, não passa de um “choque de legalidade” sobre a prática diuturna de crimes contra a república por parte de um governo que acreditou que jamais deixaria o poder.
Em seus estertores, os poucos atos praticados pelo governo foram os mais vergonhosos jamais praticados por qualquer governo na história brasileira. Enquanto tentava agradar a Lula revogando a portaria que impedia a entrada do presidente da Venezuela no Brasil, Bolsonaro criou sinecuras no exterior para premiar servidores da Polícia Federal que se prestaram ao papel de colaboracionistas e embalá-los na ilusão de que o braço da sindicância não chegaria à Europa. A possibilidade da revogação da benesse pelo novo governo já estava nos planos do velho, que contava assim com aumentar a frustração dos colaboracionistas, para que doravante sirvam de infiltrados vazando informações sigilosas em benefício dos bolsonaristas na oposição.
Mas a esvaecimento da cúpula bolsonarista nos últimos meses tem outra explicação, para além da repulsa ideológica e do medo. Todos sabiam que não tinham competência nem qualificação para ali estarem; que foram recrutados para ocupar seus cargos, parte por oportunismo, parte por falta de pessoal disposto a colaborar. Estavam ali tão espantados quanto a opinião pública, aproveitando a situação especial criada pela existência de um governo absolutamente anormal. Uma vez moribundo este governo, nada mais lógico que se retirassem rapidamente de cena, voltando para o buraco de onde haviam saído ou sido saídos. De modo que, quando chegou a última semana, já não havia quem respondesse pelo governo Bolsonaro. Não havia sequer autoridade para lamentar oficialmente a morte de Pelé, o brasileiro mais famoso de todos os tempos. Os meios de comunicação tiveram de entrevistar a futura ministra dos esportes, designada de véspera, porque já não havia ninguém no governo ainda vigente oficialmente.
O último pronunciamento de Bolsonaro seguiu seu hábito de se dirigir diretamente ao país por meio de uma “live” informal no YouTube e já entrou para a história brasileira como a manifestação mais patética jamais proferida por um presidente às vésperas de ceder o poder. Em síntese, tratou-se de um deprimido e acovardado lamento de um populista reacionário, que buscava explicar ao seu eleitorado seu fracasso no projeto de derrubar a república e, ao mesmo tempo, cheio de temores e cautelas de dizer qualquer coisa que pudesse incriminá-lo ainda mais. Enquanto defendeu a suposta “liberdade de expressão” dos bolsonaristas de bloquear estradas e pedir o golpe militar na porta dos quartéis, Bolsonaro tentou simultaneamente eximir-se de responsabilidade por todos os atos subversivos por eles praticados, como explodir bombas, tocar fogo em ônibus e assassinar adversários. Tentou, em suma, explicar ao seu eleitorado por que não conseguiu dar o golpe, sem dar pretexto para ser preso.
No fim, Bolsonaro chorou como um impotente, suscitando perplexidade, riso e desprezo de um lado e decepção e fúria de sebastianistas fanáticos que por dois meses aguardaram o golpe que não veio.
Poucas horas depois, na tarde do dia 30 de dezembro, Bolsonaro embarcou pela última vez no avião presidencial com destino à Flórida, onde foi encontrar se encontrar com a família no “exílio”. O confesso objetivo era de descansar, entendendo-se por tal passear na Disneylândia e ouvir conselhos de Donald Trump sobre como continuar a enganar seu eleitorado fora do poder e escapar tanto da inelegibilidade quanto da prisão. A história da fuga de Bolsonaro é, claro, reflexo fiel de sua própria história como militar e político: aquela de um homem abaixo do medíocre, de caráter fascistóide e covarde, que descobriu como viver às custas do contribuinte, vivendo um casamento moralista de fachada, cercado por uma camarilha de militares de baixa patente, que o alimenta dia e noite com teorias da conspiração.
Quando se imaginava que nada pior poderia ainda acontecer até a posse do novo presidente, o respeitável público foi surpreendido com a notícia de que o vice-presidente, o general Mourão, aproveitaria o vácuo de poder de 24 horas para ocupar como presidente interino no dia 31 de dezembro o vazio deixado por Bolsonaro. Desejoso de catalisar para si a frustração do eleitorado radical com a fuga ignominiosa do “Mito” para seu exílio na Disneylândia, Mourão se comportou como herdeiro dos generais-presidentes da ditadura militar e convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão, na qual buscou apresentar-se ao público conservador como um Figueiredo redivivo: autoritário, mas pretensamente comprometido com a ordem constitucional.
Era um modo de contrastar com a imagem patética de golpista molambento e chorão ostentada por Bolsonaro na véspera. Depois de criticar simultaneamente o Centrão, o Supremo Tribunal Federal e o próprio Bolsonaro, que teria jogado a responsabilidade de sua incompetência sobre as Forças Armadas, Mourão concluiu colocando-se à disposição dos bolsonaristas arrependidos como “o verdadeiro Bonaparte”, ou seja, um militar autoritário respeitável, autêntico herdeiro do regime militar, capaz de capitanear como senador eleito a oposição conservadora a Lula e, quem sabe, ganhar seu voto como candidato a presidente da República daqui a quatro anos. Nada disso retirou do pronunciamento o caráter do mais fantástico oportunismo. No fim das contas, Mourão aproveitou seus quinze minutos como interino para fazer uso dos poderes presidenciais para propaganda eleitoral, de forma escancaradamente antirrepublicana.
O fato de que o antirrepublicanismo tenha no final se voltado contra o próprio Bolsonaro só foi possível porque este foi um governo disfuncional de fio a pavio; um governo que nasceu anômalo e anômalo morreu. Como já dizia minha avó, pau que nasce torto morre torto.
* Cientista político, editor da revista Insight Inteligência e professor IESP-UERJ
segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
As novas tábuas da Lei; revista Inteligência, n. 95, Dezembro 2021
Acredito que o autor destas novas tábuas da Lei, Christian Lynch, editor da revista Inteligência Insight, deve ter falado com Moisés, antes de redigi-las...
sábado, 6 de fevereiro de 2021
130 anos atrás, em 1891, a primeira Constituição republicana: teríamos mais seis - Agencia Senado
A Constituição republicana de 1891
A Constituição de 1891, promulgada pelos senadores e deputados constituintes 15 meses após a derrubada de D. Pedro II, estabeleceu as bases políticas sobre as quais o país se ergue até os dias de hoje: a República, o presidencialismo, os três Poderes e o federalismo.
Até 1889, as bases eram bem diferentes. Como Monarquia parlamentarista, o Brasil tinha imperador e primeiro-ministro. Havia o Poder Moderador, que era exercido pelo monarca e prevalecia sobre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Diferentemente dos atuais estados, as antigas províncias eram meros braços do governo central e quase não tinham autonomia política e financeira. Nem sequer escolhiam seus próprios presidentes (como se chamavam os governadores).
Entre as raras vozes da sociedade que conseguiram se manifestar na Constituinte de 1890-1891, estiveram o Apostado Positivista e a Igreja Católica, ambos por meio de carta. Os seguidores do positivismo (filosofia na época em voga que pregava que só a ciência garantiria o progresso da humanidade) recomendaram aos parlamentares que ficassem atentos para não cair em “utopias comunistas”. Os religiosos, por sua vez, não gostaram de ver o catolicismo perdendo o status de religião oficial do Brasil e os subsídios dos cofres públicos.
“A separação violenta, absoluta e radical não só entre a Igreja e o Estado, mas entre o Estado e toda religião, perturba gravemente a consciência da nação e produzirá os mais funestos efeitos, mesmo na ordem das coisas civis e políticas. Uma nação separada oficialmente de Deus torna-se ingovernável e rolará por um fatal declive de decadência até o abismo, em que a devorarão os abutres da anarquia e do despotismo”, escreveu o arcebispo primaz do Brasil, D. Antônio de Macedo Costa.
Os católicos não foram ouvidos. Além da separação entre Igreja e Estado, a Constituição de 1891 determinou que o casamento religioso não teria mais validade pública, apenas o casamento civil.
O Senado também passou por mudanças. Os senadores deixaram de ser vitalícios e passaram a ter mandato limitado. O Supremo Tribunal, que no Império era quase decorativo, ganhou poderes e pôde julgar processos políticos.
De acordo com o cientista político Christian Lynch, da Fundação Casa de Rui Barbosa e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o governo republicano recorreu a vários artifícios para ter controle sobre o conteúdo da Constituição que seria aprovada:
— Primeiro, a eleição para o Congresso Constituinte foi regida por uma legislação fraudulenta, que impediu a entrada de todos que fossem adversários do novo regime, como os monarquistas, os parlamentaristas e os unitaristas [opositores do federalismo]. Depois, o governo enviou um projeto de Constituição pronto e deu aos constituintes parcos três meses para aprová-lo, o que restringiu as discussões e dificultou as modificações. Por fim, os constituintes automaticamente se tornariam senadores e deputados ordinários, sem nova eleição, após a dissolução do Congresso Constituinte. Isso foi ruim porque eles perderam a liberdade de decidir. Estando com o mandato garantido pelos próximos anos, não faria sentido que mudassem as regras do jogo político em seu prejuízo. Jamais, por exemplo, aprovariam uma Constituição prevendo o Poder Legislativo unicameral. No fim das contas, o Congresso Constituinte fez pouco mais que carimbar o projeto do governo provisório.
Apesar de a escravidão ter sido abolida apenas três anos antes, o Congresso Constituinte não tocou na complicada situação dos antigos escravizados, que foram libertados sem ganhar nenhum tipo de compensação ou apoio do poder público. A escravidão foi citada, por exemplo, quando um constituinte parabenizou o governo por incinerar todos os registros públicos relativos à posse de escravizados e também quando um político de Campos (RJ) afirmou que a Lei Áurea havia levado sua cidade à ruína econômica.
Alguns parlamentares chegaram a questionar se o povo teria condições intelectuais para, pelo voto direto, escolher os presidentes da República.
— O voto direto traz o país constantemente sobressaltado por ocasião das eleições, às quais concorre grande massa de povo ignorante, e não raro são os distúrbios e desordens que provoca, o que se economiza perfeitamente com o voto indireto, dando-se a faculdade eletiva a um eleitorado escolhido — argumentou o deputado Almeida Nogueira (SP).
— No Brasil, como em toda parte, qualquer que seja o sistema preferido, quem governa não é a maioria da nação. É a classe superior da sociedade, uma porção mais adiantada e, conseguintemente, mais forte da comunhão nacional — acrescentou o deputado Justiniano de Serpa (CE).
Apesar desse tipo de raciocínio, a Constituição de 1891 entrou em vigor prevendo a eleição direta para presidente. Grande parte dos ex-escravizados, contudo, foi alijada desse direito, já que a Carta republicana negou o voto aos analfabetos, como já faziam as leis do Império desde 1881. O deputado Lauro Sodré (PA) tentou, sem sucesso, permitir que os iletrados votassem:
— Estamos em uma fase social que se acentua pela elevação do proletariado. Se lançarmos os olhos para os povos civilizados, havemos de ver que em todos eles se vai levantando a grande massa. Chamem-na socialismo, niilismo ou fenianismo, um só é o fenômeno social: o advento do Quarto Estado. Não posso dar o meu voto a este verdadeiro esbulho com que se tenta ferir todos os que não sabem ler nem escrever, ainda que trabalhem tanto na obra do progresso da nação quanto aqueles que tiveram a fortuna de aprender a assinar o seu nome.
As oligarquias estaduais aproveitaram o Congresso Constituinte para, na adoção do federalismo (transformação das províncias em estados), tentar obter o máximo possível de liberdades, prerrogativas e benesses. Sugeriu-se que o governo federal assumisse as dívidas de todos os estados, que os governos locais tivessem o poder para abrir bancos emissores de papel-moeda e que cada governador indicasse um ministro para o Supremo Tribunal Federal. Outra ideia debatida foi a liberdade para que os estados criassem suas próprias leis civis, processuais, comerciais, eleitorais e até penais.
— Os crimes de homicídio, de roubo e de furto hão de ser crimes de homicídio, de roubo e de furto no Rio Grande do Sul, no Pará, em Minas, no Amazonas e em toda parte, mas a penalidade pode diversificar. No Rio Grande do Sul, onde o povo é dado à indústria pastoril, infelizmente há em abundância o furto de gado e lá nós precisamos punir mais gravemente esse delito do que puniriam os pernambucanos, os mineiros e os alagoanos, para evitar sua reprodução — argumentou o deputado Cassiano do Nascimento (RS).
À exceção dos códigos processuais estaduais, nenhuma dessas ideias vingou. Em compensação, as oligarquias conseguiram incluir na Constituição a criação dos Judiciários estaduais (antes só havia o Judiciário nacional) e a concessão das terras devolutas aos estados (antes pertenciam à União).
— As antigas províncias, feudos da Monarquia, aqueles territórios estéreis onde dominavam o imperialismo e o niilismo, aquelas províncias verdadeiramente esfarrapadas e nuas, como se fossem mendigas, aí surgem, como que mudando de sexo, transformadas em estados — festejou o senador Américo Lobo (MG).
A partilha do dinheiro público também mobilizou as oligarquias estaduais. Dos poucos embates ocorridos nos três meses do Congresso Constituinte, esse foi o mais renhido. No Império, a autonomia financeira das províncias era quase nula. Elas não tinham poder sobre o dinheiro arrecadado em seus territórios pelo governo central, que fazia a seu critério a distribuição dos recursos. No Congresso Constituinte, os estados mais ricos buscaram acabar com essa dependência. São Paulo, por exemplo, que não gostava de ver as volumosas somas geradas pela exportação do seu café sendo aplicadas em outros cantos do Império, agiu para ter o controle de todo o dinheiro.
— Diante da decadência que se abateu sobre o Nordeste na década de 1870, em razão da crise do açúcar, a Monarquia passou a redistribuir para as províncias nordestinas o dinheiro dos tributos arrecadados em São Paulo. Por esse motivo, a Monarquia era popular no Nordeste e impopular em São Paulo. Os paulistas, que se viam como a locomotiva que puxava os 20 vagões das demais províncias vazios, abraçaram a ideia do federalismo republicano porque não queriam mais perder dinheiro — explica o cientista político Christian Lynch.
A bancada do Rio Grande do Sul apresentou uma proposta radical de federalismo: a arrecadação tributária passaria para as mãos dos governos locais, e a União se tornaria dependente de uma mesada paga pelos estados.
— Se dermos aos estados toda a autonomia, mas não lhes dermos renda, isso equivalerá à liberdade da miséria — argumentou o deputado Júlio de Castilhos (RS). — A federação, para ter realização efetiva, completa, satisfatória, depende da devolução aos estados não somente dos serviços que lhes competem, mas também da devolução das rendas que no regime decaído [Monarquia], o qual tanto combatemos, eram absorvidas quase que totalmente pelo governo central.
— Neste momento em que se tratamos de organizar os estados, se me afigura como que uma cena de família em que os filhos da casa, chegados à maioridade, deixam o teto paterno para constituírem em separado suas famílias. Os estados, antigas províncias, vão neste momento, depois de sua independência, adotar um novo regime que deve produzir sua grandeza e felicidade — comparou o senador Ramiro Barcellos (RS).
Para os adversários da ideia, esse federalismo extremado fortaleceria tanto certos estados que poderia levá-los a desejar o separatismo, comprometendo a União.
— O que se está propondo é uma confederação de republiquetas — criticou o senador José Hygino (PE).
— Os estados brasileiros têm tido nesta Casa tantos defensores quantos são os seus representantes. A União, porém, a pátria comum, parece que não tem advogado — lamentou o senador Ubaldino do Amaral (PR), acrescentando que, caso os estados em algum momento se recusassem a transferir os impostos, o governo federal não teria como custear o Exército, a Marinha, as embaixadas no exterior, o serviço de correios e a segurança interna.
Para o senador Ruy Barbosa (BA), a União estaria fadada à morte se passasse a depender das “migalhas” dos estados:
— Os estados são órgãos; a União é o agregado orgânico. Os órgãos não podem viver fora do organismo assim como o organismo não existe sem os órgãos. Separá-los é matá-los. Não vejamos na União uma potência isolada no centro, mas a resultante das forças associadas disseminando-se equilibradamente até as extremidades. Fora da União, não há conservação para os estados.
Por uma margem apertada, 123 votos contrários e 103 favoráveis, a proposta da bancada gaúcha foi derrotada. O federalismo previsto na Constituição de 1891 garantiu recursos equilibrados para a União e o conjunto do estados. A estes últimos coube, entre outros, o imposto de exportação — justamente o principal pleito de São Paulo.
Aristides Lobo, o jornalista que descreveu o povo assistindo “bestializado” ao golpe de Estado de 1889, elegeu-se deputado pelo Distrito Federal (na época o Rio de Janeiro) e participou da elaboração da Constituição de 1891. O artigo ficou tão famoso já na época que, no Congresso Constituinte, ele ouviu colegas avaliando que o adjetivo “bestializado” era exagerado e jurando que o povo havia, sim, ajudado a derrubar a Monarquia. Lobo discordou:
— O acontecimento deu-se no meio de uma população surpresa pela oscilação revolucionária. Esse é o aspecto natural da questão.
Na tribuna do Paço de São Cristóvão, o deputado Serzedello Correia (PA) fez uma avaliação semelhante à de Aristides Lobo:
— A República devia vir como veio: calma, silenciosa, de modo que as tropas percorreram as ruas em triunfo e as crianças continuavam a brincar no colo de suas mães.
Terminado o Congresso Constituinte, os parlamentares deixaram o improviso do Paço de São Cristóvão e se mudaram para o Centro do Rio de Janeiro. Os senadores passaram a trabalhar no mesmo prédio do Senado imperial e os deputados, no mesmo prédio da Câmara imperial. São Cristóvão se transformou no Museu Nacional — o mesmo que seria devastado em 2018 por um incêndio.
A seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre a Agência Senado e o Arquivo do Senado, é publicada na primeira sexta-feira do mês no Portal Senado Notícias.
Mensalmente, sempre no dia 15, a Rádio Senado lança um episódio do Arquivo S na versão podcast, disponível nos principais aplicativos de streaming de áudio.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado
sábado, 25 de janeiro de 2020
Rui Barbosa, o maior liberal brasileiro, para Christian Lynch, da Casa Rui Barbosa - João Paulo Charleaux (Nexo)
Qual a importância de Rui Barbosa para o liberalismo brasileiro

Qual a importância de Rui Barbosa para a política externa brasileira?
E qual foi o papel do Rui Barbosa nessa conferência?
Há mais de 100 anos, Rui Barbosa foi um defensor do multilateralismo, um homem que apoiou a criação de instâncias como a Corte Internacional de Justiça. Hoje, todo esse sistema que impõe limites à soberania total dos Estados vem sendo combatido pelo Itamaraty sob o governo Bolsonaro. Nesse sentido, a política externa brasileira de hoje renega o legado de Rui Barbosa?
Alguns temas discutidos por Rui Barbosa há 130 anos voltaram a ser contemporâneos, como o debate sobre o valor da Proclamação da República (1889) e o saudosismo em relação ao Brasil Império (1922-1889). Como o sr. interpreta o regresso a esses temas hoje, e o que Rui Barbosa deixou de legado a esse respeito?
Mas ele fez parte do primeiro governo da República.
Essa monarquia idealizada por Rui Barbosa é a mesma almejada pelos monarquistas de hoje?
Outro tema que volta à tona hoje é a resistência de alguns setores à vacinação. Rui Barbosa também se opôs à campanha de vacinação em 1904. O que essa posição indica sobre o perfil dele de forma geral?
O secretário que o retirou do cargo na Fundação Casa de Rui Barbosa foi exonerado por ter copiado um discurso nazista logo depois. O sr. espera que essa decisão do presidente altere sua situação? Que percepção o sr. tem desse episódio?
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
Macarthismo Administrativo do Bolsonarismo - Claudio Gonçalves Couto (Valor)
Paulo Roberto de Almeida
Enviado por Christian Lynch:
MACARTHISMO ADMINISTRATIVO
(Artigo publicado pelo colega cientista político Cláudio Gonçalves Couto
hoje, 23/01/2020, no Valor, citando meu caso como exemplo do macarthismo em questão)
Ao controlar até a nomeação de pessoas para cargos de funções sem teor partidário, governo aparelha a máquina pública
Um dia antes da divulgação de performance de inspiração nazista que lhe custou o cargo, o então secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, manifestou-se no Twitter sobre a indicação do cientista político Christian Lynch para a chefia do Serviço de Pesquisa Ruiano, na Fundação Casa de Rui Barbosa. O posto, segundo o emulador de Goebbels, não poderia ser ocupado por Lynch por ter ele “ideias execráveis sobre Jair Bolsonaro”. Mais que isso, sugeriu que apenas não o dispensaria por se tratar de servidor concursado da Fundação em que exerceria o cargo. Assim, determinou à presidente da organização que cancelasse a nomeação do desafeto.
A missão da Casa de Rui Barbosa é preservar não só memória e obra de seu patrono, como promover “a pesquisa, o ensino e a difusão do conhecimento sobre temáticas relevantes para a história do Brasil”. Lynch, como pesquisador do pensamento jurídico, político e social brasileiro, em especial o de Rui, reunia os atributos profissionais e intelectuais exigidos para a ocupação da chefia que fora oferecida - que é, inclusive, do setor em que trabalha naquela entidade. Bolsista de produtividade do CNPq, com projetos e publicações sobre o tema do setor que dirigiria, seria natural exercer a função e ter o comissionamento condizente com a nova responsabilidade.
Comissionamento nem sempre requer laços partidários. Órgãos de pesquisa como esse, assim como fundações, universidades, institutos e autarquias, contam com cargos comissionados cujo exercício depende de nomeação por superiores hierárquicos. São chefias de departamento, coordenações de curso, superintendências e coisas do tipo. A natureza de tais cargos requer a nomeação por superiores não em decorrência da necessidade de alinhamentos pessoais ou político-partidários, mas pelo reconhecimento da competência profissional e da experiência, requerida para se desincumbir da função.
No caso de uma instituição de pesquisa na área de política, nada mais natural que, por sua própria atividade profissional, pesquisadores escrevam textos críticos sobre os mais diversos aspectos desse mundo - como o governo do dia. E foi um artigo de Lynch que levou o secretário, leal escudeiro do presidente, a impedir sua nomeação. Fiel a seu ofício, o autor teceu considerações críticas acerca do bolsonarismo, observando numa passagem: “A adesão ao extremismo ideológico é escada para os candidatos que desejarem assumir cargos na administração”. Como observou depois o próprio Lynch, o cancelamento de sua nomeação confirmou tal afirmação.
Mas não se trata apenas da adesão ao extremismo bolsonarista, como também a adulação do chefe. Foram as “ideias execráveis” de um servidor sobre o presidente que justificaram o veto. Da mesma forma, foi a atitude severa de outro funcionário, José Olímpio Augusto Morelli, que gerou, em março de 2019, sua exoneração do cargo em comissão de Chefe do Centro de Operações Aéreas do Ibama. Morelli foi o fiscal que multou Bolsonaro por pescar ilegalmente na estação ecológica de Angra dos Reis. Era, há mais de uma década e meia, servidor concursado do órgão em que exercia sua chefia e foi secretário de Meio Ambiente do município. Ou seja, contava com atributos técnicos e experiência para o cargo, mas foi exonerado por ter-se tornado desafeto do presidente ao cumprir o dever funcional e multar quem pesca ilegalmente.
Em maio do ano passado, o Decreto 9.794 conferia à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a atribuição de fiscalizar a vida pregressa de ocupantes de cargos comissionados em instituições federais de ensino superior, submetendo-as à Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República. Assim, a ocupação de um cargo como de diretor de um centro de ensino, ou de uma faculdade, dependeria de avaliação do gabinete presidencial. Que propósito haveria em controlar tão centralmente a nomeação para um cargo dessa monta, no âmbito de uma instituição universitária que, por sua função e determinação constitucional, goza de autonomia? É demasiado.
Nem todo cargo comissionado na administração pública se reveste de caráter político-partidário ou de lealdade pessoal. Quanto mais próximo aos representantes eleitos, mais relevante e legítimo é tal critério; porém, quanto mais próximo da ponta, ou da burocracia do nível de rua, menos adequado é que o preceito pessoal ou partidário dos dirigentes máximos do governo seja determinante. Pelo contrário, nesse nível do aparato governamental o que deve contar, em prol do bom desempenho da gestão, do cumprimento de funções administrativas, do pluralismo e da impessoalidade, são parâmetros de desempenho e experiência no âmbito das atividades exercidas. Noutros termos: em tal patamar, comissionamento não se justifica por confiança política, mas por reconhecimento e responsabilização decorrentes do bom desempenho profissional.
Não seguir tal diretriz - ou pior, violá-la deliberadamente - implica o aparelhamento e na partidarização da máquina pública. Ou, nos termos de Lynch na conclusão de seu artigo: autoritarismo, hierarquia mantida pela violência, personalismo, nepotismo, guerra política, intimidação, espírito de vingança, perseguição e exercício da violência psicológica.
Portanto, o viés autoritário do bolsonarismo não se traduz apenas em ideias antipluralistas, tensionamento constante com os demais poderes do Estado, enaltecimento da violência ou ataque reiterado à imprensa, à ciência e às artes não alinhadas. Ele também se faz presente na forma como o Poder Executivo organiza sua estrutura administrativa até as fímbrias mais remotas, aparelhando-a com aduladores e correligionários, bem como perseguindo críticos ou não alinhados cuja crítica ou não alinhamento decorrem justamente do cumprimento de obrigações funcionais.
A contraface desse aparelhamento é a ideia, presente na proposta de reforma administrativa, de proibir servidores de terem filiação partidária. Ora, se isso é irrelevante para o bom desempenho de suas funções, tal regra tem apenas um propósito: instaurar um macarthismo administrativo.
Cláudio Gonçalves Couto; é cientista político, professor da FGV-SP e colunista convidado do “Valor”. Maria Cristina Fernandes volta a escrever em fevereiro