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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O Brasil no contexto economico global - Ilan Goldfajn e Felipe Salles


O Brasil no novo contexto global
Ilan Goldfajn e Felipe Salles
Valor Econômico,  24/09/2012 - pág. A16

A economia brasileira está demorando a voltar a crescer mais forte. O cenário global não é favorável, os custos no Brasil encontram-se muito altos e os planos de investimento aguardam uma retomada mais consistente. O governo tem adotado novas medidas de estímulo. Vai dar certo?
Se "dar certo" significa que a economia deve tornar a crescer mais do que indicado pelo último número do Produto Interno bruto (PIB) - crescimento de 0,4% sobre trimestre anterior -, a resposta é sim. Componentes cíclicos e conjunturais - reversão do ciclo de estoques, estímulos monetários e fiscais e estabilização da desaceleração mundial - vão contribuir para a economia retomar o crescimento em algum momento no futuro próximo. Mais difícil é saber se o Brasil consegue crescer a uma taxa maior de forma sustentável - no médio prazo, digamos até 2020.
O contexto internacional mudou, e o que era um estímulo global ao crescimento dos países virou uma restrição.
A virada ocorreu com a crise financeira, iniciada com o estouro da bolha no setor imobiliário dos EUA - em particular no mercado subprime -, rapidamente atingiu o setor bancário e culminou com a quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008, que afetou a economia global.
Após um período de retomada e otimismo, fruto das ações dos governos e, principalmente, de seus bancos centrais, surgiram problemas nas regiões mais frágeis da economia global. Os países periféricos europeus passaram a apresentar problemas em função de um longo período de crédito farto e barato após a adoção do euro. A política fiscal expansionista ao longo da década (e também na reação à crise) cobrou seu preço: vários países, como Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha tiveram significativo aumento do déficit público, gerando dúvidas com relação à sustentabilidade de suas dívidas e dificultando o acesso aos mercados. Ações de bancos dos países periféricos caíram, sinalizando que a saúde do setor estava debilitada, e famílias e empresas passaram a retirar seus depósitos bancários em alguns países.
Com passos lentos, oscilantes e irregulares, as autoridades europeias tomaram uma série de medidas que, embora necessárias para evitar um colapso na região, ainda não solucionaram o problema. O Banco Central Europeu (BCE) tem sido chave para evitar o colapso, adquirindo títulos públicos problemáticos no mercado secundário, e disponibilizou liquidez barata. Recentemente, comprometeu-se a intervir ainda mais.
Apesar de todo esse esforço, os países da zona do euro têm dificuldade para crescer. A dinâmica da dívida (como proporção do PIB) piora não só por causa déficit público, mas também pela redução do crescimento. Os balanços dos bancos e empresas pioram com a perda das receitas e aumento da inadimplência. O desemprego elevado gera instabilidade social e política.
A Europa terminará em desastre, com o fim da zona do euro? Acreditamos que o euro continuará existindo, mas talvez sem a exata composição atual (com a saída da Grécia, por exemplo). Nesse cenário, a Europa irá, aos trancos e barrancos, avançar nas questões-chave - ajustes fiscais, reformas estruturais e instituições que contemplem maior integração fiscal e regulatória no euro. Esses avanços são lentos, e enquanto as medidas são adotadas, o BCE irá adquirindo boa parte das dívidas dos periféricos para evitar uma quebra na região, realizando efetivamente um enorme estímulo quantitativo, o "quantitative easing" (QE). Delineia-se um período longo de ajuste com crescimento baixo.
Nos EUA, não esperamos uma volta à recessão, nem uma recuperação forte, a exemplo da Europa. A agressiva expansão monetária adotada pelo banco central americano (Fed) logrou evitar uma deflação, que poderia tornar a saída da crise mais complicada (da mesma forma que a inflação elevada reduz o valor real das dívidas, a deflação dificulta o processo de desalavancagem). O desemprego continua elevado, mas nada comparável ao que se seguiu à crise de 1929. O déficit público precisa ser reduzido, mas não existem dúvidas sobre a capacidade de o governo honrar suas dívidas.
O setor privado avançou bastante nos necessários ajustes para retomar o crescimento no longo prazo de forma sustentável. Os balanços de bancos e empresas estão relativamente saudáveis, as famílias elevaram a taxa de poupança e vêm pagando suas dívidas. Os preços dos imóveis estabilizaram-se, o estoque de imóveis à venda reduziu-se e a demanda começa a dar sinais de vida.
O problema é que boa parte do ajuste do setor privado deu-se à custa do setor público. O estoque da dívida pública aumentou, o déficit público aumentou e o balanço do Fed elevou-se de forma significativa. Esse ajuste - o do setor público - ainda está por ser feito, e existem incertezas no processo (por exemplo: será o Fed capaz de reduzir o seu balanço quando as condições financeiras se normalizarem por completo? O risco é de uma inflação mais elevada no futuro longínquo).
As perspectivas são de crescimento moderado: por um lado, o necessário ajuste fiscal dificulta a volta no crescimento, por outro lado, em algum momento, o setor de construção, atualmente estagnado, poderá voltar à normalidade, trazendo estímulos à economia.
Em geral, as condições estruturais para o crescimento de longo prazo não são favoráveis nos EUA e na Europa. Em primeiro lugar, as condições demográficas tendem a piorar. Nos EUA, o crescimento da mão de obra se reduzirá frente ao período recente. Na Europa, a situação é ainda pior: o envelhecimento da população e a dinâmica migratória devem reduzir a população em idade ativa. Em segundo lugar, a taxa de crescimento do estoque de capital será menor. Para manter o crescimento do estoque de capital nos níveis pré-crise, os Estados Unidos necessitariam de elevado déficit em conta corrente, dada a baixa poupança doméstica, o que parece implausível.
O mundo parece estar diante de um período longo de taxas baixas ou moderadas de expansão
A China também enfrenta desafios. O modelo voltado para investimento e exportação dá sinais de esgotamento desde a crise de 2008, e há necessidade de elevar o consumo interno. Essa transição não é trivial, pois um número de reformas institucionais deve ser implementado. A elevação do consumo passa por uma redução da poupança das famílias, o que por sua vez requer maior cobertura previdenciária, maior oferta de serviços públicos (saúde e educação), políticas de elevação do salário real e algum grau de liberalização do sistema financeiro local. A contrapartida da adoção desses ajustes é um aumento dos custos de produção, diminuindo a competitividade do país em bens transacionáveis.
Adicionalmente, o governo chinês tem demonstrado uma opção por um crescimento moderado. A adoção de políticas anticíclicas durante a crise do Lehman gerou desequilíbrios. A participação dos investimentos no PIB, que já era elevada, subiu até chegar a quase 50%. A dívida dos governos locais aumentou bastante, e pairam dúvidas quanto ao pagamento dos empréstimos bancários que financiaram essa expansão. O setor imobiliário deu mostras de superaquecimento, levando o governo a tomar medidas para frear a expansão do setor desde o início de 2011. Perante os desafios domésticos (transição para um modelo de crescimento baseado no consumo) e externos (continuidade da crise externa), o governo chinês optou por um crescimento menor, porém sustentável no longo prazo. Não imaginamos a volta a um crescimento acelerado, de dois dígitos, nem tampouco uma crise que leve a uma parada brusca no crescimento.
Na China projetamos um crescimento mais baixo, porém sustentável, nos próximos anos. A transição para um modelo de crescimento baseado no consumo doméstico requer redução da participação dos investimentos no PIB. A demografia será menos favorável, com redução da população em idade ativa a partir de 2015. Por fim, a migração de trabalhadores do campo para a cidade continuará, mas cada vez mais para o setor de serviços, menos produtivo, do que para a indústria.
O mundo parece estar diante de um período longo de taxas baixas ou moderadas de crescimento. Economias em desenvolvimento não vão mais se beneficiar de um ambiente global estimulativo, a fase de crescimento acelerado baseado nas exportações chegou ao seu fim.
Em números, projetamos as seguintes taxas de crescimento para as regiões mais relevantes da economia global: ao longo da segunda metade da década, a zona do euro voltará a crescer de forma moderada, em torno de 1%. Os EUA terão crescimento médio um pouco acima de 2% na segunda metade da década, e a China verá seu crescimento encolher de cerca de 8% para perto de 6,5%, em 2020. E o Brasil?
O fim do período favorável da economia global tem gerado desafios à economia brasileira nessa transição para um novo regime.
O País sentiu o impacto da crise em 2008. Mas a recuperação não tardou a vir. Com a contribuição da forte retomada global, sob a égide da China, fortes estímulos governamentais levaram o crescimento para 7,5% em 2010 (de -0,3%, em 2009).
Nesse processo, houve alguns excessos nos planos de expansão e produção. Os salários subiram muito acima da produtividade. A inflação acelerou-se e ameaçou estourar o teto da meta. O governo reagiu ao aumento da inflação adotando uma política econômica contracionista.
Tais excessos, associados à deterioração do quadro externo e às medidas do governo para esfriar a economia, levaram a uma desaceleração da economia brasileira (o crescimento de 2011 caiu para 2,7%, continuando a cair até meados de 2012).
O espaço da queda de juros deve ser usado para aumentar o investimento público ou para incentivar o privado
Para a frente, projetamos que a economia doméstica vai se recuperar no fim de 2012 e voltará a crescer (acima de 1,5%, em 2012, e acima de 4%, em 2013).
Estimamos crescimento médio entre 3,5% e 4% na segunda metade da década. Essa expectativa está baseada num conjunto de tendências para a economia brasileira que precisam se delinear mais claramente. Entre elas:
1) É necessário investir mais para continuar crescendo. Não será possível continuar crescendo apenas incorporando mão de obra à produção. Na última década o emprego esteve em alta seguida e as empresas enfrentaram escassez de mão de obra. O desemprego chegou a recorde de baixa. Agora há necessidade de acumular mais capital para manter esses empregos e crescer mais.
2) O aumento do investimento privado é essencial. As parcerias público-privadas e o anúncio recente de leilões de novas concessões na infraestrutura - rodovias, ferrovias, aeroportos, portos - são uma solução. Mas o setor privado vai precisar de retornos adequados para aumentar os investimentos.
3) Os custos de produção estão muito elevados e representam um verdadeiro gargalo. Há várias iniciativas para reduzir os custos. Está ficando claro que parte relevante da redução dos custos envolve, em certa medida, o governo abdicar de suas receitas. O pacote para reduzir o custo da energia no Brasil e as desonerações da folha de pagamentos são os mais recentes exemplos. Os investimentos da Petrobras vão precisar de preços dos combustíveis alinhados com o resto do mundo, o que pode exigir desonerações adicionais de imposto na gasolina e no diesel.
Essas medidas no final vão desembocar na redução da carga tributária, que hoje representa em torno de 35% do PIB e é muito elevada para um país em desenvolvimento. Parece a solução ideal. A redução da carga tributária tem tudo para reduzir os custos de produção e estimular o investimento privado, essencial para crescer mais no médio prazo.
Mas as contas do governo comportam uma queda mais significativa da receita? Sim, um gasto permanente menor de juros pode levar a um déficit nominal menor e permitir uma dinâmica da dívida mais favorável, abrindo espaço fiscal.
Não estamos entre os que creem na queda sustentável dos juros básicos da economia (Selic) por simples decisão do governo. Mas acreditamos na convergência dos juros para padrões internacionais no médio prazo no País, desde a conquista da estabilidade macroeconômica e a consequente queda do risco Brasil.
A tendência tem sido de queda dos juros, apesar de mais lenta que o desejado. Para a frente, o crescimento mais moderado dos gastos do governo e do crédito no País pode permitir uma queda mais sustentada da taxa de juros (evitando a volta dos juros aos dois dígitos, mesmo após a retomada da economia).
O elevado crescimento dos gastos públicos teve até hoje como contrapartida uma alta carga tributária, mas também juros mais altos. Se os gastos crescerem mais devagar (ou forem realocados para investimento), a consequente queda dos juros pode permitir uma carga tributária menor. A cada 1% de queda permanente na Selic, estimamos ser possível reduzir a carga tributária em 0,5% do PIB, sem piorar as contas públicas (déficit nominal).
Mas o espaço da queda de juros, se vier, deve ser utilizado para aumentar o investimento público ou para incentivar o investimento privado. A tentação de aumentar os gastos públicos ou incentivar o consumo privado (com deduções) pode tornar inviável a sustentabilidade da queda de juros, desequilibrar as contas públicas e acarretar o aumento da inflação.
As medidas recentes têm procurado incentivar o investimento por meio da redução de custos. Mas têm incluído também algum esforço para reduzir os preços no curto prazo e incentivar o consumo. O ideal é manter o foco no investimento e no crescimento sustentável no médio prazo, principalmente num mundo cujos ventos não serão favoráveis por algum tempo.
Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do IBBA
Felipe Salles é economista sênior do Itaú Unibanco

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terça-feira, 5 de junho de 2012

Economia do Brasil: estimular o investimento - Ilan Goldfajn

Este economista pede que o governo faça o que não está fazendo e não sabe como fazer: estimular o investimento. Mas o governo só sabe estimular o consumo, o dispêndio, o desperdício dos recursos públicos, e sustentar determinadas atividades setoriais que contam com amigos poderosos na corte.
Seria pedir muito milagre ao santo, usando apenas velas como recurso.
Acho que não vai dar...
Paulo Roberto de Almeida 

Estimular incentivando

Ilan Goldfajn
O Estado de S.Paulo05 de junho de 2012 

Havia ilusão, talvez esperança. Quem sabe, a "década perdida" duraria apenas a metade? A realidade é que chegamos ao quinto ano da crise (2007- 2012) e não há sinal de recuperação rápida. Agora a crise na Europa bate à porta. Mesmo que seja debelada, a incerteza gera um recuo na atividade mundial. Exportações diminuem, investimentos são adiados e os governos têm de recorrer a mais estímulos para manter suas economias crescendo. O sucesso dos estímulos vai depender da forma como são desenhados e implementados. É preciso estimular, pelo incentivo, de preferência no que faz falta. Na China a ênfase deve ser no consumo maior, no Brasil, em aumentar o investimento.
Nos EUA a chave está na renovação dos estímulos fiscais que vencem este ano. As projeções para o crescimento do PIB em 2012 estão caindo para uma faixa de 2%. Antes chegavam a quase 3%. Com as empresas menos endividadas e as famílias no mesmo processo, as esperanças se renovaram. O governo deve continuar endividado por um tempo. Um plano fiscal crível de médio e longo prazo é necessário para que não haja dúvida quanto à sustentabilidade futura. Os investidores precisam continuar confiando nos títulos do governo para que seus juros sigam baixos.
Esse luxo (a confiança do investidor) a Europa parece não ter mais. Pelo menos nos países da periferia. A Grécia e Portugal não têm acesso ao mercado privado para rolar suas dívidas, dependem do apoio público do resto do mundo. A Espanha está indo no mesmo caminho. Precisa pedir ajuda externa para salvar os seus bancos em dificuldades. Ajuda do próprio governo espanhol não serve mais. Os investidores se perguntam: como o governo vai conseguir o dinheiro para ajudar seus bancos? Não virá do bolso dos investidores, ao que tudo indica.
Neste mundo de dificuldades, a Europa caminha para uma recessão este ano (entre -0,5% e -1%), mesmo num cenário em que a crise seja debelada. Mas a crise pode ser deflagrada por qualquer faísca solta neste momento. E não faltam faíscas. As eleições na Grécia são uma delas. Os gregos não querem sair do euro, mas também não se dispõem a fazer os ajustes que fazem parte do programa que assinaram. É possível que os outros governos da Europa ainda indiquem alguma flexibilidade no tamanho do ajuste requerido. Mas, dependendo do resultado das eleições, a Grécia pode ver sua saída do euro desencadeada pela falta de apoio às medidas e pela fuga de recursos do país.
A resolução da crise na zona do euro, em minha opinião, não virá mais de um grande anúncio - um novo plano de reformulação com mais união fiscal e ajuda entre os governos. Esse plano pode vir a complementar o ocorrido, a posteriori. Mais provável é que a saída venha na hora do aperto, quando o Banco Central Europeu (BCE) for empurrado a monetizar as dívidas e financiar os bancos dos países periféricos para estancar corridas bancárias que venham a ameaçar um ou mais países do euro. Na hora da crise países centrais, como Alemanha e França, podem preferir de facto (implicitamente) a flexibilidade extrema do BCE, a monetização e socialização das dívidas, a aceitar a derrocada do projeto político de união europeia. O BCE transformar-se-ia numa espécie de Fed (o banco central americano) com um balanço tão ou mais inchado com títulos privados. Não será a solução de longo prazo, mas alivia os mercados e o curto prazo. Abre tempo e espaço político para o novo desenho da zona do euro.
Como deveriam agir os países de economias emergentes, como o Brasil?
A China vê sua economia desacelerar em razão da menor demanda por suas exportações pelos países afetados pela crise, mas também do esgotamento do estímulo à demanda interna via mais investimentos. Tudo indica que a China continuará estimulando sua economia, mas de forma sustentável ao longo do tempo e com ênfase crescente no consumo doméstico, dada a sua taxa de poupança elevada. Mais consumo na China, substituindo suas exportações, é o que desejam chineses e o resto do mundo.
No Brasil, ao contrário, o problema não tem sido de consumo. O crescimento do PIB tem decepcionado, sim, com apenas 0,2% no primeiro trimestre (em relação ao trimestre anterior). E os fracos dados da produção industrial de abril comprometem a expectativa de reaceleração forte do crescimento no segundo trimestre.
Mas a decomposição do crescimento do primeiro trimestre revela que a melhor estratégia para a frente é concentrar no estímulo à oferta e ao investimento no Brasil. Vejamos.
Os dados do primeiro trimestre mostram uma surpresa maior pela ótica da produção (lado da oferta) que da absorção doméstica (demanda), que cresceu 0,8%, bem acima do PIB. Uma parte do crescimento da demanda foi atendida pelas importações (o setor externo contribuiu com -0,1ponto porcentual para o crescimento do trimestre) e outra parte, pelos estoques.
O consumo continua crescendo na economia brasileira (1%). Foi o investimento que caiu 1,8%. Uma parte da queda do investimento tem fatores específicos, como a produção de bens de capital para os segmentos de transporte, que caiu um pouco mais de 20% (o resto subiu cerca de 0,8%), em parte consequência da entrada em vigor de mudança tecnológica (para veículos mais alinhados com a sustentabilidade ambiental). Mas como ainda há capacidade ociosa na indústria, e as incertezas globais têm aumentado, é natural esperar um processo mais lento de recuperação dos investimentos.
Nesse contexto global, são necessários estímulos que de fato incentivem. O Brasil deveria concentrar-se em incentivar o investimento, o caminho mais direto para recuperar o crescimento de forma sustentável. Para isso é necessário oferecer as melhores condições ao investimento, por meio de segurança (clima de negócios) e retorno adequado ao longo do tempo.
* ECONOMISTA CHEFE DO ITAÚ UNIBANCO SÓCIO DO ITAÚBBA

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Uma proposta fiscalmente responsavel - Ilan Goldfajn


Novas metas fiscais para o Brasil

ILAN GOLDFAJN
O Estado de S.Paulo, 03 de abril de 2012
Em time que está ganhando não se mexe. É a máxima do futebol aplicada pelos brasileiros aos mais distintos aspectos da vida cotidiana. Mas o que não se mexe não muda. Logo, não evolui. E para continuar vencendo ao longo do tempo é preciso evoluir. A máxima do futebol vale para o curto prazo, nem sempre para o longo prazo. Em economia a máxima vale também. E nem sempre com políticas vencedoras. A inércia, às vezes, domina a capacidade de mudar.
A política fiscal do País pode ser vista como vencedora. A manutenção de superávits primários por década e meia foi capaz de reduzir a relação dívida/PIB, afastar de vez as dúvidas quanto à sua sustentabilidade e com isso ganhar credibilidade, reduzir o risco Brasil e o custo do financiamento público e privado. A base do time vencedor foi a criação e manutenção da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos acordos bem-sucedidos do governo federal com os Estados. Hoje a nossa situação fiscal contrasta com os problemas agudos dos países avançados, principalmente na Europa.
Mas a política fiscal precisa evoluir. Há alguns aspectos em que ela pode ser considerada perdedora. As despesas têm crescido em torno de 13% (6,3% descontada a inflação) na última década e meia. É uma taxa muito elevada. Para atingir as metas de superávit primário foi necessário elevar a carga tributária de tal forma que hoje é um dos maiores entraves à competitividade da economia. A rigidez do crescimento das despesas correntes significou também que a capacidade de investimento do Estado ficou comprometida, resultado cuja reversão é hoje um compromisso explícito do governo, com o intuito de reduzir os entraves (como infraestrutura) ao crescimento. Não obstante o cumprimento das metas fiscais, o governo continua pesando com uma poupança negativa, o que significa que não sobram recursos para investir. Como consequência, para conseguir fazer frente às necessidades de investimento a economia depende de poupança externa (equivalente ao déficit em conta corrente, atualmente em 2% do PIB, e aumentando). Essa dependência é a razão fundamental para a apreciação cambial, que aflige vários setores da economia.
Avaliamos que seria benéfica para o País a adoção de um regime fiscal com base em metas estruturais. Essas metas ajustam o resultado fiscal tradicional para o sobreaquecimento (ou desaquecimento) nas condições econômicas e nas operações extraordinárias. A adoção de metas estruturais poderia induzir maior eficiência da política fiscal e elevação da poupança pública.
Em períodos de forte expansão econômica e/ou rápida elevação nos preços de ativos (ações, matérias-primas, imóveis) as receitas do governo tendem a crescer rapidamente e as despesas públicas dependentes do ciclo (como gastos com seguro-desemprego), a cair. Gasta-se mais nesse período com o conforto de que as metas fiscais não estão ameaçadas. Mas é exatamente nos momentos de bonança que seria desejável e possível recuperar a capacidade de poupar do governo federal. O contrário se dá em momentos de desaceleração. Com a queda nos preços de ativos ou a deterioração de condições econômicas, a arrecadação sofre e há potencialmente mais gastos cíclicos, dificultando a obtenção dos resultados fiscais propostos à sociedade. Nesses momentos o alívio das metas fiscais tradicionais é recomendável. Na ausência desse alívio, o atual regime fiscal estimula a busca por fontes de receitas temporárias.
As metas fiscais estruturais podem evitar tais distorções. Para calcular o resultado fiscal estrutural se ajustam os números observados do orçamento público para os ciclos de atividade e de preços de ativos. Após uma filtragem preliminar dos dados - eliminando operações orçamentárias julgadas não recorrentes -, estima-se o volume de receitas e despesas do governo que seriam observadas caso a economia (e os preços dos ativos) estivesse operando em sua tendência de longo prazo.
Por filtrar a influência das condições econômicas sobre o orçamento público, o resultado fiscal estrutural revela a efetiva postura das políticas orçamentárias, mostrando em que magnitude as decisões governamentais estão contribuindo para a expansão ou contração fiscal observada.
Recentemente, técnicos do Ipea divulgaram resultados sobre as séries fiscais estruturais para o Brasil. Na mesma linha, a equipe econômica do Itaú Unibanco vem trabalhando com profundidade sobre o assunto (ver o trabalho de Maurício Oreng no Itaú Macro Visão Em prol de uma meta fiscal estrutural para o Brasil, no link http://www.itaubba-economia.com.br/content/interfaces/cms/anexos/MACRO_VISAO_FISCAL.pdf, e também no Texto para Discussão do Itaú Unibanco n.º 6 Brazil's Structural Fiscal Balance, em http://www.itaubba-economia.com.br/content/interfaces/cms/anexos/TD6_abr11.pdf).
Nossas estimativas para o período 2000-2011 (até setembro) mostram uma flutuação considerável no resultado primário estrutural (enquanto o resultado primário tradicional, sem ajuste, mostrou relativa estabilidade). A partir de 2000 houve elevação média de 0,8% do PIB/ano, chegando a 4,3% em 2003. A partir de 2004 verificamos queda contínua no superávit primário estrutural do setor público de cerca de meio ponto porcentual a cada ano, trazendo o resultado de 4,2% do PIB em 2004 para 0,8% em 2010. Finalmente, houve uma significativa mudança na postura fiscal em 2011, com o superávit primário estrutural (acumulado em 12 meses) subindo para 2,1% do PIB até o terceiro trimestre.
Em suma, nossas estimativas de superávit primário estrutural revelam que o atual regime fiscal induz um comportamento expansionista em períodos de sobreaquecimento e o contrário em fases de retração. Além disso, o regime incentiva a busca por receitas extraordinárias em tempos de recessão. Acreditamos que a adoção de metas estruturais resultaria em mais eficiência na gestão pública e maior nível de poupança governamental, contribuindo para aumentar o crescimento sustentável do País.
*ECONOMISTA-CHEFE DO ITAÚ UNIBANCO E SÓCIO DO ITAÚ BBA

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Produtividade do trabalho cai no Brasil; e quando acabar o bonus demografico?

Já sabemos que o Brasil é um país infernal para empresários, devido à altíssima carga tributária, ao péssimo ambiente de negócios, à falta de infraestrutura adequada, aos altos preços de bens e serviços (e não apenas devido à valorização do real, mas também aos muitos cartéis e proteção existentes), enfim, por uma infinidade de fatores.
Também sabemos que a nossa produtividade do trabalho é baixa (e caindo, segundo se relata abaixo), e que só conseguimos elevar a produção em bases extensivas, ou seja, incorporando mais gente no mercado formal, mas a custa desse decréscimo de produtividade, justamente. Mais gente, para produto igual. No caso do Brasil, menos produção, com mais gente...
Por enquanto, o empresário fica na corda bamba.
Mas a qualidade da educação continua lamentável, e caindo (como eu previa).
E quando acabar o bônus demográfico e ainda não formos ricos o suficiente para pagar todos os aposentados e pensionistas, como ficamos?
Continuaremos pobres?
Miséria educacional é isso aí...
Paulo Roberto de Almeida 


O enigma do desemprego baixo no Brasil
07 de fevereiro de 2012 | 3h 07
ILAN GOLDFAJN - O Estado de S.Paulo


Algo interessante está ocorrendo no Brasil. No final do ano passado o desemprego atingiu 4,7% (ou 5,5%, levando em conta a sazonalidade favorável de dezembro), um recorde de baixa. A princípio, mereceria apenas os festejos de sempre. Mas há algo mais enigmático.
O desemprego tem melhorado num contexto de piora da economia: o crescimento do PIB desacelerou para cerca de 2,7% no ano passado, o que normalmente levaria a um aumento do desemprego. O que está acontecendo? O mercado de trabalho está-se descolando do resto da economia? Quais as consequências?
O comportamento do desemprego é importante demais numa economia para ser ignorado. Afeta o bem-estar da população de forma relevante: pesquisas mostram a relação de satisfação com a taxa de desemprego. O desemprego também afeta o desempenho da economia via produtividade e crescimento, assim como o impacto na inflação.
Uma parte da explicação é simplesmente a existência de defasagens na economia. O mercado de trabalho é normalmente o último da cadeia a sentir o impacto da desaceleração. As vendas caem e a produção tem de diminuir para evitar acúmulo de estoques desnecessários. O desemprego aumenta quando as empresas diminuem a produção e o emprego fica ocioso. Pode ser que ainda estejamos no início do processo. Se for, devemos esperar uma subida do desemprego daqui em diante. Mas a defasagem parece longa demais e o mercado de trabalho, forte demais para fazer acreditar que nada mudou desta vez. Há duas teorias alternativas (não excludentes).
A primeira diz respeito à produtividade do trabalhador. Alguns temem que a combinação do desemprego em recorde de baixa com economia fraca seja sinal de problemas à frente. Afinal, estamos produzindo menos com mais gente - produtividade menor. A economia poderia estar mostrando sinais de esgotamento mais duradouros. Uma economia com produtividade menor está fadada a crescer menos e/ou a ter mais inflação. O risco é que a retomada da economia venha a diminuir ainda mais o desemprego, tornando a mão de obra mais escassa, elevando custos para empresas, o que poderia resultar em mais inflação. Controlar a inflação exigiria crescer menos.
Mas qual seria a razão para a produtividade do trabalhador estar caindo? Com o crescimento maior da economia nos últimos anos, as empresas têm encontrado dificuldades crescentes para contratar mão de obra, principalmente qualificada. A solução tem sido contratar um contingente da população cuja capacitação é inferior à dos empregados atuais. Resolve as necessidades imediatas, mas a produtividade desses trabalhadores é inferior, o que derruba a produtividade média da economia. Ao longo do tempo esses trabalhadores poderão adquirir qualificação maior com treinamento nos seus próprios empregos, o que diminuiria o problema, mas pode levar tempo.
A falta de mão de obra é resultado, em parte, de um menor crescimento da população economicamente ativa (PEA), aquela apta a se empregar. Em 1980 a taxa de crescimento da PEA era acima de 3% ao ano; hoje o crescimento é de 1,3%, dada a distribuição populacional. Com menos gente disponível para trabalhar, um período de crescimento maior reduz o desemprego e limita o crescimento sustentado.
A falta de mão de obra qualificada no Brasil é resultado de melhorias ainda insuficientes na educação para fazer frente às necessidades atuais. As defasagens são longas. O esforço atual na melhoria da educação será determinante para o futuro, nas próximas décadas.
A segunda teoria alternativa é que os empresários podem estar evitando demitir. O custo para as empresas de demitir e voltar a empregar é alto no País. Se os empresários têm confiança na retomada da economia e no seu crescimento no médio prazo, podem preferir manter os trabalhadores ociosos por um tempo a demiti-los (e depois recontratá-los). A experiência dos últimos anos, principalmente a reação à crise de 2008-2009, poderia estar induzindo esse comportamento. A economia brasileira recuperou-se rapidamente do impacto da crise internacional. Os empresários não demitem, a economia mantém um contingente de trabalhadores ociosos prontos para serem utilizados mais adiante. É uma "poupança de trabalhadores", como referida na literatura.
Nessa alternativa, o desemprego baixo é função das expectativas quanto à volta do crescimento futuro. Quando a economia voltar a acelerar (acreditamos que o PIB volte a acelerar ainda este ano, principalmente no segundo semestre), essa poupança será utilizada, em vez de maior procura por mão de obra e sobreaquecimento do mercado de trabalho. A evidência dessa alternativa é a queda das horas trabalhadas (em vez de demissões).
É importante citar que parte da queda do desemprego é devida à menor procura por emprego. Não se considera desempregado quem não se encontra ativamente procurando emprego. Parte da queda recente do desemprego é consequência desse "desalento" (por exemplo, a PEA cresceu apenas 0,7% em dezembro de 2011 em relação a dezembro de 2010), mas não explica todo o fenômeno.
Acreditamos que as alternativas acima não sejam excludentes. A facilidade com que a economia incorporou mão de obra no passado (e alavancou o crescimento) pode não se repetir no futuro. Alguma perda de produtividade pode estar ocorrendo como consequência da qualificação ainda insuficiente da mão de obra para o crescimento desejado. Mas parte do que estamos observando pode ser um fenômeno cíclico - preservação do emprego numa economia aprendendo a conviver com altos e baixos. O comportamento do desemprego, da inflação e do crescimento a partir da retomada deste ano depende da força de cada um desses fatores.


*ECONOMISTA-CHEFE DO ITAÚ , UNIBANCO, SÓCIO DO ITAÚ BBA

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Juros no Brasil - Ilan Goldfajn (um debate relevante)

A longa travessia para a normalidade: juros reais no Brasil
Ilan Goldfajn
Valor Econômico, 27/06/2011, pág. A14

Quanto mais os indivíduos preferem o consumo à poupança no presente, maior é taxa de equilíbrio.

São Paulo - Parece uma eternidade. Mas foi há menos de uma década. O circo estava pegando fogo e eu me sentei para escrever um texto1. Não era algo natural. A crise de 2002 estava instalada e, na diretoria do Banco Central (BC), nos ocupávamos do intenso dia a dia. O Brasil estava no meio do furacão e a comunidade internacional duvidava que a dívida pública brasileira seria paga. O texto argumentava que não havia razões econômicas para essa dúvida e que a trajetória da dívida futura era declinante (tinha projeções até o distante 2011!). Deve ter sido um dos textos mais contestados da minha carreira. O final, como sabemos, foi feliz. O Brasil teve uma década de sucesso e a dívida declinou de 63%, na época, para em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), hoje.
Mas nessa viagem ao passado, um fenômeno salta aos olhos. Na época, projetávamos manutenção dos superávits fiscais primários, crescimento razoável, câmbio mais apreciado (no auge da crise chegou a cerca de US$ 4 reais) e juros menores. Tudo mais ou menos em linha com o ocorrido. Mas os juros reais no Brasil permanecem acima do padrão internacional, mesmo de países de similar desenvolvimento.
Não quer dizer que os juros tenham permanecido nos mesmos patamares do passado. De fato, a economia brasileira tem experimentado uma tendência de queda dos juros reais nos últimos anos, principalmente após a adoção do regime de metas de inflação em 1999. As taxas de juros reais básicas no Brasil recuaram de 11,4% ao ano, em média, no período entre janeiro de 2000 e junho de 2004, para 9,7% entre julho de 2004 e dezembro de 2008, e para próximo de 7% mais recentemente. Mas esta ainda é uma taxa muita alta para uma economia estável e próspera como o Brasil nos últimos anos.
Como mostrado por Bacha2, há evidências empíricas de redução do juro real no Brasil em relação ao resto do mundo, e a diferença entre essas duas taxas diminuiu com a adoção do regime de metas de inflação. No entanto, controlando para os ciclos econômicos no Brasil e no resto do mundo, e para a inércia do ajustamento, a diferença entre as duas taxas permanece elevada.
"Redução do diferencial de juros exige ajuste fiscal que controle o crescimento dos gastos do governo"
Não considero que o alto nível da taxa de juros no Brasil seja um fenômeno permanente. Na sua travessia, o Brasil precisa gerar as condições para passar a ter uma taxa de juros baixa. É uma tarefa difícil, mas não intransponível. Há vários casos bem-sucedidos de redução de juros em países emergentes. A Turquia, no começo de 2003, amargava juros reais (acima da inflação) de 25% ao ano, e depois conseguiu que suas taxas convergissem para níveis de um dígito. A Polônia derrubou sua taxa de juros reais de 9% ao ano para 3%, a partir de 2001. Na América Latina, ocorreu o mesmo. No Chile, as taxas caíram de 8% para 3%, assim como houve quedas significativas no Peru.
A pergunta no Brasil é por que a transição para um patamar de juros reais tem sido tão lenta?
Tenho preferência pelas explicações fundamentais. Entendo a taxa de juro real de equilíbrio (ou neutro) como aquela que permite ao Brasil crescer no seu potencial, sem gerar pressões inflacionárias. Essa taxa depende das condições econômicas como a estabilidade, o risco percebido, a produtividade, a política fiscal (crescimento de gastos), assim como das distorções ainda existentes da economia brasileira. Depende também de quanto os brasileiros estão dispostos a poupar, em vez de consumir hoje. Quanto mais os indivíduos preferem o consumo no presente, maior é taxa de juro real de equilíbrio.
A alternativa de os juros altos serem resultado de equívocos de política monetária (mais altos que o necessário) não é compatível com os dados, pois teriam de ter durado por décadas e levariam a forças deflacionárias, com inflação sistematicamente abaixo das metas, o que não tem sido o caso.
O entendimento de por que os juros ainda são tão altos passa pela compreensão cuidadosa de seus determinantes. Na busca pelos determinantes é interessante distingui-los pela sua relevância temporal na taxa de juros de equilíbrio. Alguns podem impactar a taxa de equilíbrio apenas no curto prazo, enquanto outros mudam sua trajetória de longo prazo.
O juro real neutro de longo prazo depende dos fundamentos da economia, de fatores estruturais, alguns mencionados acima, como a produtividade, preferências intertemporais, prêmio de risco soberano, dívida pública, prêmio de risco de inflação, questões institucionais, etc. São fatores diretamente associados ao comportamento da poupança no longo prazo.
"O melhor a fazer é conduzir a política monetária de forma pragmática e avaliar continuamente o seu impacto"
O juro real de equilíbrio de curto prazo depende do juro real de longo prazo e de elementos conjunturais. Mudanças temporárias no ritmo de crescimento da economia global, assim como acelerações cíclicas no gasto do governo ou alterações na taxa de câmbio real afetam o juro real de equilíbrio no curto prazo.
Introduzo aqui já a minha preferência pela explicação da insuficiência de poupança doméstica, como já introduzido por André Lara Resende3 neste espaço, como explicação para a manutenção dos juros altos nessa transição para a normalidade. Os juros servem para inibir o consumo privado e estimular a poupança, na ausência de poupança pública suficiente para financiar os necessários investimentos.
Estimativas de um estudo recente com Aurelio Bicalho4 identificam que a redução do diferencial de juros em relação a outras economias exige um ajuste fiscal que controle o crescimento dos gastos do governo.
Os resultados também revelam que o prêmio de risco-país, a dívida pública em proporção do PIB e o crédito em proporção do PIB, todos com defasagens, afetam o nível da taxa de juro real e explicam a trajetória de queda observada nos últimos anos. Mostram também que a taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo tem se reduzido nos últimos anos, mas o nível estimado continua bastante elevado quando comparado a outras economias emergentes.
O impacto do prêmio de risco e da dívida pública na taxa de juro real é coerente com outros resultados encontrados na literatura. As estimativas mostram também que o aumento do crédito em proporção do PIB contribui, com longas defasagens, para a redução do juro real de equilíbrio de longo prazo. Essa relação pode ser reflexo do impacto de avanços na estrutura institucional do mercado financeiro, que estaria sendo captada pela variável crédito. Uma melhora na estrutura dos mercados poderia, por exemplo, ampliar as opções de ativos em termos de retorno, risco e liquidez disponíveis para os poupadores. Isso funcionaria como um estímulo à poupança, o que diminuiria a taxa de juro real de equilíbrio. O aumento do crédito na economia pode estar relacionado a esse avanço nas estruturas dos mercados, com o desenvolvimento de novos produtos, o que tenderia a reduzir a taxa de juros. Mas para que o crédito contribua para a redução da taxa de juro real de equilíbrio de longo prazo, é necessário que sua expansão seja determinada por fatores estruturais, como a redução da assimetria de informação, avanço institucional que acelere a recuperação do colateral e desenvolvimento de novas estruturas financeiras (caso contrário, o efeito no curto prazo pode ser o inverso).
Mas há outras explicações na literatura para a taxa de juros elevada. Uma delas é a existência de incerteza jurisdicional e ausência de conversibilidade da moeda desenvolvida por Persio Arida, Edmar Bacha e Andre Lara Resende5. A incerteza jurisdicional afeta a poupança e evita o desenvolvimento de um mercado de crédito de longo prazo. A ausência da conversibilidade da moeda pressiona as taxas de juros de curto prazo, pois os poupadores exigem uma taxa maior para alocar seus recursos no mercado de dívida local. Esses fatores institucionais afetam a curva de poupança doméstica e o fluxo de capitais, influenciando a taxa de juro real de equilíbrio.
Considerando dados de diversos países, os estudos mostram que o efeito da dolarização (ou a falta de conversibilidade da moeda) é significativo6, embora pequeno, em explicar o nível mais alto da taxa de juro real no Brasil. Os resultados também evidenciam a importância do risco de crédito soberano em explicar o nível da taxa de juro real. Países de classificação de risco grau de investimento possuem taxas de juros reais de cerca de 2 pontos percentuais mais baixas do que países com classificação de risco pior. No longo prazo, essa diferença pode chegar a 4 pontos percentuais.
A trajetória recente dos juros parece confirmar os resultados do estudo com Aurelio Bicalho. Esse identifica que a recente crise internacional reduziu temporariamente a taxa de juro de equilíbrio de curto prazo, mas o mesmo não parece ter ocorrido com a taxa de equilíbrio de longo prazo. A queda da atividade econômica global reduziu o crescimento do país, permitindo que a taxa de juro real ficasse abaixo da taxa neutra de longo prazo para equilibrar a economia através dos estímulos ao consumo e ao investimento. Notamos, também, que a incerteza sobre o nível do juro real de equilíbrio de curto prazo aumentou substancialmente durante a crise internacional. Essa incerteza refletiu, em grande medida, a intensidade do impacto do crescimento mundial na economia doméstica, além da intensidade dos impactos das medidas anticíclicas adotadas durante a crise.
O impacto da crise no juro de equilíbrio de curto prazo teve consequências na condução da política econômica naquele momento. No auge da crise, o Banco Central reduziu a taxa de juros para estimular o crescimento. Ao mesmo tempo, o governo adotou uma política fiscal expansionista via aumento de gastos e redução de impostos. Além disso, utilizou o canal de crédito como instrumento para incentivar a atividade econômica. A partir do momento em que essas medidas começaram a atuar na economia e o mundo voltou a crescer, a taxa de juro real de equilíbrio de curto prazo inverteu a sua trajetória de queda e passou a subir em direção à taxa neutra de longo prazo.
No início de 2010, as estimativas mostravam que a taxa de equilíbrio de curto prazo estava próxima da neutra de longo prazo. Logo, os estímulos monetários e fiscais deveriam ser retirados, pois o risco era um aquecimento exagerado da atividade econômica, com elevação das pressões inflacionárias. No final de 2010 e início de 2011, esses estímulos começaram a ser retirados.
A dinâmica da taxa de juros real de equilíbrio é de suma relevância para a condução da política monetária. É através dos desvios entre a taxa de juros efetiva, que é afetada pelas decisões do Banco Central, e a taxa de juro de equilíbrio de longo prazo que a autoridade monetária estimula ou contrai a demanda agregada com o intuito de alcançar seu objetivo final, que é o de manter a inflação na meta.
É importante reconhecer que há um alto grau de incerteza nas estimativas das taxas de juros de equilíbrio. As evidências internacionais mostram que é bastante incerta a estimativa da taxa de juro real de equilíbrio em diferentes países, mesmo para aqueles com taxas muito inferiores e com menor volatilidade do que a taxa do Brasil. De fato, os intervalos das estimativas para a taxa de juro real de equilíbrio em diversos países revelam o grau de incerteza que cerca essas variáveis. É comum um intervalo de 1 ponto nessas estimativas, mesmo para economias com níveis baixos de taxas de juros. No Brasil, onde a taxa de juros tem tido uma tendência de queda, como evidenciam os dados e as nossas estimativas, e o nível da taxa ainda é bastante elevado, quando comparado aos padrões internacionais, é provável que o grau de incerteza seja ainda mais alto.
Dadas as elevadas incertezas associadas às medidas das taxas de equilíbrio, acreditamos que o melhor que a autoridade monetária possa fazer é conduzir a política monetária de forma pragmática, avaliando continuamente o impacto de suas ações sobre a economia. Deste modo, a política monetária deve continuar baseando-se nos sinais advindos da inflação, da atividade e de outras variáveis macroeconômicas, permitindo que mudanças estruturais sejam percebidas sem mais demoras.
As evidências acima sugerem que a opção da sociedade por gastos públicos crescentes (vários destes legítimos) tem contribuído para retardar o processo de convergência da taxa de juro real de equilíbrio para níveis internacionais tanto no curto prazo quanto no longo prazo. A redução do crescimento dos gastos correntes, tudo o mais constante, aumentaria a poupança da economia e reduziria o juro real de equilíbrio. Uma queda consistente dos juros possibilitaria um conjunto de desenvolvimentos que não são viabilizados com juros altos, como o alongamento dos horizontes dos poupadores e dos investidores, fundamental ao financiamento do investimento no Brasil.
A estabilidade macroeconômica e a credibilidade da autoridade monetária têm exercido papel fundamental na redução dos prêmios de risco, permitindo a queda da taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo. Aliado a isso, uma política fiscal voltada para a redução dos gastos públicos contribuiria para acelerar esse processo e fazer com que no futuro o Brasil tenha taxas de juros reais mais próximas dos padrões internacionais.

Notas:
1 Goldfajn, I. Há razões para duvidar de que a dívida publica é sustentável? Nota Técnica do Banco Central do Brasil número 25, Julho 2002.
2 Bacha, E. Além da Tríade: Como Reduzir os Juros? Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionísio Dias Carneiro, Eds: Bacha, E. e De Bolle, M., LTC, 335p, 2011
3 Lara Resende, A. Juros: Equívoco ou jabuticaba, Valor 16/06
4 Goldfajn, I. e Bicalho, A. A Longa Travessia para a Normalidade: Os Juros Reais no Brasil. Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionísio Dias Carneiro, Eds: Bacha, E. e De Bolle, M., LTC, 335p, 2011
5 Arida, P., Bacha, E., e Lara-Resende, A. Credit, Interest, and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil. IEPE/CdG, 1-25, 2004.
6 Bacha, E., Holland, M. e Gonçalves, F. A Panel-Data Analysis of Interest Rates and Dollarization in Brazil. Revista Brasileira de Economia. 63, n.4, 341-360, 2009
Agradeço a Aurelio Bicalho pela contribuição a este artigo.

Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.

Este é o nono de uma série de artigos sobre a conjuntura econômica atual, com foco maior nos problemas de câmbio, juros e inflação, feitos por renomados economistas a pedido do 'Valor'. Amanhã publicaremos o artigo de Márcio Holland.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Faz bem ler economistas sensatos...

Num mundo (e no Brasil) onde tantos economistas malucos se disfarçam em conselheiros do príncipe -- e recorrem a velhos truques que nunca deram certo no passado em lugar nenhum (controles de preços, restrições a movimentos de capitais, manipulações cambiais, protecionismo, etc. -- sempre é bom ler economistas que simplesmente dizem as coisas como as coisas são.
Este, por exemplo:

A volta do dragão
Ilan Goldfajn
O Estado de S.Paulo, 01 de fevereiro de 2011

Cidadãos do mundo, preparem seus bolsos. A inflação está voltando. Ela vem a reboque do tsunami de aumentos de preços de commodities globais em economias emergentes já aquecidas. Os antigos remédios para combatê-la - política monetária (juros) e flutuação cambial (deixar apreciar) - estão sob suspeita. Novos remédios experimentais - medidas "macroprudenciais" - estão em uso intenso, sem sabermos ao certo quão eficazes e quais seus efeitos colaterais. O risco de uma parada mais brusca na atividade futura para combater a inflação aumentou.

O fenômeno é global. Os preços das commodities subiram por várias razões. No começo, pelos juros baixos no mundo (EUA, Europa, Ásia) e pela depreciação do dólar, que induziram a compra de ativos "reais". Recentemente, os preços estão subindo pelo crescimento econômico e pelos problemas climáticos globais. Há poucos meses a preocupação era com a volta da recessão nos EUA, chamada de mergulho duplo (double dip). Não só a recessão foi evitada, como o crescimento nos EUA no último trimestre do ano foi muito forte. O mundo parece que estava despreparado para a volta do crescimento simultâneo das economias maduras (EUA, etc.) e das emergentes (que crescem fortemente e demandam mais commodities para a urbanização crescente da sua população).

A inflação, quando é global, costuma ser de ninguém. Não se identificam os responsáveis individuais pelo excesso de demanda global. Cada país percebe a inflação como um choque externo. O viés é deixar o outro combatê-la. No caso da inflação de commodities, esse comportamento é institucionalizado: faz parte das regras dos bancos centrais retirá-lo do índice de inflação e combater a inflação do que sobrou (o núcleo). Como se toda a inflação de commodities fosse temporária, resultante de choques de oferta.

O problema de inflação é mais agudo nas economias emergentes. Enquanto o risco nas economias maduras era de falta de crescimento, as emergentes deram-se ao luxo de sobreaquecer sua economia, estimulando-a para além da resposta à crise de 2008. O sobreaquecimento era incentivado. As economias maduras precisavam de estímulos externos para a sua retomada. Mas agora a retomada é global. As economias emergentes enfrentam choques inflacionários globais em economias já vulneráveis à inflação doméstica (serviços, por exemplo), precisando desaquecer.

O risco atual nas emergentes é a inflação subir em excesso. E para evitar corroer o poder de compra da população as autoridades econômicas precisarão desacelerar suas economias além do previsto. Nesse processo de desaquecimento, podem até errar a mão (desaquecer demais ou de menos). O risco é maior desta vez. Novos instrumentos estão sendo adotados, com resultados menos estudados. São medidas administrativas, como a elevação dos compulsórios, exigências regulatórias que encarecem o crédito e/ou reduzem o prazo do financiamento.

Essas novas medidas são denominadas macroprudenciais porque foram idealizadas para prevenir crises financeiras futuras, como a que culminou com a quebra do Lehman Brothers. Hoje seu uso está se deslocando para políticas anticíclicas, de reação ao sobreaquecimento, não prevenção. Com medidas anticíclicas é difícil estimar precisamente seu efeito sobre a economia, há muita incerteza.

O uso crescente de medidas administrativas (macroprudenciais) ocorre também como consequência da crise financeira e da reação dos EUA. Na saída da crise, com a redução dos juros básicos a zero, restou a política monetária do Federal Reserve (Fed) de estimular a economia via expansão monetária, cujo último objetivo era estimular a economia via redução das taxas de juros mais longas também (a taxa de dez anos caiu para quase 2% no auge do efeito). Com a queda dos juros americanos houve uma força para sair dos ativos americanos em direção a ativos no mundo, o que ajudou a depreciar o dólar e apreciar as moedas nos outros países. As economias emergentes resistiram (e têm resistido) à apreciação cambial via intervenção (compra de reservas, além de outras medidas), numa batalha que foi denominada "guerra cambial".

O problema dessa "guerra cambial" é que ela induz a políticas que podem potencializar o problema da inflação. A manutenção do câmbio num patamar fixo, independente do mérito dessa política por outras razões, impede o câmbio de absorver parte da subida das commodities no mundo via apreciação e permite que a inflação de commodities se transfira integralmente para os preços domésticos. Além disso, como a preocupação é com os fluxos de capital, subidas de juros são evitadas para não atrair mais capital. Portanto, a política monetária fica viesada para adotar mais medidas administrativas e menos subidas de juros.

Mas a adoção de medidas administrativas não é de graça. No passado, essas medidas haviam sido preteridas pelos instrumentos de preço, como a taxa de juros, porque eram menos gerais (afetavam determinados setores) e induziam distorções na economia (geradas pelas tentativas de burlar as políticas).

Interessante, os juros americanos voltaram a subir (juros de dez anos perto de 3,5%) e os motivos iniciais para evitar os instrumentos tradicionais perderam força. Há menos incentivo para a saída de capital dos EUA. Não há razão para os juros não voltarem a ser o instrumento principal das emergentes, como antes. Mas, ao estilo de dom Quixote, a batalha continua. Países como a Turquia chegam ao limite de reduzir juros para combater a inflação, justificando o ato com medidas administrativas compensatórias.

Em suma, as crises têm sempre seus legados. O pêndulo às vezes atinge o outro extremo. Desta vez, temos mais inflação e o uso excessivo de medidas macroprudenciais. Mais adiante, o risco é uma parada mais brusca da atividade do que o planejado nas economias emergentes.

ECONOMISTA-CHEFE DO ITAÚ UNIBANCO E SÓCIO DO ITAÚ BBA

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Brasil: grande crescimento da presunção econômica - Ilan Goldfajn

ENTREVISTA ILAN GOLDFAJN
A pior bolha que ameaça o Brasil é a da presunção
SAMANTHA LIMA
Folha de S.Paulo, 20.07.2010

Economista-chefe do Itaú-Unibanco, Ilan Goldfajn, diz que perigo é achar "que não precisamos mais de reformas e que seremos a bola da vez sempre"

RIO - Nada de bolha imobiliária ou do consumo. Para o economista-chefe do Itaú-Unibanco e ex-diretor do Banco Central, Ilan Goldfajn, a maior ameaça à economia brasileira é achar que o crescimento nos livra da necessidade de avançar nas reformas fiscal, previdenciária e trabalhista.
"A bolha que nos ameaça é a da presunção. Não seremos a bola da vez sempre." Segundo ele, é possível aumentar rapidamente o investimento em 2011, mas, para o país crescer, é preciso também reduzir a burocracia. Goldfajn vê poucas chances de retrocesso na independência "de fato" do BC, seja qual for o candidato que vencer as eleições. A seguir, trechos de entrevista à Folha.

Folha - O sr. acha, assim como o FMI, que o Brasil crescerá abaixo dos emergentes em 2011?
Ilan Goldfajn - O mundo procura alguém para consumir. Emergentes têm mercado consumidor. É o mesmo na China, na Índia. Os recursos entrarão para financiar o investimento. China e Índia crescem mais porque não temos capacidade de investir tanto. Não temos poupança.

Como aumentar rapidamente a taxa de investimento dos atuais 18% do PIB para 25%, necessários ao crescimento sustentável?
Dá para ir para 22%, sem reformas, em 2011. Isso implica um ajuste no governo em 1% do PIB, realocando esse volume, de gastos para investimentos. E permitindo maior deficit em conta-corrente [troca de bens, serviços e rendas do país com o mundo], com algum limite. Não dá para ir para 25% porque temos limitação de oferta na capacidade produtiva.
Se fizer mais reformas, é possível conseguir até sem deficit externo. Aí nosso crescimento iria de 4% ou 5% ao ano para 6% ou 7%. Precisamos melhorar o ambiente de negócios, reduzir a burocracia, que trava o crescimento. Não se fala nisso porque é como obra em encanamento: é bom para todos, mas ninguém vê.

O sr. vê alguma ameaça à economia brasileira?
A ameaça vem de fora. A Europa ainda tem risco. Não vejo risco no sistema imobiliário. A alta de preço é isolada. As pessoas compram casa para morar, não para especular. A bolha que nos ameaça é a bolha da presunção, achar que já conquistamos o mundo, que não precisamos de reforma, que seremos a bola da vez sempre.
Temos muitos problemas: infraestrutura, educação, burocracia, impostos. Ainda somos o décimo pior país em distribuição de renda.

Temos pela frente Copa, Olimpíada, pré-sal. O que fazer para evitar que se gaste e sobrem elefantes brancos?
Temos que evitar fazer tudo de última hora. Veja os aeroportos. Há dois anos discutimos, tem gente que acha ruim privatizar. Ruim é não ter aeroporto. Se fizermos tudo minimamente estruturado, dá para fazer coisas que fiquem.

A desaceleração da economia, depois de o PIB ter crescido 9% no primeiro trimestre, é definitiva?
O segundo trimestre foi mais fraco. O mundo se desacelerou, o consumo de commodities, as exportações, o investimento, mas isso vai mudar. No Brasil, o consumo arrefeceu porque as pessoas perderam temporariamente a vontade de comprar e a isenção de IPI acabou. Agora, isso vai se reverter, porque as pessoas têm renda.

A taxa básica de juros voltou a subir, para segurar a inflação. Podemos sonhar com taxa de novo abaixo de 10%?
Mas estamos avançando. Tínhamos juros de 45% em 1999. Vai cair, mas não amanhã. Sem reformas, levaremos de cinco a dez anos; com reformas, cinco.
O mercado vai pensar: "O governo terá menos deficit, logo os juros vão cair". Aí compra títulos de longo prazo com juros mais baixos, antecipando a queda.

O senhor identifica risco de o mundo mergulhar de novo em uma crise em 2011?
Não. Nos EUA e na Europa, não vai haver recessão nem crescimento como antes. Depois da crise, o crescimento foi rápido e não se manteve, aí veio decepção. Não sejamos bipolares. O que tinha antes era bolha, percepção de riqueza inexistente.
Estamos em uma parada para respirar. Os europeus estão rolando dívidas, fazendo ajustes fiscais. E os emergentes vão voltar melhor porque na China, na Índia e no Brasil temos mais projetos.

Qual é sua impressão sobre as propostas econômicas dos candidatos a presidente?
O país precisa de mais investimento em infraestrutura, melhorar a educação, fazer a reforma da Previdência. Nossa carga tributária é alta. Em diferentes graus, os candidatos vão procurar no Orçamento espaço para investir e formas de reduzir gastos correntes.

Todos se preocuparão com o gasto?
Não, mas em aumentar o investimento, sim, porque haverá pressão. Até porque não tem outra fonte. Poderia ser com recursos externos, mas há o deficit no balanço de pagamentos [saldo de todas as transações do país com o exterior].
Além disso, a população quer menos tributos. Isso será possível porque a arrecadação cresce com a legalização das empresas e a formalização dos trabalhadores. Há pressão contra o exagero dos gastos. E, quanto mais se reduzem os gastos, mais cai o juro.

O sr. vê risco de intervenção no BC?
Todo mundo está satisfeito com a autonomia de fato. Mas os governos não querem perder o poder de trocar o técnico se algo estiver errado. A sociedade também não percebeu a vantagem de ter um BC independente. Com autonomia de direito, caem os juros porque as desconfianças do mercado diminuem. Mas não vejo risco de retrocesso, por mais que os candidatos critiquem.